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O que é demência? Demência é um prejuízo da rotina do paciente. Quando decai um grau em sua competência em lidar com o mundo A síndrome demencial pode ser causada por um grupo heterogêneo de doenças que têm em comum o declínio cognitivo associado à perda de capacidade funcional. Os distúrbios de comportamento, embora não sejam necessários para a definição da síndrome, geralmente acompanham seu curso, com manifestações diversas de acordo a fase e a etiologia. As demências geralmente apresentam evolução insidiosa e progressiva, mas podem também ser causadas por lesão única que determina início agudo e déficit estável. Na maioria dos casos, os déficits são irreversíveis, mas uma pequena parcela dos pacientes apresenta fatores potencialmente reversíveis, como deficiências vitamínicas, distúrbios metabólicos, doenças inflamatórias, processos infecciosos e lesões intracranianas expansivas. Embora seja mais comum na população geriátrica, a síndrome demencial pode ocorrer também em indivíduos mais jovens, sendo denominada demência pré-senil quando tem seu início antes dos 65 anos de idade O principal fator de risco para ocorrência de demências é a idade. A partir dos 65 anos de idade, sua prevalência dobra a cada 5 anos. Estudos epidemiológicos brasileiros têm encontrado prevalência de cerca de 3% na faixa dos 65-69 anos e 30% na faixa dos 85-89 anos. Ainda é uma questão indefinida se a prevalência é maior em homens ou mulheres. Analfabetismo, baixa escolaridade e participação reduzida em atividades intelectuais também têm sido associadas a maior prevalência de demência. Esses achados sustentam a hipótese da reserva cognitiva, indicando que a atividade intelectual pode ser um fator protetor importante contra o desenvolvimento das demências. Em um estudo populacional brasileiro que investigou a etiologia das demências, 55,1% dos pacientes apresentavam doença de Alzheimer, 14,4% apresentavam doença de Alzheimer associada a doença cerebrovascular (demência mista) e 9,3% apresentavam demência vascular. Apenas 1 caso (0,8%) de demência potencialmente reversível foi encontrado (deficiência de vitamina B12). Após os 65 anos: pensar em Alzheimer, demência vascular e demência dos corpos de lewy Antes dos 65 anos: pensar em Alzheimer, demência vascular e demência do lobo fronto temporal À partir da queixa do paciente e/ ou familiar: deve-se avaliar a queixa, o impacto na vida do paciente e os testes neuropsicológicos CCS: Comprometimento cognitivo subjetivo, transtorno cognitivo subjetivo e declínio cognitivo subjetivo: Queixa +; Teste - e Impacto – CCL: Comprometimento cognitivo leve ( tem queixa, familia tem queixa, o teste tem alteração, mas o impacto na rotina é pequeno ou ausente): Queixa +; Teste +; Impacto – Demência: Queixa existe, teste está alterado e há impacto na vida do paciente e/ou da família- Queixa +, teste + e impacto + Domínios cognitivos: Cognição: é a capacidade mental de compreender e resolver problemas do cotidiano Função executiva: tomada de decisões- o que preciso para resolver um problema Atenção e memória de trabalho: fui na cozinha e esqueci o que vim fazer Memória de longo prazo Comportamento Linguagem Habilidade viso-espacial: não me acho mais na rua, não consigo estacionar o carro Testes cognitivos para avaliação de suspeita de demência Mini Mental Composto por um somatório de pequenas tarefas: orientação temporal, orientação espacial, registro de palavras, subtrações seriadas, evocação das palavras, nomeação de 2 objetos, repetição de 1 frase, execução de 1 comando verbal e de 1 comando escrito, formulação de 1 frase, cópia de 1 desenho. O escore varia de 0-30, servindo como medida global de cognição (tempo de aplicação: 5-10 minutos) MoCA Composto por um somatório de tarefas: conexão alternada de números e letras, cópia de 1 cubo, desenho de 1 relógio, nomeação de 3 figuras, repetir dígitos na ordem direta e indireta, vigilância auditiva, subtração