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AULA 1 CASO CLÍNICO Paciente JAP, 55 anos, sexo masculino, branco, veio para consulta ambulatorial com a nefrologia, encaminhado pelo cardiologia, devido a alteração em exames. Refere antecedente de DM tipo 2 + HAS, há +/- 12 anos, e IAM com angioplastia, há 1 ano. Refere quadro de cansaço aos médios esforços + inapetência + edema de MMII, há 3 meses. Apresenta episódios esporádicos de espuma na urina. Ainda refere controle adequado da PA e glicemia (PA = 150 x 90 mmHg e dextro em jejum ≥ 139 mg/dL. AP: ● Redução da acuidade visual ● Dormência em MMII ● Angioplastia cardíaca ● Ex-tabagista. Nega etilismo, alergia e uso de droga ilícitas. AF: ● Mãe com HAS + DM tipo 2 ● Pai falecido devido AVC (não sabe especificar o tipo). Medicação: ● Anlodipina 10mg, 1x/d; ● Hidroclorotiazida 50mg, 1x/d; ● Carvedilol 12,5mg, 2x/d; ● AAS 100mg, 1x/d; ● Clopidogrel 75mg, 1x/d; ● Isossorbida 20mg, 3x/d; ● Atorvastatina 20mg, 1x/d; ● Metformina 850mg, 2x/d. Laboratório: ● Cr = 3,7 mg/dL ● Ul = proteína 2+; hemácias 18.300 céls/mL; leucócitos 27.600 céls/mL ANÁLISE 1. Hipótese: Doença Renal Crônica (DRC) - Os sintomas que ele apresenta são compatíveis com complicações da DRC, como astenia (cansaço) e edema de membros inferiores (hipervolemia). - A "espuma na urina" é um forte indicativo de proteinúria (albuminúria), um marcador de lesão renal. A alta creatinina (3,7 mg/dL) indica uma função renal bastante comprometida. 2. Etiologia: DM (nefropatia diabética) e HAS (nefroesclerose hipertensiva) 3. Exames para confirmação: - Ultrassom de rins e vias urinárias: pode mostrar os rins com tamanhos reduzidos e com alteração da ecogenicidade cortical (fica com a aparência branca), o que é comum em casos avançados de DRC. - Hemograma completo: investigar a anemia, uma complicação frequente da DRC devido à deficiência de eritropoietina. - Função renal (Ureia e Creatinina): A creatinina sérica já indica uma queda significativa da TFG. - Eletrólitos (Sódio e Potássio): hipercalemia (aumento de potássio) - Cálcio e Fósforo: hipocalcemia e hiperfosfatemia - Vitamina D e PTH (paratormônio): A deficiência de vitamina D ativa (calcitriol) e Sofia Dutra o aumento do PTH são complicações da DRC que levam a doenças ósseas e risco cardiovascular. - Gasometria arterial: Necessária para investigar a acidose metabólica, que ocorre pela dificuldade dos rins em excretar o excesso de H+. - Sorologia: glomerulonefrites - Albumina na urina (Albuminúria): é um dos principais marcadores de lesão renal 4. Estágio: Para determinar o estágio da DRC, utilizamos a Taxa de Filtração Glomerular (TFG) e o nível de Albuminúria. ● Cálculo da TFG: Com a creatinina de 3,7 mg/dL, idade de 55 anos e sexo masculino, podemos usar a fórmula CKD-EPI 2021. ● Classificação da TFG: Uma TFG de 16 mL/min/1,73m² classifica o paciente no estágio G4. ● Classificação da Albuminúria: O exame de urina do paciente indica "proteína 2+". Clinicamente, esse valor sugere uma albuminúria acima de 300 mg/g, o que o classifica no estágio A3. - Portanto, o paciente JAP está classificado no estágio G4A3. 5. Conduta: ● Tratar a doença base: controle glicêmico e hipertensivo ● Mudança na dieta ● Manejo das complicações: anemia, hipervolemia, metabolismo mineral ósseo, risco cardiovascular. DEFINIÇÃO A Doença Renal Crônica (DRC) é definida pela presença de anormalidade estrutural ou funcional dos rins por ≥ 3 meses, manifestada por: ● Taxa de filtração glomerular ≤ 60 mL/min/1,73m2 ● Lesão renal, demonstrada por: ○ Proteinúria ○ Hematúria ○ Alteração em imagem ou em biópsia renal Os dois marcadores de DRC mais comuns na prática clínica são a creatinina (utilizada para calcular a TFG) e a albuminúria. EPIDEMIOLOGIA Pessoas com DRC morrem por: 1º Lugar: Doenças cardiovasculares. A própria DRC aumenta a inflamação sistêmica e acelera problemas como aterosclerose e hipertensão. 