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1 Hidrofobização da Nanocelulose Bacteriana por Deposição de Carbono Amorfo Assistida por Plasma Everton Diniz dos Santos1, Rogerio Pinto Mota2; Mauro Fernando Ornellas de Mello Filho3, Elisa Esposito4; Rafael Resende Lucas5 1 everton.diniz@unesp.br, Autor, Doutorado em Engenharia Biomédica – UNESP 2 rogerio.mota@unesp.br ,Doutorado em Engaria de Materiais - UNESP 3mauro.filho@aedb.br, Autor, Especialista em Administração de Projetos - AEDB 4eesposito@unifesp.br, Autor, Doutorado em Engenharia Química - UNIFESP 5rr.lucas@unesp.br, Autor, Doutorado em Engenharia de Materiais - UNESP RESUMO A nanocelulose bacteriana (BNC), produzida a partir da fermentação do chá Kombucha, apresenta alta resistência mecânica, biocompatibilidade e renovabilidade, mas é hidrofílica, o que limita seu uso em barreiras e eletrônicos flexíveis (Samyn et al., 2023). Neste trabalho, demonstra-se uma rota escalável e livre de solventes para tornar a BNC obtida de SCOBY hidrofóbica por deposição de camadas ultrafinas de carbono tipo diamante (DLC) via plasma de baixa pressão em ar ambiente (Shah et al., 2024; Bueno et al., 2018). Membranas (2×2 cm, 0,5 mm) foram expostas a plasma pulsado de 540 V e 60 Hz por 30, 60 ou 90 minutos; amostras não tratadas serviram de controle. A evolução físico-química foi acompanhada por ATR-FTIR, goniometria de ângulo de contato, espectroscopia Raman e microscopia eletrônica de varredura (SEM). Resultados demonstram que 90 min de exposição geram membranas flexíveis e superhidrofóbicas, sem uso de precursores tóxicos. O procedimento viabiliza a conversão sustentável da nanocelulose do kombucha em material de alto valor para barreiras respiráveis, eletrônicos vestíveis e interfaces biofuncionais (da Silva et al., 2024). Palavras-chaves: Nanocelulose Bacteriana. Plasma de baixa pressão. DLC. Hidrofobicidade. Modificação da superfície. FTIR. 2 Introdução A nanocelulose bacteriana (BNC), produzida por bactérias do gênero Komagataeibacter presentes no SCOBY do chá kombucha, destaca-se por sua estrutura reticulada, elevada resistência mecânica, pureza e compatibilidade biológica (Samyn et al., 2023; Udikovic-Kolic & Milicevic, 2021). Seu uso como alternativa sustentável ao couro e em dispositivos médicos cresce significativamente (da Silva et al., 2024; Fahma et al., 2021). Apesar de suas qualidades, a BNC nativa é fortemente hidrofílica devido à sua grande quantidade de grupos hidroxila expostos, o que limita seu potencial em aplicações de barreira a líquidos e eletrônicos flexíveis (Udikovic-Kolic & Milicevic, 2021). Para ampliar seu escopo, modificações químicas e físicas têm sido alvo de investigações, com destaque para técnicas de deposição de filmes, como as baseadas em plasma (Shah et al., 2024). Entre essas, a aplicação de DLC (diamond-like carbon) por plasma de baixa pressão é promissora, permitindo modificação controlada da superfície sem uso de solventes agressivos e promovendo a incorporação de elementos como silício oriundo do aparato experimental, o que pode melhorar a adesão do filme (Bueno et al., 2018; Mandracci & Rivolo, 2023). Este estudo apresenta um método escalável e sustentável de funcionalização da BNC via plasma de baixa pressão e avalia sua eficácia sob perspectiva estrutural, superficial e morfológica, propondo aplicações em barreiras, eletrônicos e biointerfaces (da Silva et al., 2024). Metodologia As membranas de BNC (2×2 cm, 0,5 mm), obtidas do SCOBY cultivado em chá kombucha, foram expostas a plasma pulsado DC (540 V, 60 Hz, ~10 mbar) em câmara de alumínio anodizado, selada com vidro temperado e gaxetas de silicone (Mandracci & Rivolo, 2023). O plasma foi gerado utilizando o