seriada, repetir frases, fluência verbal, abstração, evocação de 5 palavras, orientação. A soma dos itens fornece um escore que varia de 0-30, servido como medida global de cognição (tempo de aplicação: 7-15 minutos). Vem aos poucos substituindo o miniexame do estado mental, pois apresenta menor efeito-teto e maior acurácia, e avalia memória e função executiva. Toma tempo excessivo e, ainda, apresenta critérios de normalidade limitados. Os parâmetros de normalidade sugeridos para idosos (por escolaridade) são: 1-4 anos: ≥ 18 pontos; 5-8 anos: ≥ 22 pontos; 9-12 anos: ≥ 24 pontos; ≥ 12 anos: ≥ 25 pontos Bateria breve Teste do relógio Fluência verbal Lista de palavras “consortium to establish a registry for Alzheimer’s disease” (CERAD) O teste é composto por 10 palavras impressas em cartões: manteiga, carta, poste, motor, braço, rainha, bilhete, praia, cabana, erva. O indivíduo é orientado a ler as palavras em voz alta e memorizá-las (como alternativa, o examinador pode ler as palavras). Logo após, deve repetir as palavras que conseguir. O procedimento é repetido por 3 vezes. Após intervalo de 3-5 minutos, o indivíduo tenta lembrar-se das palavras. O número de palavras evocado após o intervalo dá uma medida de memória episódica (tempo de aplicação: 6- 8 minutos). Os testes de memorização de palavras (ou de figuras) avaliam memória episódica, domínio comprometido precocemente nas demências. Apresentam acurácia superior aos testes descritos anteriormente e são extremamente úteis para detecção dos casos leves. Apesar de serem simples, esses testes ainda são pouco utilizados, por falta de conhecimento. Critérios de normalidade (por escolaridade): 0-3 anos: ≥ 3 palavras; 4-6 anos: ≥ 4 palavras; ≥ 7 anos: ≥ 5 palavras Questionários para o informante utilizados na investigação inicial do paciente com suspeita de demência Questionário de atividades funcionais (questionário de Pfeffer) O informante deve relatar o grau de independência do paciente em 10 tarefas do dia a dia, como cuidar do próprio dinheiro, fazer compras, manter-se a par dos acontecimentos, lembrar-se de compromissos, tomar remédios. As alternativas são: 0 – sim, é capaz; 1 – com alguma dificuldade, mas faz sozinho; 2 – necessita de ajuda; 3 – não é capaz. Sua estrutura mais simples facilita o autopreenchimento na sala de espera. O escore varia de 0-30, e um escore > 5 indica comprometimento Questionário do informante sobre o declínio cognitivo do idoso (IQCODE) O informante deve comparar as habilidades atuais do indivíduo com as de 10 anos atrás: 1 – muito melhor; 2 – um pouco melhor; 3 – pouca mudança; 4 – um pouco pior; 5 – muito pior. O escore é obtido pela média dos itens e varia de 1-5. O questionário tem versões com 26 e 16 itens, sendo a versão curta a mais utilizada. Sua estrutura complexa dificulta o autopreenchimento. Sugere-se que seja utilizado no formato de entrevista. Um escore > 3,5 indica comprometimento Prejuizo das AIVDs: gerenciar finanças, fazer compras, transporte, preparar refeições, atividades sociais, atividades de lazer, usar telefone, usar computador, gerenciar medicações, tarefas domésticas.. Prejuízo das ABVDs: Tomar banho, transferência (se mover e se locomover dentro de casa), higiene pessoal, alimentar-se, controle esfincteriano, vestir-se.. Completa dependência: Não fala, deglute mal, não deambula.. No processo de demência, as AIVDs são comprometidas inicialmente, sendo as ABVDs afetadas por último Diagnósticos diferenciais de demência possivelmente reversíveis M: Medicamentos- benzodiazepínicos, agonistas colinérgicos, agonistas dopaminérgicos... I: Insuficiência renal; Insuficiência hepática N: Neurossífilis (HIV emDepressão B: B1, B12 e ácido fólico Exames para diagnóstico diferencial Vitamina B12: É a causa mais comum de demência potencialmente reversível entre os idosos. O perfil e o curso clínico são muito semelhantes aos encontrados na doença de Alzheimer. A reposição geralmente reverte o quadro em algumas semanas Hormônio