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NOTÁRIOS E REGISTRADORES AULA 1 Profª Natália Gonçalves da Rocha Loures Demchuk 2 CONVERSA INICIAL Iniciaremos esta aula abordando os institutos jurídicos de igual importância para todas as especialidades de serviços notariais e registrais, desenvolvendo as linhas gerais sobre a atividade, introduzindo o sistema, bem como suas previsões constitucionais, com enfâse na identificação dos agentes delegados e suas responsabilidades. TEMA 1 – PREVISÃO CONSTITUCIONAL E LEGAL DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES A função pública notarial e registral é privativa do Estado, mas, por força de uma previsão constitucional, é delegada a profissionais do direito, previamente aprovados por concurso público, a quem cabe exercê-la em caráter privativo. Os profissionais do direito, a quem são delegadas essas funções são chamados de notários e registradores e exercem suas funções dentro de serventias extrajudiciais. A responsabilidade em assegurar a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos é atribuída às serventias extrajudiciais. Em razão disso, exercem um importante papel para o desenvolvimento econômico e social do país. Como já exposto acima, os serviços extrajudiciais são delegados a um particular e fazem parte da administração pública como atividade jurídica. Sendo assim, sujeitam-se aos princípios do direito administrativo elencados no art. 37 da Constituição Federal, a saber: “Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência” (Brasil, 1988). Conforme ensina a professora El Debs (2018), a relevância dos objetivos institucionais e os reais benefícios dos cartórios extrajudiciais, na maioria das vezes, é visto de forma errada pela população, que enxerga esse serviço como marca da burocracia brasileira. Mas, desde a Constituição Federal de 1988, os serviços notariais e de registros públicos estão aumentando a sua competência em face de direitos fundamentais, colaborando ativamente para a prevenção e a solução de litígios, oferecendo segurança jurídica aos atos e fatos formalizados em virtude da sua competência. 3 A competência para legislar sobre registros públicos é privativa da União, e os ditames para os serviços notariais e de registro estão positivados no art. 236 da Constituição Federal: Art. 236. Os serviços notariais e de registro são exercidos em caráter privado, por delegação do Poder Público. § 1º Lei regulará as atividades, disciplinará a responsabilidade civil e criminal dos notários, dos oficiais de registro e de seus prepostos, e definirá a fiscalização de seus atos pelo Poder Judiciário. § 2º Lei federal estabelecerá normas gerais para fixação de emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro. § 3º O ingresso na atividade notarial e de registro depende de concurso público de provas e títulos, não se permitindo que qualquer serventia fique vaga, sem abertura de concurso de provimento ou de remoção, por mais de seis meses. (Brasil, 1988, grifo nosso). Do texto constitucional, é possível inferir que os serviços notariais e de registro são de caráter público, ou seja, a função é pública, mas são realizados em caráter privado por meio da delegação da função para um particular aprovado em concurso público. Por meio de delegação, o poder público transfere ao particular o exercício de determinada atividade que por ele deveria ser desempenhada. No caso, é atribuída a uma pessoa física, o notário ou o registrador, a prática de atos relativos às atividades notariais e de registro. O texto constitucional foi regulamentado por meio das leis federais n. 8.935/1994 e n. 10.169/2000. A Lei n. 8.935/1994 regulamentou os parágrafos primeiro e terceiro do art. 236 da Constituição Federal, conhecida como Lei dos Notários e Registradores (LNR) ou Estatuto dos Notários e Registradores. Essa lei dispõe sobre a natureza e fins dos serviços notariais e de registro (arts. 1º a 4º), tratando dos titulares dos serviços (art. 5º), suas atribuições e competências (arts. 6º a 13), da forma de ingresso na atividade (arts. 14 a 21), da responsabilidade civil e penal daí decorrente (arts. 22 a 24), das incompatibilidades e dos impedimentos (arts. 25 a 27), dos direitos e deveres funcionais (arts. 28 a 30), das infrações disciplinares e respectivas penalidades (arts. 31 a 36), da fiscalização exercida pelo poder Judiciário (arts. 37 e 38), da extinção da delegação (art. 39) e da seguridade social (art. 40) (Brasil, 1994). Já por intermédio da Lei n. 10.169/2000, foi regulamentado o parágrafo segundo do art. 236 do texto constitucional, estabelecendo as normas gerais para a fixação dos emolumentos relativos aos atos praticados pelos serviços notariais e de registro (Brasil, 2000). 