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Distúrbios sensoriais, motores e da consciência P4 - “Enxergando turvo, andando estranho” 1) Reconhecer e diferenciar os padrões clínicos de fraqueza muscular, compreendendo os mecanismos fisiopatológicos envolvidos nas lesões do sistema nervoso central, periférico, junção neuromuscular e músculo e os principais exames complementares. 🔹 Fraqueza Muscular 💪 Definição Redução da força gerada por um músculo ou grupo muscular, resultando em dificuldade para realizar movimentos voluntários. • Pode ser: o Real: quando há comprometimento efetivo da contração muscular o Percebida: quando o paciente refere sensação de cansaço ou falta de força, mesmo sem alteração objetiva na força muscular. ⚙ Fisiologia Depende da integração entre o SNC e SNP, a junção neuromuscular e as fibras musculares. O impulso inicia-se no neurônio motor do córtex cerebral, percorre a via piramidal, chega ao neurônio motor periférico, e é transmitido ao músculo pela placa motora (acetilcolina). Qualquer lesão nesse trajeto pode causar fraqueza. 🧩 Causas e localização das lesões 1. Sistema nervoso central (SNC): o Lesões corticais, subcorticais, cerebelares ou medulares. o Ex.: AVC, esclerose múltipla, tumores, trauma raquimedular. 2. Neurônio motor periférico: o Comprometimento da raiz nervosa ou do nervo periférico. o Ex.: síndrome de Guillain- Barré, neuropatias periféricas, poliomielite. 3. Junção neuromuscular: o Alterações na transmissão entre o nervo e o músculo. o Ex.: miastenia gravis, botulismo, intoxicação por organofosforados. 4. Músculo (miopatias): o Doenças primárias do tecido muscular. o Ex.: distrofias musculares, polimiosite, uso de corticoides, hipotireoidismo. 🔹 Padrões Clínicos 1. Primeiro neurônio motor (lesão central/ via piramidal) 📍 Local: • córtex motor → cápsula interna → tronco encefálico → trato corticoespinhal (antes de chegar ao corno anterior da medula). 📌 Exemplos: AVC, tumores, esclerose múltipla, trauma raquimedular. Manifestações: • Fraqueza em padrão espástico (hipertonia). • Reflexos aumentados (hiperreflexia). • Reflexo cutâneo-plantar em extensão (sinal de Babinski). • Padrão topográfico: hemiparesia, paraparesia ou tetraparesia, dependendo do nível da lesão. • Atrofia muscular discreta (por desuso, não por denervação). 2. Segundo neurônio motor (lesão periférica – corno anterior da medula / raiz nervosa / nervo periférico) 📍 Local: • neurônio motor alfa no corno anterior até os nervos periféricos. 📌 Exemplos: poliomielite, esclerose lateral amiotrófica (ELA), neuropatias periféricas, compressão radicular (hérnia de disco). Manifestações: • Fraqueza em padrão flácido. • Atrofia muscular intensa (denervação verdadeira). • Fasciculações (contrações visíveis da fibra muscular). • Reflexos diminuídos ou ausentes. • Distribuição: pode seguir um dermátomo (radiculopatia) ou território de nervo periférico (neuropatia). 3. Junção neuromuscular (alteração na transmissão) 📍 Local: • placa motora (acetilcolina e receptores). 📌 Exemplos: miastenia gravis, síndrome de Eaton-Lambert, intoxicação por organofosforados, botulismo. Manifestações: • Fraqueza flutuante (piora ao longo do dia / com esforço, melhora com repouso). • Sem atrofia muscular inicial. • Reflexos geralmente preservados. • Envolvimento de musculatura ocular (ptose, diplopia) e bulbar (disartria, disfagia). 4. Músculo (lesão miopática – efetor do movimento) 📍 Local: fibras musculares. 📌 Exemplos: distrofias musculares, polimiosite, dermatomiosite, distrofia de Duchenne, miopatias tóxicas ou metabólicas (ex: corticoide). Manifestações: • Fraqueza proximal (cintura escapular e pélvica). • Sem alteração de sensibilidade (pois não é nervo). • Reflexos geralmente preservados (podem reduzir em fases tardias pela atrofia). • Pode haver dor muscular (miosite). 