estimulante da tireoide (TSH): Não é comum encontrar demência causada exclusivamente por hipotireoidismo, mas este é um fator adicional que frequentemente atua em conjunto com outras etiologias Ácido fólico (vitamina B9): A demência por ácido fólico existe e deve ser considerada principalmente em indivíduos com desnutrição, alcoolismo e má-absorção Sorologia para sífilis: A neurossífilis já foi uma das principais causas de demência, mas atualmente é uma etiologia menos comum. A sorologia deve ser realizada em pacientes com incidência pré-senil, evolução rapidamente progressiva, sintomas comportamentais proeminentes, déficits focais e convulsão. Pensar mais em áreas vulneráveis Outros: Alguns exames laboratoriais devem ser considerados de acordo com o perfil de risco e os sintomas associados: hemograma, função renal, marcadores hepáticos, glicemia, eletrólitos (p. ex., sódio e cálcio), dosagem de testosterona e sorologia para HIV Líquido cefalorraquidiano: Indicado em casos de início pré-senil, apresentação atípica, evolução rapidamente progressiva, suspeita de doença inflamatória, infecciosa ou priônica Marcadores genéticos: O alelo ε4 da apolipoproteína E (APOE) está associado a maior risco de doença de Alzheimer. A genotipagem de APOE tem função preditiva, mas não auxilia no diagnóstico. O mesmo é válido para outros polimorfismos de suscetibilidade descritos Biomarcadores: A diminuição da proteína beta- amiloide 1-42 e o aumento das proteínas τ no líquido cefalorraquidiano estão associados à doença de Alzheimer. Embora tenham papel promissor no ambiente de pesquisa, o uso desses e outros biomarcadores ainda não está definido na prática clínica Doença de Alzheimer: A doença de Alzheimer (DA) é a causa mais comum de demência, contribuindo para cerca de 60 a 70% de todos os casos A DA pode se manifestar bastante cedo, a partir da terceira década de vida, porém constitui a causa mais comum de demência no idoso. Com mais frequência, os pacientes apresentam perda insidiosa da memória episódica, seguida de demência lentamente progressiva Patologia: A doença de Alzheimer caracteriza-se, histopatologicamente, pela maciça perda sináptica e pela morte neuronal observada nas regiões cerebrais responsáveis pelas funções cognitivas, incluindo o córtex cerebral, o hipocampo, o córtex entorrinal e o estriado ventral. De acordo com a hipótese da cascata amiloidal, a neurodegeneração na doença de Alzheimer inicia-se com a clivagem proteolítica da proteína precursora amilóide (APP) e resulta na produção, agregação e deposição da substância β-amilóide (Aβ) e placas senis. A outra característica neuropatológica da doença de Alzheimer, os NFT, consistem em filamentos helicoidais procedentes da hiperfosforilação do citoesqueleto da proteína tau. A hipótese da tau e dos NFT sugeriu que, na doença de Alzheimer, a função normal da proteína tau de estabilizar os microtúbulos neuronais foi prejudicada, e, mais ainda, esses microtúbulos de neurônios doentes foram gradualmente substituídos por NFT. Quadro clínico: As alterações cognitivas da DA tendem a seguir um padrão característico, começando com comprometimento da memória e progredindo para déficits nas funções executivas, de linguagem e visuoespaciais. Contudo, cerca de 20% dos pacientes com DA apresentam queixas não relacionadas com a memória, como dificuldade em encontrar as palavras, de organização ou de orientação espacial. Em outros pacientes, a disfunção no processamento visual (designada como síndrome de atrofia cortical posterior) ou uma afasia “logopênica” progressiva, caracterizada por dificuldades em nomear e repetir, são as principais manifestações da DA durante anos antes de progredir para o comprometimento da memória e outros domínios cognitivos. Outros pacientes ainda podem apresentar uma síndrome distônica-rígida-acinética (“corticobasal”) assimétrica ou uma variante disexecutiva/comportamental, isto é, uma variante “frontal” de DA. Depressão, retraimento social e ansiedade ocorrem