4 A Lei n. 8.935/1994, fruto da regulamentação constitucional conforme explicitado acima, integra um conjunto de normas e princípios denominado de direito registral e notarial, estabelecendo noções para a correta interpretação dos preceitos que fazem parte dos ramos do sistema legal. Essa lei regulamenta a natureza e os fins das serventias notariais e de registro, das funções dos titulares dos serviços e de seus prepostos, das atribuições e competências, do ingresso na atividade, da responsabilidade civil e criminal, das incompatibilidades e impedimentos, dos direitos e deveres, das infrações disciplinares e das penalidades, da fiscalização pelo Poder Judiciário, da extinção da delegação, e por fim, da seguridade social. Cabe ressaltar que os fins dos serviços notariais e de registro estão previstos no art. 1º da Lei n. 6.015/1973, o qual refere que os registros públicos servem para dar autenticidade, segurança e eficácia aos atos jurídicos, bem como no art. 1º da Lei n. 8.935/1994, que assim prevê: “Art. 1º Serviços notariais e de registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos” (Brasil, 1994, grifo nosso). TEMA 2 – TITULARES DA SERVENTIA – AGENTES DELEGADOS Como analisado anteriormente, a delegação dos notários e registradores é constitucionalmente regulada pelo art. 236 da Constituição Federal, que legitima tal delegação, sendo amplamente tratada pela Lei n. 8.935/1994. Face ao disposto nos arts. 1º e 3º do Estatuto dos Notários e registradores, é possível conceituar o notário e o registrador como profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado a atribuição de cuidar da segurança, validade, eficácia e publicidade dos atos jurídicos. Dispõe o art. 3º: “Art. 3º Notário, ou tabelião, e oficial de registro, ou registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro.” (Brasil, 1994, grifo nosso). Como ensina o professor Loureiro (2019) em seu livro Registros Públicos: teoria e prática, ao mesmo tempo em que executam uma função pública delegada pelo Estado, também exercem uma profissão jurídica de natureza privada. Melhor explicando, os notários e os registradores exercem uma atividade de direito público, reservada ao Estado, mas são considerados uma pessoa fora da estrutura organizativa estatal. Essa posição peculiar é qualificada 5 dentro do conceito de “exercício privado de atividade pública” e que se dá quando exercem função certificadora ou autenticadora, conferindo veracidade aos fatos ocorridos em sua presença. Mas eles também são profissionais liberais e possuem liberdade para a gestão de suas serventias, assim como possuem, também, liberdade na contratação de empregados (Loureiro, 2019. p. 56). Logo, é possível concluir que onotário e o registrador não são funcionários públicos em sentido estrito. Como afirma Loureiro (2019, p. 56), “são tertium genus, uma vez que se posicionam entre o jurista estatal (magistrado, promotor de justiça, etc.) e o jurista privado (advogado, consultor jurídico)”. Portanto, como não são funcionários públicos em sentido estrito, os notários e registradores não ocupam cargo e sua remuneração é paga através dos emolumentos, não recebem salários ou remunerações dos cofres públicos e não estão sujeitos a regime especial de previdência social, apenas à previdência geral. Mas, em virtude da função pública delegada, seus atos são impugnáveis por mandado de segurança e estão sujeitos à disciplina das normas sobre improbidade administrativa. 2.1 Função delegada pelo Estado aos notários e registradores e a fé pública O Estado, quando delega a um particular o exercício da atividade notarial e de registro, transfere a este a responsabilidade de receber, checar e transpor para seus livros declarações, sejam elas orais ou escritas, relacionadas a fatos jurídicos e negócios jurídicos. Essa delegação é de natureza administrativa, sendo de responsabilidade do Poder Executivo ao particular, embora a fiscalização das serventias extrajudiciais seja de competência do Poder Judiciário. Cabe ressaltar que a delegação é, em regra, irrevogável, somente podendo ser revogada em poucas hipóteses legais, como o cometimento de falta grave por parte do agente delegado, por exemplo, a cobrança de valor superior de emolumentos previstos em lei. É importante observar que os notários e registradores são dotados de fé pública, que decorre da delegação do Estatal, de acordo com o previsto no art. 3º da Lei n. 8.935 de 1994, os atos praticados por esses agentes gozam de presunção relativa de veracidade, ou seja, enquanto não são contestados ou até prova em contrário, os atos presumem-se verdadeiros. 