🔹 Mecanismos Fisiopatológicos 1. Sistema Nervoso Central (1º neurônio motor – via piramidal) 📍 Local: • córtex motor → cápsula interna → tronco → trato corticoespinhal até o corno anterior. 📌 Exemplos: AVC isquêmico/hemorrágico, esclerose múltipla, TCE, tumor cerebral, trauma raquimedular. 🔬 Mecanismo: • Lesão interrompe a via inibitória descendente que modula o reflexo medular. • Resultado = liberação de reflexos medulares → hiperreflexia + espasticidade. • A contração muscular fica mal controlada, mas a placa motora e os músculos ainda estão íntegros. • Por isso, ocorre pouca atrofia inicial (apenas por desuso). 2. Sistema Nervoso Periférico (2º neurônio motor) 📍 Local: • corno anterior da medula, raiz nervosa ou nervos periféricos. 📌 Exemplos: neuropatia diabética, polineuropatias inflamatórias, poliomielite, ELA (fase periférica), radiculopatias compressivas. 🔬 Mecanismo: • Ocorre interrupção da via final comum que leva o impulso até o músculo. • Sem estímulo → músculo sofre denervação verdadeira. • Isso leva a: o Atrofia rápida e intensa (perda da inervação trófica). o Fasciculações (descargas espontâneas do neurônio lesionado). o Reflexos abolidos (arco reflexo rompido). 3. Junção Neuromuscular 📍 Local: • placa motora (liberação de acetilcolina e ligação ao receptor nicotínico). 📌 Exemplos: miastenia gravis, botulismo, síndrome de Lambert-Eaton. 🔬 Mecanismo: • A transmissão do impulso elétrico ao músculo é prejudicada por: o Autoanticorpos contra receptores de ACh (Miastenia gravis). o Bloqueio da liberação de ACh (botulismo, toxina botulínica). o Alteração dos canais de cálcio pré-sinápticos (síndrome de Lambert-Eaton). • O músculo está íntegro, mas o estímulo não chega de forma eficaz, resultando em fraqueza flutuante e fatigabilidade. 4. Músculo (Miopatias) 📍 Local: • fibras musculares (estrutura contrátil). 📌 Exemplos: distrofias musculares, miopatias inflamatórias (polimiosite, dermatomiosite), miopatias metabólicas (hipotireoidismo, deficiência enzimática), miopatia por corticoides ou estatinas. 🔬 Mecanismo: • Lesão direta da fibra muscular, por inflamação, degeneração ou defeito estrutural. • Alteração na produção/organização das proteínas contráteis (ex: distrofina na distrofia de Duchenne). • Ocorre perda da força por incapacidade da fibra de contrair, mesmo com estímulo nervoso normal. • Reflexos tendem a se manter até fases avançadas. 🔹 Principais Exames Complementares 1. Exames de Neuroimagem • TC de crânio: útil em emergências (AVC hemorrágico, TCE, massas expansivas). • RM de crânio e medula espinhal: exame mais sensível → identifica lesões da via piramidal, tumores, esclerose múltipla, mielopatias. indicado quando há sinais de lesão do 1º neurônio motor (hiperreflexia, espasticidade, déficit focal). 2. Eletrofisiologia • Eletroneuromiografia (ENMG): o Neuropatia periférica → redução da velocidade de condução, padrão de denervação. o Doença do neurônio motor (ELA) → sinais de denervação ativa + reinervação. o Miopatias → potenciais de unidade motora de baixa amplitude e curta duração. • Eletromiografia de fibra única: sensível para diagnóstico de miastenia gravis (detecta bloqueio de transmissão neuromuscular). 3. Exames laboratoriais • CPK (creatinofosfoquinase): elevada em miopatias (distrofias, polimiosite, rabdomiólise). • LDH, aldolase, TGO/TGP: podem estar aumentadas em doenças musculares. • Dosagem de autoanticorpos: o Anti-AChR e anti-MuSK → miastenia gravis. o Anti-SRP, anti-Jo-1 → miopatias inflamatórias. • Exames metabólicos/endócrinos: TSH, T4, cálcio, vitamina D, glicemia (miopatias endócrinas e metabólicas). 4. Exames específicos da junção neuromuscular • Teste do gelo (ice pack test): melhora transitória da ptose em miastenia gravis. • Teste farmacológico (edrofônio, hoje poucousado): melhora rápida da força após anticolinesterásico. • Estimulação repetitiva no ENMG: queda progressiva do potencial de ação → sugere miastenia gravis. 