nos estágios iniciais da doença e podem representar um pródromo antes que os sintomas cognitivos sejam aparentes. Em estágios iniciais da DA amnésica típica, a perda de memória pode não ser reconhecida ou ser descrita como esquecimento benigno da idade. O termo declínio cognitivo subjetivo refere-se à piora autopercebida na memória ou de outras habilidades cognitivas que pode não ser perceptível para os outros ou aparente em testes neuropsicológicos formais. Quando a perda de memória se torna mais evidente para o paciente, familiares e amigos e é confirmada com testes de memória padronizados, é aplicado o termo comprometimento cognitivo leve (CCL). Esse construto fornece informações prognósticas úteis, porque em torno de 50% dos pacientes com CCL (cerca de 12% ao ano) progridem para DA em 4 anos. O construto do CCL vem sendo substituído pela noção de “DA sintomática precoce”, significando que a DA é considerada a causa da doença subjacente (com base em evidências clínicas e de biomarcadores) em um paciente que permanece funcionalmente compensado. Ainda mais cedo na evolução da doença, a “DA pré-clínica” refere-se a uma pessoa com evidência de patologia amiloide (com ou sem patologia tau) por meio de biomarcador no LCS ou na tomografia por emissão de pósitrons (PET) na ausência de sintomas. Estima-se que as alterações pré-clínicas dos biomarcadores possam preceder os sintomas clínicos em 20 anos ou mais, criando uma janela de oportunidade para ensaios de prevenção e tratamento em estágio inicial. Novas evidências sugerem que as convulsões parciais e, por vezes, generalizadas, anunciam a DA e podem ocorrer até mesmo antes do início da demência, particularmente em pacientes mais jovens e pacientes com mutações autossômicas dominantes causadoras de DA. Por fim, com a DA, os problemas cognitivos começam a interferir nas atividades diárias, como cuidar das finanças, seguir instruções de trabalho, dirigir, fazer compras e cuidar da casa. Alguns pacientes não percebem essas dificuldades (anosognosia), mas a maioria permanece muito preocupada com seus déficits. Alterações no ambiente (viagens, mudanças, hospitalização) tendem a desestabilizar o paciente. Com o tempo, os pacientes se perdem em caminhadas ou dirigindo. O traquejo social, os comportamentos de rotina e a conversação superficial podem ser surpreendentemente normais, mesmo nos estágios tardios da doença. Nos estágios intermediários da DA, o paciente é incapaz de trabalhar, além de se perder e se confundir com facilidade, exigindo supervisão diária. A linguagem torna-se comprometida – primeiro a nomeação, depois a compreensão e por fim a fluência. Dificuldades em encontrar palavras e circunlóquios podem ser evidentes nos estágios iniciais, mesmo quando os testes formais mostram fluência e nomeação intactas. Verifica-se o aparecimento de apraxia, que se manifesta como dificuldade na execução de tarefas motoras sequenciais aprendidas, como uso de utensílios ou aparelhos. Os déficits visuoespaciais começam a interferir nos hábitos de vestir-se, comer ou mesmo andar, e os pacientes não conseguem resolver problemas simples e copiar figuras geométricas. Realizar cálculos simples ou ver as horas no relógio também tornam-se difíceis. Nos estágios tardios, alguns pacientes permanecem com a capacidade de caminhar, vagando sem rumo. A perda do julgamento crítico e do raciocíniosão inevitáveis. Os delírios são prevalentes e geralmente simples, com temas comuns de roubo, infidelidade ou erros de identificação. A desinibição e uma beligerância não característica podem ocorrer e alternar com passividade e afastamento. Os padrões de sono-vigília são alterados, e o hábito de vagar durante a noite perturba o domicílio. Alguns pacientes apresentam marcha arrastada, com rigidez muscular generalizada associada à lentidão e inadequação dos movimentos. Os pacientes frequentemente parecem parkinsonianos , mas raras vezes apresentam tremores de grande amplitude e baixa frequência em