6 Sendo assim, a fé pública pode ser conceituada como uma certeza jurídica compulsiva à comunidade, ou seja, faz prova plena até que se prove o contrário, pois sua desconstituição somente se dará na via jurisdicional. Ao notário é delegada uma potestade, a de dar um testemunho qualificado, a ele transmitido pelo Estado. A fé pública é de titularidade do Estado que passa a sua executividade para um particular. Cabe a este ente fiscalizar a competência ou atribuição de velar pela paz social e pela segurança jurídica dos atos e negócios jurídicos praticados pela população e pelas pessoas que se encontram sob o seu poder. Como exemplifica o doutrinador Loureiro (2019), depreende-se dos textos constitucionais e legais que confeccionar documentos públicos, autenticar fatos e dar publicidade jurídica a determinados fatos e situações de relevo social constituem função do Estado. No entanto, a própria Constituição Federal dispõe que os serviços notariais e de registro são exercidos por pessoa física, em caráter privado, por delegação do poder público (art. 236 da CF) (Brasil, 1988). O Estado delega não propriamente as suas funções, mas o seu exercício. Trata- se de funções públicas desempenhadas não por funcionários públicos em sentido estrito, mas por agentes públicos na categoria de particulares em contribuição com a administração (Loureiro, 2019. p. 60). Em suma, na delegação da função notarial, o Estado transfere em caráter definitivo ao particular por meio de norma constitucional a competência exclusiva para dar forma à vontade jurídica das partes e autenticar fatos, conferindo à pessoa natural atribuições e poderes pertencentes ao próprio Estado, como é o caso da fé pública. Essa transferência é irrevogável, não se confundindo com o mero trespasse de execução de serviços públicos ou com contratos destinados à descentralização de serviços públicos. 2.2 Atribuições dos notários e registradores Conforme a Lei n. 8.935/1994, a principal atribuição do Tabelião de Notas é captar a vontade das partes, autenticar e dar veracidade a documentos, atos e fatos, conferindo fé pública aos atos por ele praticados. Nas palavras de El Debs (2018, p. 94), esse profissional do direito, ao ser procurado pelas partes, ouve-as, aconselha-as a fim de alcançar a melhor solução jurídica, confere o que é lícito, faz a devida identificação dos interessados, confere a capacidade jurídica das partes, atenta para que sejam satisfeitas eventuais exigências tributárias e, 7 assim, concretiza a vontade das partes no documento público chamado escritura pública. De acordo também com a Lei dos Notários e Registradores, o tabelião e o registrador devem valer pela autenticidade, publicidade, eficácia dos atos e negócios jurídicos dos particulares. Essas intervenções são de profunda relevância para a segurança jurídica das relações econômicas estabelecidas por particulares e para a própria movimentação jurídica de bens e direitos. A qualificação negocial, ou seja, o controle de legalidade dos atos e negócios jurídicos no qual interfere o notário e registrador também é uma de suas atribuições e exige um vasto conhecimento jurídico, não somente os de direito privado como também os de direito público, como o tributário e o ambiental. Por isso, o notário e o registrador são considerados profissionais do direito e não apenas agentes públicos limitados às regras do direito administrativo. Devem possuir conhecimentos jurídicos necessários, bem como atualizarem tal conhecimento, mediante estudo de novas leis, regulamentos e jurisprudência, conforme preceitua o art. 30, IV, da Lei n. 8935/1994. Outro ponto importante que deve ser comentado é o fato de os notários e registradores serem responsáveis pela segurança preventiva do Estado. Eles intervêm previamente na realização dos contratos e também irradiam efeitos desses negócios jurídicos pela publicidade registral. Em regra, controle prévio de segurança jurídica garante maior paridade contratual, por meio de igual acesso às informações sobre os efeitos e riscos do negócio jurídico e da assessoria jurídica prestada por um profissional imparcial. Com todas essas atribuições, pode ser alcançada a justiça contratual, a diminuição da litigiosidade, o cumprimento da lei, entre tantos outros benefícios. Da mesma forma, as características dos atos notariais e registrais – autenticidade, perenidade e conservação – são atributos que, quando preenchidos, alcançam a finalidade da segurança jurídica dos contratos celebrados entre particulares. Sendo assim, a autenticidade é caracterizada não apenas pela certeza da autoria do instrumento contratual, mas também pela fidelidade de seu conteúdo. Já a eficácia é a produção dos efeitos esperados pelos contratantes positivados no ordenamento jurídico. 