2º Lugar: Infecções. Com a função renal comprometida, a imunidade do paciente fica mais baixa, pois a toxina urêmica altera a função dos leucócitos. ETIOLOGIA - Doença renal diabética: mecanismo → lesão microvascular progressiva devido o excesso de glicose ● Sinal inicial da DRC: Microalbuminúria ● Fisiopatologia: Microalbuminúria → Albuminúria → A lesão constante nos rins leva a diminuição da TFG → Aumenta a volemia causando HAS secundária → Falência renal - Hipertensão arterial: mecanismo → lesão crônica dos vasos renais causando nefroesclerose hipertesiva ● Fisiopatologia: HAS → Hipertensão glomerular → Lesa as Sofia Dutra células renais aumenta a inflamação → Fibrose → Glomérulo para de funcionar → Diminuição da TFG → Falência renal - Glomerulopatias: as GNC (glomerulonefrites crônicas) são a terceira causa mais comum de DRC. ● Elas podem ser primárias (quando a doença atinge somente o rim) ou secundárias a outras doenças, como lúpus, vasculites ou infecções crônicas (Hepatite B, C, HIV). - Doenças túbulo-intersticiais: infecções, nefrolitíase e drogas. - Rins policísticos: É a principal causa genética de DRC. A Doença Renal Policística Autossômica Dominante (DRPAD) é uma doença hereditária que causa o crescimento de múltiplos cistos nos rins, que aumentam de tamanho e comprometem a função renal com o tempo ESTÁGIOS A DRC é classificada conforme a sua TFG e o seu nível de albuminúria. ● Esses fatores são independentes. 🩺 A partir do estágio G3b o indivíduo começa a apresentar mais complicações. MARCADORES DA FUNÇÃO RENAL Os marcadores usados para avaliar a TFG incluem: ● Inulina ● Creatinina ● Cistatina C ● Ureia CREATININA A creatina participa da produção de energia muscular. Quando é usada, forma-se creatinina como subproduto. A creatinina é produzida de forma constante e proporcional à massa muscular. ● Por isso, pessoas mais musculosas produzem mais creatinina. A creatinina é filtrada principalmente pelos glomérulos dos rins, sendo que uma pequena parte é secretada pelos túbulos renais. ● Em condições normais, é quase totalmente eliminada pela urina. Como a creatinina é eliminada principalmente pelos rins, o seu acúmulo no sangue indica queda da função renal. A taxa de depuração da creatinina (clearance) é uma boa estimativa da TFG (Taxa de Filtração Glomerular). Sofia Dutra ● Homens: 0,7 – 1,3 mg/dL ● Mulheres: 0,6 – 1,1 mg/dL INULINA x CREATININA x UREIA x CISTATINA C INULINA - Substância exógena, ideal (filtrada, não reabsorvida ou secretada). - Usada apenas em pesquisas (não prática clínica). CREATININA - 🩺 Varia com: idade, massa muscular, dieta, etnia e sexo. - Redução de 50% na TFG dobra a creatinina sérica. CISTATINA C - Proteína endógena não glicosilada, produzida constantemente. - Filtrada pelos glomérulos, não secretada nem reabsorvida. - 🩺 Não varia com dieta, massa muscular, sexo ou etnia. - 🩺 Varia em: hipotireoidismo, hipertireoidismo, gravidez e corticóides. → Ideal em pacientes com massa muscular alterada (ex: idosos, atletas, obesos). UREIA - Depende do metabolismo de proteínas. - Reabsorvida nos túbulos → subestima a função renal. - Menos usada isoladamente para estimar TFG. TAXA DE FILTRAÇÃO GLOMERULAR A TFG indica o quanto os rins conseguem filtrar o sangue por minuto, ou seja, mede a função renal. → Uma TFG normal significa rins funcionando bem. FÓRMULAS USANDO CREATININA Cockcroft-Gault: Usa peso, idade, creatinina e sexo. MDRD (Modification of Diet in Renal Disease): Boa para TFGem seus estágios iniciais, ou seja, os pacientes são assintomáticos. Sofia Dutra ● Nesses casos, a principal conduta é tratar a doença de base (como diabetes ou hipertensão) para retardar a progressão. As complicações da DRC geralmente começam a aparecer a partir do estágio 3b da doença. As mais comuns incluem: ● Hipertensão arterial: Afeta cerca de 80% dos pacientes com DRC. ● Anemia: Presente em cerca de 50% dos pacientes no estágio 4 e em quase 100% no estágio 5. ● Distúrbios do metabolismo mineral (20%): A partir do estágio 3b, podem ocorrer distúrbios como