repouso. Há uma acentuada sobreposição entre a demência por corpos de Lewy (DCL) e a DA, e alguns pacientes com DA desenvolvem manifestações parkinsonianas mais clássicas. Nos estágios finais, os pacientes com DA tornam-se rígidos, mudos, incontinentes e acamados e necessitam de ajuda para alimentar-se, vestir-se e fazer a sua higiene. Reflexos tendíneos hiperativos e espasmos mioclônicos (contrações bruscas breves de vários músculos ou de todo o corpo) podem ocorrer de forma espontânea ou em resposta a estímulos físicos ou auditivos. Com frequência, a morte decorre de desnutrição, infecções secundárias, embolia pulmonar, cardiopatia ou, mais comumente, aspiração. A duração típica da DA sintomática é de 8 a 10 anos, mas a evolução varia de 1 a 25 anos. Por motivos desconhecidos, alguns pacientes com DA apresentam uma diminuição constante nas funções, enquanto outros têm períodos prolongados de estabilização sem deterioração maior. Diagnóstico: No início da evolução da doença, outras etiologias de demência devem ser excluídas. Os exames de neuroimagem (TC e RM) não mostram um padrão único específico de DA e podem ser normais no início da doença. À medida que a DA progride, uma atrofia cortical mais distribuída, porém geralmente com predominância posterior, torna-se aparente, juntamente com atrofia das estruturas de memória temporais mediais. A principal indicação dos exames de imagem é excluir outros distúrbios, como neoplasias primárias e secundárias, demência vascular, doença difusa da substância branca e hidrocefalia de pressão normal (HPN). As imagens também ajudam a distinguir a DA de outros distúrbios degenerativos, como demência frontotemporal (DFT) ou a doença de Creutzfeldt-Jakob (DCJ), uma doença priônica, que apresentam padrões de imagem diferentes da DA. Os exames de imagem funcionais, como a PET com fluordesoxiglicose (FDG), revelam hipometabolismo no córtex parietotemporal posterior na DA. A imagem de PET amiloide (p. ex., com radiomarcadores [11C]PIB, [18F]florbetapir, [18F]florbetaben ou [18F]flutemetamol) confirma a presença de placas Aβ neuríticas e difusas em todo o neocórtex. Embora a ligação do PET amiloide seja detectada na DA, aproximadamente 25% dos idosos sem comprometimento cognitivo também apresentam exames positivos, que se acredita representarem doença pré-clínica e um aumento no risco de conversão para DA clínica. De modo semelhante, a demência em consequência de um distúrbio diferente da DA pode ser a etiologia subjacente em um paciente com positividade do amiloide na PET. Os ligantes de PET amiloide também se ligam aos depósitos vasculares de Aβ na angiopatia amiloide cerebral. Portanto, o uso clínico de PET amiloide deve ser restrito a cenários específicos nos quais se espera que o conhecimento do estado amiloide tenha impacto no diagnóstico e altere o manejo. Por exemplo, um exame de PET amiloide negativo em um paciente com demência torna improvável o diagnóstico de DA. Os radiomarcadores na PET tau (p. ex., [18F]flortuacipir, [18F]MK-6240) ligam-se aos filamentos helicoidais pareados que formam ENFs e estão disponíveis principalmente no ambiente de pesquisa. O padrão de ligação é amplamente consistente com o estadiamento neuropatológico de Braak dos ENFs, com retenção precoce nas regiões temporais mediais, seguida de disseminação para os córtices temporoparietal e cingulado, regiões pré-frontais dorsolaterais e, finalmente, áreas sensoriais e motoras primárias. O exame de rotina do líquido espinal geralmente é normal, mas as reduções no LCS dos níveis de Aβ42 e na razão Aβ42/Aβ40 correlacionam-se com deposição de amiloide, aumentos na tau fosforilada (no resíduo 181 ou 217) correlacionam-se com inclusões emaranhadas, e aumentos nos níveis totais de tau representam uma achado inespecífico observado na DA, mas também em outras causas de neurodegeneração. As medições de Aβ e tau fosforilada no plasma com imunoensaios ultrassensíveis ou espectrometria de massa são promissoras e provavelmente