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CÁLCULO: INTEGRAIS DUPLAS E TRIPLAS, APLICAÇÃO E ANÁLISE VETORIAL Ricardo Lauxen Integração em várias variáveis Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: � Definir integrais duplas e estender esse conceito para integrais múltiplas. � Descrever a integral dupla como uma integral iterada. � Construir matematicamente situações-problema envolvendo áreas e volumes que possam ser expressas por integrais múltiplas. Introdução A determinação de áreas e volumes de objetos faz parte da solução de problemas da prática de engenharia. Exemplos de aplicação são o cálculo da dilatação térmica de um material, o dimensionamento de condutores elétricos, o dimensionamento de vigas e treliças, a modelagem de custo de produção, entre outros. Em geral, para calcular a área abaixo de uma curva, realiza-se a integral simples de uma função f ≥ 0 dentro do intervalo R = [a, b], que a delimita. Neste capítulo, você estudará as integrais duplas e triplas. Trata-se das integrais definidas de funções de duas e três variáveis para funções que são delimitadas por contornos retangulares. Nessa situação, em vez de integrar em um intervalo [a, b], você integrará em regiões de integração retangulares R = [a, b] × [c, d], no caso de integrais duplas, e em regiões de integração, que são paralelepípedos B = [a, b] × [c, d] × [p, q]. As integrais múltiplas (duplas e triplas) são definidas como uma exten- são natural da integral simples utilizando a soma de Riemann. No caso das integrais simples, o teorema fundamental do cálculo (TFC) permite que você realize a integração sem recorrer à soma de Riemann. Nesse caso, você poderá usar o teorema de Fubini para calcular a integral dupla como uma integral iterada, e aplicar o TFC para encontrar a solução, sem recorrer a somas duplas e triplas de Riemann. Por fim, você será apresen- tado a aplicações das integrais em problemas práticos de engenharia. Integrais duplas sobre contornos retos Quando se tem uma única dimensão, o problema consiste em determinar a área abaixo de uma função f(x) ≥ 0 e acima do intervalo R = [a, b] que a deli- mita, como mostrado na Figura 1a. Esse cálculo pode ser feito utilizando-se o método do retângulo, no qual se divide um intervalo R em N subintervalos iguais, e se constrói em cada subintervalo um retângulo, o qual se estende do eixo x até um arbitrário, denominado ponto amostral, na curva y = f(x), como mostrado na Figura 1b. Dessa maneira, a base de cada retângulo é Δx = (b – a)/N, e a altura f(x*) é calculada a partir do ponto amostral x*, como mostrado na Figura 1c. Figura 1. (a) Área abaixo de y = f(x) e acima de R = [a, b]. (b) Divisão em N retângulos. (c) O comprimento da base do i-ésimo retângulo é Δx, e a sua altura é . Assim, a área do i-ésimo retângulo é dada por , e a área total abaixo de f e acima do intervalo [a, b] é aproximada pela soma das áreas de todos esses retângulos: (1) Integração em várias variáveis2 Essa expressão é conhecida como soma de Riemann, e quanto maior for o número de subintervalos, mais próximo você estará da área abaixo da curva. A integral definida da função f no intervalor R é obtida tomando o limite em que n → ∞ da soma de Riemann: (2) Desse modo, podemos concluir que a integral definida representa a área abaixo da curva entre os pontos a e b: (3) Quando a função é bidimensional f(x, y), o procedimento para a definição da integral é análogo. Para simplificar, considere que f(x, y) ≥ 0 e é delimitada por um retângulo fechado R = [a, b] × [c, d], como mostra a Figura 2. Figura 2. Função z = f(x, y) e a região retangular R = [a, b] × [c, d] que a delimita. Fonte: Rogawski e Adams (2018, p. 821). 3Integração em várias variáveis Nessa situação, o objetivo é determinar o volume do sólido que está con- tido na região abaixo de z = f(x, y) e acima de R. Seguindo os passos do caso unidimensional, divide-se a área retangular R em sub-retângulos. Isso quer dizer que o intervalo horizontal [a, b] será subdividido em N subintervalos com comprimento Δx = (b – a)/N, e o intervalo vertical [c, d] será subdivido em M subintervalos com comprimento Δy = (d – c)/M, como mostrado na Figura 3. Figura 3. Processo de subdivisão da região retangular R em subretângulos com áreas ΔxiΔyi. Fonte: Rogawski e Adams (2018, p. 822). Assim, o volume fica dividido em caixas com a área da base ΔAij = ΔxiΔyj e altura , determinada a partir do ponto amostral , como ilustrado na