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Fármacos associados ao ciclo celular Você vai conhecer os fármacos antineoplásicos que agem na divisão do ciclo celular e os fármacos que são derivados de produtos naturais. Prof.ª Thamyrys Bessa Silva 1. Itens iniciais Propósito Os fármacos antineoplásicos são amplamente utilizados no tratamento do câncer. Atualmente existem diversos protocolos de tratamento antineoplásico que incluem esses fármacos. Assim, conhecer os princípios e a farmacologia dessa classe é essencial para compreender seu funcionamento e suas particularidades. Objetivos Identificar os principais fármacos antineoplásicos ciclo-específicos e suas particularidades. Reconhecer os principais fármacos antineoplásicos ciclo-inespecíficos. Identificar os principais fármacos antineoplásicos derivados de produtos naturais. Introdução Os antineoplásicos são um grupo de medicamentos utilizados no tratamento do câncer e têm como objetivo impedir ou retardar a proliferação de células cancerosas. Existem diversas classes que atuam em diferentes etapas do ciclo celular, impedindo a replicação e divisão das células malignas. Os diversos tipos de antineoplásicos podem ser classificados em diferentes grupos, de acordo com sua estrutura química e modo de ação. Entre eles, estão os antineoplásicos ciclo-específicos, ciclo-inespecíficos e os derivados de produtos naturais. Neste estudo, você conhecerá cada um desses grupos. Apesar de serem eficazes no combate ao câncer, os antineoplásicos também podem causar efeitos colaterais significativos, como náuseas, vômitos, diarreia, queda de cabelo, entre outros. Por isso, para atuar corretamente no manejo desses sintomas e promover a orientação ao paciente em tratamento, é fundamental compreender as características de cada fármaco. • • • 1. Fármacos antineoplásicos ciclo-específicos Ciclo celular Você sabe o que é ciclo celular? Neste vídeo falaremos sobre o ciclo celular, abrangendo suas fases, o que acontece em cada uma delas, os pontos de checagem e a relevância desse processo. Conteúdo interativo Acesse a versão digital para assistir ao vídeo. A compreensão dos fármacos ciclo-específicos está diretamente relacionada ao conceito de ciclo celular. E o que é ciclo celular? É o processo pelo qual as células crescem, replicam seu material genético e se dividem em duas células-filhas. Esse processo é crítico para a manutenção, o crescimento e o desenvolvimento de todos os organismos vivos, sendo rigorosamente regulado para garantir que as células se dividam apenas quando for necessário e de maneira controlada. Você sabia que milhares de células morrem e outras tantas se proliferam diariamente em nosso corpo? Fases do ciclo celular O ciclo celular é dividido em duas principais etapas: Interfase É a fase mais longa do ciclo celular, dividindo-se em três subfases: Fase G1 Fase na qual a célula cresce e sintetiza novas proteínas e organelas. Fase S Fase na qual o DNA se replica, de modo que cada célula-filha receba um conjunto completo de informações genéticas. Fase G2 Fase na qual a célula se prepara para a mitose, sintetizando as proteínas e estruturas necessárias para a divisão celular. Mitose É a fase durante a qual a célula se divide fisicamente em duas células-filhas. É dividida nas seguintes subfases: Prófase Fase na qual a cromatina se condensa em cromossomos visíveis e inicia a formação do fuso mitótico. Metáfase Fase na qual os cromossomos se alinham no meio da célula, formando a placa metafásica. Anáfase Fase na qual as cromátides-irmãs se separam e são puxadas para os polos opostos da célula. Telófase Fase na qual os cromossomos atingem os polos da célula e começam a se descondensar, e o envelope nuclear se reforma. Citocinese Esse é o estágio final da divisão celular, durante o qual o citoplasma e as organelas se dividem para formar duas células-filhas. A seguir, observe as fases do ciclo celular. Ciclo celular. Pontos de checagem Além de compreender o ciclo celular, é essencial destacar a importância dos pontos de checagem do ciclo celular. E por que isso é importante? Esses pontos de controle garantem a integridade tecidual por meio do aporte constante de proliferação celular. Além disso, disponibilizam aos mecanismos de controle um sistema organizado de checagem e de reparo de eventuais erros, o que evita a propagação de danos durante o processo. Você sabia que é exatamente o defeito nesses mecanismos de limitação que pode originar as doenças hiperproliferativas, como o câncer? Mecanismo de controle de divisão celular Trata-se de uma rede bioquímica integrada que permite a identificação e a notificação rápida de erros, resultando na interrupção do processo. Nos pontos de transição entre as diferentes fases do ciclo celular, proteínas específicas, como p53 e chk-1 e 2, monitoram a integridade do material genético e, em caso de lesão, podem iniciar processos de reparo do DNA. No entanto, se houver um número elevado de lesões ou lesões de grande relevância, essas proteínas direcionam as células para a via da morte celular (apoptose). É a atividade dessas moléculas nesses momentos específicos do ciclo celular que consideramos como os pontos de checagem (checkpoints). Primeiro ponto de checagem Ocorre no final da fase G1. Nesse ponto, a célula verifica a integridade do DNA e a presença de danos. Caso o DNA esteja danificado, a célula pode ativar mecanismos de reparação. Além disso, ocorre uma análise do ambiente em que a célula se encontra, a fim de verificar se a divisão celular é favorável. Caso não haja estímulo ambiental adequado, a célula pode entrar em um estado de parada conhecido como G0, no qual a célula permanece inativa e não prossegue para a próxima fase do ciclo celular. Segundo ponto de checagem Ocorre durante a fase S. Nesse ponto, a célula verifica se a replicação do DNA ocorreu corretamente. Terceiro ponto de checagem Ocorre na fase G2. Nesse ponto, a célula verifica se houve danos no DNA durante a replicação ou se ocorreram erros na síntese de proteínas e de organelas necessárias para a divisão celular. Quarto ponto de checagem Ocorre durante a fase M. Nesse ponto, a célula verifica se os cromossomos estão corretamente alinhados e se as fibras do fuso mitótico estão adequadamente conectadas aos cromossomos. Podemos observar esses pontos na imagem a seguir. Pontos de checagem do ciclo celular. Se a função de controle desempenhada pela célula estiver normal, a lesão do DNA induzida por agentes quimioterápicos que atuam em fases específicas do ciclo celular ativará a apoptose quando a célula alcançar o limite G1/S ou G2/M. No entanto, o que ocorre nas células cancerígenas é que podem ocorrer mutações nessas proteínas, resultando na perda de função ou inativação delas. Isso pode ocasionar uma divisão descontrolada, acelerando o ciclo celular e favorecendo o crescimento do tumor. Agora que já reconhecemos a relevância do ciclo celular e compreendemos o papel dos pontos de checagem na manutenção da integridade do genoma e na prevenção do desenvolvimento do câncer, abordaremos os fármacos antineoplásicos. Antimetabólitos Muitos dos fármacos antineoplásicos exercem sua ação sobre as células que se encontram na fase de divisão do ciclo celular, razão pela qual são denominados fármacos específicos do ciclo celular. Esses fármacos apresentam diferentes mecanismos de ação, mas todos agem especificamente em uma fase do ciclo celular e são úteis no tratamento de diferentes tipos de câncer. Para começar, falaremos sobre os antimetabólitos, que são antineoplásicos específicos do ciclo celular. Fármacos antimetabólitos Neste vídeo, conheça os fármacos antimetabólitos, as subclasses dentro de antimetabólitos, além da ideia por trás desse tipo de fármaco. Conheça também os fármacos antifolato, seu mecanismo de ação, resistência, efeitos adversos e usos clínicos. Conteúdo interativo Acesse a versão digital para assistir ao vídeo. Os antimetabólitos pertencem a uma família de agentes antineoplásicos que interferem nosReviews Cancer, v. 3, n. 5, p. 330-338, may. 2003. RANG, H. P. et al. RANG & DALE: farmacologia. 