ar ambiente como gás de processo. Amostras controle não tratadas foram analisadas em paralelo. Os tempos de exposição avaliados foram de 30, 60 e 90 minutos, cada um em triplicata (n=3) (Bueno et al., 2018). As alterações químicas superficiais foram examinadas por FTIR-ATR, faixa 4000–650 cm⁻¹, 32 scans por amostra. As variações das principais bandas vibracionais (∼3300, ∼2900, 3 ∼1720, ∼1050, ∼850 cm⁻¹) receberam análise estatística (Cichosz et al., 2022; Hospodarova et al., 2018). A hidrofobicidade foi quantificada por medida do ângulo de contato (goniometria), usando gotas de 5 μL de água destilada em superfície plana. As micrografias foram obtidas por SEM (análise morfológica), e a caracterização da camada DLC por espectroscopia Raman na região 1300–1600 cm⁻¹, com deconvolução das bandas D e G (Tanaka & Mutsukura, 1999; Wang et al., 2023). A FTIR-ATR revelou redução das bandas atribuídas aos grupos hidroxila (~3300 cm⁻¹) e ao C–H (~2900 cm⁻¹), enquanto surgiu uma nova banda ∼1720 cm⁻¹ associada a carbonilas, indicando desidratação e oxidação superficial progressivas (Cichosz et al., 2022; Hospodarova et al., 2018) – Figura 1. Figura 1 – Aspecto visual do cátodo de aço inoxidável e das amostras de nanocelulose bacteriana derivada de kombucha antes e após tratamento por plasma. À esquerda, imagens macroscópicas das amostras de nanocelulose bacteriana: (0) Controle (0 min); 30 min de plasma; 60 min de plasma; 90 min de plasma. Painel A: Cátodo limpo antes do tratamento (seta preta). Painel B: Cátodo após 90 minutos de plasma, evidenciando: região escurecida sugestiva de filme carbonoso (seta azul), área iridescente compatível com filme fino de óxidos de silício – SiOx (seta verde) e zona sem revestimento (seta vermelha), correspondente à posição da amostra de nanocelulose durante o tratamento. 4 Fonte: Elaborado pelos autores Já a região ∼1050 cm⁻¹ exibiu alteração de formato e intensidade, sugerindo sobreposição entre vibrações da celulose e depósitos de Si–O–Si, compatíveis com aporte de silício a partir da câmara (Mandracci & Rivolo, 2023). A medida do ângulo de contato demonstrou aumento significativo: o controle (0 min) possuía 46,3°, passando a 54,6° (30 min), 101,1° (60 min) e atingindo completa superhidrofobicidade (acima de 150°, não mensurável) em 90 min, com a gota de água totalmente repelida – Figura 2. 5 Figura 2 – Espectros de FTIR da celulose antes do tratamento a plasma (Grupo controle). Fonte: Elaborado pelos autores Tal comportamento decorre da deposição do filme DLC e redução drástica da energia superficial (Shah et al., 2024; Bueno et al., 2018). As micrografias por SEM mostraram a evolução da morfologia: de rede nanofibrilar exposta (controle) para superfície coberta por estruturas globulares e películas amorfas (60 e 90 min) – Figura 3. 6 Figura 3 – Espectros de FTIR da celulose após diferentes tempos de exposição a radiação de plasma. Fonte: Elaborado pelos autores Isso comprova a sobreposição de camadas carbonosas e siliciosas promovidas pelo plasma, que garantem aumento da hidrorepelência (Mandracci & Rivolo, 2023; Bueno et al., 2018). A espectroscopia Raman evidenciou formação de carbono amorfo por meio das bandas características D (∼1350 cm⁻¹) e G (∼1580 cm⁻¹), especialmente após 60 e 90 minutos de exposição – Figura 4 (Tanaka & Mutsukura, 1999; Wang et al., 2023). Figura 4 –. Teste de molhabilidade qualitativa das amostras de nanocelulose bacteriana derivada de kombucha em água destilada, realizado em béquer de vidro. Vista superior das amostras imersas: a amostra tratada por 90 minutos (seta vermelha) apresenta coloração escura e flutuação na superfície da água, indicando aumento da 7 hidrofobicidade; a amostra controle (0 