Figura 4. Portanto, o volume Vij de um caixa qualquer é determinado por (altura) × (área base): (4) Somando sobre todos os subintervalos, obtém-se uma aproximação para o volume contido abaixo de z = f(x, y) e limitado por R: (5) Integração em várias variáveis4 Figura 4. Ponto amostral utilizado para calcular o volume da caixa, . Fonte: Rogawski e Adams (2018, p. 822). Essa soma é conhecida como soma dupla de Riemann. Quanto maior for o número de sub-retângulos, mais próximo você estará do valor real do volume que procura. Define-se a integral dupla como: (6) Assim, pode-se interpretar que o volume V contido abaixo de f(x, y) ≥ 0 e acima de R é: (7) 5Integração em várias variáveis Não é necessário que f(x) ≥ 0 e f(x, y) ≥ 0 para definir as integrais simples e duplas. Porém, essa condição permite que as integrais sejam interpretadas como a área e o volume abaixo das suas funções f e delimitadas por R. Propriedades das integrais duplas Assim como as integrais simples, as integrais duplas são lineares, isto é, admitindo-se que as funções f e g sejam integráveis no retângulo R, valem as seguintes propriedades: (8) sendo c uma constante: (9) ainda, se f(x, y) ≥ g(x, y), então vale: (10) Integrais iteradas e o teorema de Fubini O cálculo de integrais simples pela soma de Riemann não é uma tarefa sim- ples. Por isso, recorre-se ao TFC para determiná-las de maneira mais fácil. No caso da soma dupla de Riemann, a tarefa é ainda mais complexa, e o TFC vai novamente auxiliar no cálculo. Para que seja possível utilizar o TFC, deve-se expressar a integral dupla como uma integral iterada. O procedimento, que tem alguma semelhança com a derivada parcial, consiste em realizar uma integração parcial da função. Integração em várias variáveis6 Em outras palavras, supondo que uma função f(x, y) seja contínua no retângulo R = [a, b] × [c, d], então: (11) Preste muita atenção à notação integral : ela significa que x foi mantido fixo, ao passo que foi realizada somente uma integração parcial, na variável y no intervalo [c, d]. O resultado dessa integração é uma função que só depende de x, que pode ser novamente integrada: (12) Note que , logo: (13) Em essência, para resolver a integral dupla, primeiramente você precisa resolver a integral em y dentro dos colchetes, e o resultado deve ser integrado novamente em y. A integral do lado direito da equação (12) é conhecida como integral iterada. Da mesma forma, o procedimento é válido se a primeira integração a ser realizada for em x no intervalo [a, b]. O resultado produzirá uma função que depende só de y e que pode ser integrada novamente, no intervalo [c, d]. Assim, de maneira análoga: (14) Embora as Equações (13) e (14) sejam semelhantes, a ordem de integração está invertida. Isso nos leva ao seguinte questionamento: os resultados pro- duzido pelas Equações (13) e (14) são iguais? O Exemplo 1 tenta responder a essa pergunta. 7Integração em várias variáveis A notação integral significa que x foi mantido fixo, ao passo que foi realizada somente uma integração parcial, na variável y no intervalo [c, d]. Exemplo 1 Calcularemos os valores das integras apresentadas a seguir. a) b) Solução (a): Para realizar a integração , deve-se primeiro integrar par- cialmente na variável y ao longo do intervalo [1,3], ou seja, x deve ser tratado como uma constante: O cálculo da integral interna é feito recorrendo-se a . Assim, o resultado da integralinterna é: Integração em várias variáveis8 Retornando à integral original, obtém-se: Isso quer dizer que, após realizada a integração parcial em y, a função a ser integrada depende apenas da variável x. A integração é realizada recorrendo-se novamente a : Por fim, o resultado da integral iterada é: Solução (b): O procedimento aqui é análogo à letra (a), mas a ordem de integração está trocada: . Agora, primeiro deve-se integrar parcialmente na variável x ao longo do intervalo [0,1], tratando y como uma constante: O resultado dessa integral já é conhecido: Assim: 9Integração em várias variáveis Isso quer dizer que, ao integrar em x, o resultado é uma integração que só depende da variável y. O resultado da integral em y também é conhecido: Por fim, o resultado da integral iterada é: É exatamente o mesmo resultado obtido na letra (a) deste exemplo. O resultado do exemplo indica que a ordem de integração não é importante. Em geral, isso é verdadeiro: a mesma resposta será obtida, independentemente da variável escolhida para integrar