7 ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2011. SKUBNIK, J. et al. Current perspectives on taxanes: focus on their bioactivity, delivery and combination therapy. Plants, 2021, v. 10, n. 3. WHALEN, K.; FINKELL, R.; PANAVELIL, T. A. Farmacologia ilustrada. Porto Alegre: Artmed, 2016. Fármacos associados ao ciclo celular 1. Itens iniciais Propósito Objetivos Introdução 1. Fármacos antineoplásicos ciclo-específicos Ciclo celular Conteúdo interativo E o que é ciclo celular? Fases do ciclo celular Interfase Fase G1 Fase S Fase G2 Mitose Prófase Metáfase Anáfase Telófase Citocinese Pontos de checagem Mecanismo de controle de divisão celular Primeiro ponto de checagem Segundo ponto de checagem Terceiro ponto de checagem Quarto ponto de checagem Antimetabólitos Fármacos antimetabólitos Conteúdo interativo Antagonistas do folato – antifolatos Atenção Mecanismo de ação dos folatos Mecanismo de resistência Resistência primária ou intrínseca Resistência adquirida Toxicidade e usos clínicos Atenção Outros fármacos antimetabólitos Conteúdo interativo Análogos de pirimidina Fluoruracila Capecitabina Análogos da citidina Citarabina Gencitabina Azacitidina e decitabina Análogos da purina Fludarabina Pentostatina Cladribina Clofarabina Nelarabina Mercaptopurina Tioguanina Verificando o aprendizado 2. Fármacos antineoplásicos ciclo-inespecíficos Conceitos gerais dos fármacos alquilantes Conteúdo interativo Mecanismo de ação dos fármacos alquilantes Mecanismos de resistência dos fármacos alquilantes Toxicidade dos fármacos alquilantes Classes de fármacos alquilantes Conteúdo interativo Mostardas nitrogenadas Saiba mais Ciclofosfamida Ifosfamida Melfalano Clorambucila Bendamustina Agentes alquilantes diversos Alquilsulfonatos Nitrosureias Carmustina (BCNU) e a lomustina (CCNU) Triazenos Dacarbazina Temozolamida Metil-hidrazina Complexos de coordenação da platina Conteúdo interativo Mecanismo de ação dos análogos da platina Mecanismos de resistência aos análogos da platina Farmacologia clínica Cisplatina Saiba mais Carboplatina Oxaliplatina Verificando o aprendizado 3. Fármacos antineoplásicos derivados de produtos naturais Antibióticos citotóxicos Conteúdo interativo Atenção Antraciclinas Daunorrubicina Doxorrubicina Mecanismo de ação das antraciclinas Primeiro mecanismo Segundo mecanismo Terceiro mecanismo Quarto mecanismo Toxicidade das antraciclinas Mitomicina Bleomicina Fármacos com ação sobre os microtúbulos Conteúdo interativo Alcaloides da vinca Mecanismo de ação dos alcaloides da vinca Como os medicamentos conhecidos como alcaloides da vinca atuam no ciclo celular? Mecanismos de resistência dos alcaloides da vinca Toxicidade dos alcaloides da vinca Vimblastina Vincristina Vinorelbina Vimblastina Vincristina Vinorelbina Taxanos Mecanismo de ação dos taxanos Mecanismos de resistência dos taxanos Toxicidade dos taxanos Paclitaxel Docetaxel Cabazitaxel Inibidores das DNA topoisomerases I e II Conteúdo interativo Análogos da camptotecina Mecanismo de ação dos análogos da camptotecina Irinotecano Forma precoce Forma tardia Epipodofilotoxinas Mecanismo de ação das epipodofilotoxinas Toxicidade das epipodofilotoxinas Verificando o aprendizado 4. Conclusão Considerações finais Explore + Referênciaspassos metabólicos envolvidos na função celular, especialmente na divisão celular. Essa classe inibe enzimas que participam do processo de síntese/metabolismo dos nucleotídeos ou é incorporada ao DNA por ser análoga. Em função disso, esses fármacos geralmente atuam na fase S do ciclo celular, quando ocorre a replicação do DNA, uma vez que suas estruturas são análogas às moléculas precursoras dele ou a cofatores, como o ácido fólico. A imagem a seguir apresenta a estrutura química de alguns desses fármacos. Estruturas de alguns antimetabólitos usados no tratamento de neoplasias. A seguir, aprofundaremos o estudo abordando as diferentes classes dos fármacos antimetabólitos. Antagonistas do folato – antifolatos Em 1948, os antifolatos demonstraram atividade clínica no tratamento de crianças com leucemia, produzindo a primeira evidência de que a quimioterapia com um análogo do ácido fólico, a aminopterina, era capaz de produzir remissão completa na leucemia linfoide aguda (LLA). Atenção O metotrexato se tornou o antifolato padrão no tratamento da leucemia linfoide aguda (LLA) e, desde então, desempenhou um papel importante em esquemas de tratamento de linfomas e coriocarcinomas, além de ser utilizado como agente imunossupressor após transplante de medula óssea alogênico. Além disso, é um fármaco padrão para o tratamento da artrite reumatoide, da granulomatose de Wegener e de outras doenças inflamatórias e autoimunes. Tendo em vista que os folatos desempenham um papel crucial na síntese de nucleotídeos purínicos e timidilato, que são vitais para a síntese de DNA e a divisão celular, compreendemos que a principal ação dos antagonistas do folato é interferir na síntese de timidilato. Mecanismo de ação dos folatos Os folatos são captados ativamente pelas células e, para que possam agir como coenzimas, precisam ser reduzidos a tetra-hidrofolato (FH4). Essa reação em duas etapas é catalisada pela di-hidrofolato redutase, que converte o substrato primeiro em di-hidrofolato (FH2) e depois em FH4. Podemos observar esses mecanismos na imagem a seguir. Diagrama simplificado da ação do metotrexato. O FH4 opera como cofator essencial de transporte de grupos metila necessários para a transformação de 2’- desoxiuridilato (dUMP) em 2’-desoxitimidilato (dTMP), o que é vital para a síntese de purinas. O metotrexato possui uma afinidade maior do que o FH2 pela di-hidrofolato redutase e, assim, inibe a enzima, depletando o FH4 intracelular. Mecanismo de resistência O desenvolvimento de resistência aos fármacos caracteriza-se como um problema significativo na quimioterapia do câncer. Esses mecanismos dividem-se em duas categorias: resistência primária e resistência adquirida. Resistência primária ou intrínseca Esse tipo de resistência não está necessariamente associada à exposição prévia das células tumorais aos fármacos. Um exemplo disso são as mutações do gene supressor tumoral p53, que ocorrem em até 50% de Mecanismo de extrusão de fármacos pela glicoproteína P. todos os tumores humanos. Estudos pré-clínicos e clínicos já demonstraram que a perda da função do p53 resulta em resistência não apenas à radioterapia, mas também a uma ampla variedade de fármacos antineoplásicos. Defeitos na família de enzimas de reparo de combinação imprópria, que estão estreitamente ligados ao desenvolvimento de câncer colorretal familiar e esporádico, contribuem para o desenvolvimento de resistência a vários agentes antineoplásicos não relacionados, incluindo os fármacos que veremos mais adiante, como as fluoropirimidinas, as tiopurinas e a cisplatina/carboplatina. Resistência adquirida Ao contrário da primária, essa resistência desenvolve-se em resposta à exposição a um determinado agente antineoplásico. Nesse caso, o agente promove mutações nas células cancerígenas, ativando mecanismos compensatórios capazes de contornar o efeito do fármaco. Em outros casos, ocorre um fenótipo resistente a múltiplos fármacos, associado a uma expressão aumentada do gene MDR1, que codifica uma glicoproteína transportadora de superfície celular, a glicoproteína P. Essa forma de resistência promove o efluxo do fármaco, o que, consequentemente, reduz o acúmulo intracelular de uma variedade de agentes antineoplásicos estruturalmente não relacionados. Isso inclui antraciclinas, alcaloide da vinca, taxanos, camptotecinas, epipodofilotoxinas e todas as classes de fármacos que serão abordadas ao longo deste conteúdo. O mecanismo de resistência ao metotrexato ocorre devido aos seguintes fatores: Perda do transportador de folato reduzido. Amplificação do gene que codifica a di-hidrofolato redutase. Perda da capacidade de poliglutamação de antifolatos, que ocorre por meio da formação de metabólitos de poliglutamato no interior da célula. A capacidade de formar poliglutamatos está diretamente relacionada à função terapêutica do metotrexato. Os poliglutamatos são seletivamente retidos no interior das células cancerosas e exercem efeitos inibitórios aumentados sobre as enzimas envolvidas na biossíntese de nucleotídeos de purina e timidilato. Em suma, quando há perda da capacidade de poliglutamação, a ação do metotrexato é comprometida. Toxicidade e usos clínicos Praticamente qualquer sistema orgânico pode ser afetado pela toxicidade dos antifolatos. Entre os efeitos colaterais mais comuns estão a supressão da medula óssea, a mucosite e os sintomas gastrointestinais. Geralmente, esse efeitos são temporários e costumam desaparecer entre 10 e 14 dias após o término do tratamento. Do ponto de vista clínico, os antifolatos são utilizados em protocolos de tratamento de câncer de mama, câncer de cabeça e pescoço, sarcoma osteogênico, linfoma primário do sistema nervoso central, linfoma não Hodgkin, câncer de bexiga e coriocarcinoma. O metotrexato pode ser administrado por via oral, intramuscular, intravenosa ou intratecal. • • • Atenção É fundamental que, como profissional farmacêutico, você esteja atento ao estado da função renal do paciente antes de iniciar o tratamento com metotrexato, pois isso pode alterar