Prévia do material em texto
Avenida Joaquim Nabuco, nº. 1270 – Bairro: Centro, CEP 69020-030. Fone: (92) 3212-5082. CURSO DE DIREITO TEORIA DO CRIME TEORIA DO CRIME Prof. Wilian Sapito Jr. CRIMES CONTRA A HONRA: 1. INTRODUÇÃO: O Código Penal prevê três crimes contra a honra: calúnia (art. 138 CP), difamação (art. 139 CP), e injúria (art. 140 CP). 2. FUNDAMENTO CONSTITUCIONAL E CONCEITO DE HONRA: Fundamento constitucional: A honra é direito fundamental do ser humano, conforme art. 5º, X, CF. Este dispositivo é o fundamento constitucional dos crimes contra a honra. Conceito de Honra: é o conjunto de atributos físicos, morais e intelectuais de uma pessoa, que a tornam merecedora de respeito no meio social (honra objetiva) e promovem a sua autoestima (honra subjetiva). 3. Espécies de honra: a) Honra objetiva: é a visão que os demais membros da sociedade têm acerca de uma determinada pessoa. Trata-se do julgamento que as pessoas fazem de alguém. Obs: A calúnia e a difamação são crimes que atingem a honra objetiva. Esses crimes se consumam quando a ofensa chega ao conhecimento de terceira pessoa. Não basta chegar apenas ao conhecimento da vítima. b) Honra subjetiva: é o que a própria pessoa pensa acerca de seus atributos físicos, morais e intelectuais. A injúria atinge a honra subjetiva. A honra subjetiva se subdivide em: b.1 Honra-dignidade – Diz respeito aos atributos morais de uma pessoa. Exemplo: chamar alguém de desonesto. Avenida Joaquim Nabuco, nº. 1270 – Bairro: Centro, CEP 69020-030. Fone: (92) 3212-5082. CURSO DE DIREITO TEORIA DO CRIME b.2 Honra-decoro – Diz respeito aos atributos físicos e intelectuais de alguém. Exemplo: chamar alguém de feia e burra. Obs: Na injúria, não há imputação de fato. A injúria se consuma quando a ofensa chega ao conhecimento da vítima. Outras classificações doutrinárias: c) Honra comum: Honra comum é aquela inerente a todas as pessoas, a todos os seres humanos, independentemente da atividade profissional que ela exerce. d) Honra especial (ou profissional): Honra especial diz respeito a uma atividade profissional exercida pela vítima. Exemplo: chamar um cirurgião de “açougueiro”. 4. Calúnia (art. 138 CP): Art. 138 CP: “Caluniar alguém, imputando-lhe falsamente fato definido como crime: Pena - detenção, de seis meses a dois anos, e multa.” 4.1 Conceito: A calúnia consiste em imputar falsamente a alguém fato definido como crime. A calúnia também é chamada pela doutrina de “difamação qualificada”. Isso porque a difamação é o ato de imputar um fato ofensivo à reputação da vítima. Na calúnia, este fato ofensivo possui natureza criminosa. Assim sendo, pode-se dizer que a calúnia é a difamação qualificada. A calúnia é infração penal de menor potencial ofensivo e, portanto, é crime de competência do juizado especial criminal. Este tipo penal tem redação redundante. O tipo penal deveria estar redigido da seguinte forma: “imputar falsamente a alguém fato definido como crime.” 4.2. Objetividade jurídica: A calúnia é crime que atinge a honra objetiva. Avenida Joaquim Nabuco, nº. 1270 – Bairro: Centro, CEP 69020-030. Fone: (92) 3212-5082. CURSO DE DIREITO TEORIA DO CRIME 4.3 Objeto material: O objeto material da calúnia é a pessoa cuja honra é ofendida pela conduta criminosa. Em princípio, a pessoa atingida é a pessoa física. Entretanto, em alguns casos, também é possível atingir a pessoa jurídica. 4.4 Núcleo do tipo: O núcleo do tipo é “caluniar”. Como já dito, o legislador foi redundante. ✓ O núcleo do tipo deveria ser o verbo “imputar”. ✓ Imputar, no contexto da calúnia, é atribuir falsamente a prática de um crime a alguém. ✓ No crime de calúnia, a imputação é de fato definido como crime, qualquer que seja a sua espécie (pode ser doloso, culposo, hediondo, de ação penal pública ou privada etc.). Observações Sapitinhos e Sapitinhas: É necessário que a imputação diga respeito a um fato determinado. A imputação deve ser concreta, indicando o fato, o autor, a vítima do crime, a data do crime etc. Exemplo: se “A” diz que “B” é ladrão, isso, por si só, não é crime de calúnia (mas sim de injúria). Entretanto, se “A” afirma que “B” roubou x, na rua y, no dia xx/xx, do modo z, trata-se de um fato determinado e, portanto, haverá calúnia. Além de fato determinado, deve se tratar de fato verossímil, ou seja, fato possível e que ostente credibilidade. Exemplo: se “A” diz que “B” furtou o sol, isso não é verossímil. O fato deve ser atribuído a pessoa certa e determinada ou determinável. Só se fala em calúnia quando a imputação é dirigida a pessoa certa e determinada (ou que, pelo menos, possa ser determinada). Atenção Sapitinho e Sapitinha, a faculdade não vai te ensinar isso: A imputação falsa de contravenção penal – Questão: Há crime de calúnia na imputação falsa de contravenção penal? Não. Avenida Joaquim Nabuco, nº. 1270 – Bairro: Centro, CEP 69020-030. Fone: (92) 3212-5082. CURSO DE DIREITO TEORIA DO CRIME A imputação falsa de um fato definido como contravenção penal caracteriza a difamação. ✓ O art. 138 do CP cita a palavra “crime” de modo estrito. Logo, não há calúnia na imputação falsa de contravenção penal. ✓ A imputação falsa de contravenção penal não deixa de ser um fato ofensivo à reputação da vítima. Assim sendo, neste caso, há o crime de difamação. 4.5 Elemento normativo do tipo: o elemento normativo é aquele cuja compreensão reclama um juízo de valor do intérprete do Direito Penal. O tipo penal da calúnia contém um elemento normativo: trata-se da palavra “falsamente”. Assim, na calúnia, deve ser falsa a imputação do fato definido como crime. Não há calúnia na imputação de um fato criminoso verdadeiro. Desta forma, a falsidade da imputação é elementar do crime de calúnia. A falsidade da imputação pode recair: a) sobre o fato imputado à vítima: Neste caso, o fato imputado nunca existiu. Exemplo: “A” diz que “B” furtou a casa x, localizada na Rua Y. Entretanto, o fato nunca existiu. Assim, a falsidade recai sobre o próprio fato imputado à vítima da calúnia. b) sobre o envolvimento da vítima no fato: Neste caso, o fato imputado existiu, mas a vítima da calúnia não se envolveu naquele fato. Exemplo: “A” diz que “B” furtou a casa x, localizada na Rua Y. O furto, de fato, ocorreu. Entretanto, “A” sabe que “B” não participou do crime. Neste caso, a falsidade recai sobre o envolvimento no fato criminoso. O crime de calúnia é estritamente doloso. Não se admite a calúnia culposa. Assim sendo, se o agente faz a imputação falsa, mas estava de boa-fé, não há crime de calúnia. Exemplo: “A” acreditava sinceramente que a imputação era verdadeira, mas ela era falsa. Neste caso, não há crime algum. Avenida Joaquim Nabuco, nº. 1270 – Bairro: Centro, CEP 69020-030. Fone: (92) 3212-5082. CURSO DE DIREITO TEORIA DO CRIME 4.6 Formas de calúnia: a) Inequívoca ou explícita: a calúnia inequívoca ou explícita é aquela ofensa direta. Neste caso, o agente deixa clara a vontade dele em ofender a honra alheia. Exemplo: “A” diz que “B” roubou a casa x na noite anterior. “A” aponta “B” como o criminoso, citando o seu nome e todos os objetos que ele roubou. b) Equívoca ou implícita: a calúnia equívoca ou implícita é aquela feita de forma discreta/sub-reptícia. Exemplo: em uma conversa em que falavam sobre o carro novo do promotor “A”, “B” diz que também teria dinheiro para comprá-lo se tivesse arquivado o inquérito policial contra o empresário x. c) Reflexa: neste caso, ao caluniar uma pessoa, o agente acaba, por reflexo, caluniando também uma outra pessoa. Exemplo: imagine que “A” afirme que o policial “B” teria recebido R$ 1 mil de “C” para não lavrar as multas de trânsito ou não ter o carro apreendido. Neste caso, o agente (“A”), ao atribuir a “B” o crime de corrupção passiva, indiretamenteatribuiu a “C” o crime de corrupção ativa. 4.7 Consumação: Como visto anteriormente, trata-se de crime que atinge a honra objetiva. Ou seja, o crime de calúnia se consuma quando a imputação falsa de um fato definido como crime chega ao conhecimento de terceira pessoa. ✓ Não basta que o crime chegue ao conhecimento da vítima. É necessário que chegue ao conhecimento de terceira pessoa. ✓ Para a consumação, basta que o fato chegue ao conhecimento de uma única pessoa. 