5. Biópsia • Biópsia muscular: confirma miopatias (distrofias, miopatias inflamatórias, metabólicas). • Biópsia de nervo: usada em alguns casos de neuropatias periféricas. 6. Líquor • Punção lombar com análise do líquor: útil em polirradiculopatias inflamatórias (ex: Síndrome de Guillain-Barré → dissociação albumino-citológica: ↑ proteínas com celularidade normal). 2) Discutir os critérios diagnósticos e estratégias terapêuticas nas principais doenças desmielinizantes do sistema nervoso central (esclerose múltipla, neuromielite óptica e encefalomielite disseminada aguda) 🧠 Esclerose Múltipla (EM) Definição Doença inflamatória, crônica, autoimune e desmielinizante do sistema nervoso central, caracterizada por episódios de déficit neurológico focal que podem ser parcial ou totalmente reversíveis, mesmo sem tratamento específico. 📊 Epidemiologia • É mais comum em adultos jovens, com pico de incidência entre 27 e 34 anos, e apresenta predominância feminina. • Baixa prevalência no Brasil (15 casos por 100 mil habitantes), mais frequente nas regiões Sul e Sudeste, onde há menor exposição solar. 📊 Fatores de risco • Déficit de vitamina D • Predisposição genética (responsável por cerca de 30% do risco) • Fatores ambientais (cerca de 70%): o Tabagismo o Obesidade na infância/adolescência o Infecção prévia pelo vírus Epstein-Barr (EBV). ⚙ Fisiopatologia Há uma resposta autoimune anormal mediada por linfócitos T e B contra componentes da mielina. Esses linfócitos, ativados de forma inadequada, atravessam a barreira hematoencefálica e desencadeiam um processo inflamatório no sistema nervoso central. Isso leva à desmielinização, ativação de macrófagos e células da micróglia, e à liberação de mediadores inflamatórios. Em alguns casos, ocorre também perda axonal, o que está associado à piora progressiva da doença. Após o dano, o neurônio pode remielinizar-se (recuperação total), perder mielina lentamente (evolução progressiva) ou sofrer degeneração axonal (declínio funcional permanente). 💉 Quadro clínico Surtos neurológicos: novos sintomas ou piora de sintomas prévios, com duração superior a 24 horas, sem relação com febre ou infecção. As manifestações variam conforme a região acometida: • Neurite óptica • Alterações motoras (fraqueza, paraparesia) • Distúrbios sensitivos (formigamento, dormência) • Ataxia • Diplopia • Incontinência urinária • Transtornos cognitivos leves. 💉 Diagnóstico Pode afetar diferentes regiões do neuroeixo (encéfalo e medula espinhal). Formas de apresentação clínica: 1. Recorrente-remitente: o É a mais comum. o O paciente apresenta surtos, ou seja, episódios agudos de sintomas neurológicos que melhoram parcial ou totalmente. 2. Primariamente progressiva: o Representa cerca de 15% dos casos. o O paciente não apresenta surtos, mas sim uma progressão lenta e contínua dos sintomas (como alterações de marcha, fadiga, declínio cognitivo e fraqueza). Critérios Diagnósticos – McDonald 2017 O diagnóstico da EM é clínico e radiológico, baseado na disseminação no espaço e no tempo: • Disseminação no espaço: presença de lesões em duas ou mais regiões típicas do sistema nervoso central, detectadas por ressonância magnética. As quatro regiões “clássicas” são: o Periventricular o Justacortical o Infratentorial o Medula espinhal • Disseminação no tempo: demonstra que as lesões ocorreram em momentos diferentes. Pode ser identificada por: o Uma lesão com realce por contraste (aguda) e outra sem realce (crônica) na RM. o Bandas oligoclonais positivas no líquor (LCR), indicando produção intratecal de imunoglobulinas. 🧠 Evolução clínica: • Forma secundariamente progressiva: o ocorre quando um paciente inicialmente recorrente- remitente passa a apresentar deterioração neurológica contínua, mesmo sem novos surtos. • A progressão está relacionada à perda axonal, enquanto os surtos estão associados à desmielinização. 