primeiro. Esse resultado é parte do teorema de Fubini. Teorema de Fubini (integrais duplas) A integral dupla de uma função contínua f(x, y) num retângulo R = [a, b] × [c, d] é igual à integral iterada: (15) Embora o teorema garanta a ordem de integração, você deve tomar muito cuidado com os limites de integração. Cada variável deve ser integrada de acordo com o limite estabelecido na região R. Integração em várias variáveis10 Exemplo 2 Calcularemos a integral dupla , onde região R = {(x, y)|0 ≤ x ≤ 3, 0 ≤ y ≤1}. Solução: O teorema de Fubini garante que é igual à integral iterada e que temos liberdade de escolher a ordem de integração. Assim: Como a função envolve uma soma, pode-se aplicar a Equação (8) e escrever: O próximo passo é integrar parcialmente em y e, portanto, x deve ser tratado como uma constante: As integrações dentro dos colchetes são realizadas utilizando-se : 11Integração em várias variáveis Por fim, só resta a integração na variável x, que novamente é realizada utilizando-se : Note que o teorema de Fubini garante que, se a integração tivesse sido feita em x primeiro e posteriormente em y, o resultado seria o mesmo! Exemplo 3 Calcularemos a integral dupla , onde R = [–1,2] × [0, π]. Solução: Assim como no exemplo anterior, para resolver esse problema, você deve recorrer novamente ao teorema de Fubini: A primeira variável a ser integrada nesse caso é a variável x, de modo que y deve ser tratado como uma constante: Para integrar em x, utiliza-se : Logo, a integral dupla simplifica para: Integração em várias variáveis12 Para realizar a última integração, é necessário fazer uma substituição de variáveis. Substituindo-se u = a derivada fica: Assim: Como : No último passo, foi realizada uma racionalização, com . Vale lembrar que, para calcular as funções trigonométricas desses exercícios, a sua calculadora deve estar em radianos. Integrais triplas As integrais triplas ∭B f(x, y, z) dV são uma generalização imediata das integrais duplas, mas agora a função f(x, y, z) depende de três variáveis. Além disso, em vez de um retângulo num plano, agora a região de integração é uma caixa B = [a, b] × [c, d] × [p, q]. Antes de seguir a generalização, é importante que você tenha em mente que, diferentemente dos casos uni e bidimensionais, não é útil exigir que f(x, y, z) ≥ 0, pois a interpretação da sua integral tripla ∭B f(x, y, z) dV seria um hipervolume de difícil visualização. Seguindo os mesmos passos das integrais simples e duplas, subdivide-se a caixa em subcaixas menores. Isso é feito subdividindo-se o intervalo [a,b] em N subintervalos de tamanho Δx = (b – a)/N, o intervalo [c, d] em M subinter- valos de comprimento Δy = (d – c)/M, e o intervalo [p, q] em L subintervalos de comprimento Δz = (q – p)/L, como mostrado na Figura 5. 13Integração em várias variáveis Figura 5. Divisão do volume da caixa B = [a, b] × [c, d] × [p, q] em subcaixas. Fonte: Adaptada de Rogawski e Adams (2018, p. 845). Assim, o volume de uma caixa qualquer é dado por ΔVijk = ΔxiΔyjΔzk. Desse modo, tomando um ponto amostral , pode-se formar a soma tripla de Riemann: (16) No limite em que N, M, L → ∞, define-se a integral tripla: (17) Integração em várias variáveis14 A integral tripla também é calculada como uma integral iterada, sendo novamente válido o teorema de Fubini. Teorema de Fubini (integrais triplas) Seja f contínua em uma caixa retangular B = [a, b] × [c, d] × [p, q], então: (18) O mesmo é válido para qualquer ordem de integração. Exemplo 4 Calcularemos , onde . Solução: Para calcular a integral tripla, utiliza-se o teorema de Fubini: A primeira integração a ser realizada é em z, de modo que x e y devem ser tratados como constantes: Para calcular a integral interna ao colchete, é necessário realizar uma mudança de variáveis. Definindo u = xyz, a derivada fica: 15Integração em várias variáveis Assim: Utilizando , obtém-se: Agora é a vez de integrar a variável y e tratar x como uma constante: Assim como no caso anterior, para realizar a integral dentro dos colchetes, uma nova substituição é necessária. Definindo u = πxy/4, a derivada fica: Assim: Utilizando : Por fim, só restam duas integrais simples na variável x. Para a primeira integral, será necessária uma mudança de variáveis. Denominando tal que a derivada fica: Integração em várias variáveis16 Obtém-se: Utilizando e , obtém-se: Aplicações de integrais múltiplas As integrais duplas e triplas são muito úteis para cálculos diretos de