drasticamente a depuração e a toxicidade do fármaco. O metotrexato é depurado principalmente por excreção renal. Em pacientes com depuração de creatinina inferior a 60 mL/min, as doses devem ser modificadas proporcionalmente à redução da função renal. Além disso, é necessário ter ciência das interações farmacológicas desse fármaco com outros medicamentos, como omeprazol, ácido fólico, varfarina, AINEs, penicilinas e cefalosporinas. Outros fármacos antimetabólitos Neste vídeo, falaremos sobre o mecanismo de ação, os efeitos colaterais e o uso clínico dos fármacos antimetabólitos análogos de pirimidina, citidina e purina. Conteúdo interativo Acesse a versão digital para assistir ao vídeo. Análogos de pirimidina A fluoruracila, um análogo da uracila, também interfere na síntese de dTMP. Quando é convertida em monofosfato de flúor-desoxiuridina (FdUMP), atua como um nucleotídeo “falso” que interage com a timidilato sintetase, mas não pode ser convertido em dTMP. Esse mecanismo inibe a síntese do DNA sem afetar a síntese de RNA ou proteínas. Estrutura química da uracila e do seu análogo, o 5-FU (fluoruracila). Observe o mecanismo de ação da 5-FU. Mecanismo de ação da 5-FU. A fluoruracila e o seu pró-fármaco, a capecitabina, são agentes de importância central no tratamento de cânceres epiteliais. Possuem interações sinérgicas com outros agentes citotóxicos, como a cisplatina ou a oxaliplatina, e com a radioterapia. Esse fármaco tem melhorado a sobrevida de pacientes com câncer colorretal tanto na terapia em fase inicial quanto em situação metastática. Agora, entenderemos as características de utilização desses dois agentes: Fluoruracila Geralmente é administrada por via parenteral em vários esquemas diferentes. Esquemas mais recentes e mais efetivos utilizam a administração intravenosa (bolus) no dia 1, seguida de infusão de 48 horas de até 1.000 mg/m²/dia. É importante avaliar a necessidade de ajustesde dose de acordo com a contagem de leucócitos, sintomas gastrintestinais e toxicidade cutânea, pois ocorre toxicidade aguda significativa do trato gastrointestinal e da medula óssea. A mucosite e a diarreia também devem ser objetos de preocupação, visto que podem levar à desidratação, sepse e morte. Capecitabina É um quimioterápico de uso oral de suma importância em protocolos de tratamento com objetivo curativo. Esse fármaco provoca outra toxicidade significativa, a disestesia palmoplantar (também conhecida como síndrome mão-pé), que consiste em uma reação cutânea tóxica com eritema, extrema hipersensibilidade e descamação das palmas das mãos e plantas dos pés. O desenvolvimento dessa toxicidade pode levar à interrupção do tratamento e, com frequência, à redução da dose da capecitabina. Cabe ao farmacêutico compreender bem os fatores envolvidos nesse tipo de reação, pois seu papel é indispensável na orientação aos pacientes que utilizam-se desse fármaco. Análogos da citidina Citarabina É um análogo do nucleosídeo de ocorrência natural 2’-desoxicitidina, que é incorporado nas cadeias de DNA durante a fase de síntese do DNA. O fármaco entra na célula-alvo e sofre as mesmas reações de fosforilação que o nucleosídeo endógeno, produzindo a forma ativa trifosfato de citosina-arabinosídeo (Ara- C), que age como um inibidor competitivo da DNA polimerase. Ao interferir nesse processo, a citarabina interrompe a replicação do DNA e a síntese de novas moléculas de DNA. A meia-vida intracelular desse fármaco é de cerca de 4 horas. Ao ser isolada de um caldo fúngico, esse análogo da citadina demonstrou ser o único fármaco efetivo para induzir remissão na leucemia mieloide aguda (LMA), tornando-se o padrão para a consolidação da remissão da LMA quando utilizado em altas doses. São planejados esquemas de infusão contínua para manter níveis citotóxicos do fármaco durante um período de vários dias, a fim de expor as células em divisão durante a fase de síntese do DNA do ciclo celular. Por afetar principalmente os tecidos em divisão, seus principais efeitos adversos incluem estomatite, diarreia e mielossupressão, cujo pico é observado dentro de 7 a 14 dias após o tratamento. Gencitabina É um segundo análogo de desoxicitidina. Tornou-se um componente importante de esquemas de tratamento para câncer pancreático, câncer de pulmão de células não pequenas e outros tumores sólidos. As vias metabólicas desse fármaco assemelham-se as da citarabina, embora tenha uma meia-vida intracelular muito mais longa, explicando talvez a sua atividade contra tumores sólidos. A imagem a seguir mostra o mecanismo de ação da gencitabina. Gencitabina. O esquema padrão de administração da gencitabina é de 1.000 mg/m², na forma de infusão de 30 minutos nos dias 1, 8 e 15 de um ciclo de 28 dias. Sua principal toxicidade é a mielossupressão. Além disso, com o uso mais prolongado, podem surgir anormalidades discretas das enzimas hepáticas. Azacitidina e decitabina Esses fármacos possuem atividade antileucêmica e induzem o processo de diferenciação em virtude da inibição da atividade da DNA citosina metiltransferase. Ambos foram aprovados para o tratamento da mielodisplasia, pois induzem a normalização da medula óssea em 15-20% dos pacientes e reduzem a necessidade de transfusão em aproximadamente 33% dos pacientes. Análogos da purina Os principais análogos da purina são: Fludarabina É metabolizada para trifosfato e inibe a síntese de DNA por se incorporar ao DNA e ao RNA, resultando na terminação da cadeia. Apresenta característica mielossupressora. Pentostatina Possui mecanismo de ação diferente e inibe a adenosina desaminase, enzima que transforma a adenosina em inosina. Essa ação interfere em vias críticas no metabolismo da purina e pode ter efeitos significativos na proliferação celular. Cladribina É um análogo clorado da purina e se incorpora ao DNA causando quebras na fita. Esse fármaco é utilizado no tratamento de leucemias, principalmente a leucemia mieloide aguda, sendo capaz de atravessar a barreira hematoencefálica. Clofarabina Se incorpora ao DNA, interrompendo sua síntese e promovendo a apoptose. É utilizado para casos de leucemia linfoide aguda (LLA) em que dois tratamentos anteriores falharam. É mielossupressora e pode induzir uma série de efeitos adversos, dentre os quais náuseas, vômitos e diarreia. Nelarabina É o único nucleosídeo de guanina de uso clínico. É utilizado em casos de leucemia de células T aguda para pacientes refratários ou recidivos. Seus efeitos colaterais incluem mielossupressão, alterações nas provas de função hepática e sequelas neurológicas graves e frequentes que podem ser irreversíveis. Mercaptopurina Diminui drasticamente os níveis celulares de AMP e GMP, afetando a síntese tanto de DNA quanto de RNA. É utilizada no tratamento de leucemias. Tioguanina Causa depleção nas reservas intracelulares de GMP e interfere na síntese do DNA. É utilizada principalmente no tratamento de leucemias, notadamente a leucemia mieloide aguda. É mielossupressora e induz lesão gastrointestinal. A fludarabina e a cladribina compartilham muitas características farmacológicas comuns: São depuradas por excreção renal, por isso devem ter suas doses reduzidas proporcionalmente à diminuição da depuração de creatinina em pacientes com função renal anormal. Causam mielossupressão prolongada e mielossupressão moderada e reversível em doses terapêuticas. As infecções oportunistas são comuns em pacientes em uso desses fármacos, particularmente em pacientes com LLC (leucemia linfoide crônica), que muitas vezes apresentam hipogamaglobulinemia antes do tratamento. Nesse contexto, mais uma vez, o papel do farmacêutico mostra-se significativo, pois é fundamental estar atento a essa condição. Verificando o aprendizado Questão 1 (Adaptada de FUNCERN – 2018 – Consórcio do Trairi – Farmacêutico) Assinale a alternativa que apresenta o fármaco antimetabólito análogo do ácido fólico, usado na quimioterapia da leucemia linfocítica aguda, e no tratamento de coriocarcinoma, de cânceres de mama, cabeça, pescoço e pulmão, de sarcoma osteogênico e de câncer de bexiga. A Clofarabina B Metotrexato C Ciclofosfamida D Bussulfano E Fludarabina A alternativa B está correta. O metotrexato é um antimetabólito análogo do ácido fólico que pode ser utilizado na quimioterapia de diversos tipos de cânceres, entre eles tumores sólidos e hematológicos. A clofarabina é um fármaco antimetabólito, mas pertencente à classe dos análogos da purina. A ciclofosfamida é um fármaco alquilante pertencente à classe das mostardas nitrogenadas. O bussulfano também é um fármaco alquilante. A fludarabina é um agente antimetabólito análogo da purina. Questão 2 A síndrome mão-pé (SMP), também conhecida como eritrodisestesia palmopalmar, é uma reação cutânea tóxica caracterizada por edema, dor, eritema e descamação de mãos e pés. Essa toxicidade, que pode levar à • • interrupção do tratamento e, com frequência, à redução da dose do quimioterápico, está associada ao uso de qual fármaco? A Clofarabina B Metotrexato C Ciclofosfamida D Fluoruracila E Capecitabina A alternativa E está correta. A capecitabina é um antimetabólito análogo da pirimidina que causa toxicidade conhecida como disestesia palmoplantar, causando eritema, extrema hipersensibilidade e descamação das palmas das mãos e dos pés. A fluoruracila pertence à mesma classe, mas não causa esse efeito colateral. A clofarabina, um antimetabólito análogo da purina, também não apresenta esse perfil de toxicidade. O metotrexato e a ciclofosfamida também não estão associados a esse efeito colateral. 