🧠 Tratamento ⚡ 1. Tratamento do Surto (fase aguda) • O surto é caracterizado pelo aparecimento de novos sintomas neurológicos ou piora dos já existentes, com duração superior a 24 horas, sem relação com febre ou infecção. • Em alguns casos leves, pode ocorrer recuperação espontânea; porém, todo surto deve ser tratado, para reduzir o tempo e a intensidade dos sintomas. 💊 Conduta principal: • Corticoterapia em altas doses: o Metilprednisolona 1 g/dia EV por 3 a 5 dias, podendo ser seguida de prednisona VO em dose decrescente. o O objetivo é reduzir a inflamação e acelerar a remielinização. • Avaliar contraindicações ao corticoide, como infecções ativas, úlceras gástricas, diabetes descompensado e hipertensão grave. • Nos casos graves ou refratários à corticoterapia: o Pode-se considerar plasmaférese ou imunoglobulina humana intravenosa (IVIg). 💉 2. Tratamento de Manutenção • Diminuir a frequência e a gravidade dos surtos, retardar a progressão da incapacidade e reduzir novas lesões desmielinizantes. • Deve ser individualizado conforme o fenótipo clínico, gravidade e resposta terapêutica. 🔹 Formas clínicas e medicamentos indicados: • Forma Recorrente-Remitente (RR): o Interferon beta-1a ou beta-1b o Acetato de glatirâmer o Fingolimode o Natalizumabe o Teriflunomida o Dimetilfumarato o Alemtuzumabe • Forma Primariamente Progressiva (PP): o Ocrelizumabe (único com evidência robusta para esse tipo). • Forma Secundariamente Progressiva (SP): o O tratamento depende da atividade inflamatória residual; pode-se manter imunomoduladores ou considerar terapias mais potentes. 🧩 3. Estratégia terapêutica e acompanhamento • O tratamento deve ser iniciado o mais precocemente possível, após confirmação diagnóstica. • A resposta ao tratamento é monitorada por: o Avaliação clínica regular e Ressonância Magnética (RM). o Uso da Escala EDSS (Expanded Disability Status Scale), que quantifica déficits neurológicos de 0 (sem incapacidade) a 10 (óbito). • Falha terapêutica: considera-se quando há novos surtos, piora funcional ou novas lesões na RM — nesses casos, deve-se trocar a medicação modificadora da doença. • Vigilância farmacológica: todos os pacientes devem ser acompanhados quanto aos efeitos colaterais (hepatotoxicidade, imunossupressão, risco de infecção, etc.). 🧠 Neuromielite óptica Definição Também chamada de doença de Devic, é uma doença inflamatória e autoimune desmielinizante do sistema nervoso central, que afeta principalmente os nervos ópticos e a medula espinhal. 📊 Epidemiologia • É uma condição rara, mais frequente em mulheres, especialmente em pessoas de ascendência asiática e africana. • Costuma ter início entre 35 e 40 anos, um pouco mais tardiamente que a esclerose múltipla. • Além disso, apresenta associação com outras doenças autoimunes, como lúpus eritematoso sistêmico e tireoidite de Hashimoto. • Os fatores genéticos e ambientais ainda não são totalmente compreendidos. ⚙ Fisiopatologia O mecanismo fisiopatológico central é mediado por anticorpos, sendo uma doença de base humoral, diferentemente da esclerose múltipla, que é mediada principalmente por linfócitos T (imunidade celular). O principal marcador sorológico é o anticorpo antiaquaporina-4 (anti-AQP4), presente em cercade 85% dos pacientes. A aquaporina-4 é o canal responsável pelo transporte de água no sistema nervoso central e está amplamente distribuída nos nervos ópticos, medula espinhal e tronco encefálico. A ligação do anticorpo a essas estruturas desencadeia inflamação intensa e desmielinização localizada, resultando nos surtos característicos da doença. ⚡ Quadro clínico Caracteriza-se por surtos agudos que afetam principalmente os nervos ópticos e a medula espinhal, sem progressão contínua entre os episódios. • Neurite óptica: o perda visual súbita, geralmente bilateral ou severa, acompanhada de dor ocular. • Mielite longitudinalmente extensa: o fraqueza dos membros, paraparesia ou tetraparesia, alterações sensitivas e esfincterianas, com lesões que se estendem por três ou mais corpos vertebrais consecutivos na ressonância magnética. 