hiperfosfatemia, hipocalcemia e hiperparatireoidismo secundário. ● Doença cardiovascular (DCV): O risco de doença cardiovascular é acentuado, especialmente no estágio 5 A3. A DRC e suas complicações aumentam o risco de hipertrofia do ventrículo esquerdo (HVE) - 70% tem HVE, fibrose do miocárdio e calcificação de artérias. DRC MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS Cada rim humano nasce com cerca de 1 milhão de néfrons, unidades funcionais que determinam a TFG. Lesões renais crônicas destroem a microarquitetura, substituindo o tecido por colágeno, afetando glomérulos, túbulos e vasos (glomeruloesclerose, fibrose túbulo-intersticial, esclerose vascular). Os rins são incapazes de regenerar os néfrons perdidos. Contudo, os néfrons remanescentes se adaptam, aumentando a sua capacidade de filtração glomerular através de estímulos por citocinas e hormônios como o SRAA → um mecanismo chamado de hiperfiltração adaptativa ● Essa adaptação é eficiente, mantendo creatinina e eletrólitos normais mesmo com 50% de perda dos néfrons. Contudo, a longo prazo, essa hiperfiltração danifica os néfrons, fazendo com que a DRC progrida, mesmo com a doença subjacente controlada. HIPERTENSÃO ARTERIAL Fisiopatologia: A DRC causa uma lesão nos rins, que diminui a excreção sódio e água → aumento da volemia → aumento da PA → A PA elevada (HAS) danifica ainda mais os vasos dos rins, piorando a perda da função renal. ● 🔃 É um ciclo vicioso que se retroalimenta. Quanto mais a função renal diminui, mais a pressão arterial aumenta, e quanto mais a pressão arterial aumenta, mais os rins são lesados. 75% dos pacientes com DRC têm hipertensão ● A prevalência aumenta com a perda da função renal e progressão da doença. ANEMIA A anemia é uma complicação frequente da DRC e sua causa é multifatorial. Fisiopatologia: ● Deficiência de eritropoietina (EPO): A EPO é um hormônio produzido pelos rins que estimula a medula óssea a produzir glóbulos vermelhos. Perda da função renal → diminuição de EPO → Diminuição da produção de hemácias → Anemia. ● Deficiência de ferro, por conta da resposta inflamatória: Pacientes com DRC têm uma Sofia Dutra perda aumentada de ferro e a absorção intestinal reduzida, levando a um balanço negativo de ferro. O tratamento para anemia não funcionará se houver deficiência de ferro Associada à ↓ qualidade de vida, ↑ DCV, ↑ morbidade e mortalidade. DISTÚRBIOS DO METABOLISMO MINERAL ÓSSEO Os distúrbios do metabolismo mineral ósseo começam a aparecer mais no estágio 4 da DRC. → Risco aumentado de fraturas ósseas e calcificação vascular, que pode causar sintomas como a claudicação intermitente. Fisiopatologia: Perda da função renal → Diminuição da excreção do fósforo → Acúmulo de fósforo estimula a produção do PTH (paratormônio), que tenta compensar eliminando o fósforo pelo rim, embora não seja o principal mecanismo. Aumento do PTH: O rim doente também deixa de produzir a vitamina D ativa (calcitriol), que é essencial para a absorção de cálcio no intestino. ● Vitamina D baixa → o cálcio no sangue cai → Para compensar essa queda, o PTH aumenta (hiperparatireoidismo secundário). ● O PTH aumentado retira o cálcio dos ossos para manter os níveis sanguíneos, enfraquecendo-os. O PTH aceitável: ● Paciente estágio 4: até 150 pg/mL ● Paciente estágio 5: até 300 pg/mL O tratamento tem como prioridade: - 1º: Corrigir a dieta, com restrição de fósforo, cálcio e uso de suplementos de vitamina D se necessário. - 2º: Administrar medicamentos como quelantes de fósforo (carbonato de cálcio, sevelâmer) e, se o PTH continuar alto, análogos de vitamina D (calcitriol) ou calcimiméticos (cinacalcete). - 3º: Em casos graves e refratários ao tratamento, pode ser necessária a paratireoidectomia HIPERPARATIREOIDISMO SECUNDÁRIO Fisiopatologia: o hiperparatireoidismo secundário é causado pelo aumento de fósforo sérico e a queda da vitamina D e, consequentemente, de cálcio no sangue devido a perda da função renal. Essa superprodução de PTH leva