2. Fármacos antineoplásicos ciclo-inespecíficos Conceitos gerais dos fármacos alquilantes Agora, compreenda o mecanismo de ação, a resistência, os efeitos adversos e os usos clínicos dos fármacos alquilantes. Conteúdo interativo Acesse a versão digital para assistir ao vídeo. Os principais fármacos alquilantes clinicamente úteis possuem uma estrutura quecontém uma bis(cloroetil)amina, uma etilenoimina ou uma nitrosureia, conforme a imagem a seguir. Estrutura das principais classes de fármacos alquilantes. Entre as bis(cloroetil)amina, aquelas de maior utilidade são a ciclofosfamida, o melfalano e a clorambucila. A ifosfamida está estreitamente relacionada com a ciclofosfamida, porém exibe um espectro de atividade e toxicidade ligeiramente diferente. Entre as etilenoiminas estão a tiotepa e o bussulfano, que são utilizados como tratamento de condicionamento para transplante de células-tronco hematopoéticas (TCTH). As principais nitrosureias são a carmustina e a lomustina. Mecanismo de ação dos fármacos alquilantes Os agentes alquilantes e substâncias relacionadas são compostos por grupos químicos capazes de formar ligações covalentes com substâncias nucleofílicas específicas na célula. Esses fármacos exercem efeitos citotóxicos pela transferência de seus grupos alquila para vários componentes celulares. Em particular, a alquilação do DNA no núcleo é considerada a principal interação desses agentes, levando à morte celular. A maioria dos agentes alquilantes anticâncer citotóxicos são bifuncionais. Isso quer dizer que possuem dois grupos alquilantes. O principal sítio de alquilação no interior do DNA é a posição N7 da guanina. Outras bases também são alquiladas em graus menores: N1 e N3 da adenina, N3 da citosina e O6 da guanina. Observe a seguir o mecanismo de ação dos agentes alquilantes. (A) Reação de ativação. (B) Alquilação do N7 da guanina. Um agente bifuncional, ao reagir com dois grupos, pode causar entrecruzamento intra ou intercadeias. Isso interfere não só na transcrição, mas também na replicação, sendo considerado o efeito crítico dos agentes alquilantes. Na imagem a seguir, podemos observar um exemplo de entrecruzamento intrafilamentos, no qual duas guaninas estão entrecruzadas. Efeitos de agentes alquilantes bifuncionais no DNA. A – adenina; C – citosina; G – guanina; T – timina. Apesar de os agentes alquilantes não serem ciclo-específicos, as células são mais sensíveis à alquilação das fases G1 e S do ciclo celular, apresentando bloqueio em G2. Atualmente, são utilizados seis tipos principais de agentes alquilantes na quimioterapia das doenças neoplásicas: Mostardas nitrogenadas. Etilenoiminas. Alquilsulfonatos. Nitrosureias. Triazenos. Agentes de metilação do DNA, incluindo procarbazina, temozolamida e dacarbazina. Mecanismos de resistência dos fármacos alquilantes O mecanismo de resistência adquirida aos fármacos alquilantes pode envolver os seguintes aspectos: Aumento da capacidade de reparo das lesões do DNA. Diminuição do transporte do fármaco alquilante para dentro da célula. Aumento da expressão ou da atividade da glutationa e das proteínas associadas à glutationa, que são necessárias para conjugar o fármaco alquilante. Aumento da atividade da glutationa S-transferase que catalisa a conjugação. Todos esses mecanismos irão diminuir ou antagonizar os efeitos dos fármacos antineoplásicos. Nesse caso, é necessário substituir a terapia anticâncer para o paciente em tratamento por uma alternativa mais eficaz. Toxicidade dos fármacos alquilantes A toxicidade dos fármacos alquilantes geralmente está relacionada à dose e afeta principalmente tecidos de rápido crescimento, como a medula óssea, o trato gastrointestinal e o sistema reprodutor. Isso resulta em efeitos adversos, como náuseas e vômitos. • • • • • • • • • • Os fármacos alquilante são potencialmente vesicantes, isto é, quando administrados por via intravenosa e ocorrendo extravasamento para o tecido circundante, podem causar lesão e destruição dos tecidos no local de administração, além de lesionar ossos, tendões e ligamentos. Os fármacos alquilantes são considerados carcinogênicos, pois podem induzir o aparecimento de carcinomas. Além disso, observa-se um maior risco de desenvolvimento de neoplasias secundárias, particularmente a leucemia mieloide aguda. Classes de fármacos alquilantes Neste vídeo, conheça maiores detalhes sobre as diferentes classes de agentes alquilantes, os principais fármacos pertencentes a essas classes e suas características. Conteúdo interativo Acesse a versão digital para assistir ao vídeo. Mostardas nitrogenadas Você sabia que os efeitos tóxicos do gás mostarda de enxofre foram observados durante a Primeira Guerra Mundial? As mostardas nitrogenadas são compostos químicos que deram origem ao gás mostarda. Os experimentos clínicos iniciais com a aplicação tópica da mostarda de enxofre levaram a regressão de tumores do pênis e posteriormente, em 1942, iniciaram estudos clínicos em pacientes portadores de linfoma, inaugurando a era moderna da quimioterapia do câncer. É um agente químico altamente vesicante, capaz de causar queimadura tópica na pele, nos olhos, nos pulmões e na mucosa. Exposições massivas a essa substância podem promover a aplasia da medula óssea e do tecido linfoide, bem como ulceração do trato gastrointestinal. Saiba mais Gás mostarda É um agente químico altamente vesicante, capaz de causar queimadura tópica na pele, nos olhos, nos pulmões e na mucosa. Exposições massivas a essa substância podem promover a aplasia da medula óssea e do tecido linfoide, bem como ulceração do trato gastrointestinal. Ciclofosfamida É amplamente reconhecida como um dos agentes alquidantes mais utilizados na prática médica. Inicialmente inativa, é metabolizada no fígado pelas oxidases de função mista do P450. Além disso, tem efeito pronunciado nos linfócitos e pode ser usada como imunossupressor. Esse fármaco pode ser utilizado no tratamento de diversos tipos de câncer, como câncer de mama, câncer de ovário, linfoma não Hodgkin, LLC, sarcoma de tecidos moles, neuroblastoma, tumor de Wilms e rabdomiossarcoma. Metabolismo da ciclofosfamida. Os efeitos tóxicos importantes causados por esse fármaco são: Náusea e vômito. Depressão da medula óssea. Cistite hemorrágica. A cistite hemorrágica (um efeito também relacionado ao fármaco ifosfamida) é causada pelo metabólito acroleína e pode ser aliviada pelo aumento da ingestão de líquidos e administração de substâncias doadoras de sulfidrila, tais como a mesna, que interage especificamente com a acroleína, formando um composto atóxico. A ciclofosfamida é administrada por via oral ou intravenosa. As doses recomendadas podem variar consideravelmente, sendo necessário consultar os protocolos padrão para determinar os horários e as doses adequadas de ciclofosfamida, especialmente quando utilizada em combinação com outros agentes quimioterápicos. Ifosfamida É um análogo da ciclofosfamida. Inicialmente, a ocorrência de toxicidade grave do trato urinário e do sistema nervoso central (SNC) limitou o uso da ifosfamida, porém a hidratação adequada e a administração de mesna reduziram a toxicidade vesical do fármaco. A toxicidade do SNC é tratada com azul de metileno. A ifosfamida tem seu uso aprovado para o tratamento de pacientes com recidiva do câncer testicular de células germinativas. Além disso, é frequentemente usada no tratamento inicial de pacientes pediátricos ou adultos com sarcomas. Melfalano É um agente alquilante utilizado principalmente para o tratamento do mieloma múltiplo. Com menos frequência, é empregado em protocolos de quimioterapia de altas doses, combinado com transplante de medula óssea. No tratamento do mieloma múltiplo, é administrado por via oral, em doses de 4 a 10 mg, por um período de 4 a 7 dias, a cada 28 dias. Clorambucila É um agente quase exclusivamente utilizado no tratamento