🔬 Diagnóstico Baseado na clínica associada à presença do anticorpo antiaquaporina-4 no sangue, exame que possui alta especificidade. A RM auxilia na confirmação, mostrando lesões extensas na medula espinhal (≥ 3 segmentos vertebrais) e acometimento dos nervos ópticos. Em pacientes com suspeita clínica e teste sorológico negativo, a investigação deve incluir avaliação para outros autoanticorpos e análise de líquor. A presença de marcadores autoimunes como FAN, anti-TPO e fator reumatoide é frequente, exigindo interpretação cuidadosa para não confundir doenças associadas. 💊 Tratamento O tratamento dos surtos é feito com: • corticoterapia em altas doses (metilprednisolona 1 g/dia EV por 3 a 5 dias) Nos casos graves ou sem resposta, pode-se utilizar plasmaférese ou imunoglobulina intravenosa (IVIg). O tratamento de manutenção visa prevenir novos surtos e utiliza imunossupressores, e não os mesmos imunomoduladores usados na esclerose múltipla, pois o mecanismo patogênico é diferente. As principais opções são: • Azatioprina • Micofenolato de mofetila • Rituximabe (anticorpo monoclonal anti-CD20) Esses medicamentos atuam reduzindo a produção de autoanticorpos e o risco de novos episódios inflamatórios. 🧠 Encefalomielite disseminada aguda Definição É uma doença desmielinizante inflamatória do SNC, geralmente monofásica, que ocorre com maior frequência em crianças e adultos jovens. Costuma ser pós-infecciosa ou, mais raramente, pós-vacinal, e manifesta-se por déficit neurológico multifocal associado à encefalopatia. 📊 Epidemiologia • Condição rara, mas é a doença desmielinizante mais comum na infância. • Ocorre principalmente em pacientes entre 5 e 8 anos, com discreta predominância no sexo masculino. • Aproximadamente 75% dos casos são precedidos por uma infecção viral ou, em menor proporção, por uma vacinação recente. 📊 Fatores de risco • Vírus Epstein-Barr, influenza, varicela-zóster, herpes simplex, citomegalovírus, rubéola e HIV. • O início dos sintomas ocorre geralmente entre 4 e 13 dias após o gatilho infeccioso ou vacinal. ⚙ Fisiopatologia Envolve uma resposta autoimune cruzada (mimetismo molecular) em que antígenos virais ou vacinais induzem a produção de autoanticorpos e linfócitos T que atacam componentes da mielina. O processo inflamatório leva a desmielinização difusa, predominantemente na substância branca do encéfalo e da medula espinhal. Diferentemente da esclerose múltipla, a ADEM é monofásica, ou seja, não apresenta novos surtos após a recuperação. ⚡ Quadro clínico Inicia-se de forma aguda ou subaguda, com encefalopatia obrigatória (confusão mental, sonolência, irritabilidade ou alteração do nível de consciência) associada a déficits neurológicos multifocais. Os sintomas mais comuns incluem: • Déficit motor e ataxia cerebelar; • Neuropatias cranianas e neurite óptica; • Mielopatia; • Crises epilépticas (em cerca de 30% dos casos). Os sintomas atingem o pico entre 2 e 5 dias após o início e podem evoluir de forma grave, com necessidade de ventilação mecânica e internação em UTI em até 20% dos pacientes. 🔬 Diagnóstico É clínico e radiológico, baseado na associação entre encefalopatia e sinais neurológicos multifocais, após excluir causas infecciosas e metabólicas. • A RM de encéfalo é essencial e mostra lesões extensas e mal definidas na substância branca, frequentemente envolvendo tálamo e gânglios da base, características que ajudam a diferenciar da esclerose múltipla. • O líquor pode apresentar discreta pleocitose e aumento de proteínas, mas sem bandas oligoclonais típicas da EM. 