aumentarão o acesso e a acessibilidade dos biomarcadores moleculares de DA. O eletrencefalograma (EEG) é normal ou mostra uma lentificação inespecífica; o EEG prolongado pode ser utilizado para diagnosticar epilepsias não convulsivas intermitentes. Um declínio lentamente progressivo da memória e orientação, resultados normais de exames laboratoriais e RM ou TC que demonstrem apenas atrofia cortical difusa ou predominantemente posterior e hipocampal são altamente sugestivos de DA. Um diagnóstico clínico de DA alcançado após avaliação cuidadosa é confirmado na autópsia em 70 a 90% das vezes, com casos mal diagnosticados geralmente resultantes de alterações neuropatológicas da encefalopatia TDP-43 relacionada com a idade (LATE) com ou sem esclerose hipocampal, taupatia relacionada com a idade, DCL, patologia vascular ou degeneração frontotemporal (DFT) lobar. Tratamento: Anticolinesterásicos Os anticolinesterásicos melhoram a transmissão colinérgica por meio da inibição da enzima responsável pela degradação da acetilcolina na fenda sináptica. Existem evidências que justificam o uso dessas drogas nas fases leve, moderada e grave das demências com as seguintes etiologias: doença de Alzheimer, demência vascular, demência de Lewy e demência por doença de Parkinson. Na maioria dos casos, não é observada melhora significativa com a introdução da medicação, mas ao longo do tempo os pacientes apresentam menor progressão do comprometimento cognitivo e funcional. Estima-se que a preservação proporcionada pelos anticolinesterásicos seja equivalente a 6-12 meses de evolução da doença. Os principais efeitos colaterais observados relacionam- se ao trato gastrointestinal: náusea, vômito, anorexia e diarreia. Perda ponderal de até 4 kg é comum no início do tratamento, mas o peso tende a estabilizar após alguns meses. Uma minoria de paciente pode apresentar cãibras e distúrbios do sono. Devem ser utilizados com cautela em indivíduos com bradicardia e distúrbios de condução elétrica cardíaca. Atualmente, existem 3 anticolinesterásicos disponíveis: donepezil, rivastigmina e galantamina. O donepezil é o mais utilizado, pois apresenta maior número de estudos comprovando eficácia e segurança, melhor tolerabilidade quando comparado à rivastigmina, maior facilidade de ajuste posológico inicial quando comparado à galantamina e maior disponibilidade de similares no mercado. Para todos os anticolinesterásicos, deve-se aumentar a dose a cada 4-6 semanas, sendo que o alvo é atingir a dose máxima. Deve-se sempre dar atenção aos efeitos colaterais. Memantina A memantina é um antagonista de baixa afinidade para os receptores N-metil-D-aspartato (NMDA) que impede a neurotoxicidade do glutamato sem interferir nas ações fisiológicas do aminoácido excitatório. Apresenta perfil de segurança extremamente favorável e confere benefício adicional em pacientes que já estão utilizando anticolinesterásicos. As evidências atuais justificam seu uso apenas nas fases moderada e grave da doença. Recomenda-se que a introdução seja feita de forma gradual (dose inicial de 5 mg/dia e dose máxima de 10 mg/dia). Sintomas comportamentais A abordagem inicial dos sintomas comportamentais deve ser baseada em estratégias não farmacológicas, consistindo em contato social, engajamento em atividades produtivas, exercícios físicos e recreação. Além disso, é importante que os cuidadores aprendam técnicas específicas para lidar com esses comportamentos. Nos casos refratários, especialmente na presença de sintomas psicóticos e agressividade, os antipsicóticos podem ser utilizados, mas apresentam eficácia limitada e determinam maior risco de eventos cardiovasculares. Os agentes atípicos têm sido mais utilizados por apresentarem menor efeito extrapiramidal. As drogas com maior evidência de benefício são risperidona, olanzapina e aripiprazol. A quetiapina possui elevado efeito sedativo, porém pouco efeito extrapiramidal e, portanto, é uma opção para pacientes com parkinsonismo. A risperidona