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COMA E ALTERAÇÕES DA CONSCIÊNCIA P R O F . V I C T O R F I O R I N I Estratégia MED NEUROLOGIA Prof. Victor Fiorini| Coma e Alterações da Consciência 2 APRESENTAÇÃO PROF. VICTOR FIORINI Muito prazer, sou Victor Fiorini! Sou graduado em Medicina pela Escola Paulista de Medicina da UNIFESP. Fui aprovado no Vestibular da FUVEST em 1998 e me formei em 2003. Em seguida, fui aprovado na Residência de Clínica Médica da UNIFESP, cursando 2 anos e obtendo o título de Especialista em Clínica Médica por meio da Prova de Título. Concluí a Residência no início de 2006 e prestei prova para a Residência de Neurologia Clínica no Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP, na UNIFESP, na FMUSP-Ribeirão Preto e no Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo, tendo sido aprovado em todas elas. Cursei os dois anos da Residência de Neurologia no HCFMUSP, onde escolhi fazer o terceiro ano opcional em Neurologia Geral. Ao final da Residência, fui convidado para entrar na equipe do Prof. Dr. Eduardo Mutarelli, professor da USP e autor do consagrado livro de Propedêutica Neurológica. Nessa época, passei a ter contato com a medicina de ponta, atendendo pacientes nos melhores hospitais de São Paulo: Hospital Israelita Albert Einstein, Hospital Sírio-Libanês e Hospital Alemão Oswaldo Cruz. Estratégia MED Prof. Victor Fiorini| Coma e Alterações da Consciência 3NEUROLOGIA Vimos casos muito complexos, de pacientes vindos do Brasil inteiro, até mesmo de outros países. A exigência era grande! Era preciso manter-se atualizado. Ao mesmo tempo, como a estrutura desses hospitais é excelente, ficávamos felizes em poder oferecer o melhor tratamento para nossos pacientes! Trabalhar nessa equipe foi uma grande escola. Muito do que aprendemos como médicos vem da nossa experiência fora da universidade, na chamada “vida real”, em que não há preceptor e você acaba sendo o único responsável pelo seu paciente. Obviamente, as bases para um desempenho seguro são adquiridas na Residência Médica, não havendo lugar e oportunidade melhor para aprendermos. É por isso que estamos aqui, juntos, não é mesmo? Fui plantonista do Pronto-Socorro dos Hospitais Albert Einstein e Santa Catarina, nas áreas de Neurologia e Clínica Médica, e no Hospital São Camilo, como neurologista. Posteriormente, participei como Neurologista Voluntário dos Ambulatórios de Toxina Botulínica e Neuro-Sono, na UNIFESP. Fiquei no grupo da Neuro-Sono entre 2009 e 2014. Em 2011, fui convidado para substituir um colega que dava aulas em um tradicional curso para Residência Médica. Lá, tive mais contato com esse mundo e adquiri uma grande experiência no assunto. Escrevi o material teórico e comentei questões de provas de todo o Brasil. Em 2012, passei a lecionar, escrever apostilas e comentar questões de Neurologia em mais um curso preparatório para a Residência Médica. Fortaleci minha experiência como professor de Neurologia para a Residência Médica. Já tive o prazer de ser reconhecido por colegas que fizeram esses dois cursos e, felizmente, foram aprovados! Temos até uma professora do Estratégia MED que foi minha aluna em um desses cursos! Desde 2013, sou professor de Neurologia do Curso de Medicina do Centro Universitário São Camilo, tendo sido escolhido como professor homenageado quatro vezes desde então. Não é fácil para um professor de Neurologia, modéstia à parte, conseguir agradar os alunos! Acredito que a receita para essa conquista seja a empatia que tento cultivar e a dedicação ao trabalho. Em 2014, passei a dar aulas de pós-graduação em Neurologia para o IPEMED. Trata-se de uma instituição que possui filiais em algumas capitais do Brasil. Viajei muito para manter minha paixão pelo ensino viva! Mais recentemente, outras instituições convidaram-me para ministrar aulas de Pós- Graduação: a de Emergências Clínicas do Albert Einstein e a da Associação Brasileira de Medicina de Urgência (ABRAMURGEM). Mesmo assim, não abandonei a clínica. Atendo em meu consultório particular e faço ambulatório no bairro da Mooca para um convênio chamado Saúde São Cristóvão, em que o público tem, em média, 80 anos de idade! Então, agora que vocês sabem um pouco sobre mim, está na hora de trabalhar! Este material foi preparado com extremo cuidado, zelo e carinho para tornar seu caminho para a Residência Médica mais fácil e seguro! @estrategiamed /estrategiamed Estratégia MED t.me/estrategiamed @estrategiamed https://www.instagram.com/estrategiamed/ https://www.facebook.com/estrategiamed1 https://www.youtube.com/channel/UCyNuIBnEwzsgA05XK1P6Dmw https://t.me/estrategiamed https://t.me/estrategiamed https://www.tiktok.com/@estrategiamed Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 4 SUMÁRIO INTRODUÇÃO 7 1.0 CONCEITOS E FISIOPATOLOGIA 8 1.1 O SISTEMA ATIVADOR RETICULAR ASCENDENTE 8 1.2 DEFINIÇÕES 10 2.0 AVALIAÇÃO CLÍNICA 11 2.1 ESCALAS DE AVALIAÇÃO DO NÍVEL DE CONSCIÊNCIA 11 2.1.1 ESCALA DE COMA DE GLASGOW 11 2.1.2 ESCALAS DE SEDAÇÃO DE RAMSAY E COMFORT 16 2.2 AVALIAÇÃO DAS PUPILAS E FUNDO DE OLHO 17 2.3 MOTRICIDADE OCULAR EXTRÍNSECA 21 2.4 PADRÃO DE RESPOSTA MOTORA 23 2.5 PADRÃO RESPIRATÓRIO 24 2.6 DIAGNÓSTICO TOPOGRÁFICO 28 2.6.1 CAUSAS FOCAIS (SUPRA E INFRATENTORIAIS) 29 2.6.2 CAUSAS DIFUSAS (TÓXICAS E METABÓLICAS) 31 3.0 INVESTIGAÇÃO E CONDUTA INICIAL 32 4.0 ENCEFALOPATIA DE WERNICKE-KORSAKOFF 34 4.1 FATORES PREDISPONENTES 34 4.2 FISIOPATOLOGIA 34 4.3 QUADRO CLÍNICO 35 4.4 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL 37 4.5 TRATAMENTO 40 5.0 ESTADO CONFUSIONAL AGUDO (DELIRIUM) 43 5.1 FISIOPATOLOGIA 43 5.2 FATORES DE PREDISPONENTES E PRECIPITANTES 44 Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 5 5.3 QUADRO CLÍNICO 47 5.4 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS 48 5.5 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL 51 5.6 INVESTIGAÇÃO 54 5.7 TRATAMENTO 55 5.7.1 TRATAMENTO NÃO FARMACOLÓGICO 55 5.7.2 TRATAMENTO FARMACOLÓGICO 55 6.0 HIPERTENSÃO INTRACRANIANA 57 6.1 FISIOPATOLOGIA 58 6.2 QUADRO CLÍNICO 62 6.3 HERNIAÇÕES CEREBRAIS 63 6.4 DESCOMPENSAÇÃO DA HIPERTENSÃO INTRACRANIANA 65 6.5 MONITORIZAÇÃO CEREBRAL NA HIPERTENSÃO INTRACRANIANA 65 6.6 TRATAMENTO DA HIPERTENSÃO INTRACRANIANA 67 6.6.1 TRATAMENTO INICIAL 67 6.6.2 TRATAMENTO ESPECÍFICO 67 6.6.2.1 SANGUE VENOSO 67 6.6.2.2 LÍQUOR 68 6.6.2.3 SANGUE ARTERIAL 68 6.6.2.3.1 HIPERVENTILAÇÃO 68 6.6.2.3.2 SEDAÇÃO E ANALGESIA 69 6.6.2.3.3 HIPOTERMIA 69 6.6.2.4 PARÊNQUIMA CEREBRAL 69 6.6.2.4.1 SALINA HIPERTÔNICA E MANITOL 69 6.6.2.4.2 OUTRAS INTERVENÇÕES 70 7.0 MORTE ENCEFÁLICA 72 7.1 PRÉ-REQUISITOS 72 7.2 EXAME CLÍNICO 75 7.3 TESTE DA APNEIA 77 Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 6 7.4 EXAMES COMPLEMENTARES 77 7.5 TORMENTA SIMPÁTICA E HIPOTENSÃO ARTERIAL NO POSSÍVEL DOADOR DE ÓRGÃOS 80 8.0 SITUAÇÕES ESPECIAIS 80 8.1 SÍNDROME DO CATIVEIRO (LOCKED-IN) 80 8.2 ESTADO DE CONSCIÊNCIA MÍNIMA 81 9.0 LISTA DE QUESTÕES 82 10.0 CONSIDERAÇÕES FINAIS 83 Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 7 Avaliação inicial COMA E ALTERAÇÕES DA CONSCIÊNCIA Encefalopatia de Wernick Delirium Hipertensão intracraniana Morte encefálica 38% 20% 20% 15% 11% INTRODUÇÃO Seja muito bem-vindo(a) ao módulo de Coma e Alterações da Consciência do Estratégia MED! Esse é um dos temas de Neurologia com maior número de questões nas provas de Residência. Envolve aspectos da Medicina de Emergência e de Neurointensivismo. São mais de 300 questões sobre o assunto, encontradas em provas de todo o Brasil. À primeira vista, pode parecer um tema complicado, mas você vai perceber que muitas das questões são parecidas e o modo de cobrar o conhecimento é similar entre os diversos concursos pelo país. Nestedesnutrição grave são os mais expostos a essa condição. Trata-se de doença Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 37 neurológica relacionada à deficiência de vitamina B1 (tiamina) e que se apresenta classicamente com a tríade de ataxia, oftalmoplegia e confusão mental, compondo a síndrome de Wernicke. Com o decorrer do processo, os indivíduos podem ainda apresentar quadro de amnésia anterógrada e confabulações, o que caracteriza a síndrome de Korsakoff. Cabe ressaltar que, em situações de correção de hipoglicemia (ou realimentação, como descrito no enunciado) em pacientes com fator de risco para a condição, pode ocorrer a precipitação dos sintomas, uma vez que a glicose pode “acelerar o consumo” da tiamina, já em falta naquele indivíduo. Por isso, em indivíduos com fatores de risco para a síndrome, como a paciente do enunciado, e que apresentem hipoglicemia ou para os quais a dieta será ajustada, devemos nos lembrar de repor tiamina juntamente à glicose. Incorreta a alternativa A. A deficiência de vitamina A pode levar a problemas oculares, mas não ao quadro clínico apresentado. Correta a alternativa B. Exato. A deficiência de vitamina B1 é a causa dos sintomas apresentados. Incorreta a alternativa C O excesso, não a falta da vitamina B6 (que é a piridoxina; a niacina é a B3), é que pode levar a sintomas neurológicos, sobretudo à neuropatia sensitiva. Incorreta a alternativa D. Além de polineuropatia e eventual disfunção do neurônio motor superior, cenário conhecido como degeneração medular combinada subaguda, a deficiência de B12 pode levar a queixas cognitivas e do humor, contudo não ao quadro clínico apresentado. Incorreta a alternativa E. Outra causa de polineuropatia e ataxia cerebelar, contudo não dos sintomas descritos. 4.4 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Muitas questões sobre encefalopatia de Wernicke-Korsakoff colocam o quadro típico: geralmente, um paciente etilista que evolui com hipoglicemia é tratado com glicose, sem tiamina, evoluindo para a tríade clássica de confusão, ataxia e oftalmoparesia. Em seguida, colocam nas alternativas outros distúrbios que podem levar a um quadro confusional agudo ou eventualmente algum tipo de demência. Outro modo de fazer tais perguntas é colocando tipos de vitaminas nas alternativas, principalmente aquelas que podem cursar com quadros neurológicos. MIELINÓLISE PONTINA CENTRAL Um dos diagnósticos diferenciais é a mielinólise pontina central, que ocorre principalmente no paciente que foi submetido à correção de hiponatremia, mas não de hipoglicemia. A pergunta pode ser sobre a correção de hiponatremia e a encefalopatia de Wernicke-Korsakoff aparecer entre as possibilidades diagnósticas. Se o caso for de hiponatremia, não assinale Wernicke-Korsakoff! Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 38 CAI NA PROVA (UFRGS - 2020) Paciente de 74 anos, com hiperplasia prostática sintomática, submeteu-se a ressecção transureteral de próstata. No pós- operatório imediato, houve piora do quadro geral com necessidade de transferência para o Centro de Tratamento Intensivo. Os exames laboratoriais iniciais demonstraram hiponatremia (Na sérico de 112 mEq/l). Foi prescrita reposição com solução hipertônica (NaCl a 3%). Em relação à hiponatremia, considere as assertivas abaixo. I - O paciente pode apresentar sintomas graves, como convulsões, coma e parada respiratória. II. -A correção rápida da hiponatremia grave em pacientes com hiponatremia crônica pode causar alteração neurológica grave e, às vezes, irreversível, chamada síndrome da desmielinização osmótica (SDO). III. - Os fatores de risco para SDO são sódio sérico ≤ 120 mEq/l, hiperpotassemia concomitante, uso crônico de excesso de álcool, doença hepática aguda ou crônica e desnutrição. Quais são as assertivas corretas? A) Apenas I B) Apenas II C) Apenas III D) Apenas I e II E) I, II e III COMENTÁRIO A síndrome de desmielinização osmótica, também conhecida como mielinólise pontina, é um quadro neurológico que pode ocorrer quando há rápida correção de uma hiponatremia, classicamente crônica! Estrategista, vamos ao que interessa, o que você precisa saber: 1°- A desmielinização osmótica não ocorre exclusivamente na ponte, pode acometer o tálamo, corpos mamilares e, até mesmo, regiões corticais. Em alguns casos, inclusive, ocorre nas outras regiões sem ocorrer na ponte. Por isso, o termo mielinólise pontina não é o mais adequado, mas sim desmielinização osmótica. 2° - Estão expostos a um maior risco os pacientes portadores de hiponatremia crônica, sobretudo, etilistas crônicos e portadores de doença hepática, quando submetidos a correções de natremia com velocidade superior a 6-8 meq/L em 24 horas. Os sintomas são mais frequentes em correções superiores a 10 meq/L em 24 horas, contudo, o objetivo é não exceder o limite de 6 a 8 meQ/L/24hs. Perceba que hiperpotassemia não é fator de risco. 3° O quadro clínico costuma ser tardio! Pode demorar de 2 a 6 dias a aparecer após a correção da hiponatremia. O paciente pode apresentar rebaixamento do nível de consciência, disartria, disfagia, déficit motor. Em linhas gerais, o prognóstico é muito ruim e as lesões costumam ser irreversíveis. 4° Não há um tratamento específico. A prevenção é a melhor estratégia. Uma vez identificada uma correção inadvertida de hiponatremia, pode se tentar “repor” a perda urinária de água livre com desmopressina. Sendo assim, I e II são corretas: Gabarito alternativa D. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 39 DELIRIUM TREMENS O delirium tremens é um quadro confusional agudo que surge em pacientes com abstinência alcoólica. Ele surge 48-96h após a interrupção do uso de álcool e caracteriza-se por alucinações, desorientação, taquicardia, hipertensão, hipertermia, agitação e diaforese. Sugere-se complementar esse assunto no tópico sobre Dependência Química do livro de Psiquiatria. DEFICIÊNCIAS VITAMÍNICAS E QUADROS DE ALTERAÇÃO DE CONSCIÊNCIA Outras deficiências vitamínicas que costumam ser mencionadas em alternativas de questões sobre encefalopatia de Wernicke-Korsakoff são B2, B3, B6, B9 (ácido fólico) e B12. 1. A deficiência isolada de riboflavina (vitamina B2) é rara, estando geralmente associada a outras deficiências nutricionais. Alguns estudos de qualidade duvidosa associam-na à ocorrência de doença de Parkinson e pré- eclâmpsia. 2. Na pelagra, por deficiência de niacina (vitamina B3), ocorre eritema cutâneo em áreas de exposição solar, sintomas gastrintestinais (náusea, diarreia, queilite angular, edema labial e língua avermelhada) e manifestações neurológicas, como depressão, ansiedade, apatia, cefaleia e tremores. Em casos mais avançados, pode ocorrer demência. SÍNDROME DE REALIMENTAÇÃO 1. A síndrome de realimentação é observada em pacientes com desnutrição grave, por exemplo, decorrente de um quadro disabsortivo gastrintestinal, como na doença de Crohn. 2. Ela ocorre em função da síntese de glicogênio, proteínas e lipídeos a partir da reposição de nutrientes via sonda nasoenteral, levando a uma depleção de eletrólitos, como potássio, fósforo e magnésio. 3. Clinicamente, o paciente apresenta rebaixamento do nível de consciência e movimentos involuntários de extremidades (mioclonias de membros). 4. Para que não haja dúvidas desse diagnóstico, o examinador costuma colocar que o paciente já está recebendo tiamina (vitamina B1, cuja deficiência leva à síndrome de Wernicke-Korsakoff). 5. Portanto, se houver depleção de eletrólitos e reposição de tiamina em paciente com desnutrição, deve-se procurar por síndrome de realimentação, não por encefalopatia de Wernicke-Korsakoff. HEMATOMA SUBDURAL CRÔNICO Pacientes idosos com história de quedas e trauma leve de crânio, evoluindo após semanas com confusão mental, principalmentese tiverem antecedentes de etilismo crônico, podem ter como diagnóstico o hematoma subdural crônico. Esse diagnóstico faz parte dos diferenciais da encefalopatia de Wernicke-Korsakoff, constando algumas questões sobre o tema. O hematoma subdural crônico será discutido em mais detalhes na seção sobre Traumatismo Cranioencefálico. Vale mencionar, neste momento, que ocorre por ruptura de veias em ponte entre o parênquima cerebral e a dura-máter, de forma lenta e progressiva, levando à formação de uma coleção que ocupa espaço, comprime o parênquima e pode levar a sinais neurológicos focais e/ou quadro confusional agudo, tal como a encefalopatia de Wernicke-Korsakoff. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 40 3. As manifestações neurológicas da deficiência de vitamina B6 (piridoxina) são caracterizadas por neuropatia periférica com sintomas sensitivos (hipoestesia e parestesias), fraqueza distal (mais raro), além de manifestações centrais, como tontura, crises epilépticas, depressão, irritabilidade e confusão mental. Suas causas incluem associação com outras doenças, como artrite reumatoide, anemia falciforme, insuficiência renal crônica, transplante renal e desnutrição no decorrer do tratamento para tuberculose, pelo uso de pirazinamida e isoniazida. 4. A deficiência de cobalamina (vitamina B12) ocorre por déficit de absorção de cianocobalamina devido à deficiência na produção do fator intrínseco pelas células parietais da mucosa gástrica. O quadro inclui neuropatia periférica, mielopatia e síndrome demencial. 5. A deficiência de folato (vitamina B9) pode ser causada por baixa ingesta ou por uso de medicamentos, como a fenitoína, por exemplo. Ela é bem mais rara que a deficiência de B12 como causa de neuropatia, mas pode apresentar-se como um quadro de polineuropatia lentamente progressiva com predomínio de sintomas nos membros inferiores e maior acometimento da sensibilidade profunda, não causando comprometimento da consciência. 4.5 TRATAMENTO O tratamento da encefalopatia de Wernicke-Korsakoff pode ser abordado em provas de Residência sob dois aspectos: profilático e curativo. Em ambos os casos, ele é idêntico: reposição de vitamina B1 (tiamina). Devemos recordar que uma das principais causas que deflagram os sintomas é a reposição de glicose em pacientes com hipoglicemia e que apresentam fatores de risco para deficiência desse nutriente. Dessa maneira, SEMPRE que recebermos um paciente com hipoglicemia sintomática, principalmente com rebaixamento do nível de consciência, e com antecedentes desconhecidos, devemos realizar a REPOSIÇÃO DE TIAMINA ANTES DA REPOSIÇÃO DE GLICOSE, para evitar o aparecimento da encefalopatia de Wernicke-Korsakoff. Muitas vezes, a própria questão já informa que o paciente recebeu glicose isolada e evoluiu com o quadro clínico típico, perguntando qual é o tratamento a partir de agora. A resposta é sempre a mesma: TIAMINA (VITAMINA B1). A dose de tiamina para o tratamento da encefalopatia de Wernicke é de 500 mg infundidos durante 30 minutos, três vezes ao dia nos dois primeiros dias, seguidos de 250 mg EV ou IM, uma vez ao dia, por mais 5 dias, com dose de manutenção de 100 mg ao dia, por via oral, contínua. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 41 Figura 10: diagnóstico e profilaxia/tratamento da encefalopatia de Wernicke-Korsakoff. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 42 CAI NA PROVA (FAMERP - 2023) Paciente de 18 anos, gênero feminino, é admitida em unidade de emergência por quadro de discurso inapropriado e agitação psicomotora iniciados há 3 horas. Ao exame físico, encontra-se hipocorada ++/4, desidratada +/+, FC=100bpm (ritmo sinusal), altura=160cm, peso=35kg (IMC=13,6), desorientada no tempo e no espaço, com marcha atáxica e nistagmo horizontal. Realiza acompanhamento ambulatorial com psiquiatra por depressão grave, inclusive com comportamento anorético, em uso irregular de sertralina. Diante desse caso, como devemos tratar a paciente? A) Tiamina EV B) Diazepam EV C) Haloperidol IM D) Cianocobalamina IM COMENTÁRIO A paciente possui risco aumentado de deficiência de vitamina B1 (tiamina) pelo seu antecedente de desnutrição e anorexia. Perceba que não é apenas o etilismo que é um fator de risco! Além disso, ela apresenta a tríade clássica da encefalopatia de Wernicke (EW): confusão, alteração da motricidade ocular e marcha atáxica. Correta a alternativa A. A dose de tiamina para o tratamento da encefalopatia de Wernicke é de 500 mg infundidos durante 30 minutos, três vezes ao dia nos dois primeiros dias. Lembre-se de que a administração de glicose pode agravar o quadro de encefalopatia de Wernicke pelo consumo de tiamina. Se houver necessidade de reposição glicêmica, o paciente deverá receber a vitamina B1 antes da glicose. Incorreta a alternativa B. O diazepam estaria indicado em suspeita de crise epiléptica, que não é o caso. Incorreta a alternativa C. O haloperidol IM seria o tratamento de escolha em caso de delirium (próximo tópico que veremos!) Incorreta a alternativa D. O quadro não é típico de deficiência de vitamina B12. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 43 5.0 ESTADO CONFUSIONAL AGUDO (DELIRIUM) Agora, vamos entrar em um dos assuntos mais perguntados em provas de Residência! Esse assunto corresponde a cerca de 60% das questões sobre coma e alterações do nível de consciência. É altamente recomendável que você domine tudo o que estiver escrito neste tópico para poder acertar uma montanha de questões que costumam cair em provas. Pode acontecer de cair sobre isso na parte de Clínica Médica (Neurologia e Geriatria), Psiquiatria, Cirurgia e Medicina Preventiva. Então, respire fundo e siga em frente com a leitura. Espero que você aproveite ao máximo e garanta muitas questões após ler esta parte! O estado confusional agudo é também conhecido como delirium ou síndrome mental orgânica. Trata-se de uma manifestação neurológica geralmente de uma doença fora do sistema nervoso central. É mais comum em idosos e configura-se como uma urgência médica, muitas vezes negligenciada. Possui múltiplas etiologias distintas e funciona no idoso como o choro para um bebê. O bebê pode chorar por vários motivos, como fome, sede, frio, calor, sono, dor, fraldas sujas, etc. O idoso pode ficar agudamente confuso também por inúmeros motivos, como veremos. Um terço dos pacientes hospitalizados com mais de 70 anos de idade desenvolverá delirium. Metade dos casos ocorrerá na admissão e o restante, durante a internação. O delirium é a complicação cirúrgica mais prevalente em idosos, afetando 15-25% dos pacientes após uma cirurgia de grande porte e 50% de indivíduos submetidos a artroplastia de quadril e cirurgias cardíacas. Em pacientes idosos, no departamento de emergência, o delirium ocorre em 10-15% dos casos. A prevalência de delirium entre idosos admitidos em unidades de queimados varia de 16-39%. 