área, volume, carga, massa, momento estático, coordenadas do centro de massa, momento de inércia, probabilidade e valor esperado, entre outro. Nesta seção, serão apresentadas algumas dessas aplicações. Função constante Quando a função a ser integrada é constante, ou seja, f(x, y) = c e f(x, y, z) = c, fica evidente a relação da integral dupla com a área da região R e da integral tripla com o volume da região B, pois; (19) e (20) 17Integração em várias variáveis Função densidade A função densidade superficial σ(x, y) e a densidade volumétrica ρ(x, y, z) permitem calcular a massa de lâminas bidimensionais e sólidos tridimensionais: (21) (22) Aqui, a unidade de medida da densidade superficial [σ] = [massa]/[com- primento]2, e da volumétrica é [ρ] = [massa]/[comprimento]3. No caso especial de a densidade ser constante, por (19) e (20) obtém-se: m = σA(D) (23) e m = ρV(D) (24) Também é possível utilizar a função densidade para calcular a carga elétrica: (26) (27) Aqui, a unidade de medida da densidade superficial é [σ] = [carga]/[com- primento]2, e da volumétrica é [ρ] = [carga]/[comprimento]3. Integração em várias variáveis18 Exemplo 5 Determine a massa de uma lâmina retangular R = [–2,4] × [0,3] se a sua densidade superficial de massa for σ(x, y) = 5x + (4/3)y, medida em g/cm2. Solução: A massa dessa lâmina é determinada pela integral dupla: Utilizando o teorema de Fubini: Como a primeira integração é em y, então x deve ser tratado como uma constante. Assim: Utilizando , obtém-se: Recorrendo à mesma técnica de integração, obtém-se: 19Integração em várias variáveis Momento estático e centro de massa Outra possibilidade para as integrais duplas e triplas é o cálculo de momento estático, também conhecido como primeiro momento, e das coordenadas do centro de massa de uma lâmina bidimensional ou um sólido tridimensional. Seja σ(x,y) a densidade superficial de uma lâmina, então as componentes do momento estático da lâmina são dadas por: (28) As coordenadas do centro de massa ficam: (29) Isso funciona de maneira análoga para o sólido. Sendo ρ(x, y, z) a sua den- sidade volumétrica, então as componentes dos seus momentos estáticos são: (30) Desse modo, as coordenadas do centro de massa ficam: (31) No caso de a densidade ser constante, então (31) se reduz a: (32) Esse caso é conhecido como centroide. Integração em váriasvariáveis20 Exemplo 6 Determine as coordenadas do centro de massa de um sólido contido na região E = [0,3] × [1,2] × [–2,4], cuja densidade volumétrica é ρ(x, y, z) = xyz, medida em g/cm3. Solução: Para determinar as coordenadas do centro de massa, o primeiro passo é calcular as componentes do momento estático. Utilizando (30): O próximo passo é determinar a massa, utilizando (22): Por fim, as coordenadas do centro de massa são determinadas por (31): Assim, o centro de massa está localizado no ponto (2, 1,56, 4). Momento de inércia A última aplicação que será discutida neste capítulo é o momento de inércia, também denominado segundo momento. Para uma lâmina com densidade superficial σ(x, y), ele é definido, em relação aos eixos x e y, como: (33) 21Integração em várias variáveis E em relação à origem: (34) Já para um sólido com densidade volumétrica ρ(x, y, z), o momento de inércia em relação a cada eixo coordenado é: (35) Exemplo 7 Esse momento de inércia é utilizado no cálculo de lâminas ou sólidos em rotação, e a sua unidade de medida é [massa] × [comprimento]2. Ele não deve ser confundido com o momento de inércia de área utilizado no cálculo de deformações de estruturas, pois, embora sejam matematicamente similares, eles têm significados distintos: (36) Calcule o momento de inércia de um sólido com densidade superficial constante ρ = 23 g/cm3, delimitado por E = [0,3] × [–2,2]. Solução: O momento de inércia em relação aos eixos coordenados é determinado uti- lizando (33): Integração em várias variáveis22 As aplicações discutidas nesta seção são voltadas à física e a algumas áreas da engenharia. Porém, elas se estendem por outras áreas afins, que não foram trabalhadas aqui, como probabilidade e estatística. Além disso, neste capítulo os cálculos estavam limitados a integrais duplas e triplas que podem ser calculadas em regiões retangulares. Essa experiência servirá de base para o cálculo dessas integrais em regiões que não sejam necessariamente retangulares. ROGAWSKI, J.; ADAMS, C. Cálculo. 3. ed. Porto Alegre: Bookman, 2018. v. 2. Referência 23Integração em várias variáveis