tem sido a droga mais utilizada, pois apresenta o maior número de estudos comprovando a sua eficácia, pouco efeito sedativo, baixo custo, disponibilidade em comprimidos e solução VO. A dose diária utilizada varia de 0,25-1 mg. Demência vascular: Evolução em degraus e progressão lenta. A demência vascular é a segunda causa mais comum de demência, perdendo apenas para a doença de Alzheimer. É uma doença bastante heterogênea, caracterizada pelo comprometimento cognitivo e funcional decorrente da perda de neurônios por um quadro neurovascular. O risco de desenvolver demência vascular dobra a cada 5 anos a partir dos 65 anos de idade. A chance de que ocorra um comprometimento cognitivo de qualquer magnitude após um AVC é de 64%. Cerca de um terço dos pacientes com sequelas de AVC apresentarão demência. Tipicamente, os pacientes desenvolvem incontinência precoce, distúrbios da marcha e embotamento afetivo. Um processo de demência subcortical atribuído à doença de pequenos vasos na substância branca periventricular foi designado como doença de Binswanger, mas pode constituir um achado radiográfico, mais do que uma doença verdadeira. O tratamento adequado dos fatores de risco para doença vascular – controle da pressão arterial, abandono do tabagismo, modificação da dieta e anticoagulação (em situações específicas como fibrilação atrial) – é obrigatório e pode ser benéfico. Diagnóstico: DLFT –Degeneração Fronto-Temporal: A demência frontotemporal (antiga doença de Pick) corresponde a menos de 10% de todos os casos de demência. Ela é a segunda causa de demência pré-senil (sintomas iniciados antes dos 65 anos), correspondendo a 20% dos casos de demência nessa faixa etária. Especificamente nessa doença, as formas genéticas são mais comuns do que em outras. Cerca de 40% dos pacientes apresentam história familiar positiva para demência e em 10-20% o padrão é autossômico dominante. Vários genes estão relacionados ao desenvolvimento da demência frontotemporal. Os mais importantes são os genes MAPT (um terço dos casos), C9ORF72 (11%) e GRN (10%). Há uma clara correlação entre o gene alterado e a manifestação clínica. Existem três principais formas clínicas da demência frontotemporal (DFT): ➢ Variante comportamental (57% dos casos); ➢ Afasia progressiva primária – variante agramática (25% dos casos); e ➢ Afasia progressiva primária – variante semântica (18% dos casos). Quadro clínico: 1. O início dos sintomas é insidioso. 2. Os sintomas comportamentais dominam o quadro em relação aos cognitivos. 3. Das alterações intelectuais, a disfunção executiva costuma ser a mais exuberante. 4. Os pacientes apresentam desde o início mudanças profundas na personalidade que acabam por afetar o contato interpessoal e a modulação emocional. 5. É bastante comum o achado de apatia e desinibição, com comportamentos inadequados socialmente, ou mesmo estereotipias (comportamentos repetitivos e perseverantes). 6. Devido à perda do insight, o paciente quase sempre é incapaz de perceber as emoções e modificar seu comportamento diante de determinados estímulos. 7. Pode haver hipersexualidade, hiperfagia e embotamento afetivo e, frequentemente, os pacientes recebem diagnóstico de doença psiquiátrica. Todas as formas de DFT progridem ao longo dos anos. Nenhuma intervenção retarda o declínio inevitável que ocorre nesses pacientes. Cerca de 50% dos pacientes apresentam histórico familiar da doença. Tratamento Até o momento, não existe terapia capaz de interromper ou reverter a progressão da demência frontotemporal (DFT). O tratamento, portanto, é voltado ao alívio dos sintomas e ao suporte funcional e emocional do paciente e seus cuidadores, sendo necessário um plano terapêutico personalizado de acordo com o subtipo clínico, gravidade do quadro e contexto social. Intervenções não farmacológicas São consideradas estratégias de primeira linha, especialmente nos estágios iniciais: Psicoeducação dos familiares: auxilia na compreensão dos sintomas e no enfrentamento das