5.1 FISIOPATOLOGIA Não existe uma causa única para o delirium. Ele ocorre por alterações neuroquímicas cerebrais, geralmente relacionadas ao aumento da atividade da dopamina e à redução da acetilcolina. A acetilcolina participa de inúmeros processos neurais, como contração muscular, memória e do sistema nervoso autônomo. Por esse motivo, o delirium acaba sendo mais frequente em pacientes com diminuição da transmissão colinérgica, principalmente no hipocampo, como acontece em indivíduos com doença de Alzheimer. Existem vários fatores associados ao delirium e podemos agrupá-los em duas categorias: fatores predisponentes e precipitantes. Preste muita atenção nesse tópico, é uma das principais causas de dúvida em questões sobre o tema e costuma ser bastante explorado emprovas de acesso direto. CAPÍTULO Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 44 5.2 FATORES DE PREDISPONENTES E PRECIPITANTES De forma geral, fatores predisponentes são aqueles que aumentam o risco de um indivíduo desenvolver delirium. Entenda como um fator de risco, propriamente dito, como um motivo para reduzir a reserva cognitiva do indivíduo e torná-lo mais suscetível a desenvolver delirium. Já o fator precipitante é a causa propriamente dita, o motivo pelo qual o paciente desenvolve os sintomas. Vejamos um exemplo para que isso fique mais claro: imagine um idoso com antecedente de doença de Alzheimer e que interna por fratura de fêmur. No segundo dia de internação, em contexto de dor, desenvolve confusão mental flutuante e associada a desatenção. Nesse caso, a idade avançada e o Alzheimer são fatores predisponentes, ou seja, tornam o indivíduo mais suscetível a apresentar delirium em face de um fator precipitante, que no caso apresentado são dor e fratura de fêmur. Em outras palavras, é mais provável que um idoso com Alzheimer (que reduzem a sua “reserva cognitiva”), desenvolva delirium quando apresenta fratura de fêmur e dor do que um indivíduo jovem com as mesmas condições. Veja a tabela abaixo que ilustra os principais fatores predisponentes e precipitantes. Fatores Predisponentes Fatores Precipitantes Idade avançada Internação Sexo masculino Infecções Demência prévia Introdução ou retirada de medicamentos Déficit sensorial (auditivo, visual ou sensitivo) Distúrbios hidroeletrolíticos Polifarmácia Desidratação Baixa escolaridade Dor Depressão Abstinência alcoólica Privação de sono Bexigoma Imobilidade Constipação Síndrome de fragilidade IAM Etilismo AVC* Múltiplas comorbidades Uremia Hepatopatia crônica Narcose/Hipoxemia nNefropatia crônica Cirurgia de grande porte iInfecção pelo HIV Anemia Hipo/Hipertermia Sondagem vesical Alguns destaques são importantes. Em relação às medicações, as classes de drogas mais associadas ao surgimento do delirium são: • Opióides e AINEs; • Antimicrobianos; • Anticolinérgicos; • Anticonvulsivantes; • Benzodiazepínicos; Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 45 • Antidepressivos triclícos; • Drogas anti-hipertensivas; • Medicamentos cardiológicos; • Corticosteroides; • Preparos herbais; • Hipoglicemiantes; • Hipnóticos-sedativos; • Relaxantes musculares; • Outros: lítio, fenotiazinas, interleucina-2. Os benzodiazepínicos merecem destaque. A introdução dos benzodiazepínicos é fator precipitante em potencial e é por isso que, como veremos abaixo, não é a droga de escolha no manejo comportamental do delirium hiperativo. Mas não apenas a introdução, mas também a retirada dos benzodiazepínicos podealternativa correta:r delirium! Por esse motivo, em pacientes com uso crônico dessa classe de medicações, em uma eventual internação deve se evitar a sua retirada abrupta. Outro ponto importante diz respeito à infecção urinária (ITU), mais especificamente, à sua presunção. Não há dúvidas de que a ITU é um fator precipitante de delirium. Entretanto, a alteração isolada da urina rotina e até mesmo da urocultura não significa, necessariamente, que existe uma ITU! A taxa de falso positivo em ambos os exames é extremamente elevada e a recomendação prática é valorizar mais eventuais sintomas sugestivos de ITU do que apenas os achados laboratoriais e mais do que isso, não se precipitar apenas com uma urina rotina com leucocitúria para atribuir como causa isolada do delirium. CAI NA PROVA (UFRJ - 2025) Pode-se afirmar que são fatores de risco para delirium pós-operatório: A) imobilização; privação de sono e controle de infecção B) idade ˃ 50 anos; desnutrição e ausência de distúrbios eletrolíticos C) desnutrição; desidratação e controle álgico medicamentoso D) fratura de quadril recente; desidratação e uso de álcool COMENTÁRIO Idade avançada, sexo masculino, antecedente de declínio cognitivo, privação de sono e depressão são( fatores predisponentes para delirium, ao passo que infecções, hipo/hipernatremia, uso de benzodiazepínicos, alguns antibióticos como quinolonas e cefepime, disfunção renal e outros fatores que alterem a homeostase são causas em potencial, ou fatores precipitantes. De maneira agrupada, podemos denominar ambos os grupos como fatores de risco. Controle de infecção, exposto na letra A, ausência de distúrbios hidroeletrolíticos, exposto na letra B e controle álgico medicamentoso, na letra C, estão incorretos. Já na alternativa D, todas as variáveis expostas conferem risco de delirium, especificamente como fatores precipitantes. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 46 (SP - FACULDADE DE MEDICINA DE MARÍLIA - FAMEMA - HOSPITAL DAS CLÍNICAS DA FAMEMA - 2024) Um senhor de 75 anos passou por uma cirurgia ortopédica para reparação de uma fratura no quadril. Dois dias após a cirurgia, ele começa a apresentar um quadro de confusão mental, desorientação, agitação e alucinações visuais, principalmente no período noturno. Durante a visita diurna com o médico assistente, o paciente apresentou-se consciente e orientado, conversou calmamente e perguntou sobre os familiares e sua própria alta hospitalar. No período noturno, o paciente apresentou novamente o quadro de confusão e agitação. Diante do quadro confusional descrito, assinale a conduta indicada.Encaminhar o paciente para eletroconvulsoterapia, pois trata-se de uma emergência clínica com risco de vida. A) Estabilizar o quadro confusional com anticonvulsivantes e investigar o funcionamento cerebral por meio de neuroimagem para descartar um quadro de psicose. B) Monitoramento de sinais vitais e corrigir eventuais distúrbios metabólicos e hidroeletrolíticos. Investigar as possíveis causas de confusão mental, por exemplo, um foco infeccioso. Administrar medicamentos sintomáticos para a agitação psicomotora. C) Solicitar um teste neuropsicológico e prescrever medicamentos D) anticolinesterásicos para prevenir a evolução do quadro para demência de Alzheimer. COMENTÁRIO Incorreta a alternativa A. A ECT é uma estratégia de exceção no tratamento da depressão, sobretudo em casos de ideação suicida. Não tem absolutamente nada a ver com o enunciado! Incorreta a alternativa B. Os anticonvulsivantes não estão indicados no manejo comportamental do delirium, tampouco a neuroimagem está indicada no quadro em questão. Correta a alternativa C. Perfeito! Se necessário o controle medicamentoso de agitação, o neuroléptico é o medicamento de escolha. Incorreta a alternativa D. O quadro é agudo, não é, portanto, compatível com a possibilidade de demência. Tampouco o anticolinesterásico previne a evolução para demência. Entre as comorbidades mencionadas, a mais comum nos exames para Residência Médica é o pós-operatório de fratura de fêmur. Muitas vezes, essas questões aparecem no bloco de cirurgia ou de ortopedia. Nos pacientes clínicos, as causas mais frequentes são infecções de urina ou pulmão, bem como, os medicamentos utilizados no seu tratamento, principalmente as quinolonas. Medicamentos com efeitos anticolinérgicos também podem desencadear delirium. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 47 Por esse motivo, inúmeras questões acabam misturando os dois assuntos e perguntando o diagnóstico do quadro. Já é importante adiantar que, se o quadro for AGUDO, a resposta mais provável será delirium. A presença de sondas e cateteres, restrição ao leito e distúrbios do ciclo sono-vigília aumentam o risco de desenvolver delirium. Mudanças de ambiente, como, por exemplo quando o paciente se muda para a casa de um dos filhos ou é internado em um hospital, também podem ser predisponentes para o desenvolvimento de delirium 5.3 QUADROCLÍNICO O delirium é um quadro agudo. Esse é o primeiro aspecto. Há uma nítida mudança do estado mental do paciente de forma abrupta. O paciente vinha de um status prévio e agora apresenta características mentais diferentes. Em muitas questões, o caso é descrito em um contexto favorável ao aparecimento de delirium, como em uma internação clínica ou cirúrgica. Muitos pacientes evoluem com alterações comportamentais, que podem ser desde apatia e retração social até agitação e agressividade. Assim como o choro do bebê, essas alterações não são contínuas, mas flutuantes, ocorrendo por um período, melhorando e recorrendo posteriormente. Os sintomas são mais frequentes no final da tarde, início da noite e na madrugada. Muitas vezes, o paciente apresenta inversão do ciclo sono-vigília (troca o dia pela noite). Isso é particularmente comum em ambientes de terapia intensiva, onde, muitas vezes, as luzes permanecem acesas o tempo todo, o ruído é sempre igual e o paciente não tem acesso a pistas ambientais que o ajudem a definir o horário real do dia. Além das alterações psicomotoras e do ciclo sono-vigília, é marcante o comprometimento do conteúdo da consciência. Os pacientes apresentam confusão mental, pensamento desorganizado e, principalmente, PREJUÍZO DE ATENÇÃO. Os pacientes mais vulneráveis ao desenvolvimento de delirium são os idosos com demência. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 48 Isso nos ajuda a diferenciar o delirium de um quadro de AVC com afasia. Na afasia pelo AVC, a instalação dos sintomas também é súbita, mas o paciente não apresenta comprometimento atencional durante a avaliação clínica. No delirium, o paciente é incapaz de manter-se conectado com o examinador por um tempo prolongado, dispersando-se em meio à conversa ou, como dizemos popularmente, ”perdendo o fio da meada”. A atenção intacta é componente fundamental para que a avaliação cognitiva seja considerada válida. Nos critérios de demência, consta especificamente que a avaliação cognitiva não pode ser realizada durante o episódio de delirium, afinal, com a atenção acometida, o desempenho nos testes será muito inferior ao esperado. Podemos considerar que a INATENÇÃO É O ASPECTO MAIS PREVALENTE E IMPORTANTE NO DELIRIUM. A confusão mental pode ser corroborada por meio de desorientação temporoespacial e dificuldade para abstração. Outros sintomas que podem ser encontrados em pacientes com delirium são as alucinações, geralmente visuais e auditivas, e os delírios. Por último, mas não menos importante, o quadro de delirium não é estável. Os sintomas variam de intensidade ao longo do dia e isso é um dos aspectos mais marcantes. Muitas vezes, encontramos descrições de pacientes que apresentaram descompensação à noite e, no momento da avaliação, encontram-se melhores. 5.4 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS Os critérios diagnósticos de delirium são definidos pelo CAM (Confusion Assessment Method), conforme descritos na tabela 5 e figura 11: Diagnóstico de Delirium – Confusion Assessment Method (CAM) 1 Início agudo 2 Desatenção 3 Pensamento desorganizado 4 Alteração do nível de consciência Diagnóstico 1 + 2 + 3 ou 1 + 2 + 4 Acurácia Sens. 94-100% Especif. 90-95% Tabela 5: Critérios diagnósticos de delirium (CAM). Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 49 Figura 11 – Critérios diagnósticos de delirium (CAM). O delirium pode ainda ser classificado de acordo com o grau de alteração psicomotora em hiperativo (agitação), hipoativo (predomínio de apatia) e misto. Não há diferença em relação à gravidade ou prognóstico, apenas em termos de controle de sintomas. Entretanto, muitos casos de delirium hipoativo são subdiagnosticados em virtude de seus sintomas serem mais brandos. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 50 CAI NA PROVA (UNESP - 2025) Familiar de mulher de 86 anos informa que, há 4 dias, a paciente acordou à noite confusa e agitada, não reconhecendo a própria casa e alegando que o quarto estava cheio de cachorros barulhentos. Desde então, passou a necessitar de ajuda para fazer sua higiene pessoal, a não compreender as orientações e a perseverar na ideia de que precisava cuidar dos cachorros. Há 1 dia, está desatenta, apática, sonolenta, com dificuldade para deambular e com incontinência para fezes e urina. AP: ausência de distúrbios mentais prévios. Segundo o Confusion Assessment Method (CAM), para o diagnóstico do quadro descrito, são obrigatórios: A) pensamento desorganizado e dificuldade para focar a atenção. B) modificação aguda do estado mental e apatia. C) dificuldade para focar a atenção e dependência funcional. D) modificação aguda do estado mental e dificuldade para focar a atenção. COMENTÁRIO Os critérios diagnósticos do CAM para delirium incluem os seguintes: 1. início agudo; 2. inatenção; 3. pensamento desorganizado; 4. alteração do nível de consciência (hipervigilância, letargia ou torpor). Para fazer o diagnóstico, é necessário que o paciente apresente os critérios 1+2+3 ou 1+2+4. A sensibilidade desse critério é de 94- 100% e a especificidade é de 90-95%. Sendo assim, apenas os critérios expostos na alternativa D estão corretos. Correta a alternativa D Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 51 (PROCESSO SELETIVO UNIFICADO - PRMMT - 2024) Mulher, 75 anos, dá entrada no pronto atendimento trazida por familiares com quadro de confusão mental e agitação psicomotora que iniciou há 3 dias. Portadora de osteoartrose de joelhos em uso de biprofenid 150 mg 12/12h, além do pantoprazol 20 mg/dia para proteção gástrica. Filha relata ainda que, há 1 mês, mãe iniciou uso de clonazepam 5 gotas devido à insônia, além da sertralina 50 mg/dia que já fazia uso para depressão. Exame físico e laboratoriais sem alterações. A hipótese diagnóstica e conduta são: A) por se tratar de um quadro de demência, as medicações em uso devem ser mantidas e deve-se associar antipsicótico, como quetiapina, para controle da confusão mental. B) por se tratar de um quadro de delirium, o uso de benzodiazepínico em doses baixas está indicado para controle de agitação psicomotora. C) por se tratar de um quadro de demência, deve-se suspender a sertralina e iniciar anticolinesterásico, como donepezila, para controle dos sintomas. D) por se tratar de um quadro de delirium, deve-se corrigir fatores precipitantes, como, por exemplo, suspensão do clonazepam. COMENTÁRIO. Incorreta a alternativa A. O quadro de alteração do estado mental é agudo, portanto não compatível com demência. A demência é um quadro crônico! Incorreta a alternativa B. O uso do benzodiazepínico é um fator precipitante de delirium! Assim como sua suspensão abrupta em usuários de longa data. Apesar disso, excepcionalmente, em pacientes parkinsonianos e que desenvolvem delirium, se e apenas se for necessário o controle de agitação, o benzodiazepínico poderá ser usado, não para tratar o delirium, e sim como medida excepcional de controle comportamental! Incorreta a alternativa C. Mais uma vez, a instalação aguda dos sintomas fala contra demência e a favor de delirium. Correta a alternativa D. Exatamente! O benzodiazepínico, como vimos acima, é um potencial fator precipitante de delirium! Caso o paciente usasse a medicação de forma crônica, com pelo menos mais de 3 meses, a retirada deveria ser gradual para evitar a ocorrência de delirium. 5.5 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL Uma das perguntas mais clássicas nas provas de Residência exige a diferenciação entre delirium, demência, depressão e esquizofrenia, quadros com algumas características semelhantes. Você, futuro(a) Residente, que se prepara pelo material do Estratégia MED, dispõe de um vasto material de questõessobre o tema. É preciso memorizar as principais diferenças descritas na tabela 6. Devemos chamar a atenção para o início agudo, o curso flutuante, a desorientação e, principalmente, o déficit de atenção. O comprometimento cognitivo na depressão costuma ocorrer nas esferas de memória e atenção, enquanto no delirium o comprometimento de atenção é tão intenso que qualquer avaliação cognitiva fica prejudicada (comprometimento global). Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 52 Delirium Demência Depressão Esquizofrenia Início Agudo Insidioso Insidioso Variável Curso Flutuação da consciência no mesmo dia Progressivo Variação diurna Variável Consciência e orientação Confuso, desorientado Prejudicada em estágio avançado Normal Pode ser alterado, catatonia Atenção e memória Inatenção, memória curta prejudicada Memória mais prejudicada do que a atenção Atenção pobre, memória pode estar prejudicada Atenção pobre, memória intacta Psicose Frequente, simples Incomum Pouco frequente Frequente, complexa EEG Lentificação generalizada (80%) Lentificação generalizada (80%) Normal Normal Tabela 6: principais diagnósticos diferenciais do delirium. Além desses principais, outros diagnósticos diferenciais de delirium devem ser considerados. A agudização da demência vascular é um deles. Nela, o paciente apresenta um quadro prévio de demência, cujas características incluem sintomas persistentes de disfunção executiva e dificuldade atencional, ao contrário do delirium, que é um quadro agudo. Porém, como a demência vascular é relacionada a episódios de AVC, que são de início súbito, a fase inicial de uma agudização dessa demência pode ser semelhante ao delirium, com a diferença de que há comprometimento do nível de consciência e flutuação dos sintomas ao longo do dia nos pacientes em estado confusional agudo. Na demência frontotemporal, o paciente apresenta um quadro de alteração de comportamento marcante, mas sem flutuação dos sintomas ou descompensações agudas. Outros quadros psiquiátricos, como transtorno dissociativo, episódio maníaco e delirium tremens podem ser diferenciais com delirium e são discutidos mais profundamente no livro de Psiquiatria. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 53 CAI NA PROVA (FAMEMA - 2025) Uma senhora de 79 anos, com histórico de diabetes mellitus tipo 2, passou por cirurgia para reparação e fixação de uma fratura na coluna vertebral. No segundo dia do pós-operatório, ela começou a apresentar desorientação e confusão mental, chamando as enfermeiras pelo nome das filhas e achando que estava na cozinha de casa. Estava com temperatura de 38,1 ºC. À noite, ela ficou agitada e relatou estar enxergando bichos rastejantes na parede. Gritou repetidamente e gemeu a noite toda (“Meu Deus, me tire daqui… Meu Deus, me tire daqui…”), sem conseguir dormir ou deixar os outros pacientes descansarem. Durante a visita diurna com o médico assistente, a paciente apresentou-se calma, lúcida e orientada, conversou tranquilamente, perguntou sobre o seu gato de estimação e a sua própria alta hospitalar. Porém, de noite, apresentou novamente o quadro de confusão e agitação. Qual é o diagnóstico psiquiátrico provável? A) Transtorno neurocognitivo, demência tipo Alzheimer. B) Delirium pós-operatório. C) Transtorno de estresse pós-traumático. D) Esquizofrenia ou outros transtornos psicóticos. COMENTÁRIO Conforme vimos acima, a presença de confusão mental de instalação aguda e flutuante caracteriza um quadro de delirium. A agudez dos sintomas afasta a possibilidade de Alzheimer, descrito na letra A. Além disso, a idade da paciente, a flutuação dos sintomas e o fato de delirium ser uma hipótese muito mais provável, falam contra patologias psiquiátricas primárias como transtorno de estresse pós- traumático ou esquizofrenia, expostos nas alternativas C e D. Gabarito: B Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 54 5.6 INVESTIGAÇÃO Como já foi mencionado, o delirium também é chamado de síndrome mental orgânica. Isso significa que na maioria das vezes a causa do delirium é uma disfunção fora do sistema nervoso central, principalmente de quadros tóxicos, metabólicos e infecciosos. Por essa razão, devemos procurar inicialmente por essas etiologias ao avaliarmos pacientes com delirium. Os exames a serem solicitados incluem hemograma, eletrólitos (hiponatremia, por exemplo), marcadores de lesão renal e hepática, pesquisa de foco infeccioso a partir do exame clínico; lembrando que, como a maioria dos pacientes com delirium é idosa, febre e sintomas urinários, por exemplo, podem estar ausentes, sendo importante a investigação desse foco em qualquer paciente. Os exames laboratoriais solicitados não são os mesmos que os para demência. Por isso, é importante fazermos o diagnóstico correto. Se for abordada em alguma questão a possível confusão com o diagnóstico de demência, é importante ter em mente que exames para investigação de demência, como vitamina B12, por exemplo, não estariam indicados para pacientes com delirium. INVESTIGAÇÃO DAS CAUSAS DO DELIRIUM 1. Uma das pegadinhas mais famosas das provas de Residência Médica, nesse tema, é em relação à solicitação de exames de neuroimagem. Caso não haja nenhuma evidência pelo exame clínico de que o paciente apresente disfunção neurológica focal, como déficit motor assimétrico, de nervos cranianos ou afasia, por exemplo, ou história de crise epiléptica, o exame de imagem deve ficar reservado para um segundo momento, no caso de a investigação laboratorial inicial vir negativa. 