8 Por fim, o doutrinador Fernandès (1993, p. 1) nos ensina que o documento notarial, que é a expressão concreta da função exercida pelo notário ou tabelião, é considerado essencial nos países de direito continental, essencial tanto para o indivíduo quanto para o Estado. Ao primeiro, é garantida uma verdadeira liberdade contratual, o consentimento livre com conhecimento de causa. Ao segundo ele oferece a segurança jurídica e a estabilidade do regime de direito. 2.3 Imparcialidade dos notários e registradores O notário e o registrador são profissionais imparciais e possuem como dever o de defender paritariamente os interesses de ambas as partes, sem qualquer tipo de privilégio. Para garantir essa imparcialidade, o art. 28 da Lei n. 8.935/1994 garante a independência dos agentes delegados, traduzida no direito de percepção de emolumentos integrais e, apenas, perda da delegação nas hipóteses previstas em lei e mediante o devido processo legal. Sendo assim, a imparcialidade protege as partes e os interessados no ato notarial e registral e, como ensina Loureiro (2019, p. 64), está em sintonia com as exigênciasmodernas do direito contratual que se caracteriza pela busca do equilíbrio entre as partes e pela proteção daquela considerada insuficiente. É justamente essa característica que diferencia o tabelião e o oficial de registro de outros profissionais liberais do direito e os converte no operador jurídico ideal para intervir na prevenção e resolução extrajudicial das controvérsias, como é o caso das atividades de conselho e mediação. TEMA 3 – COMPETÊNCIA DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES Competência pode ser definida como aptidão legal, material, territorial, temporal e pessoal de que dispõe uma autoridade para agir. A competência não se trata propriamente de um poder, pois na verdade é um dever, uma vez que, para cumprirem corretamente suas atividades em busca do interesse público, notários e registradores devem cumprir determinados deveres ou atribuições legais, o que implica a necessidade de se utilizar de certo poder. Logo, caímos na definição muito explorada pelo direito administrativo, no qual as competências são poderes-deveres atribuídos pelo Estado a seus órgãos e aos agentes neles investidos para que possam perseguir a finalidade da lei, ou seja, cumprimento dos interesses públicos. 9 Assim, a competência deriva diretamente da lei e significa a capacidade genérica para realizar determinadas atribuições legais. Em consonância com a doutrina administrativa e constitucional, as competências possuem as seguintes características: a. imprescritíveis; b. exercício obrigatório; c. irrenunciáveis; d. intransferíveis; e e. não passíveis de modificação por parte do titular. 3.1 Competência dos notários A competência dos notários está elencada no art. 6º da Lei n. 8.935/1994: Art. 6º Aos notários compete: I - formalizar juridicamente a vontade das partes; II - intervir nos atos e negócios jurídicos a que as partes devam ou queiram dar forma legal ou autenticidade, autorizando a redação ou redigindo os instrumentos adequados, conservando os originais e expedindo cópias fidedignas de seu conteúdo; III - autenticar fatos. (Brasil, 1994, grifo nosso). A competência notarial pode ser conceituada como as aptidões do notário de formalizar juridicamente a vontade das partes, intervindo nos atos e negócios jurídicos aos quais devam dar forma legal, bem como a de certificar ou autenticar fatos. Conforme se observa no mandamento legal, compete aos tabeliões de notas a lavratura de escrituras e procurações públicas, a lavratura de testamentos públicos conjuntamente com a aprovação dos cerrados, o reconhecimento de firma, autenticação de cópias e, por fim, a lavratura de atas notariais. Em consonância com o parágrafo único do art. 7º da Lei dos Notários e Registradores (Brasil, 1994), é facultado aos tabeliães de notas realizar todas as gestões e diligências necessárias ou convenientes ao preparo dos atos notariais, requerendo o que couber, sem ônus maiores que os emolumentos devidos pelo ato. Vimos que a importância do notário em assessorar as partes, atuando como agente jurídico imparcial e independente, sendo assim, uma espécie de mediador para que as partes possam realizar as negociações em igualdade e celebrar de forma correta o negócio jurídico pretendido. 10 Por fim, a lei supracitada positiva a livre escolha do tabelião de notas, qualquer que seja o domicílio das partes ou o lugar de situação dos bens objeto do ato ou negócio e o tabelião de notas não poderá praticar atos de seu ofício fora do município para o qual recebeu delegação. 