da LLC. Nesse tratamento, é administrada uma vez ao dia por um período de 3 a 6 semanas. Quando ocorre uma queda das contagens totais de leucócitos • • • periféricos ou melhora clínica, a dose é ajustada para manter os neutrófilos e as plaquetas em níveis aceitáveis. Bendamustina O uso da bendamustina é aprovado para o tratamento da LLC e do linfoma não Hodgkin. É administrada na forma de infusão intravenosa de 30 minutos, nos dias 1e 2 de um ciclo de 28 dias. O padrão de toxicidade clínica desse fármaco é típico dos agentes alquilantes, apresentando mielossupressão e mucosite rapidamente reversíveis que, em geral, são toleráveis. Agentes alquilantes diversos Alquilsulfonatos Em doses convencionais, o bussulfano exerce poucas ações farmacológicas além da mielossupressão. Antes do advento do mesilato de imatinibe, era um agente padrão para pacientes na fase crônica da leucemia mielocítica, mas causava pancitopenia grave e prolongada em alguns pacientes. Atualmente, é utilizado principalmente em esquemas de altas doses, envolvendo toxicidades significativas, como fibrose pulmonar, lesão da mucosa GI e doença veno-oclusiva (DVO) hepática. Quando administrado por via oral, em doses de 2 a 6 mg/dia, esse fármaco é bem absorvido, apresentando meia-vida plasmática de 2 a 3 horas. Os principais efeitos tóxicos estão relacionados às suas propriedades mielossupressoras, e a ocorrência de trombocitopenia prolongada pode constituir um risco. Em alguns casos, os pacientes podem apresentar náuseas, vômitos e diarreia. O uso prolongado pode causar impotência, esterilidade, amenorreia e malformação fetal. Nitrosureias Esses agentes quimioterápicos desempenham um papel importante no tratamento de tumores cerebrais. São utilizadas no tratamento de linfomas e em esquemas de altas doses, juntamente com o procedimento de reconstituição da medula óssea. Embora funcionem como agentes alquilantes bifuncionais, diferem-se das mostardas nitrogenadas convencionais quanto às propriedades farmacológicas e toxicológicas. Agora, veremos um bom exemplo : Carmustina (BCNU) e a lomustina (CCNU) São altamente lipofílicas e, portanto, atravessam facilmente a barreira hematoencefálica, uma importante propriedade no tratamento dos tumores cerebrais. A principal ação da carmustina consiste na alquilação do DNA na posição O6-guanina. Devido à sua capacidade de atravessar a barreira hematoencefálica, é utilizada no tratamento de gliomas malignos, porém tem sido gradualmente substituída pela temozolamida. Triazenos São compostos frequentemente utilizados como agentes antineoplásicos no tratamento quimioterápico. Veja a seguir alguns exemplos de triazenos. Dacarbazina Depois de ser metabolizada em metabólito monometiltriazeno (MTIC), a dacarbazina (DTIC) atua como agente metilante, eliminando as células tumorais em todas as fases do ciclo celular. No tratamento de melanoma, é administrada por via intravenosa. Também pode ser utilizada no tratamento da doença de Hodgkin sendo, nesse caso, associada a outros fármacos. Os efeitos colaterais relacionados ao uso da DTIC são náuseas e vômitos, manifestando-se em mais de 90% dos pacientes. Em geral, os vômitos ocorrem de 1 a 3 horas após o tratamento e podem persistir por até 12 horas. Temozolamida É o agente padrão no tratamento de pacientes com glioma maligno e astrocitoma, sendo frequentemente combinado à radioterapia. A exemplo da dacarbazina, a temozolamida forma o metabólito metilante MTIC, que é responsável por eliminar as células tumorais em todas as fases do ciclo celular. O medicamento é administrado por via oral, geralmente em doses de aproximadamente 200 mg/dia, e possui uma biodisponibilidade próxima de 100%. É necessário proceder a uma monitoração hematológica para orientar os ajustes da dose, pois as toxicidades da temozolamida assemelham-se àquelas da DTIC. Portanto, nesse contexto de administração oral de antineoplásicos o farmacêutico tem fundamental importância na orientação do tratamento, podendo auxiliar na monitoração de sinais e sintomas. Características dos triazenos. Metil-hidrazina A procarbazina é um derivado da metil-hidrazina que foi sintetizado durante a pesquisa de inibidores dos neurotransmissores monoamínicos. A atividade antineoplásica desse agente resulta da sua conversão, por meio do metabolismo oxidativo hepático mediado por CYP, em espécies alquilantes altamente reativas, que metilam o DNA. Anteriormente, era utilizado no tratamento da doença de Hodgkin, mas atualmente é empregada como terapia de segunda linha para tumores cerebrais malignos. Complexos de coordenação da platina Neste vídeo, conheça o mecanismo de ação, a resistência, a farmacologia clínica e a toxicidade dos complexos de coordenação da platina, bem como as principais diferenças entre os três complexos. Conteúdo interativo Acesse a versão digital para assistir ao vídeo. Mecanismo de ação dos análogos da platina A cisplatina, a carboplatina e a oxaliplatina entram nas células por meio do transportador de Cu2+ de alta afinidade e contribuem para a degradação do transportador. Os compostos são ativamente expulsos das células por exportadores de cobre, e a expressão variável desses transportadores pode contribuir para a resistência clínica. No interior da célula, os ligantes cloreto, ciclo-hexano ou oxalato dos análogos são deslocados por moléculas de água, produzindo uma molécula de carga positiva, que reage com sítios nucleofílicos no DNA e nas proteínas. A aquação é favorecida na presença de baixa concentração de Cl– no interior da célula e na urina. Por outro lado, a presença de altas concentrações de Cl– estabiliza o fármaco, explicando a eficiência da diurese de Cl– na prevenção da nefrotoxicidade. Aquação Reação química envolvendo a incorporação de uma ou mais moléculas integrais de água. Os complexos de platina ativados são capazes de reagir com moléculas ricas em elétrons, como as sulfidrilas, e com vários locais no DNA, formando ligações cruzadas intra e interfilamentares. Os adutos de platina-DNA inibem a replicação e a transcrição de DNA, o que resulta em quebras de fita única e de fita dupla e em erros de codificação. Ao reconhecer esses danos, a p53 e outras proteínas de controle induzem a apoptose. Ao contrário dos outros análogos de platina, a oxaliplatina possui citotoxicidade que não depende de um sistema de MMR ativo, o que pode explicar a sua maior atividade no câncer colorretal. Além disso, parece ser menos dependente da presença de proteínas de grupo de alta mobilidade (GAM), que são necessárias para os outros derivados da platina. Os análogos da platina são mutagênicos, teratogênicos e carcinogênicos. Portanto, é importante ressaltar que o uso da cisplatina ou carboplatina na quimioterapia do câncer de ovário está associado a um aumento de aproximadamente quatro vezes no risco de desenvolvimento de leucemia secundária. Outro ponto importante a observar é que, apesar de a cisplatina e outros complexos de platina não formarem intermediários de íon carbônio, como outros agentes alquilantes, nem alquilarem formalmente o DNA, eles ligam-se de forma covalente a sítios nucleofílicos no DNA e compartilham muitos atributos farmacológicos com os agentes alquilantes. Mecanismos de resistência aos análogos da platina A resistência aos análogos da platina, assim como outros fármacos citotóxicos, pode ocorrer devido a diferentes processos, como: Falha no reconhecimento da lesão do DNA, devido a deficiência do complexo de reparo de combinação imprópria. Aumento da detoxificação de espécies reativas de oxigênio pela glutationa. • • Efluxo aumentado de complexos de platina por transporte ativo. Capacidade aumentada do REN (Reparo por Excisão de Nucleotídeos). Perda da expressão do p53. Hiperexpressão de genes antiapoptóticos, como BCL-2. REN O reparo de platina-DNA requer a participação da via REN, que faz o reconhecimento da lesão no DNA, realiza a excisão da lesão, sintetiza um novo segmento e realiza a ligação para reparo. A inibição ou perda do REN aumenta a sensibilidade à cisplatina em pacientes com câncer de ovário, enquanto a hiperexpressão de componentes do REN está associada a uma resposta precária à terapia à base de cisplatina ou oxaliplatina nos cânceres de pulmão, de cólon e de estômago. Farmacologia clínica A cisplatina, a carboplatina e a oxaliplatina são análogos clinicamente úteis que se distinguem uma das outras por suas propriedades farmacocinéticase seus perfis de toxicidade. Vamos analisá-los individualmente a seguir. Cisplatina É um complexo de coordenação plano hidrossolúvel, contendo um átomo de platina central cercado por dois átomos de cloro e dois grupos amônia. Estrutura química da cisplatina. A cisplatina