mudanças de comportamento; Terapias fonoaudiológicas, especialmente nas formas linguísticas (APP), para manter e treinar as habilidades comunicativas remanescentes; Terapia ocupacional: promove a manutenção da autonomia e adaptação às perdas funcionais; Intervenções comportamentais estruturadas: estratégias ambientais para reduzir estímulos disfuncionais e prevenir comportamentos de risco; Apoio psicológico ao cuidador: fundamental para prevenir sobrecarga e desgaste emocional. Tratamento farmacológico Embora não haja medicamentos específicos para a DFT, algumas opções podem ser utilizadas para manejo sintomático: Inibidores seletivos da recaptação de serotonina (ISRS): como sertralina ou paroxetina, frequentemente usados para tratar sintomas como impulsividade, compulsividade e desinibição; Trazodona: pode ser útil para agitação, ansiedade ou distúrbios do sono; Antipsicóticos atípicos: utilizados com cautela em casos de agressividade ou delírios, evitando-se riscos de efeitos extrapiramidais e sedação excessiva; Modafinil: eventualmente utilizado para apatia ou sonolência excessiva, embora com evidências limitadas. Doença de Corpos de Lewi Os corpúsculos de Lewy são inclusões intraneuronais patológicas de alfassinulceína características da doença de Parkinson quando estão restritas ao tronco. Os pacientes com a forma difusa da doença com corpúsculos de Lewy apresentam um parkinsonismo clínico (i. e., movimento lento, rigidez e desequilíbrio) combinado com demência precoce e proeminente. No exame anatomopatológico, os corpúsculos de Lewy são encontrados no tronco encefálico, no sistema límbico e no córtex. Alucinações visuais e flutuações cognitivas são comuns, e os pacientes são singularmente sensíveis aos efeitos adversos da medicação neuroléptica. A forma difusa da doença com corpúsculos de Lewy é a segunda causa mais comum de demência depois da DA. Entretanto, a concordância comum das características anatomopatológicas da doença com corpúsculos de Lewy difusa com as placas neuríticas e os emaranhados neurofibrilares clássicos da DA complica a identificação da causa da demência em determinados pacientes. A demência por corpúsculo de Lewy é uma das causas de síndrome demencial de cunho neurodegenerativo. A presença de parkinsonismo, alucinações visuais, déficit cognitivo precoce e flutuação dos sintomas durante o dia é sugestivo da demência por corpúsculos de Lewy. A “regra” em relação à associação de sintomas parkinsoniano (motores) e declínio cognitivo é que, na doença de Parkinson o declínio cognitivo é tardio, ao passo que na demência por corpúsculos de Lewy, os sintomas cognitivos precedem os motores, ou ocorrem com até, no máximo, 1 ano do aparecimento do parkinsonismo. Essa doença faz parte das chamadas síndromes Parkinson-plus, que são condições em que, além dos sintomas motoresparkinsonianos, o paciente apresenta outras manifestações, atípicas para a doença de Parkinson. Além da demência por corpúsculos de Lewy, cujos achados estão supracitados, vale a pena destacar: • Atrofia de múltiplos sistemas: o paciente apresenta sinais de disautonomia precoce e eventualmente de síndrome do neurônio motor superior e ataxia cerebelar, achados atípicos para o diagnóstico de doença de Parkinson. Destaca-se que nessa condição, a alteração cognitiva também não é precoce. • Paralisia supranuclear progressiva. Além do parkinsonismo, frequentemente simétrico, o paciente apresenta restrição para a movimentação dos olhos no sentido vertical, principalmente para baixo, além de quedas frequentes. • Degeneração corticobasal: condição rara que, frequentemente, associa os sintomas parkisonianos a uma postura “distônica”, rígida de uma das mãos, além de poder se associar a déficits sensoriais Critérios diagnósticos: Demência associada a 2 das abaixo: - Parkinssonismo - Flutuações do estado de alerta ou cognição - Alucinações visuais - Transtorno comportamental do sono REM Tratamento IAChE: inibidor de acetilcolinesterase e memantine