3.2 Competência dos registradores O jurista Loureiro (2019, p. 85) ensina que o objetivo da atividade registral é a publicidade jurídica, ou seja, uma atividade dirigida a tornar conhecido um fato, uma situação ou uma relação jurídica de modo que produzam determinados efeitos em relação a terceiros. Em regra, seja qual for o serviço registral, a publicidade produz efeitos jurídicos materiais de prova plena e oponibilidade erga omnes (contra todos) dos fatos e situações jurídicas publicados ou mesmo requisito prévio para a constituição de direitos e outras situações jurídicas. Por fim, em nosso direito, a publicidade registral é um pressuposto de existência, de eficácia ou de exercício de alguns direitos e isso em função do tipo de direito ou o grau de segurança preventiva extrajudicial que o ordenamento jurídico arbitre. Como exemplos, podemos citar o Registro Civil das Pessoas Naturais que se destina à prova de fatos e atos jurídicos que dizem respeito à identidade e ao estado civil da população em geral. Por fim, as leis estaduais de organização judiciária são responsáveis por definir as regras de territorialidade em relação aos cartórios de registros. 3.3 Titulares de serviços notariais e de registro Os titulares da atividade notarial e de registro são chamados de notário, ou tabelião e oficial de registro ou registrador. Assim, notário ou tabelião são os titulares do tabelionato de notas e de protesto de títulos, enquanto oficial de registro ou registrador são os titulares do registro de pessoas naturais, de pessoas jurídicas, de imóveis, de títulos e documentos, de distribuição. O art. 5º da Lei n. 8.935/1995 define quais são os titulares de serviços notariais e de registro: I – tabeliães de notas; II – tabeliães e oficiais de registro de contratos marítimos; III – tabeliães de protesto de títulos; IV – oficiais de registro de imóveis; V – oficiais de registro de títulos e documentos e civis das pessoas jurídicas; 11 VI – oficiais de registro civis das pessoas naturais e de interdições e tutelas; VII – oficiais de registro de distribuição. (Brasil, 1994) TEMA 4 – DIREITOS DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES Os notários e oficiais de registro gozam de independência no exercício de suas atribuições, têm direito à percepção dos emolumentos integrais pelos atos praticados na serventia e só perderão a delegação nas hipóteses previstas em lei. Outros direitos previstos são o de exercer opção, nos casos de desmembramento ou desdobramento de sua serventia, e a de organizar associações ou sindicatos de classe e deles participar. Esses direitos estão intimamente ligados à independência funcional dos notários e registradores e pretendem conferir ao agente estatal maior segurança no exercício de suas atribuições previstas em lei, com imparcialidade, visando proteção contra pressões externas de partes que detenham maior poder político, econômico ou social. Neste tópico, vamos analisar os arts. 28 e 29 da Lei dos Notários e registradores, comentando os principais direitos aplicados aos notários e registradores. 4.1 A independência no exercício de suas atribuições De acordo com o referido art. 28 da Lei n. Lei n. 8.934/1994, quanto à forma de exercício da profissão, os notários e registradores são independentes no exercício de suas atribuições e somente perderão a delegação nas hipóteses excepcionais previstas em lei. A independência é encontrada apenas na autonomia da gestão da serventia, e não em relação às atribuições inerentes ao exercício da função, pois estas estão todas vinculadas à lei. Portanto a autonomia de gestão fica evidente na leitura do art. 21 da mesma lei, o qual estabelece que o gerenciamento é do titular, que, em nome próprio, responde por todos os efeitos pecuniários e administrativos relativos à atividade (Brasil, 1994). 12 4.2 Direito à percepção de emolumentos Outro direito previsto ao notário e ao registrador é a percepção de emolumentos, que nada mais é que a remuneração pelos serviços prestados ao particular. O art. 14 da Lei n. 6.015/73 estabelece a respeito: Art. 14 Pelos atos que praticarem, em decorrência desta Lei, os oficiais de registro terão direito, a título de remuneração, aos emolumentos fixados nos Regimentos de Custas do Distrito Federal, dos Estados e dos Territórios,os quais serão pagos, pelo interessado que os requerer, no ato de requerimento ou no da apresentação do título. Parágrafo único. O valor correspondente às custas de escrituras, buscas, averbações, registros de qualquer natureza, emolumentos e despesas legais constará, obrigatoriamente, do próprio documento, independentemente da expedição do recibo, quando solicitado. (Brasil, 1973, grifo nosso) O art. 236, parágrafo 2º, da Constituição Federal, confere competência legislativa para que a União disponha sobre normas gerais relativas a emolumentos devidos pelos serviços cartorários (Brasil, 1988). Nesse sentido, é que os estados membros podem legislar em caráter suplementar às leis da União que estabelecem normas gerais (art. 24, parágrafos 1º a 3º da Constituição Federal) (Brasil, 