é altamente reativa em solução aquosa e em pH neutro. Ela se dissipa rapidamente do plasma, formando microtúbulos com sulfidrilas de proteínas no espaço extracelular, e reage intracelularmente com ácidos nucleicos e glutationa. Sua ação é análoga a dos agentes alquilantes. Quando a cisplatina entra na célula, o CI- dissocia-se, originando um complexo reativo que reage com a água e interage com o DNA. Essa interação promove a formação de entrecruzamentos intrafilamentos, provavelmente entre as posições N7 e O6 das moléculas de guanina adjacentes, causando a desnaturação local do DNA. A cisplatina revolucionou o tratamento de tumores sólidos de testículo e ovário. Quanto à terapêutica, considera-se as seguintes características: Deve ser administrada apenas por injeção ou infusão intravenosa lenta. • • • • • Por se tratar de uma substância altamente nefrotóxica, seu uso requer esquemas rígidos de hidratação e diurese. Apresenta baixa mielotoxicidade, mas causa náuseas e vômitos muito graves. Zumbido e perda auditiva podem ocorrer em faixa de frequência alta, bem como neuropatias periféricas, hiperuricemia e reações anafiláticas. neuropatias periféricas, Lesão dos nervos periféricos que pode causar dormência nas mãos e pés, sensação de queimação, formigamento, dor e perda de sensibilidade. Saiba mais Hiperuricemia: Níveis altos de ácido úrico no sangue. Para evitar a toxicidade renal, é importante promover a diurese de cloreto pela infusão de 1 a 2 litros de soro fisiológico antes do tratamento. Carboplatina Trata-se de um derivado da cisplatina relativamente bem tolerado, apresentando menor incidência de náuseas, neurotoxicidades, ototoxicidade e nefrotoxicidade quando comparado à cisplatina. Estrutura da carboplatina. • • • A carboplatina, devido ao seu grupo dicarboxilato mais estável, persiste no plasma como fármaco inalterado por aproximadamente duas horas, sendo eliminada em seguida por excreção renal. O farmacêutico desempenha um papel essencial na área da oncologia ao monitorar as doses prescritas dos medicamentos antineoplásicos. No caso da carboplatina, é fundamental ajustar a dose de acordo com a redução da depuração da creatinina (CrCl) em pacientes com CrClAntraciclinas Os antibióticos antraciclínicos, que são derivados de Streptomyces peucetius, estão entre os fármacos antineoplásicos citotóxicos mais amplamente usados, caracterizando-se como um dos componentes essenciais para o tratamento de leucemias agudas, linfomas, câncer de mama e sarcomas. Os dois membros originais dessa família continuam sendo usados na prática clínica: Daunorrubicina É utilizada no tratamento da leucemia mieloide aguda. Doxorrubicina É utilizada no tratamento de linfomas e na quimioterapia de tumores sólidos. Dois derivados semissintéticos, a idarrubicina e a epirrubicina, tornaram-se agentes valiosos no tratamento da leucemia e do câncer de mama, respectivamente. Estrutura química da daunorrubicina e da doxorrubicina. Dessa classe, destaca-se a doxorrubicina, pois trata-se de um dos fármacos antineoplásicos de maior relevância na prática clínica, com acentuada atividade nos cânceres de mama, endométrio, ovário, testículo, tireoide, estômago, bexiga, fígado e pulmão. Também exerce atividade clínica nos sarcomas de tecido mole e em vários cânceres infantis, incluindo neuroblastoma, sarcoma de Ewing, osteossarcoma e rabdomiossarcoma. Além disso, atua nas neoplasias hematológicas, como a LLA, no mieloma múltiplo e nos linfomas de Hodgkin e não Hodgkin. Mecanismo de ação das antraciclinas As antraciclinas exercem sua ação citotóxica por meio de quatro mecanismos principais: Primeiro mecanismo Inibição da topoisomerase II. Segundo mecanismo Ligação de alta afinidade ao DNA por intercalação, com consequente bloqueio da síntese de DNA e RNA, bem como ruptura dos filamentos de DNA. Terceiro mecanismo Produção de radicais livres de semiquinona e radicais livres de oxigênio por um processo redutor mediado por enzima dependente de ferro. Quarto mecanismo Ligação às membranas celulares, alterando a fluidez e o transporte de íons. Embora os mecanismos precisos pelos quais as antraciclinas exercem seus efeitos citotóxicos ainda não estejam definidos, pois isso pode depender do tipo de tumor específico, já está bem estabelecido que o mecanismo de radicais livres constitui a causa da cardiotoxicidade associada às antraciclinas. Atualmente a especialidade de cardio-oncologia tem ganhado destaque devido ao seu papel na prevenção, no diagnóstico e no tratamento de doenças cardiovasculares em pacientes com câncer ou em tratamento oncológico, uma vez que esses pacientes apresentam maior risco de desenvolver problemas cardiovasculares decorrentes do tratamento. Toxicidade das antraciclinas Todas as antraciclinas causam efeitos colaterais como mielossupressão, mucosite e alopecia. No entanto, esses efeitos costumam ser reversíveis, havendo uma tendência de recuperação das contagens periféricas dentro de 10 a 14 dias. A lesão cardíaca constitui a toxicidade tardia mais significativa desses fármacos. Nesse sentido, a função cardíaca deve ser frequentemente monitorada por meio de testes de fração de ejeção ventricular esquerda. Reduções de mais de 10% dos valores basais ou uma queda abaixo de 40% indicam alto risco de insuficiência cardíaca congestiva posterior. Diante dessas alterações, o tratamento com antraciclinas deve ser interrompido. Habitualmente, a doença cardíaca sintomática, manifestada principalmente como insuficiência cardíaca congestiva, só ocorre quando as doses de doxorrubicina ultrapassam 450 mg/m². Nesse cenário, o farmacêutico desempenha um importante papel, auxiliando a equipe médica no controle da dose cumulativa desse fármaco. A radioterapia de tórax administrada com quimioterapia aumenta o risco de cardiotoxicidade, assim como outros agentes quimioterápicos. O paclitaxel, por exemplo, diminui a taxa de depuração da doxorrubicina e aumenta significativamente a taxa de cardiotoxicidade; o trastuzumabe , um anticorpo anti-HER2/neu, também aumenta o risco de cardiotoxicidade. Em protocolos de tratamento de câncer de mama, o paclitaxel e o trastuzumabe são usados sequencialmente à doxorrubicina. Além da cardiotoxicidade, as antraciclinas como classe de fármacos aumentam o risco de LMA e, menos comumente, de leucemia pró-mielocítica aguda. Mitomicina É um antibiótico isolado do Streptomyces caespitosus. Esse antineoplásico sofre ativação metabólica pela redução mediada por enzima, formando um agente alquilante capaz de estabelecer uma ligação cruzada com o DNA. A mitomicina mostra-se ativa em todas as fases do ciclo celular. Uma aplicação especial da mitomicina consiste no tratamento intravesical do câncer de bexiga superficial. Como praticamente nenhuma mitomicina sofre absorção sistêmica, ocorre pouca ou nenhuma toxicidade sistêmica quando usada nesse contexto. Bleomicina Trata-se de um pequeno peptídeo composto por uma região de ligação ao DNA e um domínio de ligação ao ferro nas extremidades opostas da molécula. Atua por meio de sua ligação ao DNA, resultando em rupturas de filamentos simples e duplos após a formação de radicais livres, o que leva à inibição da biossíntese do DNA. A bleomicina é indicada para o tratamento dos linfomas de Hodgkin e não Hodgkin, do tumor de células germinativas, do câncer de cabeça e pescoço e do câncer de células escamosas da pele, do colo do útero e da vulva. Sua eliminação ocorre principalmente por excreção renal. Portanto, em pacientes com disfunção renal, recomenda-se uma modificação da dose. A toxicidade pulmonar é um fator limitante da dose de bleomicina. Em geral, manifesta-se na forma de pneumonite, caracterizada por tosse, dispneia, estertores respiratórios secos (ruídos audíveis na inspiração ou expiração, superpondo-se aos sons respiratórios normais) ao exame físico e infiltrados na radiografia do tórax. A incidência de toxicidade pulmonar aumenta em pacientes: Com mais de 70 anos. Que recebem doses cumulativas de mais de 400 unidades. Com doença pulmonar subjacente. Anteriormente submetidos à irradiação do mediastino do tórax. Em casos raros, a toxicidade pulmonar pode ser fatal. Fármacos com ação sobre os microtúbulos Conheça as etapas do ciclo celular nas quais os microtúbulos desempenham uma função importante. Descubra ainda o mecanismo de ação, a resistência, a farmacologia clínica e a toxicidade dos alcaloides da vinca e taxanos. Conteúdo interativo Acesse a versão digital para assistir ao vídeo. Vários produtos de plantas de ocorrência natural exercem efeitos citotóxicos potentes e, por isso, conquistaram espaço no arsenal dos fármacos anticâncer. Vamos conhecê-los. Alcaloides da vinca São fármacos derivados