💊 Tratamento Após exclusão de infecção ativa, o tratamento específico deve ser iniciado rapidamente, com o objetivo de suprimir o processo inflamatório. • Primeira linha: Metilprednisolona EV 20–30 mg/kg/dia (máximo 1 g/dia) por 3 a 5 dias, seguida de prednisona oral em desmame gradual. Casos graves ou refratários: Plasmaférese ou imunoglobulina intravenosa (IVIg). 3) Discutir os critérios diagnósticos e estratégias terapêuticas nas principais doenças desmielinizantes do sistema nervoso periférico (Guillain-Barré). Síndrome de Guillain-Barré (SGB) 🧠 Definição É uma polineuropatia aguda imunomediada, caracterizada por fraqueza muscular progressiva e arreflexia, geralmente de início ascendente (dos membros inferiores para os superiores). É uma das principais causas de paralisia flácida aguda no mundo e resulta de uma resposta autoimune que danifica a mielina e/ou o axônio dos nervos periféricos. 📊 Epidemiologia e fatores de risco • Pode ocorrer em qualquer idade, mas é mais comum em adultos jovens e de meia-idade, com discreta predominância no sexo masculino. • Cerca de 2/3 dos casos, há uma infecção prévia 1 a 3 semanas antes do início dos sintomas. Os agentes mais frequentemente relacionados são: o Campylobacter jejuni (principal causa associada, especialmente à forma axonal grave); o Vírus como Epstein-Barr, citomegalovírus, influenza, Zika vírus, HIV e SARS-CoV-2; • A incidência média é de 1 a 2 casos por 100.000 habitantes/ano, mas pode aumentar em surtos virais. ⚙ Fisiopatologia Desencadeada por um mecanismo autoimune de mimetismo molecular, no qual anticorpos produzidos contra antígenos infecciosos reagem cruzadamente com componentes da mielina ou do axônio dos nervos periféricos. Ocorre inflamação, infiltração de linfócitos e macrófagos, e destruição da bainha de mielina, resultando em bloqueio da condução nervosa. As principais variantes clínicas são: • Polirradiculoneuropatia desmielinizante inflamatória aguda (PDIA) – forma mais comum; • Axonal motora aguda (AMAN) e axonal sensitivo-motora (AMSAN) – associadas a Campylobacter jejuni; • Síndrome de Miller-Fisher – caracterizada por oftalmoplegia, ataxia e arreflexia. ⚡ Quadro clínico O início é agudo ou subagudo, com fraqueza muscular simétrica e ascendente, que progride ao longo de dias a semanas. Características principais: • Parestesias iniciais em pés e mãos; • Fraqueza progressiva dos membros inferiores, ascendendo para superiores e músculos respiratórios; • Arreflexia generalizada (ausência de reflexos tendinosos); • Dor muscular e sensibilidade diminuída; • Comprometimento dos pares cranianos, especialmente facial, levando à diplegia facial; • Em casos graves: disfunção autonômica (taquicardia, hipertensão ou hipotensão, arritmias) e insuficiência respiratória (necessidade de ventilação mecânica em até 30% dos casos). A fraqueza atinge o pico em até 4 semanas (geralmente em 2). 🔬 Diagnóstico O diagnóstico é clínico, baseado na história e no exame neurológico, e confirmado por exames complementares. Critériosprincipais: • Fraqueza progressiva e relativamente simétrica em mais de um membro; • Arreflexia (ou hiporreflexia); • Evolução até o platô em até 4 semanas. Exames complementares: • Líquor: dissociação albuminocitológica (↑ proteínas com contagem celular normal ou ligeiramente aumentada); costuma surgir após a 1ª semana. • Eletromiografia e estudo de condução nervosa: mostram desmielinização (redução da velocidade de condução, bloqueio de condução) ou lesão axonal. • Exames laboratoriais e de imagem são usados para descartar outras causas (como miopatias e lesões medulares). 💊 Tratamento O tratamento deve ser iniciado o mais precocemente possível e inclui suporte clínico intensivo e imunoterapia específica. 1. Suporte clínico: • Monitorar função respiratória e autonômica; intubar se CVF