1988). Portanto, os emolumentos possuem suas regras gerais previstas em lei federal, Lei n. 10.169/2000, e as normas especificas são disciplinadas em leis estaduais. Essa lei exemplifica que cabe aos Estados e ao Distrito Federal fixação do valor dos emolumentos relativos aos atos praticados pelos respectivos serviços notariais e de registro, mas esse valor deve corresponder ao efetivo custo e à adequada e suficiente remuneração dos serviços prestados. Os valores dos emolumentos devem constar de tabelas acessíveis ao público e para a sua fixação devem ser levados em consideração a espécie de ato notarial e de registro e seu conteúdo, diferenciando situações jurídicas que possuem ou não valor econômico. Os emolumentos devidos aos serviços notariais e registrais possuem natureza tributária, são qualificados como taxas remuneratórias de serviços públicos. Sendo assim, devem respeitar as normas constitucionais relativas aos tributos, como a legalidade, isonomia e anterioridade. Conforme explicitado acima, a jurisprudência do STF também contribui para classificar as custas e emolumentos como espécies tributárias, 13 classificando-as como taxas. Nesse sentido, veja-se a ementa da ADI 1.624, de relatoria do Ministro Carlos Velloso: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CUSTAS E EMOLUMENTOS. LEI ESTADUAL QUE CONCEDE ISENÇÃO: CONSTITUCIONALIDADE. Lei 12.461, de 7.4.97, do Estado de Minas Gerais. I. Custas e emolumentos são espécies tributárias, classificando-se como taxas. Precedentes do STF. II. À União, ao Estado-membro e ao Distrito Federal é conferida competência para legislar concorrentemente sobre custas dos serviços forenses, restringindo-se a competência da União, no âmbito dessa legislação concorrente, ao estabelecimento de normas gerais, certo que, inexistindo tais normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades (C.F., art. 24, IV, §§ 1º e 3º). III. Constitucionalidade da Lei 12.461/97, do Estado de Minas Gerais, que isenta entidades beneficentes de assistência social do pagamento de emolumentos. IV. Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente. (Brasil, 2003) Por fim, o tabelião ou o registrador não pode cobrar das partes interessadas quaisquer outras quantias não expressamente previstas na tabela de emolumentos, por exemplo, o custo de transferências bancárias e o custo de retificação de erro imputável ao tabelião. 4.3 Direito de exercer a opção, no caso de desmembramento ou desdobramento de sua serventia O desmembramento está intimamente ligado ao território, importando na criação de nova serventia em razão da divisão do território. Em decorrência do desmembramento, cria-se uma nova serventia. Já no desdobramento, a própria atividade é separada, isto é, o oficial que respondia, por exemplo, pelo Registro Civil de Pessoas Naturais e Tabelionato de Notas, devido à separação destas serventias, passa a responder por apenas um deles. Em qualquer dos casos, quem escolhe se assume a nova serventia ou se permanece na já existente é o titular. O STF já pacificou o entendimento de que tanto o desmembramento quanto o desdobramento das serventias, com a consequente criação de um novo serviço, somente podem ser efetuados por meio de lei formal. Passamos para a análise do acórdão. AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. RESOLUÇÕES 2, DE 2.6.2008, e 4, de 17.9.2008, DO CONSELHO SUPERIOR DA MAGISTRATURA DO ESTADO DE GOIÁS. REORGANIZAÇÃO ADMINISTRATIVA DE CARTÓRIOS EXTRAJUDICIAIS, PREVIAMENTE CRIADOS POR LEI ESTADUAL, MEDIANTE ACUMULAÇÃO E DESACUMULAÇÃO DE SEUS SERVIÇOS. 14 ESTABELECIMENTO DE REGRAS GERAIS E BEM DEFINIDAS, ATÉ ENTÃO INEXISTENTES, PARA A REALIZAÇÃO, NO ESTADO DE GOIÁS, DE CONCURSOS UNIFICADOS DE PROVIMENTO E REMOÇÃO NA ATIVIDADE NOTARIAL E DE REGISTRO. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ART. 236, CAPUT E § 1º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E AOS PRINCÍPIOS DA CONFORMIDADE FUNCIONAL, DA RESERVA LEGAL, DA LEGALIDADE E DA SEGURANÇA JURÍDICA. PROCEDÊNCIA PARCIAL DO PEDIDO FORMULADO NA INICIAL. [...]4. A despeito da manutenção do número absoluto de cartórios existentes nas comarcas envolvidas, todos previamente criados por lei estadual, a recombinação de serviços notariais e de registro levada a efeito pela Resolução 2/2008, do Conselho Superior da Magistratura do Estado de Goiás, importou não só em novas e excessivas acumulações, como também na multiplicação de determinados serviços extrajudiciais e no inequívoco surgimento de serventias até então inexistentes. 