da Catharanthus roseus. Os principais alcaloides que compõem esse grupo são: vimblastina, vincristina e vinorelbina. Mecanismo de ação dos alcaloides da vinca Para compreendermos melhor esse mecanismo, é importante respondermos à seguinte questão: Como os medicamentos conhecidos como alcaloides da vinca atuam no ciclo celular? Os alcaloides da vinca possuem um mecanismo de ação que interfere nas estruturas essenciais para a divisão celular. Ao interagir com a tubulina ligando-se a ela, eles impedem sua polimerização em microtúbulos, evitando a formação do fuso mitótico nas células em divisão. Com isso, a divisão celular na metáfase é interrompida, ocorrendo a morte celular. • • • • Esses fármacos também inibem outras atividades celulares que envolvem os microtúbulos, tais como a fagocitose e a quimiotaxia dos leucócitos. Mecanismos de resistência dos alcaloides da vinca A resistência aos alcaloides da vinca surgem em consequência da suprarregulação ou amplificação de um de vários exportadores de fármacos. As células resistentes podem exibir mutação no sítio de ligação dos alcaloides da vinca na beta-tubulina, uma mutação que estabiliza o microtúbulo sem retardar a velocidade de sua montagem. Toxicidade dos alcaloides da vinca De modo geral, a toxicidade dos alcaloides da vinca caracteriza-se da seguinte forma: Vimblastina É menos neurotóxica, mas causa leucopenia. Vincristina Tem atividade mielossupressora muito branda, mas causa parestesia (alteraçõessensoriais), dor abdominal e fraqueza muscular com razoável frequência, sendo a mais neurotóxica dos alcaloides da vinca. Vinorelbina Apresenta neurotoxicidade em ciclos repetidos de tratamento. Porém, é habitualmente leve e reversível. De modo geral, todos os membros do grupo podem causar alopecia reversível. Vimblastina É um alcaloide derivado da planta Catharanthus roseus. Seu mecanismo de ação envolve a inibição da polimerização da tubulina, o que impede a montagem dos microtúbulos. Estrutura química da vimblastina. Assim como outros alcaloides da vinca, é metabolizada pelo sistema P450 hepático, e a maior parte do fármaco é excretada nas fezes pelo sistema hepatobiliar. Por esse motivo, em caso de disfunção hepática, é necessário efetuar a modificação da dose. A vimblastina também é um potente vesicante, portanto, é preciso ter cuidado em sua administração. Possui atividade clínica no tratamento dos linfomas de Hodgkin e não Hodgkin, do câncer de mama e do câncer de células germinativas. Vincristina Também é um derivado alcaloide da Catharanthus roseus, e está estreitamente relacionado à vimblastina em sua estrutura. Estrutura química da vincristina. O mecanismo de ação, o mecanismo de resistência e a farmacologia clínica desse fármaco são idênticos aos da vimblastina. Apesar dessas semelhanças, a vincristina exibe um espectro de atividade clínica e perfil de segurança notavelmente diferente: A vincristina e a vimblastina atuam inibindo a formação do fuso mitótico durante a divisão celular, o que promove distúrbios na segregação dos cromossomos e inibe o crescimento celular. No entanto, elas agem em etapas diferentes desse processo: Quanto aos efeitos adversos, a vincristina pode causar neuropatia periférica, constipação, náuseas, vômitos e queda de cabelo. Por outro lado, a vimblastina pode causar mielossupressão. A vincristina tem sido efetiva no tratamento de diversas neoplasias hematológicas, como os linfomas de Hodgkin e não Hodgkin e o mieloma múltiplo, bem como em vários tumores pediátricos, como o rabdomiossarcoma, o neuroblastoma, o sarcoma de Ewing e o tumor de Wilms. Vinorelbina Vincristina Interfere na polimerização dos microtúbulos. Vimblastina Inibe a despolimerização dos microtúbulos. É um derivado semissintético da vimblastina. Possui mecanismo de ação idêntico ao dos outros alcaloides de vinca do grupo, isto é, inibe a mitose das células na fase M ao impedir a polimerização da tubulina. Estrutura química da vinorelbina. Esse fármaco possui atividade terapêutica no tratamento do câncer de pulmão, câncer de mama e câncer de ovário. No entanto, um efeito tóxico limitante da dose nesse cenário é a mielossupressão, que causa neutropenia. Taxanos São derivados de uma substância de ocorrência natural encontrada na casca do teixo (Taxus spp.) e atuam estabilizando os microtúbulos. A imagem a seguir apresenta a estrutura química do docetaxel e do cabazitaxel, dois fármacos taxanos disponíveis. Estrutura química do docetaxel. Estrutura química do cabazitaxel. Mecanismo de ação dos taxanos Os taxanos se caracterizam pela capacidade de estabilizar os microtúbulos ao se ligarem à superfície interna da cadeia de beta-microtúbulos. Esse mecanismo de ação potencializa a montagem dos microtúbulos, promovendo as fases de nucleação e alongamento da polimerização da tubulina. Diferentemente dos alcaloides da vinca, que impedem a montagem dos microtúbulos, os taxanos diminuem o tempo de latência para montagem e desviam acentuadamente o equilíbrio dinâmico dos dímeros de tubulina para polímeros de microtúbulos. Mecanismo de ação do paclitaxel. Mecanismos de resistência dos taxanos Os taxanos fazem parte de um grupo de produtos naturais que podem ser afetados pela resistência a múltiplos fármacos (multidrug resistance – MDR). Essa resistência ocorre devido ao aumento na expressão da glicoproteína P, que é uma bomba de efluxo codificada pelo gene MDR-1. Outro mecanismo responsável pela resistência aos taxanos foi atribuído à expressão aumentada de MCL-1 e BCL-2, ambos inibidores da apoptose. Toxicidade dos taxanos A neutropenia é a principal toxicidade dos taxanos, limitando a dose administrada. Entre os taxanos, o docetaxel é conhecido por causar maior mielossupressão. A trombocitopenia e a anemia grave são incomuns, exceto em pacientes que tenham sido submetidos a tratamentos quimioterápicos intensivos prévios. Durante a infusão intravenosa, podem ocorrer reações de hipersensibilidade, sendo necessário o pré-tratamento com corticosteroides e anti-histamínicos. Essas reações são atribuídas à presença do solvente cremophor na formulação dos taxanos. A incidência e a intensidade da hipersensibilidade a formulações de paclitaxel podem ser significativamente reduzidas por meio de tratamento prévio com dexametasona, difenidramina e ranitidina. A toxicidade do docetaxel assemelha-se à do paclitaxel em muitos aspectos, mas apresenta algumas exceções importantes. O docetaxel possui um maior efeito mielossupressor, como também se relaciona à ocorrência frequente de estomatite. Náuseas, vômitos e diarreia podem ocorrer em ambos os taxanos, porém, a toxicidade gastrintestinal grave é incomum. Paclitaxel Tumor maligno. Atua de forma significativa em uma ampla variedade de tumores sólidos. É eficaz no tratamento de câncer de ovário, câncer de mama, câncer de pulmão, câncer de cabeça e pescoço, câncer esofágico, câncer de próstata e de bexiga, além do sarcoma de Kaposi relacionado à AIDS. É extensamente metabolizado pelo sistema hepático P450, de modo que quase 80% do fármaco é excretado nas fezes por via hepatobiliar. Por esse motivo, é necessário efetuar a redução de dose em pacientes com disfunção hepática. Devido à sua baixa hidrossolubilidade, esse fármaco é administrado em uma solução de 50% etanol e 50% de óleo de rícino polietoxilado, o que está associado a altas taxas de reações de hipersensibilidade. Para minimizar essas reações, os pacientes devem ser previamente tratados com um antagonista dos receptores H1, um antagonista dos receptores H2 e um glicocorticoide. Docetaxel Possui um mecanismo de ação semelhante ao do paclitaxel, bem como padrões metabólicos e de eliminação igualmente similares. O fármaco foi aprovado para uso como terapia de segunda linha no tratamento de câncer de mama avançado e câncer de pulmão. Além disso, demonstra atividade significativa contra outros tipos de câncer, como câncer de cabeça e pescoço, câncer de pulmão, câncer gástrico e câncer de ovário. Cabazitaxel É um taxano semissintético com mecanismo de ação, metabolismo e forma de eliminação semelhantes aos dos outros taxanos. No entanto, uma característica distintiva é a sua eficácia no tratamento de tumores resistentes a múltiplos fármacos. Isso se deve ao fato de ser considerado um substrato fraco da bomba de efluxo da glicoproteína P. Inibidores das DNA topoisomerases I e II Agora, assista ao vídeo que explica a função das DNA topoisomerases I e II. Abordaremos também o mecanismo de ação, a farmacologia clínica e a toxicidade dos análogos da camptotecina e da epipodofilotoxina. Conteúdo interativo Acesse a versão digital para assistir ao vídeo. Análogos da camptotecina As camptotecinas são agentes antineoplásicos