2. Se uma questão sobre delirium perguntar a conduta e houver uma alternativa mencionando exames laboratoriais e outra com exames de imagem, não havendo nenhuma evidência de sinal focal sugestiva de causa neurológica primária, os exames laboratoriais devem ser escolhidos como primeira opção. 3. Caso eles já tenham sido realizados e venham normais, o próximo passo é a realização da neuroimagem, seguida por punção lombar, caso indicada (na suspeita de meningite ou encefalite, com exames de neuroimagem realizados e que não demonstrem lesão expansiva com efeito de massa que possa contraindicar o procedimento de coleta de liquor). 4. Um dos achados de neuroimagem mais frequentes em pacientes com delirium é o hematoma subdural crônico (HSDC), discutido com mais detalhes na seção de traumatismo cranioencefálico (TCE). 5. O HSDC ocorre por lesão de veias em ponte após traumas leves em pacientes com certo grau de atrofia cerebral (idosos e etilistas). Essas veias estão mais “estiradas” nesses indivíduos e são mais vulneráveis a rupturas. Os sintomas podem ser de estado confusional agudo e surgir semanas após o trauma, que, muitas vezes, nem é mais cogitado como causa pelo paciente e seus acompanhantes. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 55 5.7 TRATAMENTO O tratamento do delirium baseia-se em três frentes: resolução do fator desencadeante (tóxico, metabólico, infeccioso ou outro), medidas não farmacológicas e tratamento medicamentoso específico. A partir do momento em que o desencadeante é identificado, ele deve ser prontamente debelado, considerando-se que o delirium é uma urgência e o agressor está promovendo um sofrimento encefálico, digamos assim. Por exemplo, um paciente que apresenta disúria, polaciúria e urgência urinária não pode ser tratado da mesma forma que outro que está em delirium com urina 1 mostrando leucocitúria elevada. A repercussão da infecção no segundo caso é muito maior. 5.7.1 TRATAMENTO NÃO FARMACOLÓGICO O tratamento não farmacológico do delirium é eficaz e baseia-se em intervenções comprovadas, como manter um ambiente calmo, com iluminaçãoadequada conforme o período do dia, deixando o paciente usar suas órteses (óculos e aparelhos auditivos) para uma melhor percepção do ambiente, colocando objetos pessoais da casa do paciente próximo ao leito, relógio, acompanhante conhecido pelo paciente. A estimulação cognitiva também pode ser útil nesses casos. Não há problemas em tentar acalmar e distrair o paciente, evitando corrigi-lo por certos pensamentos equivocados, o que poderia deixá-lo mais irritado. 5.7.2 TRATAMENTO FARMACOLÓGICO Os sintomas comportamentais como agitação e agressividade, bem como a confusão mental, podem causar risco de lesões ao paciente. Muitas vezes, ele está acamado e, devido a um quadro confusional, quer levantar-se de cama, caindo do leito e sofrendo fratura e/ou TCE. Muitos desses pacientes acabam ficando contidos no leito com faixas ou outras restrições e isso pode gerar piora ainda maior dos sintomas comportamentais. Em relação ao tratamento farmacológico, alguns pontos são muito explorados na prova de Residência. A droga de escolha para o tratamento dos sintomas comportamentais do delirium é o haloperidol, administrado por via intramuscular. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 56 Quando usado por via endovenosa, seu efeito é errático e fugaz, além de potencialmente prolongar o intervalo QT no eletrocardiograma, devendo ser essa forma de administração desencorajada. O haloperidol é um antipsicótico, com ação antidopaminérgica (lembra-se da fisiopatologia? Aumento da via dopaminérgica e diminuição da colinérgica). Outros antipsicóticos, como a quetiapina por via oral, podem ser aceitos como resposta. Muitos podem achar que, por estarem agitados, o uso de benzodiazepínicos faria mais sentido por sua ação sedativa, mas, nos pacientes com delirium, eles podem provocar PIORA DOS SINTOMAS. Os benzodiazepínicos são indicados em pacientes com delirium em apenas três situações e, em todas elas, os antipsicóticos devem ser evitados: na doença de Parkinson, na síndrome neuroléptica maligna (desencadeada pelos próprios antipsicóticos) e na síndrome de abstinência alcoólica. CAI NA PROVA (AMRIGS - 2025) Mulher, 78 anos, estava em( tratamento para hipertensão arterial, diabetes tipo 2, dislipidemia e incontinência urinária. Realizou cirurgia de revascularização miocárdica. No terceiro dia de pós-operatório, a paciente achava que estava em sua casa, referindo aguardar seu marido chegar do trabalho, não demonstrando ter ciência de que ele já era falecido. Em alguns momentos, parecia mais calma e lúcida, mas alternava esse comportamentB. O do com outros de desorganização e discurso incoerente. Durante o dia, tendia a ficar mais sonolenta. Na avaliação, a paciente não colaborava com o exame físico. Mostrava-se perplexa, assustando-se com sons do ambiente, via cachorros caminhando no quarto. Distraía-se com facilidade, não focando sua atenção nas perguntas feitas pelo médico. Durante a noite, ficou agitada, desorganizada, agressiva com a equipe, com tentativas de arrancar os cateteres. Paciente foi diagnosticada com delirium. Em relação ao quadro diagnóstico apresentado, assinale a alternativa INCORRETA. O processo de identificação e tratamento de possíveis causas clínicas associadas deve ser rápido. Estratégias como reorientação, otimização do sono, exercícios e mobilização do paciente, hidratação oral, auxílio visual e auditivo são medidas preventivas importantes, demonstrando redução da prevalência dessa condição. Deve-se evitar o uso de benzodiazepínico, sendo reservado a casos específicos, como de delirium secundário a abstinência de álcool ou de sedativos/hipnóticos. O uso de antipsicóticos está indicado tanto para prevenção como para o tratamento do delirium hiperativo. (UFCSPA - 2025) Paciente de 78 anos, com quadro de bexiga neurogênica, apresenta um quadro de delirium no pós-operatório imediato de prostatectomia. Qual das medicações abaixo é melhor indicada? A) Haloperidol. B) Clorpromazina. C) Tioridazina. D) Levomepromazina. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 57 6.0 HIPERTENSÃO INTRACRANIANA O crânio é um estojo ósseo fechado, com uma abertura principal em sua porção inferior, o foramen magno, por meio do qual o encéfalo se conecta com a medula cervical e por onde trafegam vias ascendentes e descendentes que comunicam o sistema nervoso central e o periférico. As estruturas intracranianas estão alojadas de forma justa, não havendo, como no abdome, muito espaço para acomodar lesões expansivas. Os componentes do espaço intracraniano são mantidos sob uma pressão de 5-20 cmH20 ou 5-15 mmHg. Essa pressão é conhecida como pressão intracraniana (PIC) e é capaz de gerar um obstáculo à chegada do sangue arterial ao encéfalo. O controle da pressão arterial sistêmica depende da pressão necessária para que o sangue vença a resistência da pressão intracraniana e seja capaz de perfundir adequadamente o parênquima encefálico. Essa é chamada de pressão de perfusão cerebral (PPC). Dessa forma, temos três valores de pressão atuando sobre o parênquima encefálico: a PPC, a PIC e a pressão arterial média (PAM). A pressão de perfusão cerebral deve ser superior a 60 mmHg para que o parênquima receba a quantidade adequada de sangue sem a ocorrência de isquemia. Dessa forma, se a PIC se eleva, a PAM precisa elevar-se também para manter os valores de PPC adequados. Isso pode ser demonstrado pela equação: COMENTÁRIO CAPÍTULO Conforme vimos acima, os neurolépticos, sobretudo,o haloperidol IM são a classe de escolha no manejo sintomático do delirium hiperartivo. Gabarito: A Caso os sintomas estejam melhores, não haja agitação ou agressividade, os neurolépticos podem ser suspensos. Um dos seus efeitos colaterais mais comuns é a acatisia, uma reação extrapiramidal caracterizada pela dificuldade de ficar parado, com inquietude psicomotora e necessidade de movimentar-se. Ela pode ocorrer nos pacientes com delirium que receberam antipsicóticos e a conduta é suspender a medicação. Como alternativa ao haloperidol, com menor incidência de efeitos colaterais, mas também menor eficácia, temos a quetiapina, disponível apenas por via oral. A quetiapina deve ser prescrita com cuidado, pois apresenta efeito sedativo. Em pacientes com quadros demenciais, que predispõem ao surgimento de delirium, a quetiapina não deve ser prescrita de rotina, como medicação de uso diário, pois a maioria dos neurolépticos acaba piorando o perfil glicêmico e lipídico, predispondo ao surgimento de doenças isquêmicas do coração e acidente vascular cerebral. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 58 PPC = PAM – PIC 6.1 FISIOPATOLOGIA DOUTRINA DE MONRO-KELLIE 1. De acordo com a doutrina de Monro-Kellie, existem quatro componentes que determinam a pressão intracraniana: o parênquima, o sangue arterial, o sangue venoso e o líquido cefalorraquidiano (liquor ou LCR). 2. Qualquer um desses componentes pode ter seu volume aumentado em condições patológicas. 3. O parênquima pode ser a sede de tumores, abscessos, processos inflamatórios ou edemas vasogênicos e citotóxicos. 4. O liquor pode ter sua drenagem comprometida (hidrocefalia obstrutiva). 5. O sangue arterial pode extravasar para o parênquima ou espaço subaracnóideo (hemorragia arterial). 6. O sangue venoso, por sua vez, pode acumular-se nos seios venosos e veias cerebrais, quando ocorre uma trombose venosa cerebral, ou extravasar, em casos de hemorragias venosas. 7. O aumento de volume de um desses componentes pode causar aumento da PIC a partir de certo ponto de descompensação. 8. O organismo consegue diminuir fisiologicamente a quantidade de apenas dois deles em caso de aumento do volume dos componentes intracranianos: o liquore o sangue venoso. 9. É possível reduzir cerca de 70 mL de cada um desses sem prejuízo funcional para o organismo. Assim, um aumento de volume de mais de 140 mL causaria falha dos mecanismos compensatórios e levaria ao aumento da PIC. Nas fases iniciais da hipertensão intracraniana, graças aos mecanismos compensatórios (saída de sangue venoso e de líquor para a região cervical), aumentos de volume de algum compartimento intracraniano determinam pequenos aumentos de PIC. Quando esses mecanismos são esgotados, um pequeno aumento de volume passa a causar um aumento de pressão intracraniana expressivo. Isso é mais bem visualizado no gráfico da curva de Langfitt (figura 12), que trata da complacência das estruturas intracranianas. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 59 Figura 12: curva de Langfitt mostrando duas fases da hipertensão intracraniana. Na primeira, em azul, aumentos significativos de volume intracraniano não são acompan- hados de aumentos significativos da PIC. Na parte em vermelho, pequenos aumentos de volume já determinam grandes aumentos de pressão. Com o aumento do volume intracraniano e aumento da pressão intracraniana, a pressão arterial passa a subir para tentar manter a pressão de perfusão cerebral acima de 60 mmHg. No entanto, esse fenômeno apresenta um limite. Elevação importante da pressão arterial promove extravasamento do plasma intravascular para o espaço extracelular, levando a um edema do parênquima (vasogênico) e aumento da pressão intracraniana. Consequentemente, o calibre das artérias diminui e passa a ocorrer isquemia do parênquima, pois o sangue arterial pode não conseguir perfundir adequadamente o encéfalo. A isquemia leva à morte neuronal e em algumas horas as células passam a ficar túrgidas, com excesso de água e sódio, o que chamamos de edema citotóxico (morte neuronal favorece a entrada de sódio na célula, que antes só era permitida através do controle pela bomba Na/K ATPase). Esse edema agrava ainda mais a hipertensão intracraniana. Quando a causa da hipertensão intracraniana for traumatismo cranioencefálico (TCE), podemos ter mais um motivo para o edema vasogênico: a drenagem venosa é comprometida e o sangue arterial, ao capilarizar-se, não consegue passar para o compartimento venoso, acumulando líquido no interstício. O edema gera aumento do volume parenquimatoso e comprime ainda mais os capilares que drenariam para os seios venosos e veias cerebrais. Dessa forma, o circuito perpetua-se e gera cada vez mais aumento da PIC. Todo esse processo é esquematizado na figura 13. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 60 SANGUE VENOSO -70ml -70ml ISQUEMIA FASE COMPENSADA SANGUE ARTERIAL MASSA PARÊNQUIMA LÍQUOR Figura 13: Doutrina de Monro-Kellie. Com o aumento do volume ocupado pela massa, inicialmente o volume intracraniano de liquor e sangue venoso começa a decair. Após serem atingidos os 140 mL de volume, começa a ocorrer diminuição do volume de sangue arterial, gerando isquemia do parênquima. Na fase final, o parênquima passa a ser deslocado para compartimentos de menor pressão, gerando o fenômeno de herniação. CAI NA PROVA (UFRJ -2022) Mulher, 42 anos, com hemorragia intracraniana decorrente de aneurisma cerebral roto, em ventilação mecânica na Unidade de Terapia Intensiva (pressão expiratória final positiva = 5cmH₂O.), será submetida à craniectomia descompressiva. Possui os seguintes parâmetros hemodinâmicos: pressão arterial sistêmica média = 60 mmHg; pressão intracraniana = 15 mmHg; pressão venosa central = 14 mmHg. Sua pressão de perfusão cerebral em mmHg é igual a : A) 46 B) 45 C) 40 D) 55 Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 61 COMENTÁRIO A pressão de perfusão cerebral é resultado da pressão arterial média menos a pressão intracraniana, ou seja, a pressão com que o sangue entra no arcabouço craniano, menos a pressão já existente nesse compartimento: PPC = PAM – PIC. Sendo assim, para essa paciente, 60 mmHg – 15 mmHg, resultando em 45 mmHg. O ideal é mantera pressão de perfusão acima de 60 mmHg. Para a paciente em questão, como a pressão intracraniana está normal (abaixo de 20 mmHg), a estratégia seria elevar a PAM, com volume ou, caso indicado, droga vasoativa. Correta a alternativa B. (ES - HOSPITAL ESTADUAL DR JAYME DOS SANTOS NEVES - HEJSN - 2024) Um paciente com lesão cerebral traumática grave foi submetido à intubação endotraqueal e está sob ventilação mecânica. O médico que está conduzindo o atendimento optou por manter a hiperventilação controlada. Qual é o objetivo principal dessa conduta neste caso? A) Promover a recuperação da função pulmonar. B) Melhorar a oxigenação cerebral. C) Reduzir o edema cerebral. D) Prevenir hipercapnia. COMENTÁRIO. O gás carbônico (CO2) é um potente vasodilatador arterial intracraniano. Sendo assim, o aumento da pressão parcial de CO2 no sangue leva à vasodilatação, aumento do volume intracraniano e, com isso, da pressão intracraniana. Dessa forma, a hiperventilação reduz a pressão parcial do CO2 no sangue e, com isso, reduz o tônus vascular, levando à diminuição do volume intracraniano e consequentemente da pressão intracraniana. Apesar de benéfico nesse aspecto, o preço a ser pago é alto! A vasoconstrição leva à redução do fluxo sanguíneo e, com isso, propicia a isquemia do parênquima cerebral. Sendo assim, a hiperventilação deve ser feita de forma controlada e por pouco tempo. Incorreta a alternativa A. O objetivo principal da hiperventilação é o controle do volume intracraniano. O ajuste ventilatório não parece ser um problema no quadro em questão. Incorreta a alternativa B. Para isso, a hipoventilação, aumentando a PaCO2 sanguínea, e, com isso, aumentando o fluxo sanguíneo, é que deveria ser buscada. Correta a alternativa C. Exatamente. Como vimos acima! Incorreta a alternativa D. A ideia é reduzir a PaCO2, não para prevenir a hipercapnia, e sim para reduzir o volume intracraniano. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 62 6.2 QUADRO CLÍNICO A hipertensão intracraniana (HIC) leva a um quadro de rebaixamento do nível de consciência, medido pela pontuação inferior a 15 na Escala de Coma de Glasgow, cefaleia, náuseas, vômitos e sinais neurológicos focais, como déficits motores, crises epilépticas e paralisias de nervos cranianos. A ocorrência dos clássicos vômitos em jato é rara, de difícil caracterização e não deve ser pesquisada nem sua ausência descartar a hipótese de HIC. Um dos achados mais frequentes é o papiledema, descrito acima. Por isso, é fundamental a realização do exame de fundo de olho em todos os pacientes com queixa de cefaleia, pois, na eventualidade da presença de papiledema, é preciso descartar a ocorrência de hipertensão intracraniana. Esse assunto é mais bem explorado na aula de Cefaleia. O nervo craniano mais frequentemente afetado pela hipertensão intracraniana é o VI NC (abducente). A paralisia do VI NC leva a um estrabismo convergente, pois o paciente não é capaz de realizar a abdução do olho afetado em virtude da perda do comando neural sobre o músculo reto lateral. Em alguns casos, a paralisia é bilateral e o paciente pode referir dificuldade para olhar para longe, situação em que os olhos precisam se afastar um pouco um do outro, pela ação sinérgica dos músculos reto laterais. Tipicamente, há referência de uma visão dupla (diplopia), horizontal, ou seja, o indivíduo vê duas imagens, uma ao lado da outra, melhorando quando fecha um dos olhos (diplopia binocular). CAI NA PROVA (UFPR -2020) O par craniano acometido inicialmente com mais frequência no aumento da pressão intracraniana é:A- A) III B) B- IV C) C- V D) D- VI E) E- VII. COMENTÁRIO Incorreta aalternativa A. O nervo oculomotor (III NC) é acometido nas herniações uncais, que já ocorrem em uma fase avançada de hipertensão intracraniana, quando outros nervos cranianos já podem ter sido afetados. Incorreta a alternativa B. O nervo troclear (IV NC) é o segundo nervo mais acometido na hipertensão intracraniana. Ele é o único nervo craniano com origem posterior no tronco encefálico (mesencéfalo, na altura do colículo inferior) e se dirige anteriormente. Incorreta a alternativa C. O nervo trigêmeo (V NC) é um dos mais espessos nervos cranianos, sendo um dos menos afetados na hipertensão intracraniana. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 63 Correta a alternativa D O nervo abducente (VI NC) possui um trajeto longo entre a ponte e o seio cavernoso. Ele pode ser lesionado em vários pontos de seu trajeto. Assim, ele é o mais frequentemente comprometido nos quadros de hipertensão intracraniana. Incorreta a alternativa E. Apesar de ser o nervo craniano mais afetado individualmente entre todos os nervos, a lesão do nervo facial (VII NC) é mais frequentemente idiopática (paralisia de Bell), e menos comumente causada por hipertensão intracraniana. Os déficits motores dependem da área afetada e costumam ser mais pronunciados quando o paciente apresenta herniação cerebral, descrita a seguir. As crises epilépticas podem ocorrer por irritação cortical devido à compressão do parênquima cerebral contra o crânio. Os déficits motores e de outros nervos cranianos já foram descritos anteriormente. Crianças com hipertensão intracraniana, principalmente devido à hidrocefalia, podem apresentar o sinal do sol poente. Ele é caracterizado pelo desvio dos olhos para baixo, com a esclera sendo visível entre a pálpebra superior e a íris. Acredita-se que a explicação para o fenômeno seja uma dilatação do aqueduto mesencefálico e compressão de estruturas periaquedutais, incluindo núcleos dos nervos cranianos III, IV e VI. Esse sinal não é patognomônico e pode ser encontrado em crianças sadias. 6.3 HERNIAÇÕES CEREBRAIS Nas fases mais avançadas da hipertensão intracraniana, o parênquima sofre uma compressão intensa e acaba sendo “empurrado” para uma região de menor pressão. Isso se chama herniação cerebral. São três as principais herniações cerebrais: a subfalcina, a transtentorial central e a transtentorial uncal. Na herniação subfalcina, o giro do cíngulo é deslocado por baixo da borda livre da foice do cérebro, podendo comprimir as artérias pericalosas (ramos da artéria cerebral anterior). Isso pode gerar uma isquemia do território de irrigação da artéria cerebral anterior e causar uma monoparesia ou diplegia crural. Em seu grau mais avançado, pode ocorrer uma herniação das tonsilas cerebelares pelo forame magno, causando compressão de estruturas bulbares e da medula cervical, incluindo o centro respiratório. Na herniação transtentorial central ocorre deslocamento descendente do diencéfalo (tálamos) pela abertura da tenda do cerebelo. A porção posterior do lobo temporal comprime a artéria cerebral posterior e causa isquemia talâmica, hipocampal e do lobo occipital. A região anterior do lobo occipital comprime o diencéfalo e o paciente evolui com dificuldade de concentração, memória recente, rebaixamento do nível de consciência, miose reativa, hemiparesia ou tetraparesia, decorticação, Babinski e respiração de Cheyne-Stokes. Na herniação transtentorial uncal, o giro temporal anterior (uncus) desloca-se pela abertura da tenda do cerebelo imediatamente à frente do mesencéfalo, comprimindo-o e ocasionando rebaixamento da consciência, hiperventilação, hemiparesia, midríase unilateral (por compressão do nervo oculomotor), sinal de Babinski e descerebração unilateral. Posteriormente, o outro lado pode ser comprimido e o paciente evoluir com tetraparesia, descerebração bilateral, coma, pupilas médio-fixas e estrabismo divergente. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 64 Figura 14: Representação esquemática das principais herniações cerebrais. A figura 14 mostra essas informações de forma esquemática. CAI NA PROVA (PR - ALIANÇA SAÚDE - PUC-PR - 2023) Paciente de 55 anos é trazido pelo SAMU ao pronto-socorro com história de ter iniciado há 5 horas quadro confusional agudo associado a sinais focais. Durante o transporte, o paciente apresentou 3 episódios de crises convulsivas que foram revertidas com uso de diazepam. Você examina o paciente e percebe que ele pontua 26 pontos na escala NIHSS, seu pulso é irregular, sua frequência cardíaca é de 108 bpm e sua pressão arterial de 160 x 100 mmHg. O paciente evolui com rebaixamento do nível de consciência e anisocoria, sua pressão está em 192 x 88 mmHg e sua frequência cardíaca em 42 bpm. Após proceder com a Intubação orotraqueal, assinale a medida emergencial a ser realizada para o tratamento. A) Manter o ventilador configurado para hipercapnia permissiva. B) Infusão de nitroprussiato de sódio por via intravenosa. C) Infusão de solução salina hipertônica ou de manitol por via intravenosa. D) Manter a cabeceira do paciente a 90 graus. E) Sedação com uso de quetamina. COMENTÁRIO Descreve-se um caso genérico, que admite vários diagnósticos diferenciais, de um paciente com confusão mental associada a déficits neurológicos focais e três episódios convulsivos. Até aqui, não há um diagnóstico definitivo e a conduta é a monitorização, a realização de exames laboratoriais e, sobretudo, de exame de neuroimagem. No entanto, logo depois, o enunciado descreve que o paciente evoluiu com elevação aguda da pressão arterial, bradicardia, rebaixamento do nível de consciência e anisocoria. O que houve? Provavelmente, uma herniação cerebral! Assim, estamos diante de uma absoluta emergência neurológica! Mesmo antes de levar o paciente para a TC de crânio, a pressão intracraniana deve ser reduzida! A medida inicial indicada é o uso de solução hipertônica. Já que a paciente está Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 65 hipertensa, tanto o manitol quanto a salina hipertônica são uma alternativa. Vejamos as alternativas. Incorreta a alternativa A. Uma das alternativas para reduzir a pressão intracraniana é buscar a hiperventilação, o que gera hipocapnia, não hipercapnia! Isso acontece porque o CO2 é um potente vasodilatador intracraniano, sendo assim, sua redução promove vasoconstrição, o que leva, em última análise, à redução do volume sanguíneo intracraniano e, com isso, da pressão intracraniana. A hipercapnia permissiva aumentaria a pressão intracraniana ao invés de reduzi-la. Incorreta a alternativa B. A elevação pressórica é uma consequência presumida da herniação cerebral. Reduzir a pressão não resolve o problema, na verdade, piora-o, uma vez que reduzirá a perfusão cerebral. Correta a alternativa C. Exatamente! Como vimos acima, essa é a medida adequada nesse momento. Incorreta a alternativa D. Manter a cabeceira a 30 graus, não a 90 graus! Incorreta a alternativa E. A sedação, neste momento, não é a principal medida. Além disso, apesar de não ser de todo correto, algumas literaturas advogam que a quetamina pode elevar a pressão intracraniana. 6.4 DESCOMPENSAÇÃO DA HIPERTENSÃO INTRACRANIANA Nas fases mais avançadas da hipertensão intracraniana descompensada, o paciente pode evoluir com compressão dos centros respiratórios e cardiorregulatórios, promovendo bradicardia e alteração do ritmo respiratório. Nesses indivíduos, para manter a pressão de perfusão cerebral, a pressão arterial média se eleva (PPC = PAM – PIC). Assim, temos o reflexo ou tríade de Cushing, caracterizado por hipertensão arterial, bradicardia e alteração do ritmo respiratório. É importante que o futuro Residente memorize essa tríade e entenda que ela só ocorre na fase final (descompensada) da hipertensãointracraniana. É um assunto muito frequente em provas de Residência. 6.5 MONITORIZAÇÃO CEREBRAL NA HIPERTENSÃO INTRACRANIANA Cushing fez um trabalho experimental em que ele abria uma janela no crânio de cães e conseguia observar as artérias piais. Colocava uma cânula com uma fina bolsa de borracha no interior do crânio e insuflava-a, ao mesmo tempo em que observava o que acontecia com as artérias piais. Foi assim que ele descreveu o reflexo de Cushing. Por meio dele, quando as artérias piais ficavam totalmente ocluídas, ocorria um aumento da pressão arterial e elas logo voltavam a se encher de sangue, ao mesmo tempo em que registrava a pressão intracraniana. Quando a pressão intracraniana se igualava à pressão arterial, notava-se que o animal apresentava apneia e bradicardia. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 66 Nos pacientes que não estão sedados/intubados, a monitorização neurológica é feita pela avaliação clínica baseada no nível de consciência. Se houver rebaixamento da consciência, o paciente deverá ser investigado com exame de imagem. Entretanto, a maioria desses pacientes se encontra intubada e sedada, de modo que perdemos o parâmetro clínico para a avaliação da resposta verbal. Por essa razão, torna-se necessário o uso de métodos complementares para o acompanhamento desses pacientes. Dentre eles, merecem destaque o cateter ventricular para monitorização da PIC, o eletroencefalograma (EEG), o BIS e a oximetria do bulbo jugular. MONITORIZAÇÃO DA PRESSÃO INTRACRANIANA 1. O cateter ventricular para monitorização da PIC é o método padrão-ouro. Ele é capaz de obter a informação diretamente do cérebro. O valor da pressão é o mesmo em qualquer parte do encéfalo. Caso a pressão esteja elevada no tronco encefálico, também estará elevada no cerebelo, no lobo frontal e em volta do cateter. Além disso, ele permite uma drenagem do liquor em casos de elevação da PIC. 2. O EEG é um excelente método de monitorização cerebral, mas é considerado um método indireto, pois detecta a atividade elétrica do córtex cerebral a partir de um registro feito na superfície do crânio. É susceptível a efeito de medicações sedativas, que podem interferir em sua análise. Alterações focais que estejam localizadas em áreas profundas podem não ser detectadas e passar despercebidas por esse método. 3. O BIS é o índice Biespectral. Trata-se de um método quantitativo baseado no EEG. Conforme as atividades das ondas elétricas cerebrais, o sensor transforma a informação em um número de 0-100, sendo o zero a ausência total de atividade elétrica cerebral e o 100 um aumento excessivo compatível com uma crise epiléptica. Entretanto, várias situações fisiológicas, como o sono, podem ser confundidas com alterações patológicas. 4. A oximetria de bulbo jugular é realizada por meio da implantação retrógrada de um cateter até o bulbo jugular. A saturação venosa de oxigênio jugular normal é de cerca de 60%. Quando esse valor estiver abaixo de 50% por mais de 10 minutos, considera-se uma dessaturação cerebral, significando uma grande diferença entre a oferta e a demanda de oxigênio no cérebro. Contudo, é um método indireto e sujeito a muitas variáveis, além de não ter sido validado por estudos randomizados. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 67 6.6 TRATAMENTO DA HIPERTENSÃO INTRACRANIANA 6.6.1 TRATAMENTO INICIAL O traumatismo cranioencefálico é a causa mais comum de hipertensão intracraniana em nosso meio. O tratamento dessa condição envolve medidas de atenção pré-hospitalar discutidas detalhadamente no livro digital de Cirurgia do Trauma. Assim como em outras causas de rebaixamento do nível de consciência, as medidas iniciais de manutenção das vias aéreas e suporte circulatório devem ser obedecidas inicialmente, além dos cuidados com a coluna vertebral. Isso é sempre uma pegadinha presente em qualquer questão de emergência em provas de Residência, não importa de que área. A intervenção inicial mais importante é sobre aquelas que podem matar mais rapidamente: comprometimento de vias aéreas e da circulação. Não se esqueça disso jamais! Pacientes com pontuação na Escala de Coma de Glasgow menor ou igual a oito devem ser submetidos à intubação orotraqueal (IOT) para proteção de vias aéreas. Pacientes agitados, com nível de consciência melhor do que 8 pontos na Escala de Glasgow também podem ser considerados para intubação caso a ventilação fique prejudicada em decorrência dessa agitação. 6.6.2 TRATAMENTO ESPECÍFICO O tratamento específico da hipertensão intracraniana tem como base manter a pressão de perfusão cerebral adequada, através da manutenção da pressão arterial elevada e da redução da pressão intracraniana (PPC = PAM – PIC). A pressão arterial média deve ser suficiente para manter a pressão de perfusão cerebral pelo menos acima de 60 mmHg. Os valores máximos de sistólica e diastólica não podem superar 220 e 120 mmHg, respectivamente, pelo risco de gerar sangramento e encefalopatia hipertensiva (edema cerebral vasogênico), devido à perda da capacidade de autorregulação cerebral. Ao lembrarmos a fisiopatologia da hipertensão intracraniana, considerando os quatro compartimentos que podem influenciar no processo, ficará mais fácil de entendermos o tratamento. Então, vamos dividir as modalidades terapêuticas em tratamentos para redução de volume de sangue venoso, sangue arterial, líquor e até do parênquima cerebral (acredite se quiser, é possível!). 6.6.2.1 SANGUE VENOSO O volume de sangue venoso pode ser reduzido com a melhora do retorno venoso. Isso é feito com a elevação da cabeceira a 30º, mantendo-se o pescoço em posição neutra. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 68 6.6.2.2 LÍQUOR No caso da hidrocefalia, ocorre aumento do volume do líquor ventricular. A produção do líquor é feita pelo plexo coroide, nos ventrículos laterais, e a reabsorção pode ser feita tanto pelas granulações aracnóideas quanto pelos espaços perivasculares, em menor escala. A hidrocefalia obstrutiva (não comunicante) ocorre por uma obstrução à circulação de líquor entre os ventrículos laterais e o III e IV ventrículos. Já a hidrocefalia comunicante (não obstrutiva) decorre de uma falha da reabsorção do líquor, por exemplo, por um processo inflamatório/infeccioso aracnóideo. No primeiro caso, o tratamento geralmente é cirúrgico. A forma comunicante pode ou não ser tratada cirurgicamente. Em casos infecciosos ou inflamatórios de hipertensão intracraniana pode não ser recomendado realizar o tratamento cirúrgico definitivo. Nessas situações, deve-se realizar um procedimento temporário, até que as condições necessárias para o tratamento definitivo sejam alcançadas. A derivação ventricular externa é o método temporário mais utilizado. Por meio dela, o cateter ventricular tem sua extremidade colocada no ventrículo e a outra ponta fica conectada a um sistema coletor na cabeceira do leito. Pelo princípio de vasos comunicantes, ajusta-se a altura do sistema coletor e é possível regular o valor de pressão intracraniana conforme a altura em cm do sistema em relação ao meato acústico externo. Esse aparato deve ser totalmente utilizado em ambiente de terapia intensiva, com cuidados habituais para controle de infecção. 6.6.2.3 SANGUE ARTERIAL Para a redução do volume de sangue arterial, o principal alvo é a redução da PaCO2 através da hiperventilação. Podemos ainda reduzir o consumo de oxigênio pelos tecidos, através de sedação e analgesia. Outra medida ainda experimental é a hipotermia, que não deve ser aplicada, mas, como cai na prova, comentaremos. 6.6.2.3.1 HIPERVENTILAÇÃO A hiperventilação pode levar a um quadro de redução da concentração sanguínea de CO2 (hipocapnia).A hipocapnia gera vasoconstrição. O menor volume de sangue arterial ocupa menos espaço no crânio e diminui a pressão intracraniana. Porém, a vasoconstrição prolongada pode causar isquemia, podendo tardiamente causar edema citotóxico e levar à piora da hipertensão intracraniana. A hipercapnia gera vasodilatação e aumento do fluxo sanguíneo cerebral, aumentando a pressão intracraniana, o que não é desejado. Além disso, a hiperventilação provoca elevação de lactato e glutamato, que agravariam o dano cerebral. O ideal é usar um dispositivo de ETCO2, não diminuir a PaCO2 a menos de 30 mmHg e evitar a hiperventilação nas primeiras 24-48h do TCE. Trabalhos com pacientes que ficaram com a PaCO2 abaixo de 25 mmHg mostraram evolução desfavorável do quadro. A PaO2, por sua vez, deve estar sempre acima de 60 mmHg. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 69 6.6.2.3.2 SEDAÇÃO E ANALGESIA A sedação e a analgesia diminuem o metabolismo cerebral, diminuindo assim a necessidade por oxigênio e por sangue arterial. Isso possibilita que o sangue arterial possa ter sua quantidade diminuída parcialmente, apenas o suficiente para que os neurônios se mantenham vivos até que a causa da hipertensão intracraniana seja revertida. O uso de barbitúricos, como o tiopental, para manter o paciente sedado é uma terapêutica considerada de segunda linha, quando as outras intervenções para redução da pressão intracraniana não surtiram efeito. Cetamina é anestésico e aumenta o fluxo sanguíneo cerebral, por sua ação de antagonista competitivo de NMDA, receptor de glutamato. É indicada em pacientes com hipotensão arterial, pois eleva os valores de pressão. Devido aos seus efeitos simpatomiméticos, ela também pode induzir aumento do fluxo sanguíneo cerebral, aumentando a pressão intracraniana. Seu uso deve ser evitado em pacientes cujo aumento da pressão intracraniana seja indesejado. 6.6.2.3.3 HIPOTERMIA Assim como a sedação profunda, a hipotermia também reduz a demanda de oxigênio pelo tecido, reduzindo as necessidades de fluxo sanguíneo. Ela não é indicada rotineiramente devido aos riscos de complicações cardíacas e hematológicas. 6.6.2.4 PARÊNQUIMA CEREBRAL Para reduzirmos o volume de parênquima cerebral, só há duas maneiras: reduzir o número de células ou diminuir o volume de líquido no espaço intersticial. A primeira traria consequências desastrosas. Resta apenas reduzirmos o volume intersticial. Como isso pode ser feito? De duas maneiras: uso de diuréticos osmóticos e de salina hipertônica. 6.6.2.4.1 SALINA HIPERTÔNICA E MANITOL O uso da solução hipertônica (3%, 7,5% e 20%) pode ser considerado na HIC refratária. Ela tem o objetivo de retirar o excesso de líquido extracelular no parênquima cerebral, reduzindo o volume ocupado pelo tecido cerebral. Não há evidências contundentes de sua eficácia, mas alguns centros usam essa medida. Manitol 20% na dose de 0,5 a 1 g/kg, IV, em 5 a 30 minutos, pode ser uma alternativa para a redução da hipertensão intracraniana. O manitol é um diurético que rouba fluido extracelular para o intravascular e também pode melhorar a viscosidade do sangue arterial, facilitando sua circulação e diminuindo temporariamente a isquemia. Esse efeito é fugaz. Dizemos que o manitol é a droga para ser usada no elevador, entre a constatação da piora da pressão intracraniana e a chegada ao centro cirúrgico. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 70 6.6.2.4.2 OUTRAS INTERVENÇÕES As outras intervenções para evitar o aumento da pressão intracraniana, por controle do volume do parênquima cerebral, são: • Glicemia: manter entre 140 e 180 mg/dl; • Temperatura: normotermia se preciso, com o auxílio de dispositivos e medicamentos; • Hemoglobina: a realização de transfusão para manter Hb > 10 mg/dl em comparação com Hb>7 mg/dl não mostrou benefício em um estudo. Essa conduta é controversa; • Controle da coagulação: um terço dos pacientes com TCE grave apresentam coagulopatia. Deve-se manter o nível de plaquetas acima de 75 mil, sendo que em pacientes com plaquetas abaixo de 135 mil, o risco de hemorragia é 12 vezes maior, e, abaixo de 95 mil, 31 vezes maior. No entanto, não há recomendação para que nível de plaquetas seja a meta a ser atingida. HIPERTENSÃO INTRACRANIANA (HIC) PPC = PAM - PIC PRESSÃO ARTERIAL: SISTÓLICA 10 Plaq > 75 mil Figura 15: Tratamento da hipertensão intracraniana. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 71 CAI NA PROVA (FAMEMA - 2025) Paciente de 19 anos, vítima de trauma cranioencefálico, apresenta sinais de hipertensão intracraniana e de herniação uncal. No local de atendimento, não há neurocirurgião. Com base nesse contexto, assinale a alternativa correta. A) A escolha entre uso do manitol e da solução salina hipertônica é exclusiva do médico que atende. B) A pCO₂ deve ser mantida entre 30 e 35 mmHg. C) A cabeceira deve ser mantida em 10 graus, aproximadamente. D) A pressão de perfusão cerebral deve ser mantida acima de 40 mmHg. COMENTÁRIO. Como vimos acima, a escolha entre manitol e salina não é decisão exclusiva do médico. A cabeceira deve ser elevada a 30 graus, não 10 e a pressão de perfusão ideal é de ao menos 60 mmHg. Já em relação à PaCO2, de fato, haja vista os sinais de descompensação da hipertensão intracraniana, a hiperventilação, buscando redução parcimoniosa da PaCO2, é uma alternativa. (UFCSPA - 2023) Considerando-se uma criança de 9 anos que é admitida na Emergência Pediátrica com sinais de hipertensão intracraniana, quais deles fazem parte da tríade de Cushing: I. Bradicardia. II. Hipertensão arterial. III. Anisocoria. IV. Paralisia do 6º nervo craniano. Estão CORRETOS: A) Somente os itens I e II. B) Somente os itens I e IV. C) Somente os itens II e III. D) Somente os itens III e IV. COMENTÁRIO O enunciado é direto e questiona sobre os sintomas que compõem a tríade de Cushing, manifestação da hipertensão intracraniana descompensada. São eles: alteração do ritmo respiratório, bradicardia e hipertensão arterial. Algumas bancas podem utilizar a bradipneia para caracterizar a alteração do ritmo respiratório, esteja atento a isso. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 72 CAPÍTULO 7.0 MORTE ENCEFÁLICA A morte encefálica é um processo de lesão irreversível, incompatível com a vida, cujo diagnóstico é baseado em legislação específica e na Resolução n° 2.173/17 do Conselho Federal de Medicina (CFM). 7.1 PRÉ-REQUISITOS De acordo com essa Resolução 2173/17 do CFM, o paciente deverá estar em observação hospitalar há pelo menos 6h, exceto em situações em que o quadro seja decorrente de anoxia cerebral, como em afogamentos e pós-reanimação cardiopulmonar, nas quais esse período deverá ser de 24h. A causa do coma deve ser conhecida e compatível com o quadro, reconhecida através de história clínica e de alteração no exame de imagem. Nos pacientes instáveis do ponto de vista hemodinâmico, em que não seja possível realizar o exame de neuroimagem, o protocolo de morte encefálica não poderá ser realizado. É importante ressaltar que o uso de sedativos pode mimetizar um quadro de morte encefálica e, por esse motivo, esses medicamentos devem ser suspensos previamente ao início do protocolo, para que os resultados não sejam falso-negativos. Em pacientes usando fármacos depressores do sistema nervoso central, deve-se aguardar o intervalo mínimo de 4-5 meias-vidas após a interrupção de sua infusão para o iníciocapítulo, discutiremos como abordar um paciente com alteração da consciência, seguindo o protocolo de atendimento padronizado, considerando quais são os melhores exames a serem solicitados e que tratamentos ministrar a esses pacientes. Algumas situações especiais, relativas aos quadros de Alterações do Nível de Consciência, merecem destaque e serão abordadas separadamente, para um melhor aproveitamento. São elas: a encefalopatia de Wernicke-Korsakoff, a hipertensão intracraniana e o estado confusional agudo, também conhecido por delirium. Além disso, aproveitaremos o espaço para discutir alguns aspectos de toxicologia e anestesiologia relacionados ao tema do capítulo. Finalmente, discutiremos morte encefálica, seus aspectos legais e a legislação que determina o protocolo de atendimento. Esse é um assunto bastante cobrado nas provas mais recentes, pois a legislação correspondente mudou nos últimos anos, com algumas novidades. No epílogo da aula, falaremos sobre duas situações especiais: a síndrome do cativeiro e o estado de consciência mínima. Esperamos com isso cobrir todo o conteúdo exigido nas provas e propiciar ao colega que nos lê a segurança e o conhecimento necessários para obter o sucesso esperado nos principais concursos do país! Para isso, exemplificaremos a teoria com várias questões das principais provas do país. Ao final do capítulo, recomendamos a resolução de questões para treinamento e a leitura dos comentários detalhados sobre cada alternativa. Veja abaixo, a estatística dos principais subtópicos desse tema. Bons estudos! Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 8 1.0 CONCEITOS E FISIOPATOLOGIA A consciência é definida por meio de dois aspectos: nível e conteúdo. Nível de consciência significa o grau de alerta comportamental e tem caráter quantitativo. Já o conteúdo da consciência é a soma de todas as funções intelectuais, como memória, linguagem, atenção e abstração, além do comportamento. A manutenção da consciência depende de um bom funcionamento de determinadas estruturas encefálicas. O comprometimento anatômico e/ou funcional dessas estruturas pode levar a um quadro de rebaixamento do nível da consciência ou a uma alteração qualitativa. 1.1 O SISTEMA ATIVADOR RETICULAR ASCENDENTE Podemos dividir o encéfalo em dois compartimentos: supratentorial e infratentorial. “Tentorial” deriva de “tenda” do cerebelo, que é o limite superior desse órgão. Se passarmos uma linha que continua a partir dela até a região mais anterior, teremos a divisão do encéfalo nesses dois compartimentos. Acima dela, estarão os componentes do chamado cérebro: telencéfalo (os hemisférios cerebrais) e o diencéfalo (tálamo, hipotálamo, epitálamo e subtálamo). O cérebro é o conteúdo supratentorial do encéfalo. Fazem parte das estruturas infratentoriais o cerebelo e o tronco encefálico. Os componentes do tronco encefálico, do mais rostral para o mais caudal, são o mesencéfalo, a ponte e o bulbo. Na região posterior da transição entre o mesencéfalo e a ponte, portanto, na porção infratentorial, temos um grupo de neurônios conhecido por formação reticular. Desses, partem impulsos elétricos que ascendem até os tálamos, de onde seguem para os hemisférios, ativando o córtex. Esse sistema neural recebe o nome de sistema ativador reticular ascendente (SARA – Figura 1). Lesões ou comprometimento funcional nessas estruturas podem afetar o nível e/ou conteúdo da consciência. CAPÍTULO Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 9 Figura 1: Sistema ativador reticular ascendente e seus componentes. Note que a formação reticular se situa na parte posterior da transição pontomesencefálica e emite eferências para o tálamo, que, por sua vez, estimula todo o córtex cerebral para nos mantermos alertas. As causas de comprometimento do nível da consciência são divididas em: • Focais: • Supratentoriais extensas ou multifocais (20-25% dos casos); • Infratentoriais (10-15% dos casos); e • Difusas (65% dos casos): tóxicas, metabólicas, infecciosas, etc. Considerando a localização do SARA, partindo da transição ponto-mesencefálica, uma lesão na porção INFERIOR DA PONTE ou no BULBO não causaria comprometimento do nível de consciência. Na altura do diencéfalo, para que ocorra diminuição do nível de consciência, uma lesão deverá ocorrer bilateralmente. Isso é possível em alguns pacientes que apresentam uma variação anatômica circulatória, chamada artéria de Percheron, um único vaso que irriga simultaneamente os dois tálamos. Um acidente vascular cerebral (AVC) da artéria de Percheron pode causar rebaixamento do nível de consciência. Entretanto, um rebaixamento do nível de consciência decorrente de um acometimento dos hemisférios cerebrais só ocorre quando a causa for uma lesão muito extensa ou quando existem várias lesões simultâneas (multifocais). Isso explica o porquê de um paciente com AVC isquêmico extenso só apresentar rebaixamento cerca de 72h após o início dos sintomas: com a morte dos neurônios por isquemia, Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 10 1.2 DEFINIÇÕES Neste tópico, esclarecemos rapidamente algumas terminologias para não ficar nada para trás. Vamos em frente! O nível de consciência oscila entre dois padrões fisiológicos ao longo do dia: a vigília, em que estamos acordados, espontaneamente de olhos abertos, e a sonolência, em que estamos dormindo, mas podemos despertar de forma não provocada ou por meio de estímulos sensoriais de várias naturezas (tato, olfato, luminosidade, som, movimento). Isso ocorre porque as vias sensoriais (que partem para o cérebro a partir dos receptores dos órgãos dos sentidos) passam necessariamente pela formação reticular no tronco encefálico. Em condições patológicas, podemos evoluir com rebaixamento do nível de consciência, devido a um comprometimento anatômico e/ou funcional do SARA. A depender do grau de lesão, teremos mais ou menos rebaixamento. Clinicamente, isso pode ser mensurado por meio de um teste simples da avaliação da abertura ocular. Caso o paciente se encontre espontaneamente de olhos abertos, ele estará vígil. Quando encontramos um paciente de olhos fechados, inicialmente tentamos despertá-lo por meio de um estímulo brando, não doloroso, podendo ser tátil ou verbal. Uma vez que ele abra os olhos, nessas circunstâncias, é classificado como sonolento. Entretanto, alguns pacientes só são despertados após um estímulo doloroso e essa situação é chamada de torpor. Quando o comprometimento das vias do SARA é mais importante, nem mesmo o estímulo doloroso é capaz de despertar o paciente e esse acaba sendo classificado como comatoso. Dessa forma, definimos coma como um estado de rebaixamento do nível de consciência em que o paciente permanece de olhos fechados, não respondendo de forma adequada a estímulos externos ou mesmo internos. Agora, preste muita atenção! Pacientes em coma precisam necessariamente ser intubados, pois o comprometimento da consciência interfere na sua capacidade de distinção entre o que deve ir da cavidade oral para a via aérea ou para a digestiva, aumentando substancialmente seu risco de broncoaspiração. Em outras palavras, a indicação de intubação no paciente em coma é a proteção da via aérea. Em alguns pacientes, o conteúdo da consciência é prejudicado de forma aguda. Geralmente, isso ocorre devido a alterações tóxico-metabólicas ou infecciosas, principalmente em idosos. Os pacientes evoluem com dificuldade de atenção e confusão mental. Por essa razão, essa entidade recebe o nome de estado confusional agudo, delirium ou síndrome mental orgânica. Ela pode ocorrer associada a aumento da atividade psicomotora (delirium hiperativo), diminuição (deliriumdo protocolo. Em pacientes com hipotermia, aguarda-se a elevação da temperatura esofagiana, retal ou vesical para acima de 35°C. A temperatura axilar pode ser usada como parâmetro, obedecendo aos mesmos valores. Para início do protocolo, satisfeitas as condições anteriores, o paciente ainda deve apresentar 3 pontos na Escala de Coma de Glasgow, SaO2 maior que 94% e temperatura corporal maior que 35ºC, como mostrado na figura 16. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 73 Figura 16: Pré-requisitos para o início do protocolo de morte encefálica. A Resolução CFM nº 2173/2017 especifica que “a hipernatremia grave refratária ao tratamento não inviabiliza determinação de morte encefálica, exceto quando é a única causa do coma”. CAI NA PROVA (UNICAMP - 2025) Mulher, 25a, vítima de acidente automobilístico, com trauma cranioencefálico grave é trazida ao Pronto Socorro com colar cervical, prancha rígida, entubação endotraqueal e acesso venoso. Tomografia computadorizada realizada na admissão: presença de hematoma subdural extenso com desvio das estruturas da linha média maior que 5mm; fratura do corpo vertebral de C3 com desalinhamento; demais segmentos corpóreos sem alterações. Foi submetida ao procedimento neurocirúrgico e encaminhada para Unidade de Terapia Intensiva. No terceiro dia pós operatório, apresenta pupilas midriáticas não fotorreagentes, mantida em ventilação mecânica (oximetria de pulso=98%); PAM=86mmHg; FC=62bpm em uso de droga vasoativa. Exames laboratoriais dentro dos parâmetros de normalidade, culturas negativas. O FATOR QUE CONTRAINDICA O INÍCIO DO PROTOCOLO DE MORTE ENCEFÁLICA, NESTE CASO, É: Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 74 (SES-PE - 2023) Você está de plantão em uma UTI onde está internado, há 12 horas, um paciente de 22 anos que sofreu acidente de motocicleta. No plantão anterior, foi realizada tomografia de crânio que evidenciou extenso trauma encefálico com hematoma parenquimatoso, sem condições cirúrgicas. O paciente está em ventilação mecânica, irresponsivo a estímulos dolorosos, PA 80 x 60 mmHg, sat O₂ 95%. Qual é o procedimento indicado neste momento?Consultar os familiares sobre a possibilidade de doação de órgãos. A) Otimizar reposição de volume e iniciar drogas vasoativas. B) Abrir protocolo de morte encefálica com o teste de apneia, desconectando o ventilador e observando se o paciente apresenta movimentos respiratórios até atingir PCO₂ de 55mmHg. C) Solicitar eletroencefalograma. D) Fazer a comunicação à central estadual de transplantes. COMENTÁRIO Estrategista, questão básica sobre os pré-requisitos para abrir o protocolo de morte encefálica. O paciente adulto demanda uma PAS maior ou igual a 100 mmHg ou PAM maior ou igual a 65 mmHg, portanto o protocolo não pode ser aberto enquanto os níveis tensionais não atingirem esse alvo. Incorreta a alternativa A. A equipe que executa a verificação da morte encefálica não deve abordar a família quanto à doação de órgãos, pois esse procedimento deve ser feito por equipe dedicada a isso. Além disso, o processo de identificação da ME é médico e não demanda da “autorização” da família. Os familiares, no entanto, devem ser comunicados antes sobre a abertura do processo. Correta a alternativa B. Exatamente, é necessário elevar a pressão arterial, nesse caso, antes de abrir o protocolo. Incorreta a alternativa C. O protocolo ainda não pode ser aberto. E, como veremos à frente, o teste de apneia não é realizado dessa forma. Incorreta a alternativa D. Embora o EEG seja um exame confirmatório possível, o protocolo ainda não pode ser aberto e sua realização, neste momento, não teria valor. Incorreta a alternativa E. A central de transplante é avisada quando o protocolo está em curso e aborda a família, geralmente, quando o processo está finalizado. Estrategista, questão difícil e interessante para edificarmos um ponto fundamental na execução do protocolo de morte encefálica. Para a confirmação da morte encefálica, precisamos executar todos os testes preconizados! Lembre-se de que o paciente que será submetido ao protocolo não está, ainda, “morto”. Sendo assim, na vigência de um trauma raquimedular, há inequívoca contraindicação à movimentação cervical e com isso a verificação do reflexo oculocefálico não poderá ser realizada. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 75 (Santa Casa de Misericórdia de Ribeirão Preto - 2023) Durante a avaliação da morte encefálica, é necessário conhecer a meia-vida dos principais sedativos e bloqueadores neuromusculares que, eventualmente, o paciente tenha recebido. Assinale alternativa que apresenta a correta associação entre medicamento e sua meia-vida padrão. A) Quetamina - 15 minutos. B) Etomidato - 60 minutos. C) Fentanil - 120 minutos. D) Midazolam - 30 minutos. E) Succcinilcolina - 30 minutos. COMENTÁRIO Questão muito direta sobre as meias vidas dos principais sedativos de interesse na verificação dos pré-requisitos do protocolo de Morte Encefálica. Questão decoreba e nada útil para a prática clínica, contudo, como já caiu, é importante sabermos. Midazolam: 2 horas; Fentanila: 2 horas; Etomidato: 3 horas; Propofol: 2 horas; Quetamina: 2 horas e 30 minutos; Pancurônio: 2 horas; Tiopental: 12 horas. Succinilcolina: 45 minutos Preste muita atenção, Estrategista! Apenas a administração em bólus NÃO exige esse tempo de espera! A administração em bomba de infusão contínua exige que se aguarde o período específico para cada droga, em geral, 5 meias vidas se função renal e hepática normais. Caso haja alteração hepática e/ou renal, o tempo de espera deverá ser superior a 5 meias vidas do fármaco. Incorreta a alternativa A. A quetamina tem meia vida de 150 minutos, não de 15. Incorreta a alternativa B. O etomidato tem meia vida de 180 minutos, não de 60. Correta a alternativa C. De fato, a meia vida do fentanil (desde que infundido em bomba de infusão contínua) é de 120 minutos. Incorreta a alternativa D. O midazolam, assim como o fentanil, é de 120 minutos Incorreta a alternativa E. A meia vida da succinilcolina é de cerca de 45 minutos. 7.2 EXAME CLÍNICO Realizam-se dois exames clínicos a um intervalo mínimo de uma hora se o paciente for maior de 2 anos de idade (de 7 dias a 2 meses incompletos – 24 horas; de 2 meses a 24 meses incompletos – 12 horas), por dois médicos habilitados diferentes e que não possuam vínculo com nenhuma equipe de transplante. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 76 O exame neurológico deve pesquisar a pontuação na Escala de Coma de Glasgow (que deverá ser de 3 pontos) e confirmar a ausência de reflexos de tronco nos níveis mesencefálico, pontino e bulbar (coma arreativo e aperceptivo). Os reflexos testados, suas aferências, eferências e níveis de integração no tronco estão na figura 16. Os nervos olfatório (I NC), acessório (XI NC) e hipoglosso (XII NC) não são testados no exame de morte encefálica. O(a) candidato(a) às melhores vagas de Residência Médica do país e que estuda pelo material do Estratégia MED deve estar ciente de que reflexos medulares podem estar presentes nos pacientes com morte encefálica, afinal, como o nome diz, a morte é encefálica e não medular. Então, a presença desses reflexos, inclusive sua exaltação, é totalmente compatível com o diagnóstico de morte encefálica. Os únicos reflexos que devem estar abolidos são os de tronco encefálico. O reflexo de Lázaro é um reflexo medular cervical observado em pacientes em morte encefálica. Ele consiste em uma adução dos ombros, flexão dos cotovelos, pronação ou supinação dos punhos, flexão do tronco e contração cervical e abdominal. Essa resposta é induzida principalmente pelamovimentação passiva da região cervical, sendo mais comum em manobras de flexão. A presença do sinal de Lázaro não impede o diagnóstico de morte encefálica. Figura 17: Exame clínico no paciente com suspeita de morte encefálica. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 77 7.3 TESTE DA APNEIA Além do exame clínico realizado por dois médicos treinados, é necessário realizar o teste da apneia uma única vez. Esse teste baseia- se no princípio de que a elevação do gás carbônico em pacientes em apneia é capaz de estimular o centro respiratório no bulbo e deflagrar movimento respiratório no sentido de expelir a quantidade excessiva desse gás. TESTE DA APNEIA 1. Obviamente, o paciente que será submetido ao teste da apneia, por encontrar-se em Glasgow 3, estará conectado ao ventilador mecânico. 2. Antes do início dos testes, o paciente receberá oxigênio a 100% durante, pelo menos, 10 minutos, com PEEP ≤ 5 cmH2O e, após isso, deverá ter uma gasometria arterial colhida mostrando PaCO2 entre 35-45 mmHg e PaO2> 200 mmHg. 3. Do ponto de vista hemodinâmico, é obrigatório que a pressão arterial sistólica seja ≥ 100 mmHg com ou sem auxílio de droga vasoativa e não haja sinais clínicos de hipovolemia. 4. Em seguida, o teste é iniciado, desconectando-se o tubo endotraqueal do ventilador. No interior do tubo, coloca-se um cateter de O2 na traqueia até próximo à carina, com fluxo de 6L/min. 5. A partir desse momento, inicia-se a contagem do tempo e observação da presença de algum movimento respiratório pelo paciente. 6. O teste terá duração de 10 minutos, devendo ser interrompido caso seja notado qualquer movimento respiratório ou se houver queda da pressão arterial refratária (abaixo de 90 mmHg) e/ou da SaO2 para menos de 95%. 7. Ao final do teste, colhe-se novamente uma gasometria arterial que, nos casos de morte encefálica, deverá revelar PaCO2 > 55 mmHg (teste positivo). 7.4 EXAMES COMPLEMENTARES O protocolo de morte encefálica da resolução 2173/17 do CFM exige que o paciente esteja em coma arreativo (ausência de reflexos de tronco) e aperceptivo (Glasgow 3) de causa conhecida (exame de neuroimagem compatível), com tempo de observação mínima de 6h no ambiente hospitalar (24h para casos de anoxia), com dois exames clínicos separados por 1h de intervalo, entre eles, um teste da apneia e um exame complementar. Os exames complementares podem ser eletroencefalograma (EEG), Doppler transcraniano, arteriografia cerebral e SPECT cerebral. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 78 EXAMES COMPLEMENTARES PARA A MORTE ENCEFÁLICA 1. O EEG deve revelar ausência de atividade elétrica cerebral. No entanto, não é facilmente disponível em unidades de terapia intensiva e é sujeito a artefatos de obtenção de traçado que podem dificultar sua interpretação. 2. O Doppler transcraniano é um método de ultrassonografia bidimensional por meio do qual as artérias encefálicas são insonadas e o examinador consegue medir a velocidade do fluxo sanguíneo através delas, comparando o valor obtido a uma referência considerada normal. Esse é um dos exames mais realizados, pois o aparelho é portátil e há diversas equipes que estão habilitadas e treinadas para sua realização. No caso da morte encefálica, o exame não revelaria nenhum sinal de fluxo sanguíneo cerebral. 3. A arteriografia cerebral é realizada por um cateterismo arterial, por meio de uma punção inguinal, com a introdução de um cateter até a região carotídea e vertebrobasilar do paciente e infusão de um contraste radiopaco, após o que são realizadas radiografias e a visualização do contorno dos vasos. Pacientes em morte encefálica não possuem irrigação cerebral e a infusão de contraste nesses vasos não mostraria opacificação de nenhum vaso. Esse exame é pouco usado nessa situação pois é um método invasivo, arriscado, com complicações possíveis e que necessita de profissionais altamente treinados e de uma estrutura específica e cara. 4. O SPECT cerebral é uma tomografia computadorizada com emissão de fóton único. Trata-se de um exame de medicina nuclear em que o paciente recebe uma substância endovenosa radioativa que é capaz de se acumular em tecidos específicos que estejam metabolicamente ativos. No caso do encéfalo, usa-se glicose radioativa e, nos pacientes com morte encefálica, o exame demonstra ausência de metabolismo cerebral. Também é um exame de disponibilidade baixa e difícil execução. CAI NA PROVA (UNICAMP - 2023) Mulher, 32a, vítima de traumatismo cranioencefálico grave, durante a internação na Unidade de Terapia Intensiva, evoluiu com ausência de reflexos de tronco. Às 23h42 de 05/03/2021, foi feito o primeiro exame clínico do protocolo de morte encefálica, compatível com ausência de atividade encefálica. Às 04h33 de 06/03/2021, o segundo exame clínico manteve os achados. Às 10h15 de 06/03/2021, o eletroencefalograma mostrou inatividade elétrica cerebral. Como a família confirmou que a paciente era doadora de órgãos, às 02h07 de 07/03/2021, foi feita a primeira incisão cirúrgica. Às 04h22 de 07/03/2021, o coração entrou em assistolia. O DIA E HORÁRIO DO ÓBITO SÃO: COMENTÁRIO A morte encefálica é equivalente à “morte clínica” propriamente dita. Além da definição para viabilizar eventual doação de órgãos, é fundamental para abreviar cuidados fúteis e definir o óbito do paciente. Para se considerar o diagnóstico, segundo a resolução 2173/17 do CFM, são necessários: Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 79 1. Coma arreativo (Escala de Coma de Glasgow = 3). 2. Lesão encefálica de causa conhecida, irreversível, capaz de causar o quadro e identificada em exame de neuroimagem; note que é absolutamente necessária a realização de exame de imagem para iniciar a abertura do protocolo. 3. Ausência de condições agudas que potencialmente poderiam levar ao quadro! Aqui, cabem algumas considerações. Nesse novo protocolo (desde 2017), cabe ao médico responsável pela abertura do protocolo definir se eventuais condições, como distúrbios hidroeletrolíticos, seriam suficientes para justificar o quadro de coma aperceptivo, não havendo mais “limites” de natremia, potassemia entre outros. Além disso, para o uso de drogas depressoras do sistema nervoso central, lembre-se: • em doses terapêuticas, em bólus, não se exige tempo de depuração antes de iniciar protocolo; • na infusão contínua com funções hepática e renal normais e se o paciente não tiver sido submetido à hipotermia terapêutica, aguardar 4 a 5 meias vidas da medicação antes de iniciar o processo; • na infusão contínua com alteração de função renal ou hepática ou protocolo de hipotermia terapêutica, deve-se aguardar mais que o tempo de 5 meias vidas, a depender da dose usada e grau de comprometimento renal ou hepático. Uma opção é obter o nível sérico da medicação para afastar intoxicação; • nessas condições, especificamente, deve-se dar preferência aos exames que medem fluxo sanguíneo em detrimento do EEG na fase de realização de exames confirmatórios. 4. Tempo de observação no serviço superior a 6 horas e, caso encefalopatia hipóxico-isquêmica, 24 horas. 5. Temperatura > 35 °, SaO2 > 94%, PAS ≥ 100mmHg (adultos). 6. Dois exames clínicos feitos por dois médicos diferentes com intervalo de uma hora entre eles, desde que o paciente tenha mais de 2 anos. O teste deve confirmar o coma aperceptivo e aausência de função do tronco encefálico (reflexo pupilar, reflexo oculomotor, reflexo corneopalpebral, reflexo oculovestibular, reflexo de tosse). O médico não pode participar da equipe de retirada de órgãos e deve ter, ao menos, um ano de experiência com pacientes em coma E deve ter acompanhado ou determinado, ao menos, 10 exames de morte encefálica OU realizado treinamento específico. 