4.8 Tentativa: Questão da OAB: É cabível a tentativa de calúnia? Avenida Joaquim Nabuco, nº. 1270 – Bairro: Centro, CEP 69020-030. Fone: (92) 3212-5082. CURSO DE DIREITO TEORIA DO CRIME Depende do meio de execução. Tradicionalmente, a doutrina sempre afirmou que, se a calúnia for verbal, não cabe tentativa. Se a calúnia for feita de modo escrito, porém, é possível a tentativa, como no clássico exemplo da carta que é extraviada e não chega ao destinatário. Atenção Sapitinhos e Sapitinhas, aqui faço uma ressalva: apesar dessa concepção tradicional da doutrina, é também possível a tentativa de calúnia verbal (dependendo do caso concreto). Exemplo: calúnia a ser realizada por meio de ligação telefônica ou chamada de vídeo. Ao iniciar a prática do crime, a ligação cai ou o agente perde a conexão de internet. 4.9 Subtipo da calúnia: art. 138, § 1º, do CP. No art. 138, §1º do CP, há uma figura chamada de subtipo da calúnia. Art. 138, §1º, CP: “Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala ou divulga.” ✓ O subtipo da calúnia (art. 138, §1º, CP) só admite o dolo direto. ✓ Propalar é relatar verbalmente. Divulgar é relatar o fato por qualquer outro meio (exemplos: por escrito, por gestos etc.). ✓ Trata-se do crime daquele que, ao tomar conhecimento da calúnia e mesmo sabendo que a imputação é falsa, dá continuidade a ela. Esse crime se consuma quando a propalação ou divulgação chega ao conhecimento de uma outra pessoa (basta uma única pessoa). 4.10. Calúnia contra os mortos: art. 138, § 2º, CP. Art. 138, §2º: “É punível a calúnia contra os mortos.” ✓ Esse dispositivo alcança apenas o crime de calúnia. Não existe um dispositivo análogo na difamação e na injúria. Avenida Joaquim Nabuco, nº. 1270 – Bairro: Centro, CEP 69020-030. Fone: (92) 3212-5082. CURSO DE DIREITO TEORIA DO CRIME Questão da OAB: Quem é a vítima desse crime? A vítima não é o morto, pois ele não é mais titular de direitos. As vítimas dessa calúnia são os familiares do morto que têm interesse em preservar o nome e a reputação do falecido. ✓ Quando se fala em calúnia contra os mortos, a imputação deve ser relacionada à pessoa enquanto estava viva. Exemplo: no enterro de “A”, “B” começa a contar que foi “A” que estuprou a menina X, na rua Y, no dia XX. Neste caso, há ofensa aos familiares de “A”. 4.11. Calúnia e denunciação caluniosa – distinções: Tanto a calúnia quanto a denunciação caluniosa se caracterizam pela ofensa à honra objetiva de alguém. Diferenças periféricas: ✓ A calúnia é crime contra a honra. A denunciação caluniosa é crime contra a administração pública, especificamente, é crime contra a administração da justiça. ✓ A calúnia, em regra, é crime de ação penal privada. A denunciação caluniosa, por sua vez, sempre será crime de ação penal pública incondicionada. ✓ Na calúnia, somente se admite a imputação falsa de crime. Na denunciação caluniosa, admite-se a imputação falsa de crime e de contravenção penal. A denunciação caluniosa encontra-se disciplinada no art. 339, CP. Antes da alteração trazida pela Lei 14,110/2020, apenas se falava em crime. “Art. 339 do CP: “Dar causa à instauração de inquérito policial, de procedimento investigatório criminal, de processo judicial, de processo administrativo disciplinar, de inquérito civil ou de ação de improbidade administrativa contra alguém, imputando-lhe crime, infração ético-disciplinar ou ato ímprobo de que o sabe inocente: (Redação dada pela Lei nº. 14.110, de 2020) Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa. Avenida Joaquim Nabuco, nº. 1270 – Bairro: Centro, CEP 69020-030. Fone: (92) 3212-5082. CURSO DE DIREITO TEORIA DO CRIME § 1º - A pena é aumentada de sexta parte, se o agente se serve de anonimato ou de nome suposto. § 2º - A pena é diminuída de metade, se a imputação é de prática de contravenção.” ✓ A calúnia é crime contra a honra e se esgota na ofensa à honra alheia. Na denunciação caluniosa (crime contra a Administração Pública), o agente se vale de uma calúnia para movimentar o aparato estatal contra a vítima. Assim sendo, a denunciação caluniosa não se esgota no ato de atacar a honra alheia.