citotóxicos potentes, cujo alvo é a enzima nuclear topoisomerase I. O principal composto dessa classe, a camptotecina, foi isolado da árvore chinesa Camptotheca acuminata em 1966. Atualmente, o irinotecano e o topotecano constituem os únicos análogos da camptotecina aprovados para uso clínico. Eles possuem atividade nos cânceres de cólon, de ovário e de pulmão. Mecanismo de ação dos análogos da camptotecina As DNA topoisomerases são enzimas nucleares que reduzem o estresse de torção do DNA superespiralado, permitindo que regiões selecionadas do DNA se tornem espiraladas e relaxadas o suficiente para possibilitar a ocorrência de replicação, reparo e transcrição. Duas classes de topoisomerase (I e II) medeiam a quebra e o reparo de filamentosdo DNA, e ambas se tornaram alvo de quimioterapia do câncer. Os análogos da camptotecina inibem a função da topoisomerase I, enquanto várias entidades químicas diferentes (antraciclina, epipodofilotoxina) inibem a topoisomerase II. Ação da camptotecina sobre a topoisomerase I. TOP1: topoisomerase I Irinotecano O irinotecano é um pró-fármaco convertido principalmente no fígado pela enzima carboxilesterase, resultando no metabólito SN-38. Esse metabólito é cerca de mil vezes mais potente como inibidor da topoisomerase I do que o composto original. Diferentemente do topotecano, o irinotecano e o metabólito SN-38 são eliminados principalmente na bile e nas fezes, sendo necessário redução de dose na presença de disfunção hepática. Inicialmente, o irinotecano foi aprovado como terapia de segunda linha em pacientes com câncer colorretal metastático que não responderam à terapia a base de fluoruracila. Hoje em dia é aprovado como terapia de primeira linha, quando associado à fluoruracila e leucovorina. A mielossupressão e a diarreia são os efeitos colaterais mais comuns associados ao uso desse medicamento. A diarreia pode se manifestar de duas maneiras: Forma precoce Ocorre dentro de 24 horas após a administração do fármaco. É atribuída a um evento colinérgico e pode ser efetivamente tratada com atropina. Forma tardia Costuma manifestar-se de 2 a 10 dias após o tratamento. Pode manifestar-se de forma intensa, resultando em desequilíbrio eletrolítico significativo e desidratação em alguns casos. Epipodofilotoxinas É extraída da mandrágora (Podophyllium peltatum), planta utilizada como remédio popular por indígenas norte-americanos e pelos primeiros colonizadores em função de seus efeitos eméticos, catárticos e anti- helmínticos. Os derivados sintéticos etopósido e o tenipósido possuem atividade terapêutica significativa na leucemia pediátrica, nos carcinomas de pulmão de células pequenas, em tumores testiculares, linfoma de Hodgkin e linfoma de células grandes. Etopósido. Tenipósido. Mecanismo de ação das epipodofilotoxinas O etopósido e o tenipósido são semelhantes quanto às suas funções e ao espectro de tumores humanos afetados. Assim como as antraciclinas, esses fármacos formam um complexo ternário com a topoisomerase II e o DNA, impedindo o reparo da quebra que normalmente ocorre após a ligação da topoisomerase ao DNA. Nesse caso, a enzima permanece ligada à extremidade livre do filamento de DNA rompido, resultando em acúmulo de quebras de DNA e morte celular. Observe na imagem a seguir o mecanismo de ação do etopósido. Etopósido. Toxicidade das epipodofilotoxinas A leucopenia é a principal toxicidade associada ao etopósido, pois limita a dose administrada. Ela atinge o seu nível mais baixo de 10 a 14 dias após o tratamento, e a recuperação costuma ocorrer em 3 semanas. A trombocitopenia, por sua vez, ocorre com menor frequência e, geralmente, não é grave. Em aproximadamente 15% dos pacientes o tratamento é complicado pela ocorrência de náuseas, vômitos, estomatite e diarreia. Nesse cenário, a alopecia configura-se como um efeito adverso comum e reversível. A hepatotoxicidade, no entanto, evidencia-se principalmente após o tratamento com altas doses do medicamento. Tanto o etopósido quanto o tenipósido apresentam maior toxicidade em pacientes com níveis séricos reduzidos de albumina, um efeito relacionado à diminuição da ligação do fármaco às proteínas. Verificando o aprendizado Questão 1 São substâncias antineoplásicas de origem microbiana que têm por objetivo evitar a divisão celular e que possuem ação citotóxica devido às suas interações com DNA, inibindo a topoisomerase II e produzindo radicais livres. A Alquilantes B Alcaloides da vinca C Antimetabólitos D Antraciclinas E Hormônios esteroides A alternativa D está correta. As antraciclinas atuam inibindo a replicação do DNA e a síntese de RNA nas células cancerígenas. Além disso, elas interferem na atividade da enzima topoisomerase II. Os agentes alquilantes se ligam a um grupo alquila no DNA, exercendo seus efeitos citotóxicos a partir da transferência desses grupos alquila para vários componentes celulares. Os alcaloides da vinca ligam-se à tubulina, inibindo sua polimerização em microtúbulos. Os antimetabólitos pertencem a uma família de agentes antineoplásicos, que interferem nos passos metabólicos envolvidos na função celular, especialmente na divisão celular. Os hormônios esteroides não são de origem microbiana. Questão 2 Os fármacos antineoplásicos têm o objetivo de destruir as células malignas. Entre as classes de medicamentos com essa finalidade, existe uma que se destaca por sua capacidade de ligar-se à tubulina e inibir sua polimerização em microtúbulos. Isso impede a formação do fuso mitótico durante a divisão celular, causando a interrupção do processo na metáfase e, consequentemente, a morte celular. A que classe o texto se refere? A Taxanos B Antimetabólitos C Alcaloides da vinca D Mostardas nitrogenadas E Antraciclinas A alternativa C está correta. Os alcaloides da vinca ligam-se à tubulina inibindo sua polimerização em microtúbulos. Os taxanos tem seu mecanismo de ação relacionado à estabilização dos microtúbulos. Os antimetabólitos interferem nos passos metabólicos envolvidos na função celular, especialmente na divisão celular. As mostardas nitrogenadas são fármacos alquilantes, que agem a partir da transferência de seus grupos alquila para vários componentes celulares. As antraciclinas atuam inibindo a replicação do DNA. 4. Conclusão Considerações finais Ao longo deste conteúdo, estudamos as fases do ciclo celular e os mecanismos de resistência celulares aos fármacos. Conhecemos os fármacos antineoplásicos que atuam de forma específica no ciclo celular e seus mecanismos de ação, além de suas toxicidades, que estão diretamente relacionadas às reduções de doses dos tratamentos contra o câncer. Além disso, compreendemos a importância do farmacêutico no manejo e no controle dos sintomas associados ao uso desses medicamentos. Nesse sentido, entendemos que cabe ao farmacêutico avaliar a prescrição e os exames laboratoriais para realizar os ajustes de doses de acordo com função renal e hepática diagnosticada. Neste estudo, também abordamos os fármacos de origem natural, tanto os antibióticos quanto os derivados de plantas. Vimos, portanto, que esses fármacos também apresentam toxicidade significativa e necessitam de ajustes caso o paciente apresente disfunções laboratoriais. Ao compreendermos o mecanismo de ação dos fármacos antineoplásicos, adquirimos conhecimento sobre os protocolos de tratamento antineoplásico e reconhecemos a importância da associação de fármacos para o tratamento quimioterápico de tumores malignos. Explore + Confira como Douglas Hanahan e Robert Weinberg abordam os meios de tratamento do câncer no artigo Hallmarks of cancer: the next generation, publicado em 2011 na revista Cell. Leia também o artigo de Delma Aurélia da Silva Simão e outros colaboradores, Síndrome mão-pé induzida por quimioterapia: relato de um caso, publicado em 2012 na Revista Brasileira de Enfermagem. Referências ALMEIDA, V. L. de et al. Câncer e agentes antineoplásicos ciclo-celular específicos e ciclo-celular não específicos que interagem com o DNA: uma introdução. Química Nova, v. 28, n. 1, p. 118-129, 2005. BRANDÃO, H. N. et al. Química e farmacologia de quimioterápicos antineoplásicos derivados de plantas. Química Nova, v. 33, n. 6, p. 1359-1369, 2010. BRUNTON, L. L; CHABNER, B. A.; KNOLLMANN, B. C. Goodman & Gilman: as bases farmacológicas da terapêutica. 12 ed. Rio de Janeiro, McGraw-Hill, 2012. HILAL-DANDAN, R.; BRUNTON, L. Manual de farmacologia e terapêutica de Goodman & Gilman. Porto Alegre: AMHG, 2015. KATZUNG, B. G.; MASTERS, S. B.; TREVOR, A. J. Farmacologia básica e clínica. 12 ed. Rio de Janeiro. McGraw- Hill, 2014. LONGLEY, D. B.; HARKIN, D. P.; JOHNSTON, P. G. 5-fluorouracil: mechanisms of action and clinical strategies. Nature