7. Um teste de apneiaem que, após 10 minutos desconectado do ventilador, o paciente não exiba movimentos respiratórios. Deve-se garantir que a PaCO2 ao final do teste seja superior a 55 mmHg. 8. Exame complementar confirmatório (Doppler de carótidas, arteriografia, eletroencefalograma ou SPECT cerebral). A questão faz uma pergunta muito direta: o horário em que se deve atestar o óbito. O momento da finalização do protocolo de morte encefálica ocorre quando as duas provas clínicas e o exame complementar são concluídos! Não importa o que seja feito por último, pode ser a segunda prova clínica ou o exame complementar. Portanto, no enunciado apresentado, o horário do óbito é 06/03/2021, às 10h15 da manhã. (UEL - 2023) Sobre a nova Resolução de Morte Encefálica, publicada em 2017, assinale a alternativa correta. A) A confirmação deverá ser realizada por dois exames clínicos, por médicos diferentes, especificamente capacitados para confirmar o coma não perceptivo e a ausência de função do tronco encefálico, sendo um, obrigatoriamente, neurologista. B) A confirmação deverá ser realizada por dois médicos diferentes, com intervalo de 1 hora entre os exames, e, se possível, um desses profissionais deve atuar na equipe de transplante. C) A confirmação deverá ser realizada por dois médicos diferentes, com intervalo de 1 hora entre os exames, para todos os pacientes, independentemente da idade. D) Pacientes com sepse e uso de antibióticos estão excluídos dos testes mesmo que estejam em melhora clínica e laboratorial. E) Na repetição do exame clínico (segundo exame) por outro médico, será utilizada a mesma técnica do primeiro exame. Não é necessário repetir o teste de apneia quando o resultado do primeiro teste for positivo. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 80 7.5 TORMENTA SIMPÁTICA E HIPOTENSÃO ARTERIAL NO POSSÍVEL DOADOR DE ÓRGÃOS Após a morte encefálica, várias alterações fisiológicas ocorrem no organismo, incluindo modificações bruscas na pressão arterial, hipoxemia, hipotermia, coagulopatia, distúrbios hormonais e de eletrólitos. Com o aumento da pressão intracraniana, ocorre herniação das tonsilas cerebelares e compressão do centro vagal no bulbo, gerando uma interrupção da inervação parassimpática realizada pelo nervo vago (X NC). Em contrapartida, ocorre um aumento da atividade simpática, gerando a tempestade autonômica, responsável por fenômenos como taquicardia, hipertensão, hipertermia e aumento do débito cardíaco. A tempestade autonômica apresenta duração curta. Após sua cessação, o potencial doador evolui com vasodilatação intensa e queda acentuada do débito cardíaco, podendo evoluir para assistolia nas próximas 72h. A hipotensão arterial é a alteração fisiológica mais frequente no indivíduo em morte encefálica. Ela afeta cerca de 80% dos casos. Suas causas são a vasodilatação após o término da tempestade autonômica e a hipovolemia decorrente de diabetes insipidus, perdas volêmicas em virtude de um eventual trauma sofrido pelo doador e tratamento osmótico da hipertensão intracraniana. COMENTÁRIOS Incorreta a alternativa A. Não existe a necessidade de um dos médicos ser neurologista. Incorreta a alternativa B. Na verdade, nenhum deles pode estar relacionado à equipe de transplante, o que constituiria um conflito óbvio de interesses. Incorreta a alternativa C. O intervalo entre uma prova e outra varia conforme a idade. É de 1 hora apenas a partir dos 2 anos de idade. De 7 dias a 2 meses é de 24 horas e de 2 a 24 meses, de 12 horas. Incorreta a alternativa D. Desde que haja estabilidade hemodinâmica e sejam cumpridos os pré-requisitos, o protocolo de ME poderá ser aberto, mesmo que em pacientes sépticos ou com alterações laboratoriais. Correta a alternativa E. Exatamente, desde 2017, apenas 1 teste de apneia é suficiente. Além disso, os exames de verificação de ME são pré-estabelecidos e seguem uma mesma técnica, independentemente do examinador. 8.0 SITUAÇÕES ESPECIAIS 8.1 SÍNDROME DO CATIVEIRO (LOCKED-IN) CAPÍTULO A síndrome locked in (do cativeiro) é um dos principais diagnósticos diferenciais do paciente em coma. Trata-se do resultado de uma lesão na base da ponte, distante da formação reticular, em que não ocorre comprometimento do nível de consciência. Entretanto, os pacientes vítimas dessa condição sofrerão lesão de vias motoras descendentes para os membros, musculatura da mímica facial e parte da motricidade ocular. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 81 Assim, devemos recordar onde se encontram os centros dos principais nervos cranianos no tronco encefálico (figura 18). No mesencéfalo, temos os núcleos dos nervos oculomotor (III NC), troclear (IV NC) e trigêmeo (V NC). Na ponte, encontramos os núcleos dos NC V, VI, VII e VIII (uma parte). No bulbo, situam-se núcleos dos nervos VIII (outra parte), IX, X, XI e XII. Figura 18: representação esquemática dos núcleos dos nervos cranianos no tronco encefálico. A lesão em questão causa tetraplegia pela interrupção bilateral do trato córtico-espinhal. Além disso, o paciente apresentará disfunção motora dos nervos cranianos V-XII, o que trará como consequências uma paralisia do olhar horizontal, da mímica facial, da deglutição, da movimentação da cabeça e pescoço, 8.2 ESTADO DE CONSCIÊNCIA MÍNIMA O estado de coma é temporário. Ele pode evoluir para melhora clínica, óbito ou para um estado conhecido como de consciência mínima, antigamente chamado de estado vegetativo persistente. Trata-se de situação em que o paciente vítima de uma lesão neurológica grave o suficiente para deixá-lo em coma consegue sobreviver, mas com sequelas graves. Por volta de 4-6 semanas após a lesão, ele passa a abrir os olhos, mas praticamente não tem interação alguma com o examinador. bem como da língua. Os únicos movimentos preservados serão os movimentos oculares verticais. Dessa maneira, teremos um paciente que permanece de olhos abertos, tetraplégico, mas que obedece a comandos de abrir e fechar os olhos (sem força contra a resistência) e de olhar para cima e para baixo ao comando do examinador. Nesse indivíduo, a pontuação na Escala de Coma de Glasgow será de 11 (AO = 4, MRV = 1 e MRM = 6 – obedece a comandos de olhar para cima para baixo). O exame neurológico do paciente em estado de consciência mínima revela um quadro de tetraplegia espástica, olhos abertos, ausência de resposta verbal e a resposta motora não atinge a pontuação máxima para esse item na Escala de Coma de Glasgow. O paciente é capaz de respirar espontaneamente, mantém suas eliminações fisiológicas espontâneas e exibe até o ciclo sono-vigília. Alguns estudos revelam a ativação de algumas áreas encefálicas após a realização de alguns estímulos. Há relatos de pacientes que se recuperaram desse estado, mas anedóticos e mal documentados. Por esse motivo, a nomenclatura atual é de estado de consciência mínima e não de estado vegetativo persistente. De qualquer forma, o prognóstico funcional desses indivíduos é sombrio. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 82 Baixe na Google Play Baixe na App Store Aponte a câmera do seu celular para o QR Code ou busque na sua loja de apps. Baixe o app Estratégia MED Preparei uma lista exclusiva de questões com os temas dessa aula! Acesse nosso banco de questões e resolva uma lista elaborada por mim, pensada para a sua aprovação. Lembrando que você pode estudar online ou imprimir as listas sempre que quiser. Resolva questões pelo computador Copie o link abaixo e cole no seu navegador para acessar o site Resolva questões pelo app Aponte a câmera do seu celular para o QR Code abaixo e acesse o app https://bit.ly/2ZbzsB1 https://bit.ly/2ZbzsB1 Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini| Curso Extensivo | 2025 83 10.0 CONSIDERAÇÕES FINAIS O futuro Residente tem neste material várias informações úteis sobre o tema de Neurologia mais prevalente nas provas de Residência Médica. As questões são de ampla variedade, tanto em exigência de conhecimento quanto em grau de dificuldade. É importante ressaltar que o comprometimento da consciência, seja ele por uma causa neurológica ou não, é uma situação grave que exige diagnóstico e tratamento imediato e adequado. Situações como delirium e encefalopatia de Wernicke-Korsakoff são frequentes, potencialmente graves e muito comuns nas provas. É importante estudá-las e resolver as questões de provas anteriores, conferindo o gabarito e lendo os comentários, para que o conhecimento seja sedimentado e não restem dúvidas. É importante também que o candidato esteja familiarizado com os temas de neurointensivismo (hipertensão intracraniana e morte encefálica). Em virtude das recentes modificações na resolução 2173/17 do Conselho Federal de Medicina, o tema de morte encefálica tem sido muito frequente nas provas do país inteiro. É preciso memorizar as exigências necessárias e resolver as questões sobre o assunto. Não deixe de ver também os vídeos de nosso material teórico e de resolução de questões. Estamos à disposição em nosso fórum de dúvidas. Bons estudos! CAPÍTULO Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 84 http://med.estrategia.com INTRODUÇÃO 1.0 CONCEITOS E FISIOPATOLOGIA 1.1 O SISTEMA ATIVADOR RETICULAR ASCENDENTE 1.2 DEFINIÇÕES 2.0 AVALIAÇÃO CLÍNICA 2.1 ESCALAS DE AVALIAÇÃO DO NÍVEL DE CONSCIÊNCIA 2.1.1 ESCALA DE COMA DE GLASGOW 2.1.2 ESCALAS DE SEDAÇÃO DE RAMSAY E COMFORT 2.2 AVALIAÇÃO DAS PUPILAS E FUNDO DE OLHO 2.3 MOTRICIDADE OCULAR EXTRÍNSECA 2.4 PADRÃO DE RESPOSTA MOTORA 2.5 PADRÃO RESPIRATÓRIO 2.6 DIAGNÓSTICO TOPOGRÁFICO 2.6.1 CAUSAS FOCAIS (SUPRA E INFRATENTORIAIS) 2.6.2 CAUSAS DIFUSAS (TÓXICAS E METABÓLICAS) 3.0 INVESTIGAÇÃO E CONDUTA INICIAL 4.0 ENCEFALOPATIA DE WERNICKE-KORSAKOFF 4.1 FATORES PREDISPONENTES 4.2 FISIOPATOLOGIA 4.3 QUADRO CLÍNICO 4.4 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL 4.5 TRATAMENTO 5.0 ESTADO CONFUSIONAL AGUDO (DELIRIUM) 5.1 FISIOPATOLOGIA 5.2 FATORES DE PREDISPONENTES E PRECIPITANTES 5.3 QUADRO CLÍNICO 5.4 CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS 5.5 DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL 5.6 INVESTIGAÇÃO 5.7 TRATAMENTO 5.7.1 TRATAMENTO NÃO FARMACOLÓGICO 5.7.2 TRATAMENTO FARMACOLÓGICO 6.0 HIPERTENSÃO INTRACRANIANA 6.1 FISIOPATOLOGIA 6.2 QUADRO CLÍNICO 6.3 HERNIAÇÕES CEREBRAIS 6.4 DESCOMPENSAÇÃO DA HIPERTENSÃO INTRACRANIANA 6.5 MONITORIZAÇÃO CEREBRAL NA HIPERTENSÃO INTRACRANIANA 6.6 TRATAMENTO DA HIPERTENSÃO INTRACRANIANA 6.6.1 TRATAMENTO INICIAL 6.6.2 TRATAMENTO ESPECÍFICO 6.6.2.1 SANGUE VENOSO 6.6.2.2 LÍQUOR 6.6.2.3 SANGUE ARTERIAL 6.6.2.3.1 HIPERVENTILAÇÃO 6.6.2.3.2 SEDAÇÃO E ANALGESIA 6.6.2.3.3 HIPOTERMIA 6.6.2.4 PARÊNQUIMA CEREBRAL 6.6.2.4.1 SALINA HIPERTÔNICA E MANITOL 6.6.2.4.2 OUTRAS INTERVENÇÕES 7.0 MORTE ENCEFÁLICA 7.1 PRÉ-REQUISITOS 7.2 EXAME CLÍNICO 7.3 TESTE DA APNEIA 7.4 EXAMES COMPLEMENTARES 7.5 TORMENTA SIMPÁTICA E HIPOTENSÃO ARTERIAL NO POSSÍVEL DOADOR DE ÓRGÃOS 8.0 SITUAÇÕES ESPECIAIS 8.1 SÍNDROME DO CATIVEIRO (LOCKED-IN) 8.2 ESTADO DE CONSCIÊNCIA MÍNIMA 9.0 LISTA DE QUESTÕES 10.0 CONSIDERAÇÕES FINAIShipoativo) ou ainda uma mistura dos dois anteriores (misto). Esse quadro é tão comum e tão perguntado nas provas de Residência que o discutiremos em um item separado. Encefalopatias são alterações difusas do encéfalo em que várias funções neurais são afetadas simultaneamente, por exemplo, devido a um quadro metabólico. Um exemplo clássico é a encefalopatia urêmica, que cursa com rebaixamento do nível de consciência e movimentos involuntários anormais (mioclonias negativas ou flapping). passa a ocorrer entrada de sódio e água nas células, que aumentam de volume. Todo o tecido comprometido aumenta de volume e isso só ocorre por volta do terceiro dia. Esse maior volume passa a comprimir outras estruturas até então poupadas e, assim, a quantidade de tecido saudável que recebe as aferências dos neurônios talâmicos participantes do SARA é menor, ocorrendo rebaixamento da consciência. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 11 2.0 AVALIAÇÃO CLÍNICA Na avaliação do paciente com rebaixamento do nível de consciência, é necessário analisar as seguintes variáveis: • Escala de coma de Glasgow (ou outras escalas); • Pupilas e fundo de olho; • Motricidade ocular extrínseca; • Padrão de resposta motora; e • Padrão respiratório. Esses parâmetros são utilizados para localizar uma possível lesão no sistema nervoso que possa ser culpada pelo comprometimento do nível de consciência. 2.1 ESCALAS DE AVALIAÇÃO DO NÍVEL DE CONSCIÊNCIA As escalas para avaliação da consciência são utilizadas para quantificar o grau de comprometimento neurológico e costumam levar em conta parâmetros objetivos, como a abertura ocular, a resposta verbal e respostas motoras. As respostas motoras podem estar presentes mesmo em pacientes em coma, devido à integridade de certas vias, conforme falaremos adiante. Dentre as escalas utilizadas, a Escala de Coma de Glasgow é, sem sombra de dúvidas, a mais importante. Ela foi desenvolvida inicialmente para uso em pacientes vítimas de traumatismo cranioencefálico por paramédicos, mas acabou tendo seu uso consagrado em qualquer caso de rebaixamento da consciência, exceto nos pacientes em coma induzido, quando utilizamos escalas para avaliar a profundidade da sedação (Escala de Ramsay e Escala COMFORT). 2.1.1 ESCALA DE COMA DE GLASGOW A Escala de Coma de Glasgow é uma escala numérica, quantitativa, baseada na avaliação clínica de três padrões de resposta: abertura ocular (1-4 pontos), melhor resposta verbal (1-5 pontos) e melhor resposta motora (1-6 pontos). A pontuação máxima é de 15 pontos e significa que o paciente está com consciência preservada. O grau máximo de rebaixamento da consciência recebe pontuação mínima em todos os quesitos, totalizando 3 pontos. Indivíduos com pontuação MENOR OU IGUAL A OITO, são considerados em coma e devem ser submetidos à intubação para proteção de vias aéreas. CAPÍTULO Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 12 ESTÍMULO DOLOROSO 1. Tanto na fase de avaliação da abertura ocular quanto na da melhor resposta motora, o paciente poderá ser submetido, caso não responda adequadamente, a um estímulo doloroso. 2. Esse deverá ser realizado inicialmente em um local da pele em que exista MENOR densidade de receptores para dor. Caso não haja resposta, o estímulo será aplicado em um local com mais receptores para dor. Dessa forma, o paciente recebe um estímulo doloroso mais intenso apenas se o mais leve não for capaz de revelar uma resposta clinicamente identificável. 3. Os locais mais usados para a aplicação de estímulo doloroso MENOS INTENSO são a região supraorbitária, a glabela, o músculo trapézio próximo à clavícula e o osso esterno (este último deve ser evitado). Em pacientes com suspeita de lesão medular cervical, os estímulos fora do segmento cefálico podem não desencadear resposta. Note que todos esses pontos se situam próximos à linha média. Quando o paciente conseguir reagir a uma dor causada pela compressão de uma dessas áreas, ele elevará um dos membros superiores ACIMA DA CLAVÍCULA ou até o local em que a dor é produzida para tentar se desvencilhar, ao que chamamos de LOCALIZAÇÃO do estímulo doloroso. 4. Nos casos em que não ocorrer reação de localização, o estímulo deverá ser realizado sobre o leito ungueal de um dos membros superiores, com o auxílio de um objeto, por exemplo, uma caneta. Nesse momento, espera-se que o paciente realize uma flexão do membro, no sentido de retirá- lo da situação promotora de dor. Nesse caso, chamamos de retirada inespecífica ou FLEXÃO NORMAL. 5. Em ambos os casos, deveremos observar também se o paciente abre os olhos ao estímulo doloroso. 6. Muitas vezes a lesão encefálica é unilateral e compromete a motricidade de apenas um lado do corpo, ou ambos os lados de forma assimétrica. Sendo assim, devemos pontuar a MELHOR RESPOSTA MOTORA. A pontuação na Escala de Coma de Glasgow, em cada fase, está na tabela 1, a seguir: Parâmetro Resposta Pontuação Abertura ocular Espontânea 4 Ao chamado 3 Ao estímulo doloroso (à pressão) 2 Ausente 1 Melhor resposta verbal Orientado 5 Confuso, desorientado 4 Palavras inapropriadas 3 Sons incompreensíveis 2 Ausente 1 Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 13 Tabela 1: Escala de Coma de Glasgow. Para uma melhor visualização, as respostas esperadas e o modo de realização dos estímulos estão demonstrados na Figura 2. Melhor resposta motora Obedece a comandos 6 Localiza estímulo 5 Retirada inespecífica (flexão normal) 4 Decorticação (flexão anormal) 3 Descerebração (extensão anormal) 2 Ausente 1 Parâmetro Resposta Pontuação Figura 2: Testes utilizados para avaliação dos parâmetros na Escala de Coma de Glasgow e as respostas observadas em cada caso. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 14 Quanto aos padrões de resposta verbal, não há muita discussão. Perguntamos ao paciente sobre o local em que se encontra e a data, considerando-se que ele seria capaz de responder adequadamente antes da lesão aguda atual (o que poderia não ocorrer em um paciente com demência, por exemplo). Caso ele responda adequadamente a ambas, estará orientado. Errando uma ou ambas, mas com respostas que fazem um certo sentido, consideramos que esteja desorientado ou confuso. Em graus maiores de lesão, ele poderá responder com palavras inapropriadas. Conforme a lesão é mais grave, ele poderá emitir apenas sons incompreensíveis e, nos graus mais avançados, não emitirá sons. Quando o paciente está intubado, recebe apenas um ponto na resposta verbal, mesmo que esteja totalmente consciente. Assim, a pontuação máxima na Escala de Coma de Glasgow será 11 para pacientes intubados. ESCALA DE COMA DE GLASGOW-PUPILAS 1. Recentemente, foi publicada a Escala de Coma de Glasgow-pupilas (Glasgow-P), uma vez que o comprometimento do reflexo fotomotor por uma lesão no tronco está associado a um pior prognóstico. 2. Nessa escala, desconta-se um ponto para cada uma das pupilas não reagentes à luz, de forma que são possíveis três pontuações: zero se as pupilas forem reagentes, menos um (-1) se apenas uma pupila não reagir, menos dois (-2) pontos caso ambas as pupilas não sejam reagentes à luz. Somados à pontuação tradicional da Escala de Glasgow, os resultados obtidos podem variar de 1 a 15. 3. Pacientes com Glasgow (tradicional) de 3 pontos apresentam mortalidade de cerca de 50% e prognóstico desfavorável em 70% dos casos. Já nos pacientes com Glasgow-P igual a 1 ponto, a mortalidade sobe para 70% e o prognóstico ruim é atingido em 90% deles. Vamos treinar um pouco? Não subestime as questões de pontuação da escala de coma de Glasgow! Treine à exaustão! Erraruma questão como essa significa uma avalanche de candidatos a sua frente. Cuidado com os termos utilizados no enunciado. Destaque para flexão normal, sinônimo de retirada inespecífica; decorticação, sinônimo de flexão anormal e descerebração, sinônimo de extensão anormal. Vamos em frente! CAI NA PROVA (SUS-SP - 2025) Assinale a alternativa que apresenta a manifestação clínica da resposta motora denominada decorticação e descerebração, respectivamente, conforme a escala de coma de Glasgow. A) localização da dor e flacidez dos membros B) extensão anormal e flacidez dos membros C) flexão normal e flexão anormal dos membros D) flexão e extensão anormal dos membros E) flacidez e extensão anormal dos membros COMENTÁRIO Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 15 (AMRIGS 2023) Qual dos seguintes componentes da escala de GLASGOW é o mais preditivo de desfechos neurológicos? A) Abertura ocular. B) Resposta verbal. C) Resposta motora. D) Lucidez. COMENTÁRIO Correta a alternativa C. prognóstico. A resposta verbal e a resposta ocular são muito pouco específicas e podem variar com diversas situações, não necessariamente graves. Imagine um paciente com sono excessivo pelo uso de sedativos. Ele não abrirá os olhos ou conseguirá efetuar resposta verbal facilmente, mas, se realizada estimulação dolorosa, ele apenas não apresentará resposta motora caso esteja muito sedado! Estrategista, questão bastante peculiar, mas importante para fixarmos um conceito. Dos 3 parâmetros que compõem a escala de coma de Glasgow, a resposta motora é a mais relacionada à predição de mau Decorticação e descerebração são termos que descrevem posturas anormais que podem ocorrer em pacientes com lesões cerebrais graves. Essas posturas são indicativas de diferentes níveis de comprometimento neurológico e têm implicações prognósticas distintas. A decorticação é uma postura que ocorre quando há lesão acima do nível do núcleo rubro no mesencéfalo, geralmente envolvendo o córtex cerebral ou as vias corticoespinhais. Clinicamente, a postura de decorticação é caracterizada por flexão dos membros superiores (cotovelos, punhos e dedos) e extensão dos membros inferiores. Por outro lado, a descerebração ocorre quando há lesão no nível do mesencéfalo ou abaixo dele, afetando as vias rubroespinhais e vestibuloespinhais. Clinicamente, a postura de descerebração é caracterizada por extensão dos membros superiores e inferiores, com rotação interna dos braços e extensão dos pés. Esta postura indica um comprometimento do tronco cerebral e está associada a um prognóstico pior em comparação com a decorticação. Correta a alternativa D Note que os termos flexão e extensão anormal se referem aos membros superiores, posto que os membros inferiores permanecem em extensão. (AMRIGS 2025) Sobre a escala de coma de Glasgow, na avaliação clínica e acompanhamento do nível de consciência do paciente, analise as assertivas a seguir: I. É utilizada tanto no coma traumático quanto no não traumático. II. Avalia quatro parâmetros: abertura ocular (com notas de 1 a 5), resposta verbal (com notas de 1 a 5), resposta motora (com notas de 0 a 4) e padrão respiratório (com notas de 0 a 1). III. O melhor escore é 15 e o pior é 3 (que indica que o paciente está morto). Quais estão corretas? A) Apenas I. B) Apenas II. C) Apenas III. D) Apenas I e II. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 16 A Escala de Sedação de Ramsay é utilizada para avaliação de pacientes em ambiente de anestesia ou de terapia intensiva. De acordo com ela, o paciente pode apresentar os seguintes graus de profundidade da sedação: Escala de Sedação de Ramsay 1 Desperto, agitado ou inquieto 2 Desperto, calmo, cooperativo 3 Desperto, mas só obedece a comandos 4 Sonolento, responde rapidamente a estímulo doloroso na glabela ou estímulo verbal alto 5 Sonolento, demora a responder à compressão glabelar ou estímulo verbal alto Tabela 2: Escala de Sedação de Ramsay 2.1.2 ESCALAS DE SEDAÇÃO DE RAMSAY E COMFORT COMENTÁRIO Como vimos acima, a primeira alternativa está correta, posto que a escala de coma de Glasgow serve para a avaliação de qualquer situação de urgência. A segunda está incorreta, já que o padrão respiratório não fa parte da escala de coma de Glasgow e a variação da abertura ocular vai de 1 a 4, a resposta motora de 1 a 6 e a verbal de 1 a 5. Já a terceira alternativa está incorreta, já que a graduação 3 descreve coma, não óbito. Gabarito: A A Escala COMFORT é mais complexa e envolve a avaliação de oito parâmetros, sendo que cada um deles é pontuado de 1-5, a depender da profundidade de sedação. A pontuação máxima é de 40 pontos e a mínima é de 8 pontos. São avaliados: • Alerta; • Agitação; • Respostas respiratórias; • Movimento físico; • Pressão arterial; • Tônus muscular; e • Tensão facial. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 17 CAI NA PROVA (SCM – AL 2018) São variáveis comportamentais e fisiológicas avaliadas na escala de COMFORT, EXCETO:: A) sono. B) agitação. C) movimento físico. D) reflexo pupilar. COMENTÁRIO O reflexo pupilar não está contemplado dentro dos parâmetros avaliados na escala COMFORT.Incorreta a alternativa D 2.2 AVALIAÇÃO DAS PUPILAS E FUNDO DE OLHO Em pacientes com rebaixamento do nível de consciência, é fundamental a diferenciação das causas focais (supratentoriais e infratentoriais) e difusas para o estabelecimento da melhor estratégia terapêutica em cada caso. O exame das pupilas acaba sendo extremamente útil, pois verifica a integridade de vários locais no encéfalo, medula, estruturas do tórax e cervicais, por onde passam neurônios responsáveis pelo controle do diâmetro pupilar. Os detalhes do controle da inervação pupilar serão discutidos no capítulo sobre Anatomia, Fisiologia e Semiologia Neurológica. Resumidamente, devemos recordar que a pupila está sob o controle dos sistemas simpático e parassimpático. O sistema nervoso autônomo simpático é responsável pela dilatação pupilar (midríase), promovendo maior entrada de luz em momentos de “luta ou fuga”, enquanto a função do parassimpático é realizar a constrição pupilar (miose), protegendo a retina de uma iluminação excessiva ou melhorando a acuidade visual, por exemplo, durante a leitura. Tanto a via simpática quanto a parassimpática podem ser afetadas em seu trajeto até a pupila em locais distintos, originando alterações clinicamente detectáveis. É importante pesquisá-las em todos os pacientes com rebaixamento do nível de consciência. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 18 Em repouso, a pupila costuma estar em tamanho médio, pois o parassimpático tem seu efeito antagonizado pelo simpático. O desbalanço entre as ações desses dois sistemas neurais altera o tamanho da pupila. O controle parassimpático da pupila é feito pelo III nervo craniano (III NC), o oculomotor, responsável pela constrição pupilar (miose). Seu núcleo situa-se no mesencéfalo e seu prolongamento passa ao lado da artéria comunicante posterior, medialmente ao úncus do lobo temporal, e pelo seio cavernoso. Lesões mesencefálicas ou ao longo do trajeto do nervo oculomotor (III NC) podem comprometer a capacidade de realizar miose, deixando a pupila dilatada (em midríase). O sistema simpático para a pupila parte do hipotálamo (diencéfalo), desce pelo tronco até a transição de C7-C8-T1, na medula, de onde emerge para o gânglio cervical superior, passando próximo ao sulco superior do ápice pulmonar. A seguir, entra na camada adventícia da artéria carótida interna e penetra no crânio, até atingir a órbita. Uma lesão em qualquer segmento desse trajeto é capaz de gerar miose (síndrome de Horner). As lesões iniciais causam comprometimentounilateral, mas lesões mais extensas podem afetar bilateralmente as pupilas, inclusive gerando o aparecimento de pupilas médias e fixas, nas quais nenhum dos dois sistemas está mais atuando. A anisocoria ocorre quando uma lesão de um dos nervos oculomotores (III NC) impede a contração pupilar à luz. Mais detalhes em relação à fisiologia do reflexo fotomotor são discutidos no capítulo Anatomia, Fisiologia e Semiologia Neurológica. No paciente em coma, a causa mais comum de anisocoria é uma lesão expansiva, gerando deslocamento do úncus temporal medialmente (Figura 3) e comprimindo o III NC (hérnia uncal). A presença de anisocoria em paciente em coma requer diagnóstico imediato, pois a progressão da doença pode levar a uma herniação do tronco pelo forame magno, causando a compressão do bulbo e comprometimento do centro respiratório, o que causaria uma parada cardiorrespiratória e óbito. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 19 Figura 3: Anisocoria com midríase à direita, decorrente de uma compressão por um hematoma subdural agudo e desvio de linha média CAI NA PROVA (RS - ASSOCIAÇÃO MÉDICA DO RIO GRANDE DO SUL - AMRIGS - 2024) São evidências clínicas de hipertensão intracraniana: I. Papiledema. II. Depressão da consciência. III. Déficits neurológicos focais. Quais estão corretas? A) Apenas I e II. B) Apenas I e III. C) Apenas II e III. D) I, II e III. Abaixo, encontramos duas questões que apesar de antigas e de não serem das instituições mais concorridas, ilustram muito bem o que vimos acima. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 20 COMENTÁRIO Pois bem, quais são os sintomas que um paciente com hipertensão intracraniana pode apresentar? De modo geral, podem ocorrer sintomas em um fase inicial, ainda sem hipoperfusão ou compressão de estruturas cerebrais saudáveis. Nessa fase, ocorrem cefaleia, vômitos, edema de papila com borramento visual, diplopia por paralisia do VI nervo craniano. Já quando há descompensação da hipertensão intracraniana, o paciente pode desenvolver: - Tríade de Cushing: bradicardia, alteração do ritmo respiratório e hipertensão arterial. - Rebaixamento do nível de consciência. - Déficit neurológico focal, sobretudo, hemiparesia. Correta a alternativa D (IOG-2025) Criança de cinco anos chega à emergência com alteração do estado mental, em coma. Quais os passos fundamentais da avaliação neurológica para essa criança, além do nível de consciência e do padrão respiratório? A) Avaliação das pupilas, motilidade ocular extrínseca e postura motora B) Avaliação da resposta motora, movimentos oculares e resposta verbal C) Avaliação da abertura ocular, da resposta à dor e de déficits neurológicos D) Avaliação da hipertensão intracraniana, da herniação cerebral e movimentos oculares Questão ilustrativa do que vimos acima e veremos logo abaixo. A avaliação do paciente em coma, além da graduação das escalas de coma, sendo a de Glasgow a mais relevante, deve envolver a avaliação da resposta pupilar e de eventuais déficits focais, incluindo, sobretudo, alteração da motilidade ocular extrínseca e da postura motora. Portanto, as 3 assertivas descrevem sintomas comuns em um quadro de hipertensão intracraniana. COMENTÁRIO Correta a alternativa A. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 21 PAPILEDEMA 1. Papiledema é um borramento dos limites da papila óptica, que nada mais é do que a cabeça do nervo óptico, visível ao exame de fundoscopia. 2. Ocorre quando há dificuldade no retorno venoso do sangue que passa pelas estruturas do fundo do olho, gerando um ingurgitamento de veias, geralmente em virtude de um aumento da pressão intracraniana, que discutiremos melhor adiante. 3. O primeiro sinal clínico nos casos de papiledema é o desaparecimento do pulso venoso ao fundo de olho, antes mesmo da perda da precisão dos limites da papila óptica. A figura 4 mostra um desenho de um papiledema. 4. Outros achados podem ser vistos no fundo de olho de indivíduos em coma, como sobrelevação do disco óptico, além da hemorragia sub-hialoide, encontrada na hemorragia subaracnóidea. Figura 4: avaliação do fundo de olho revelando papiledema em comparação com o exame do paciente normal. Note o borramento dos limites da papila óptica 2.3 MOTRICIDADE OCULAR EXTRÍNSECA O exame da motricidade ocular extrínseca no paciente com rebaixamento do nível de consciência é feito por meio de dois testes clínicos: o reflexo oculocefálico e o reflexo oculovestibular (prova calórica). No primeiro, o examinador realiza um movimento de rotação lateral da cabeça, aproximando uma das orelhas do doente ao leito, mantendo os olhos abertos e observando se os olhos se deslocam contralateralmente ao movimento de rotação cefálico (Figura 5). Esse é o sinal dos olhos de boneca. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 22 Figura 5: Reflexo oculocefálico. A aferência é feita pelo VIII NC e a eferência pelo VI NC. O resultado normal é o movimento conjugado dos olhos contralateralmente ao movimento de rotação da cabeça pelo examinador. O reflexo oculocefálico depende da aferência realizada pelo nervo vestibulococlear (VIII NC), eferência pelo nervo abducente (VI NC) e integração na ponte. Lesões pontinas ou em qualquer um dos nervos comprometem a motricidade ocular horizontal. O outro reflexo testado é a prova calórica (manobra oculovestibular – figura 6), que pode ser realizada com instilação de 50 mL de água morna (44ºC) ou gelada no conduto auditivo externo. Deve-se aguardar 3 minutos entre um lado e outro para que a temperatura do conduto auditivo testado inicialmente retorne ao basal. Figura 6: reflexo oculovestibular (prova calórica) Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 23 Sei que você já deve ter ficado cansado(a) de tantas informações importantes, mas, como elas caem na prova, é preciso uma atenção redobrada. Pare um pouco neste ponto, tome uma água ou um café, ande um pouco, tente visualizar o que você acabou de ler sem olhar e, depois que se sentir descansado(a), volte. Vamos continuar? Neste ponto, é preciso um pouco de concentração para imaginar no espaço o que descreveremos a partir de agora. Nossos olhos são mantidos em posição central devido a um equilíbrio de ações entre os dois sistemas vestibulares, sendo que cada um desses sistemas tem a capacidade de desviar os olhos de forma conjugada para o lado contralateral. Se estimularmos o funcionamento de um dos labirintos com água morna, a tendência é que os olhos sejam desviados para o outro lado. No caso da água gelada, o frio inibe o funcionamento do labirinto e o outro lado passa a atuar sem contrapartida. Assim, com água gelada, os olhos desviam-se para o lado em que o teste foi realizado. Dica: para ficar mais fácil a memorização, basta lembrar-se de que no calor as estruturas se dilatam (os olhos afastam-se do calor) e, no frio, elas se retraem (os olhos aproximam-se do frio). O próximo ponto é em um nível ainda mais avançado, coisa para especialista, mas que algumas bancas mal intencionadas perguntam em suas provas. Por isso, nós do Estratégia MED não vamos deixá-lo na mão! Tentaremos explicar com o máximo de cuidado para que você não se confunda. Vamos lá! Devemos ainda avaliar a presença de desvio do olhar conjugado. O controle do olhar conjugado para um dos lados é feito pelo lobo frontal contralateral, por meio de uma estrutura chamada campo visual frontal (frontal eye field – FEF). Em repouso, os olhos ficam em posição neutra, para frente, devido ao equilíbrio dos tônus de ambas as FEF. Quando ocorre uma lesão de uma das FEF, a FEF contralateraldesvia os olhos para o lado da FEF comprometida, que não se contrapõe ao movimento. Por exemplo, em lesões da FEF direita, a FEF esquerda desvia ambos os olhos para a direita. Em crises epilépticas do lobo frontal, ocorre aumento da atividade elétrica de uma das FEF e ela acaba atuando excessivamente sobre os olhos, desviando-os para o lado da FEF normal. Assim, lesões da FEF direita desviam os olhos para a direita e crises epilépticas frontais direitas desviam os olhos para a esquerda. 2.4 PADRÃO DE RESPOSTA MOTORA Já foi discutido anteriormente que, na Escala de Coma de Glasgow, avaliamos a resposta motora do indivíduo, tanto à dor quanto a resposta espontânea. Podemos ter, ainda, assimetrias nessa resposta. Isso ocorre porque as vias motoras para os membros são originadas de cada um dos hemisférios cerebrais, mais precisamente da área motora primária, no giro pré-central (lobo frontal). Do hemisfério direito partem as fibras para o hemicorpo esquerdo, e vice-versa. Lembrando que as fibras desse trato chamado córtico-espinhal sofrem influência do cerebelo, dos núcleos da base e de núcleos no tronco. Alguns núcleos do tronco que influenciam o trato córtico-espinhal facilitam os movimentos dos flexores e dos extensores (como já discutido). As principais lesões encontradas nos pacientes em coma e seus padrões motores são mostrados na tabela a seguir: Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 24 Lesão motora Estruturas comprometidas Manifestações clínicas Córtex do lobo frontal Trato córtico-espinhal e FEF Hemiparesia contralateral e desvio do olhar conjugado para o lado da lesão encefálica Lobo frontal subcortical Trato córtico-espinhal Hemiparesia contralateral Mesencéfalo unilateral (mais comum) Trato córtico-espinhal e III NC Hemiparesia contralateral e paralisia do III NC ipsilateral (pupila em midríase), decorticação (flexão anormal) Ponte bilateral (mais comum) Trato córtico-espinhal, sistema nervoso simpático e nervos cranianos Tetraparesia, descerebração (extensão anormal), pupilas mióticas Os pacientes podem sofrer lesões unilaterais nos hemisférios e no tronco encefálico, causando hemiparesia contralateral à lesão. Lesões do tronco podem gerar as posturas anormais de flexão (decorticação) e extensão (descerebração) e comprometimento de pupilas e outros nervos cranianos. Algumas lesões no tronco podem causar comprometimento bilateral do trato córtico-espinhal. Os principais exemplos são o AVC de artéria basilar e as encefalites de tronco (rombencefalite). Nesses pacientes, teremos um quadro de tetraparesia associado a síndromes de nervos cranianos. 2.5 PADRÃO RESPIRATÓRIO Algumas lesões encefálicas podem afetar o ritmo respiratório, causando padrões patológicos únicos. A avaliação do padrão respiratório nem sempre é útil, pois muitas vezes os pacientes acabam sendo submetidos a ventilação mecânica por intubação orotraqueal, em virtude do rebaixamento do nível de consciência. Além disso, podem estar sedados e essa avaliação ser prejudicada. Entretanto, em algumas provas os examinadores costumam cobrar esses padrões e, para que o(a) futuro(a) Residente seja capaz de acertar todas as questões de Neurologia, nós do Estratégia MED não iremos deixá-lo(a) sem essas importantes informações. A principal alteração associada a lesões encefálicas que cursam com rebaixamento da consciência é um padrão de apneia intercalado com hiperpneia, visto em pacientes em coma, mas que também pode ocorrer em indivíduos com insuficiência cardíaca durante o sono (síndrome da apneia central do sono) em pacientes que receberam doses excessivas de opioides (morfina) e barbitúricos. Trata-se do ritmo de Cheyne-Stokes. Nesse quadro, os pacientes apresentam uma hiperventilação típica em crescendo e decrescendo, seguida de uma fase de apneia, com duração de, pelo menos, 10 segundos, sem a presença de esforço respiratório. Após a apneia, a hiperpneia volta a ocorrer e a intercalar-se com os episódios de apneia. Ela ocorre em lesões hemisféricas, diencefálicas e, em casos mais raros, ponto-mesencefálicas. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 25 A hiperventilação neurogênica central é vista em lesões mesencefálicas e na porção superior da ponte. Ela nada mais é do que um aumento da frequência respiratória, de forma contínua. Na porção média da ponte uma lesão pode originar um padrão de apneia intercalada com apneuse, ou seja, o paciente interrompe sua respiração com os pulmões cheios de ar e, em seguida, com os pulmões vazios, ficando alguns segundos em cada fase. Esse fenômeno caracteriza a respiração apnêustica. Lesões pontinas mais baixas levam a um quadro de respiração em cluster, durante o qual o paciente apresenta hiperventilação seguida de apneias, mas por curto período em cada fase. A lesão bulbar pode levar ao quadro de respiração atáxica (de Biot), em que ocorre uma hiperventilação com movimentos respiratórios arrítmicos e de amplitudes variáveis. A respiração de Kussmaul é um padrão rápido e profundo frequentemente encontrado em pacientes com quadros de acidose metabólica, como na cetoacidose diabética, não sendo específico de nenhuma lesão neurológica estrutural. Os traçados observados nos casos mencionados estão na Figura 7. Figura 7: Ritmos respiratórios no paciente em coma. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 26 CAI NA PROVA (USP-SP - 2024) Paciente do sexo masculino, desconhecido, foi encontrado em coma em via pública e trazido por ambulância à sala de emergência. Foi submetido à intubação orotraqueal na cena do resgate. Na avaliação inicial, há a descrição do seguinte exame neurológico: resposta motora com extensão em membros inferiores e flexão em membros superiores aos estímulos dolorosos, pupilas médio-fixas. Encontra-se em ventilação mecânica por meio de tubo orotraqueal. Assinale qual é a topografia lesional atual para o caso conforme o exame neurológico descrito no caso apresentado. A) Bulbo. B) Ponte. C) Córtex difuso. D) Mesencéfalo. COMENTÁRIO Estrategista, questão extremamente difícil! Basicamente, o enunciado questiona sobre o diagnóstico topográfico de um paciente em coma, fornecendo apenas os seguintes dados: 1- resposta motora com extensão em membros inferiores e flexão em membros superiores aos estímulos dolorosos, em outras palavras, temos um paciente em decorticação ou flexão anormal. 2- pupilas médio-fixas. Em relação à postura anormal: A movimentação voluntária e o tônus muscular dependem não apenas do trato corticoespinhal! De maneira geral, temos o seguinte: Em caso de lesão imediatamente acima do mesencéfalo, preservando o núcleo rubro (origem do trato rubro-espinhal) e interrompendo o trato cortico espinhal lateral (TCEL), a perda da inibição provida pelo TCEL, permitirá que o tônus motor principal seja dado pelo trato rubro espinhal e, assim, ao estímulo doloroso, o paciente apresentará flexão dos membros superiores e extensão dos inferiores - FLEXÃO ANORMAL ou decorticação. Caso a lesão seja entre o mesencéfalo e a ponte, haverá interrupção do TCEL e do rubro espinhal e assim, o tônus principal será extensor já que, à estimulação dolorosa, a resposta motora será dada pelos tratos tecto, vestíbulo e retículo espinhais, resultando em EXTENSÃO ANORMAL. Em relação às pupilas, o clássico é: - Lesões no mesencéfalo prejudicam o sistema parassimpático, responsável pela miose, portanto levam à midríase. -Lesões no diencéfalo, ponte e bulbo acometem apenas o sistema simpático, responsável pela midríase, portanto levam à miose. Pois bem. O enunciado descreve pupilas médio fixas + decorticação. O padrão de pupilas médio fixas, conforme descrito no enunciado, é inespecífico e poderia ocorrer em uma fase inicial delesões em qualquer topografia do tronco encefálico, muito embora seja mais provável em uma lesão no mesencéfalo! Já a decorticação infere lesão acima do núcleo rubro, portanto, considerando o tronco encefálico, no mesencéfalo! Correta a alternativa D. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 27 (Mario Gatti - 2021) A respiração do tipo neurogênica central é caracterizada por um quadro de hiperventilação rápida e sustentada, em geral, com frequência respiratória entre 40 e 70 por minuto. É observada em pacientes com: A) lesões do tegumento pontino central, ventral ao aqueduto ou ao quarto ventrículo. B) alterações metabólicas da hipoxemia devido ao comprometimento pulmonar. C) lesões bilaterais entre o prosencéfalo e a região superior da ponte. D) lesões na porção inferior da ponte e superior do bulbo. COMENTÁRIO Estrategista, tópico difícil. Vamos tentar simplificar? Podemos usar um mnemônico: São 5 padrões localizatórios: 1 no cérebro, 3 na ponte e 1 no bulbo. CHEyne Stokes = CÉrebro APNêustica : POnte lateral BIot = Bulbo A hiperventilação neurogênica CENtral está mais perto do CÉrebro, portanto na ponte superior, sobrando o subtipo em cluster para a ponte inferior. Vejamos um resumo de cada padrão: • Respiração de Cheyne-Stokes: padrão de apneia e hiperpneia em que o paciente apresenta hiperventilação em crescendo e depois decrescendo, seguida de uma fase de apneia. Ocorre nas lesões do hemisfério cerebral ou do diencéfalo. • Hiperventilação neurogênica central: aumento da frequência respiratória basal, regular e com incursões tendendo a ser mais curtas. Ocorre nas lesões do mesencéfalo e ponte superior, na porção mais central. • Apnêustica: o paciente faz pausas quando está com pulmão cheio e quando está com o pulmão vazio. Ocorre nas lesões da ponte lateral. • Em cluster: hiperventilação interrompida por apneias súbitas. Sem crescendo e decrescendo. Ocorre nas lesões da ponte inferior. • Atáxica (Biot): Irregular, alternando períodos de hiperventilação com apneia com amplitudes também variáveis. Ocorre nas lesões do bulbo. • Kussmaul: não localizatório de lesão cerebral e que está associado a situações de acidose metabólica. À exemplo da hiperventilação neurogênica, é rápido e sem interrupções, contudo as incursões são profundas. Correta a alternativa A. Exatamente. Lesões pontinas superiores podem levar a esse padrão. Incorreta a alternativa B. InPatologias pulmonares não levam a esse padrão respiratório. Incorreta a alternativa C. O prosencéfalo é uma descrição embrionária do que irá se subdividir em telencéfalo (hemisférios cerebrais) e diencéfalo, ou seja, refere-se ao cérebro propriamente dito. As lesões bilaterais entre o cérebro e a ponte superior levarão ao padrão de Cheyne-Stokes. Incorreta a alternativa D. Lesões na porção inferior da ponte levarão ao padrão em cluster e, nas lesões mais baixas, acometendo o bulbo, teremos o padrão atáxico de Biot. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 28 Com base nas informações obtidas no exame neurológico, devemos agora agrupá-las e formar o diagnóstico topográfico, estabelecendo a altura da lesão no sistema nervoso ou, ainda, se estamos diante de uma causa difusa, geralmente tóxica, metabólica ou infecciosa. A Figura 8 e a Tabela 4 resumem os principais achados em cada nível do sistema nervoso central. Figura 8: Diagnóstico topográfico das lesões supra e infratentoriais causando alterações do nível de consciência. 2.6 DIAGNÓSTICO TOPOGRÁFICO Concordo que essa parte seja cansativa, mas tudo isso não está aqui à toa. Esse assunto cai bastante em provas e é preciso conhecê-lo. Esse é mais um daqueles momentos que exigem concentração total e força máxima nos motores para vencer a turbulência no caminho para sua vaga de Residência Médica. Para isso, é altamente recomendável que você comece a ler essa parte com a cabeça bem descansada. Não adianta tentar seguir adiante se você não estiver com as baterias recarregadas. Agora que você recuperou as energias, prepare-se para um número grande de informações. Pare, reflita, leia novamente, tente estabelecer as relações na sua cabeça e volte ao texto. Vamos lá?! Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 29 Causas de Coma Supratentorial Infratentorial Difusa Frequência 20-25% 10-15% 60-70% Déficit motor Hemiplegia contralateral Hemiplegia contralateral ou déficit bilateral Bilateral Pupilas Normais, miose, anisocoria (reflexo fotomotor sem resposta na pupila afetada) Miose, midríase, anisocoria, médias (reflexo fotomotor sem resposta na pupila afetada) Normais, miose, midríase fotorreagente. Resposta à dor Localiza ou retira Decorticação, descerebração Retirada inespecífica Fundo de olho Papiledema Normal Normal Padrão respiratório Cheyne-Stokes Hiperventilação neurogênica central Atáxica (Biot) Normal Kussmaul (CAD) Tabela 4: Diagnóstico topográfico das causas de coma. 2.6.1 CAUSAS FOCAIS (SUPRA E INFRATENTORIAIS) As causas supratentoriais ocorrem devido a lesões hemisféricas unilaterais extensas ou multifocais ou a lesões diencefálicas (talâmicas). Nas lesões encefálicas unilaterais extensas, teremos hemiparesia e sinal de Babinski (reflexo cutaneoplantar em extensão) contralaterais à lesão, pupilas normais e respiração de Cheyne- Stokes. Lesões diencefálicas não comprometem a motricidade, exceto quando associadas a lesões da cápsula interna. As pupilas“diencefálicas” são mióticas, pois apenas o parassimpático, originado no mesencéfalo, atua sobre elas. A respiração de Cheyne-Stokes também estará presente nesses pacientes. As causas infratentoriais são decorrentes do comprometimento de estruturas do tronco encefálico. Lesões do tronco apresentam quadros heterogêneos, dependendo do nível da lesão. Lesões mesencefálicas causam tetraparesia com Babinski bilateral, postura em decorticação, pupilas midriáticas ou anisocoria (quando a lesão hemisférica sofre herniação e compromete o nervo oculomotor após sua emergência do mesencéfalo) e hiperventilação neurogênica. As lesões pontinas causam descerebração, tetraparesia, pupilas mióticas, Babinski bilateral e, a depender da altura da lesão, um padrão respiratório típico (parte superior: hiperventilação neurogênica; média: respiração apnêustica; inferior: respiração em cluster). Lesões bulbares que se estendem de lesões mais altas podem causar tetraparesia, Babinski bilateral, pupilas mióticas e respiração de Biot (atáxica). Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 30 CAI NA PROVA (RS - UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL - UFRGS (HOSPITAL DE CLÍNICAS DE PORTO ALEGRE - HCPA - 2024) Paciente de 72 anos, trazido à consulta, encontrava-se alerta, porém falava pouco e de forma incompreensível; obedecia a comandos, mas não nomeava objetos. Foi constatada, também, perda de força no lado direito do corpo, com sinal de Babinski à direita. Quais são os prováveis diagnósticos sindrômicos e topográficos? A) Disartria e síndrome piramidal – córtex frontal esquerdo. B) Obnubilação e síndrome de segundo neurônio – lesões difusas bilaterais. C) Afasia de expressão e síndrome piramidal – córtex frontal esquerdo. D) Disartria/anartria e síndrome de segundo neurônio – córtex ou cápsula interna à esquerda. COMENTÁRIO. Incorreta a alternativa A. De fato, o paciente apresenta uma síndrome piramidal à direita, o que pode ocorrer em uma lesão do córtex frontal esquerdo, contudo o distúrbio de linguagem é uma afasia, não uma disartria. Na disartria, o paciente não tem repercussão no conteúdo da fala, apenas na capacidade de falar de forma clara. Incorreta a alternativa B. O paciente apresenta sinal de Babinski, típico de lesão do neurônio motor superiorou primeiro neurônio, não do segundo neurônio. Além disso, ele apresenta afasia, não alteração do nível de consciência (sonolência excessiva): obnubilação. Correta a alternativa C. Exatamente. Como vimos, o paciente tem acometimento do córtex motor, gerando fraqueza contralater- al e afasia. Incorreta a alternativa D. O paciente não apresenta disartria, e sim afasia, além disso, o padrão de fraqueza é do primeiro neurônio, não do segundo. (USP-SP - 2021) Mulher de 68 anos, hipertensa e diabética, com quadro de perda súbita de consciência, foi trazida diretamente ao pronto- socorro. Apresentava pressão arterial de 240 x 160 mmHg, frequência cardíaca de 100 bpm e frequência respiratória de 20 ipm. Ao exame neurológico, não esboçava mobilização de nenhum dos quatro membros. Suas pupilas estavam puntiformes, fracamente reagentes à luz e apresentava ausência dos reflexos corneopalpebral e oculocefálico, porém com reflexo de tosse presente. Evoluiu rapidamente para respiração apnêustica, necessitando de intubação. Sua tomografia de crânio mostrou acidente vascular cerebral hemorrágico. Qual é a localização mais provável dessa hemorragia? A) Bulbo B) Ponte C) Putâmen D) Tálamo COMENTÁRIO Correta a alternativa B Vamos lá, Estrategista. Temos uma paciente com rebaixamento do nível de consciência, o que, como vimos, denota acometimento do SARA. Além disso, há tetraplegia, apontando para a disfunção bilateral das vias Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 31 motoras. As pupilas estão mióticas, o que afasta a lesão mesencefálica, há acometimento dos reflexos corneopalpebral e oculocefálico, o que revela acometimento dos núcleos dos nervos V, VI, VII e VIII, todos localizados na ponte, além da preservação do reflexo de tosse, cujo núcleo de nervo craniano (IX) está no bulbo. Finalmente, há respiração de padrão apnêustico, típico de lesões pontinas. Juntando todas as informações, a ponte é o local mais provável de lesão! Incorreta a alternativa A. Na lesão bulbar, não esperaríamos acometimento da consciência, tampouco a alteração de reflexos corneopalpebral e oculocefálico com preservação do de tosse. Seria o oposto. Além disso, o padrão respiratório seria o de Biot. Incorreta a alternativa C. O putâmen faz parte dos núcleos da base e sua lesão não explicaria nenhum dos sintomas descritos. Incorreta a alternativa D. Apenas lesões bilaterais do tálamo poderiam explicar o acometimento da consciência (do SARA), contudo os demais achados não seriam esperados. 2.6.2 CAUSAS DIFUSAS (TÓXICAS E METABÓLICAS) Dentre as causas tóxicas, devemos chamar a atenção para efeitos colaterais de opioides, anestésicos locais, medicamentos psicotrópicos, anticolinérgicos e antibióticos. Nas intoxicações por opioides, além do rebaixamento do nível de consciência, podemos observar a presença de miose pupilar intensa e apneia associada à respiração de Cheyne-Stokes. Os anestésicos locais podem ter sua toxicidade elevada devido à diminuição da ligação dessas drogas às proteínas plasmáticas, restando mais fármaco livre para atuar sobre seu alvo. Anestésicos lipofílicos em doses tóxicas podem causar crises epilépticas, sendo esse um dos motivos pelos quais são associados benzodiazepínicos ao tratamento (para proteger da ocorrência de crises epilépticas). Os efeitos tóxicos dos psicotrópicos são variados e dependem do mecanismo de ação do fármaco, sendo discutidos mais apropriadamente na sessão de Intoxicações Exógenas, no livro de Psiquiatria. Algumas substâncias, como inseticidas e defensivos agrícolas, possuem ação anticolinérgica, diminuindo os efeitos da acetilcolina no organismo. Esses pacientes apresentarão, além do rebaixamento da consciência, hipotonia, bradicardia e midríase, ou lentidão do reflexo fotomotor. Alguns antibióticos podem causar comprometimento neurológico, havendo uma enorme variedade de possibilidades, desde ototoxicidade por aminoglicosídeos até crises epilépticas por quinolonas. É de importância no âmbito das provas de Residência a encefalopatia por metronidazol (inespecífica) e por cefepime (mioclonias e rebaixamento, em pacientes idosos, geralmente do sexo feminino, com insuficiência renal e que não receberam dose ajustada do antimicrobiano). As causas metabólicas relacionadas ao coma são geralmente decorrentes de distúrbios da glicose (hiper ou hipoglicemia, discutidas no livro de Endocrinologia) e do sódio (explicados com detalhes no livro de Nefrologia). De interesse neurológico, temos a síndrome de desmielinização osmótica (mielinólise pontina), por reposição rápida de sódio. É uma causa iatrogênica que deve ser sempre considerada em pacientes hiponatrêmicos que tiveram os níveis de sódio elevados em mais de 8-10 mEq/L em 24h. O local mais frequentemente afetado é a ponte. Entre as causas infecciosas, podemos ter rebaixamento da consciência, tanto por lesões encefálicas quanto por infecções fora do sistema nervoso, sobretudo nos quadros de sepse grave e choque séptico. As infecções do sistema nervoso, tais como meningites e encefalites, serão discutidas detalhadamente na seção de Neuroinfectologia. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 32 3.0 INVESTIGAÇÃO E CONDUTA INICIAL Como em toda a emergência, a conduta inicial no paciente em coma deve obedecer ao ABCD primário e secundário: • Manutenção de vias aéreas pérvias; • Ventilação adequada; • Circulação adequada e monitorização; e • Desfibrilação. Em seguida, nos pacientes em coma, devemos procurar pela causa. As causas de coma podem ser focais (supra e infratentoriais) e difusas (tóxicas, metabólicas e infecciosas). Sendo as causas difusas as mais comuns, a coleta de exames e a aferição da glicemia capilar seriam o próximo passo. Caso não se encontre uma explicação, realiza-se a procura por causas focais, com o auxílio de um exame de imagem. Os exames complementares a serem solicitados em pacientes com rebaixamento do nível de consciência estão citados na Figura 10 e devem ser solicitados com base em dados de história e exame clínico- neurológico. ABC (Sinais Vitais) REBAIXAMENTO DA CONSCIÊNCIA Anamnese e exame físico Exames laboratoriais Testes adicionais RM crânio Líquor EEG Hemograma, eletrólitos, enzimas hepáticas, função renal, hemoculturas e urina Amônia, toxicológico, alcoolemia, gasometria arterial, outros Sinais focais TC crânio Figura 9: Fluxograma de investigação de pacientes com rebaixamento do nível de consciência. CAPÍTULO Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 33 Em neurologia, é importante a obtenção dos dados da anamnese. Como veremos nos capítulos de AVC e Cefaleias, em pacientes com histórico de cefaleia súbita antes do rebaixamento do nível de consciência, é imperativo investigar a presença de hemorragia subaracnóidea (HSA), uma condição com mortalidade e morbidade elevadas. A HSA aparece em cerca de 95% dos casos na tomografia de crânio, sendo que, nos casos em que esse exame vem normal, devemos realizar a coleta de líquor por meio de punção lombar. CAI NA PROVA (UFPA 2025) Idoso de 70 anos, hipertenso, diabético e coronariopata, procura atendimento de urgência em hospital pronto-socorro devido a quadro iniciado há 2 horas de hemiplegia à direita e desvio de rima labial para a esquerda, mantendo-se orientado no tempo e espaço, sem alterações evidentes em exame físico de pupilas. Durante espera para realização de exames, evoluiu subitamente com piora clínica caracterizada por perda de consciência, e ao ser realizado estímulo doloroso apresentou descerebração e abertura ocular ausente. A primeira conduta a ser tomada é a realização de: A) tomografia computadorizada de crânio sem contraste. B) eletrocardiograma de 12 derivações. C)intubação orotraqueal. D) dose de alteplase via endovenosa. E) trombectomia mecânica. COMENTÁRIO Estrategista, questão interessante para nunca nos esquecermos do que realmente importa na avaliação de pacientes com urgência médica: preservar a vida! É justamente a partir da noção daquilo que potencialmente leva ao óbito primeiro que foi estabelecida a ordem da abordagem dos pacientes em urgências clínicas (ACLS) e traumáticas (ATLS). No caso em questão, temos um caso provável de AVC, dada a subtaneidade de instalação das queixas. Sendo assim, a TC de crânio está indicada e caso se trate de um evento isquêmico com oclusão proximal e anterior, a trombólise e a trombectomia também estarão. O ponto da questão, no entanto, é o nível de consciência do paciente. A abertura ocular ausente com postura de descerebração e perda da consciência caracteriam uma graduação de 4 pontos na escala de coma de Glasgow. Sendo assim, há incapacidade do paciente em manter a proteção de via aérea e de manter a ventilação de forma independente. Sendo assim, há necessidade de intubação orotraqueal antes de qualquer coisa! Gabarito: C Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 34 4.0 ENCEFALOPATIA DE WERNICKE-KORSAKOFF Esse é um dos temas mais frequentes de neurologia nas provas de Residência. Cerca de 30% das questões sobre coma e alterações do nível de consciência versam sobre a encefalopatia de Wernicke-Korsakoff. O(a) aluno(a) do Estratégia MED de hoje, que será Residente dos melhores serviços do país amanhã, deverá estudar esse tema com bastante empenho. Sua frequência elevada em provas ocorre por um motivo: uma das principais causas é a iatrogenia. Ela surge em indivíduos com deficiência de tiamina (vitamina B1) que recebem reposição de glicose no serviço de emergência para o tratamento do rebaixamento do nível de consciência. 4.1 FATORES PREDISPONENTES Os principais fatores desencadeantes para o desenvolvimento de encefalopatia de Wernicke-Korsakoff são o etilismo crônico, a desnutrição, o pós-operatório de cirurgia bariátrica, a hiperêmese gravídica, as doenças inflamatórias intestinais (Crohn e retocolite ulcerativa) e até mesmo o antecedente de distúrbios alimentares. Esses pacientes, além de terem menor ingestão de vitamina B1, ainda apresentam maior vulnerabilidade para a ocorrência de hipoglicemia. A ocorrência de vômitos com frequência elevada também pode favorecer o surgimento dessa entidade nos pacientes com fatores de risco. 4.2 FISIOPATOLOGIA Na encefalopatia de Wernicke-Korsakoff a deficiência de tiamina pode causar uma disfunção diencefálica e mesencefálica que pode ser grave o suficiente para levar o paciente a óbito. Duas estruturas são especialmente sensíveis a esse quadro: os tálamos e os corpos mamilares, que podem atrofiar ou mesmo sofrer necrose. A tiamina é consumida pela ativação da via glicolítica. Em pacientes com essa deficiência vitamínica que apresentam hipoglicemia, a administração de glicose endovenosa ativa essa via e consome a tiamina, desencadeando o quadro de encefalopatia de Wernicke-Korsakoff. CAPÍTULO Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 35 Na verdade, a síndrome de Wernicke-Korsakoff é uma combinação de dois quadros. Na fase crônica, o paciente apresenta a psicose de Korsakoff, na fase aguda, desenvolve a encefalopatia de Wernicke. Algumas questões de provas de Residência cobram o conhecimento dessas duas situações. Sempre que houver menção ao quadro agudo, como ocorre na maioria delas, o candidato deverá responder “encefalopatia de Wernicke”. 4.3 QUADRO CLÍNICO A fase crônica da síndrome de Wernicke-Korsakoff é caracterizada pela ocorrência de um quadro de amnésia anterógrada associada a confabulações (invenção de histórias). Na fase aguda, o paciente apresenta a encefalopatia de Wernicke, cuja tríade clássica é composta de ataxia de marcha, confusão mental e oftalmoparesia. A tríade clássica da encefalopatia de Wernicke é composta de ataxia, oftalmoparesia e confusão mental. Quando resolvemos questões sobre a síndrome de Wernicke- Korsakoff, podemos encontrar, entre os sintomas de ataxia, a descrição de alteração de equilíbrio, dificuldade de deambulação, quedas e dificuldade de coordenar os movimentos durante a caminhada. A confusão mental, muitas vezes, é mencionada como sonolência, alteração do estado mental, desorientação temporoespacial, quadro confusional e agitação. O quadro ocular de oftalmoparesia significa que o paciente apresenta alguma dificuldade para movimentar os olhos, o que pode estar presente nas questões com termos como “oftalmoplegia”, “movimentos estranhos dos olhos”, “diplopia”, “anormalidades oculomotoras”, “movimentos oculares anormais” e “paresia do VI par craniano unilateral”. Muitos casos são associados à presença de um movimento ocular rítmico e involuntário chamado de “nistagmo”. Estratégia MED NEUROLOGIA Coma e Alterações da Consciência Prof. Victor Fiorini | Curso Extensivo | 2025 36 CAI NA PROVA (PA - UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ - UFPA (HOSPITAL UNIVERSITÁRIO JOÃO BARROS BARRETO - HUJBB) (HOSPITAL UNIVERSITÁRIO BETTINA FERRO DE SOUZA - HUBFS - 2024) Mulher de 50 anos, recém-hospitalizada devido à gastroparesia grave, de início há 3 semanas, representada por náuseas e vômitos recorrentes, resultando em baixa ingesta alimentar, por vezes mantida em jejum prolongado, com consequente síndrome consumptiva e desnutrição. Após 48 horas de estabilização dos sintomas digestivos e reintrodução alimentar efetiva, inicia quadro de diplopia, miose e dificuldade de deambulação, que, ao passar dos dias, soma-se à manifestação de amnésia anterógrada. O quadro descrito tem potencial de reversão com a reposição de: A) vitamina A (retinol). B) vitamina B1 (tiamina). C) vitamina B6 (niacina). D) vitamina B12 (cianocobalamina). E) vitamina E (tocoferol). NISTAGMO 1. Nistagmo, em grego, significa “assentir”. Quando concordamos com algo, abaixamos lentamente a cabeça. Esse movimento lento de mudança de direção chama-se nistagmo e ocorre nos olhos quando algum dos mecanismos de controle da posição do olhar, principalmente o cerebelo, o sistema vestibular ou a conexão entre ambos, sofre um desbalanço de tônus e acaba “empurrando” os olhos para uma nova posição, longe da posição primária do olhar. 2. O desvio dos olhos é lento, involuntário e recebe o nome de nistagmo. Ele é seguido por um movimento voluntário rápido, chamado de sacada de correção, no sentido oposto, para tentar voltar os olhos à posição primária do olhar. 3. O nistagmo ocorre para o lado de menor tônus vestibular, ou porque um lado sofreu lesão ou porque o outro lado está “irritado”, por exemplo, por um quadro inflamatório. 4. Uma lesão do sistema vestibular direito causa desvio dos olhos para a direita pela ação do sistema vestibular esquerdo e o cérebro corrige esse movimento anormal de forma rápida para a esquerda. Quando observamos um paciente nessa situação, percebemos que o olho faz um movimento lento para a direita e rápido para a esquerda. Assim, parece que o olho “bate” para a esquerda. 5. Caracterizamos um nistagmo para o lado da fase rápida. Assim, na lesão do sistema vestibular direito, o nistagmo bate para a esquerda. 6. Devemos lembrar que os pacientes com Wernicke- Korsakoff podem apresentar nistagmo associado ao quadro de oftalmoparesia. Esse nistagmo não é típico, pois a lesão pode ser variada. COMENTÁRIO. Estrategista, estamos diante de uma paciente com vômitos recorrentes, desnutrição e correção abrupta do status nutricional, seguindo-se a apresentação de sintomas neurológicos. Indivíduos com etilismo crônico, mulheres com hiperêmese gravídica, portadores de síndromes disabsortivas como cirurgia bariátrica ou doença inflamatória intestinal e indivíduos com