a três manifestações clínicas: ● Fácies leonina (osteíte fibrosa cística): É uma alteração óssea rara e severa no crânio, que se assemelha ao rosto de um leão. ● Calcificações: O acúmulo de fósforo e cálcio na circulação sanguínea leva à sua deposição em tecidos moles e vasos. Essas calcificações vasculares endurecem as artérias, o que aumenta o risco cardiovascular e a rigidez do sistema circulatório. ● Calcifilaxia: É a forma mais grave de calcificação vascular. É uma síndrome rara e dolorosa, com necrose da pele (morte do tecido) causada pela calcificação das pequenas artérias da pele. DOENÇA CARDIOVASCULAR Sofia Dutra A doença cardiovascular (DCV) é a principal causa de óbitos em pacientes com Doença Renal Crônica. Essa relação é tão forte que a diminuição da TFG (taxa de filtração glomerular) está diretamente ligada ao aumento da mortalidade cardiovascular. TRATAMENTO O tratamento da DRC envolve 3 pilares principais: 1. Tratamento da doença de base. 2. Retardar a progressão da DRC. 3. Manejo das complicações da DRC. ● TRS: Terapia Renal Substitutiva → Diálise PROTEINÚRIA ● Dieta hipoprotéica: ○ Se tiver com a TFG● Seta hachurada: tem que ajustar a dose ANEMIA Objetivo: ● Hb:10-12 g/dL ● Saturação de transferrina (Tsat) > 20% ● Ferritina > 100 ng/dL Tratamento: ● Reposição de EPO e/ou Ferro ● Utilização de complexo B e ácido fólico apenas se estiver baixo após a dosagem ● Avaliação de sangramento e perdas não perceptíveis ● Avaliação do hiperparatireoidismo secundário ● Patologias associadas Sofia Dutra HIPERCALEMIA Hipercalemia (aumento do potássio): é uma alteração que necessita de máxima atenção, pois pode causar parada cardiovascular. Quadro clínico: parestesia, câimbras, arritmia, parada cardiovascular Causas de hipercalemia: ● Medicamentos (iECA, beta bloqueadores, espironolactona) ● Acidose metabólica ● Obstipação intestinal ● Dieta rica em potássio Tratamento: ● Correção da acidose ● Correção da glicemia ● Adequação dietética ● Uso de diuréticos de alça – se possível ● Iniciar o tratamento dialítico ● Ciclossilicato de zircônio sódico 5,0 gr/sachê (Lokelma) PREVENÇÃO DE INFECÇÕES ● Vacinação: Influenza, Pneumococo, Hepatite B, Covid ● Maior risco para Tb pulmonar / extra pulmonar TRATAMENTO DO ESTÁGIO 5 Preparação para iniciar o tratamento dialítico (hemodiálise/diálise peritoneal) ● Início = quadro clínico + TFG + outros exames (p. ex.: K) ● Escolha do método dialítico Opções de tratamento: ● Hemodiálise ● Diálise peritoneal ● Transplante renal TRATAMENTO DIALÍTICO Processo pelo qual se realiza a remoção de solutos urêmicos e o excesso de volume com o objetivo de restabelecer o equilíbrio hídrico e metabólico dos pacientes com DRC ou LRA. Para um paciente ser indicado a um tratamento dialítico ele deve ter: ● TFG 3x/sem) ● Hemodiálise incremental (2x/sem ou tempo de duração 3x/sem) ● Hemodiafiltração incremental DIÁLISE PERITONEAL A diálise peritoneal é uma modalidade de terapia renal substitutiva que pode ser realizada em casa. É um método de filtragem do sangue que não utiliza um filtro externo (dializador) ou envolve a manipulação do sangue. ● O próprio peritônio (uma membrana que reveste a cavidade abdominal) atua como a membrana de filtração. A diálise peritoneal pode ser feita de forma manual ou com o auxílio de uma máquina. É uma terapia eficaz, mas é mais comum ser usada por um curto prazo (cerca de 4 anos). TRANSPLANTE RENAL O transplante renal é a melhor terapia de substituição renal. Ele oferece uma melhor qualidade de vida e sobrevida para o paciente. O rim nativo não precisa ser removido, a menos que cause algum problema, como infecção crônica ou hipertensão arterial grave. O novo rim é geralmente implantado na região da pelve, e o paciente pode ficar com três rins. Os transplantes de doador vivo são preferíveis, pois oferecem um melhor resultado e sobrevida do enxerto (o rim transplantado) em comparação com transplantes de doadores falecidos por morte encefálica. Sofia Dutra