5. A substancial modificação da organização judiciária do Estado de Goiás sem a respectiva edição da legislação estadual pertinente violou o disposto no art. 96, II, d, da Constituição Federal. Declaração de inconstitucionalidade da íntegra da Resolução 2/2008, do Conselho Superior da Magistratura do Estado de Goiás. Modulação dos efeitos da decisão, nos termos do art. 27 da Lei 9.868/99, para a preservação da validade jurídica de todos os atos notariais e de registro praticados pelas serventias extrajudiciais que tiveram suas atribuições eventualmente modificadas durante a vigência do ato normativo ora examinado. (Brasil, 2011) 4.4 Direito de associação Por fim, a lei prevê o direito de organizar associações ou sindicatos de classe e deles participar. Trata-se de norma constitucional que garante a todos os indivíduos o direito de se associar e de se manter ou não associado. Existem várias associações e sindicatos atualmente no Brasil. As mais conhecidas são a Associação dos Notários e Registradores do Brasil (Anoreg/BR), o Instituto dos Registradores Imobiliários do Brasil (Irib), a Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais (Arpen-Brasil), o Colégio Notarial do Brasil. TEMA 5 – DEVERES DOS NOTÁRIOS E REGISTRADORES A titularidade de um serviço impõe ao agente delegado uma série de deveres funcionais, alguns definidos expressamente em lei, outros implícitos na função exercida. Além dos deveres previstos no art. 30 da Lei dos Notários e Registradores, os notários também devem observar as normas básicas de proteção e defesa dos usuários dos serviços públicos prestados pela administração pública direta e indireta, como também deve ser de observância obrigatória o Estatuto da Pessoa com Deficiência, que estabelece vários deveres dos notários e registradores, de modo a assegurar a igualdade de tratamento e 15 de tutela dos direitos de tais pessoas com as demais. O agente delegado em sua serventia deve estabelecer atendimento prioritário às pessoas com deficiência em local com ampla mobilidade, adquirir tecnologias assistivas que permitam ao portador de deficiência declarar sua vontade de modo inteligível e seguro. Quanto aos deveres dos notários e registradores, o art. 30 enumera vários. Vejamos, a seguir, os que mais se destacam. 5.1 Manter em ordem os livros, papéis e documentos de sua serventia, guardando-os em locais seguros O dever em voga decorre da própria atividade, isto é, o titular da serventia realiza um serviço público relacionado ao interesse privado da população, serviçoque está com o agente delegado por determinação legal. O notário não é dono dos livros e papéis, os quais estão apenas sob a sua guarda, uma vez que esses documentos são do Estado. Nas palavras de Loureiro (2019, p. 85), deve o notário conservá-los, como se fosse o próprio Estado, sob pena de responsabilidade. 5.2 Atender às partes com eficiência, urbanidade e presteza Eficiência consiste em cumprir aquilo que a lei determina em prazo razoável. Urbanidade é o tratamento educado e atencioso por parte do tabelião. Portanto, o notário deve prestar seus serviços toda vez que solicitado, dentro dos limites de sua competência, sempre agindo com eficiência, urbanidade e presteza. 5.3 Guardar sigilo sobre a documentação e os assuntos de natureza reservada de que tenham conhecimento em razão do seu exercício O sigilo profissional é um dever fundamental do notário e tem duplo fundamento. Significa a impossibilidade de o notário e o registrador divulgarem informações sem que tenham sido solicitadas, assim como o cidadão que procura um serviço notarial e registral fique tranquilo quanto ao assunto confidenciado ao agente delegado. O tabelião é obrigado a guardar segredo profissional sobre os atos em que intervém e é obrigado a exigir a mesma conduta de seus prepostos. Por fim, 16 o sigilo abrange todos os fatos e informações que chegarem ao conhecimento do notário no exercício de suas funções. 5.4 Fiscalizar o recolhimento dos impostos incidentes sobre os atos que devem praticar: os notários e registradores são obrigados a verificar o recolhimento tributário Cabe aos agentes delegados verificar, nos casos previstos em lei, se foram recolhidos os tributos devidos para a prática de atos e negócios jurídicos, como a transferência de bens imóveis entre vivos ou causa mortis. Não cabe ao notário avaliar se o montante do imposto está correto ou não, mas somente se houve o recolhimento por meio da apresentação da guia apropriada. FINALIZANDO Neste tópico, vamos analisar algumas normas estaduais que colocam em prática tudo o que foi ensinado acima, como a organização técnica e administrativa das serventias e as vedações atribuídas aos agentes delegados. Vamos começar com o Código de Normas do Estado do Paraná: Art. 2º Serviços Notariais e de Registro são os de organização técnica e administrativa destinados a garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos. Art. 3º É vedada a prática de ato notarial e registral fora do território da