minuto, seta preta) permanece no fundo do béquer, demonstrando alta afinidade com a água (hidrofilicidade). Vista lateral das mesmas amostras no interior do béquer. A flutuabilidade da amostra escurecida é atribuída à presença de recobrimento de carbono amorfo, conferindo propriedades hidrofóbicas à superfície. Esse teste qualitativo reforça os indícios de modificação superficial dananocelulose induzida pelo plasma, com potencial aplicação em substitutos hidrofóbicos ao couro ou tecidos impermeáveis. Fonte: Elaborado pelos autores O aumento dos picos e as variações na razão ID/IG indicam crescimento de matriz DLC na superfície, essencial para propriedades de resistência química e mecânica (Shah et al., 2024). Esses resultados, em conjunto, demonstram que a exposição via plasma de baixa pressão em atmosfera de ar acarreta transformações químicas e estruturais suficientes para converter BNC em membrana superhidrofóbica de alto desempenho, sem uso de produtos tóxicos ou pós- tratamento, sendo um processo sustentável e promissor para aplicações em barreiras, vestíveis e biointerfaces inovadoras (da Silva et al., 2024). 8 Conclusão O procedimento de funcionalização por plasma de baixa pressão resultou em membranas de BNC hidrofóbicas e revestidas com filme tipo DLC, com transformações comprovadas por FTIR, goniometria, SEM e Raman. O método se mostrou escalável, ambientalmente benigno e ajustável, ampliando as aplicações tecnológicas dos biotêxteis à base de kombucha (da Silva et al., 2024; Samyn et al., 2023). Referências Samyn, P.; Schoukens, G.; Van den Bulcke, J. Opportunities for bacterial nanocellulose in biomedical applications: review on biosynthesis, modification and challenges. Int. J. Biol. Macromol., 231 (2023), 124149. Udikovic-Kolic, N.; Milicevic, D. The nanocellulose fibers from symbiotic culture of bacteria and yeast (SCOBY) kombucha: Preparation and characterization. In: Nanocellulose and Sustainability: Production, Properties, Applications, and Case Studies. CRC Press, 2021, pp. 153–173. da Silva, C.J.G.; de Medeiros, A.D.M.; de Amorim, J.D.P. et al. Bacterial cellulose- derived biotextiles: Sustainable leather alternatives from kombucha SCOBY. Textile Res. J., (2024). Fahma, F.; Febiyanti, I.; Lisdayana N. et al. Nanocellulose as a new sustainable material for various applications: a review. Archives of Materials Science and Engineering, 109(2), 49-64. 2021. Shah, R.; Patel, S.; Singh, A. DLC coatings in biomedical applications – review on current advantages, existing challenges, and future directions. Surf. Coat. Technol., 487 (2024), 129123. Bueno, A.H.S.; Souza, G.B.; Silva, L.F.; Santos, M.C. Tribocorrosion evaluation of hydrogenated and silicon DLC coatings on carbon steel for use in valves, pistons and pumps in oil and gas industry. Wear, 394 (2018), 60–70. Mandracci, P.; Rivolo, P. Recent advances in the plasma-assisted synthesis of silicon- based thin films and nanostructures. Coatings, 13 (6) (2023), 1075. 9 Cichosz, S.; Masek, A.; Dems-Rudnicka, K. Original study on mathematical models for analysis of cellulose water content from absorbance/wavenumber shifts in ATR FT-IR spectrum. Sci. Rep. 12 (2022), 19739. Hospodarova, V.; Singovszka, E.; Stevulova, N. Characterization of cellulosic fibers by FTIR spectroscopy for their further implementation to building materials. Am. J. Anal. Chem. 9 (6) (2018), 303–310. Tanaka, K.I.; Mutsukura, N. Deposition of diamond-like carbon film and mass spectrometry measurement in CH4/O2 RF plasma. Plasma Chemistry and Plasma Processing, 19, 217-227, 1999. Wang, D.; Li, Y.; Zhang, X. Structural color generation: From layered thin films to optical metasurfaces. Nanophotonics, 12 (6) (2023), 1019–1081.