circunscrição para a qual o agente recebeu delegação. Art. 4º É vedada a recusa injustificada ou o atraso na prática de qualquer ato de ofício, ensejando à parte reclamar ao Juiz Corregedor do Foro Extrajudicial, o qual, após ouvir o agente delegado, tomará as medidas cabíveis. Art. 5º É vedada a prática de propaganda comercial por parte das Serventias, ressalvadas as de cunho meramente informativo, como a divulgação da denominação da Serventia, seu endereço, a natureza e finalidade dos atos praticados e a composição da respectiva equipe de trabalho. Art. 7º É vedada aos Agentes Delegados a realização de qualquer trabalho que não seja peculiar às suas atribuições e ao ato que estiverem praticando, ficando terminantemente proibida a confecção de instrumentos particulares. IV - garantir que seja dispensado atendimento prioritário a pessoas portadoras de necessidades especiais ou com mobilidade reduzida e às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, gestantes e lactantes, mediante garantia de lugar privilegiado em filas, distribuição de senhas com numeração adequada ao atendimento preferencial, alocação de espaço para atendimento exclusivo no balcão ou implantação de outro serviço de atendimento personalizado. No Serviço de Registro de Imóveis, o atendimento prioritário não dará ensejo à antecipação de protocolo para efeitos de preferência legal. (Paraná. 2013, grifo nosso) 17 Passamos, agora, ao estudo da parte geral Código de Normas do Estado do Santa Catarina: Art. 432. As serventias serão assim identificadas: I – Tabelionato de Notas; II – Tabelionato de Protesto; III – Ofício de Registro de Imóveis; IV – Ofício de Registros Civis das Pessoas Naturais e de Interdições e Tutelas; V – Ofício de Registros Civis das Pessoas Jurídicas e de Títulos e Documentos; e VI – Escrivania de Paz. § 1º Fica vedada a adoção de nome fantasia ou logomarca, e pode constar, em menor destaque e logo abaixo da identificação da serventia, o nome do notário ou oficial de registro e as atribuições legais. § 2º As denominações poderão ser agrupadas e deverão estar acompanhadas da indicação da comarca, da circunscrição, do município, do distrito e do subdistrito, dependendo do caso. Art. 439. Os conceitos de horário de expediente das serventias extrajudiciais e de horário de atendimento ao público são diversos e não se confundem. (redação alterada por meio do Provimento n. 5, de 31 de maio de 2017) Parágrafo único. O horário de expediente das serventias extrajudiciais e o horário de atendimento ao público observarão ato normativo do Conselho da Magistratura. (redação acrescentada por meio do Provimento n. 5, de 31 de maio de 2017). (Santa Catarina, 2013, grifo nosso) Portanto, na prática, cada norma estadual vai disciplinar como será o funcionamento das serventias extrajudiciais, podendo até mesmo ampliar as responsabilidades dos agentes delegados. Na aula de hoje, foram abordados os temas referentes à previsão constitucional da delegação das serventias aos notários e registradores, assim como suas competências e responsabilidades. Esclarecendo que a função pública notarial e registral é privativa do Estado, mas que, por força de uma previsão constitucional, é delegada a profissionais do direito, previamente aprovados por concurso público, a quem cabe exercê-la em caráter privativo. Os profissionais do direito a que são delegadas tais funções são chamados de notários e registradores, os quais exercem suas funções dentro de serventias extrajudiciais. 18 REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 5 out. 1988. ______. Lei n. 8.935, de 18 de novembro de 1994. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 21 nov. 1994. _____. Lei n. 6.015, de 31 de dezembro de 1973. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 31 dez. 1973. _____. Lei n. 10.169, de 29 de dezembro de 2000. Diário Oficial da União, Poder Legislativo, Brasília, DF, 30 dez. 2000. _____. STF – Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade. n. 0005198-08.2008.0.01.0000. Origem: Goiás. Relator: min. Ellen Gracie. DJE 20 set. 2011. _____. ADI 1624 MG, Relator Min. Carlos Velloso. Data do Julgamento 8 de maio de 2003, Tribunal Pleno, DJ, 13 jun. 2003. EL DEBS, M. Direito notarial e registral. 3. ed. Salvador: JusPodivm, 2018. FERNANDÈS, J. P. Ouverture des rencontres. Lex Journaux Judiciaires Associes, n. 77, 1993. LOUREIRO, L. G. Registros públicos – Teoria e prática. 10. ed. Salvador: Editora Juspodivm, 2019. PARANÁ. Provimento n. 249, de 30 de setembro de 2013, E-DJ n. 1.207, 15 out. 2013. SANTA CATARINA. Provimento CGJ N. 10, de 8 de novembro de 2013. In: SANTA CATARINA. Código de normas do Foro Extrajudicial do Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina. Florianópolis: Tribunal de Justiça, 2019.