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ARQUMENTAÇÃO Giseli Novais da Silva 1. Discutindo teoria Os estudos linguísticos sobre argumentação não são re- centes. Desde a Grécia Antiga já existia a preocupação com o domínio da expressão verbal, afinal os gregos participa- vam de um regime democrático em que suas ideias teriam que ser expostas publicamente para serem aceitas ou não. Isso fez com que as escolas da época criassem disciplinas que ensinassem a arte da habilidade com as palavras: a elo- quência, a gramática, e a que mais se destacou foi a retóri- ca. Com isso, a questão já não era mais falar, mas falar de forma elegante, com arte e espírito. Mas enquanto na Grécia Antiga a retórica passou a ser apenas um método embeleza- dor do discurso, a retórica moderna se dedica ao estudo das figuras de linguagem e técnicas de argumentação. No que diz respeito a essas técnicas, ou ao que pre- ferimos chamar de estratégias, Citelli (2004) explica que, em qualquer texto, busca-se o convencimento, objetiva-se os efeitos pragmáticos da linguagem. Isto é, ressalta-se a capacidade que as palavras têm de influenciar as pessoas e suas atitudes. Seguindo esse raciocínio entendemos que ADRIANA MARIA DE ABREU BARBOSA (Org.) a argumentação está na língua não importando qual meio as pessoas usem-na para se comunicar, pois em todo texto há uma ideologia, mesmo que o locutor ainda não tenha plena consciência disso. Portanto, afirmamos que não se pode fugir da realida- de de que, com menor ou maior grau de intencionalidade, persuadir faz parte da linguagem humana. Ou seja, "Ge- neralizando um pouco é possível afirmar que o elemento persuasivo está colado ao discurso como a pele ao corpo." Citelli (1997, p. 6). Dessa forma, entendemos que embo- ra discurso e persuasão não se encontrem nos dicionários definidos como sinónimos, na prática fica impossível fazer uma divisão entre os dois termos seja qual for a forma dis- cursiva utilizada. Por falar em significados e definições, é relevante acres- centar que a palavra persuadir vem do latin persuadere, a qual significa aconselhar e é sinónimo de submeter, ten- do assim, segundo Citelli (1997), uma vertente autoritária, ou seja, quem aconselha quer levar o outro a aceitação de uma ideia, e podemos dizer ainda que, quem aconselha, normalmente, tem maior "poder" em relação ao aconse- lhado. Para tanto, afirmamos que quem persuade age atra- vés da linguagem, pretendendo produzir efeitos de senti- do, respostas, estabelecendo mecanismos argumentativos capazes de causar esses efeitos. Esses mecanismos podem variar conforme o público ou o receptor do enunciado, como por exemplo, palavras mais simples, ou estruturas frasais mais diretas. Toda essa preocupação com a forma ou o estilo a ser usado já é uma estratégia argumentativa que o locutor pode usar em seu discurso. Tratando-se des- ses mecanismos, Citelli (1997) cita as figuras de linguagem, 1901 Prática de leitura e escrita em Língua Portuguesa especificamente a metáfora e a metonímia, afirmando que elas se fazem importantes em alguns textos para prender a atenção do receptor, pois rompem a significação própria da palavra criando novos efeitos. Poderemos fazer aqui a distinção entre três discursos, dividindo-os em modos organizacionais. Dessa forma, te- mos por Citelli (1997) o discurso lúdico que toma forma mais democrática com menor grau de persuasão, quase sem a presença de imperativos e sem uma verdade única e acabada; o discurso polémico, que atrai uma atmosfera de instigação com argumentos que podem ser contestados; e o discurso autoritário que não permite questionamentos. Para chegar a essas caracterizações, o autor analisa quatro quesitos, a saber: distância (atitude do sujeito falante face ao seu enunciado); modalização (modo de construção do enunciado); tensão (relação que se estabelece entre locu- tor e interlocutor) e transparência (grau de opacidade e ou transparência do enunciado). Essas modalidades servirão mais tarde para a nossa análise dos géneros textuais selecionados, nos quais iremos apontar essas e outras características argumentativas. No entanto, para não só fazermos a análise do tipo de discurso utilizado faz-se necessário falar também da es- trutura do texto argumentativo na qual se destaca o au- tor Othon M. Garcia, que define assim a argumentação: "Convencer ou tentar convencer mediante a apresentação de razões em face da evidência das provas e à luz de um raciocínio coerente e consistente. (2000, p.380)." Para o autor, o ato de argumentar está intimamente re- lacionado à consistência dos fatos. Desse modo, ele es- tabelece condições para haver argumentação nos textos 191 ADRIANA MARIA DE ABREU BARBOSA (Org.) a argumentação está na língua não importando qual meio as pessoas usem-na para se comunicar, pois em todo texto há uma ideologia, mesmo que o locutor ainda não tenha plena consciência disso. Portanto, afirmamos que não se pode fugir da realida- de de que, com menor ou maior grau de intencionalidade, persuadir faz parte da linguagem humana. Ou seja, "Ge- neralizando um pouco é possível afirmar que o elemento persuasivo está colado ao discurso como a pele ao corpo." Citelli (1997, p. 6). Dessa forma, entendemos que embo- ra discurso e persuasão não se encontrem nos dicionários definidos como sinónimos, na prática fica impossível fazer uma divisão entre os dois termos seja qual for a forma dis- cursiva utilizada. Por falar em significados e definições, é relevante acres- centar que a palavra persuadir vem do latin persuadere, a qual significa aconselhar e é sinónimo de submeter, ten- do assim, segundo Citelli (1997), uma vertente autoritária, ou seja, quem aconselha quer levar o outro a aceitação de uma ideia, e podemos dizer ainda que, quem aconselha, normalmente, tem maior "poder" em relação ao aconse- lhado. Para tanto, afirmamos que quem persuade age atra- vés da linguagem, pretendendo produzir efeitos de senti- do, respostas, estabelecendo mecanismos argumentativos capazes de causar esses efeitos. Esses mecanismos podem variar conforme o público ou o receptor do enunciado, como por exemplo, palavras mais simples, ou estruturas frasais mais diretas. Toda essa preocupação com a forma ou o estilo a ser usado já é uma estratégia argumentativa que o locutor pode usar em seu discurso. Tratando-se des- ses mecanismos, Citelli (1997) cita as figuras de linguagem, 1 9 0 1 Prática de leitura e escrita em Língua Portuguesa especificamente a metáfora e a metonímia, afirmando que elas se fazem importantes em alguns textos para prender a atenção do receptor, pois rompem a significação própria da palavra criando novos efeitos. Poderemos fazer aqui a distinção entre três discursos, dividindo-os em modos organizacionais. Dessa forma, te- mos por Citelli (1997) o discurso lúdico que toma forma mais democrática com menor grau de persuasão, quase sem a presença de imperativos e sem uma verdade única e acabada; o discurso polémico, que atrai uma atmosfera de instigação com argumentos que podem ser contestados; e o discurso autoritário que não permite questionamentos. Para chegar a essas caracterizações, o autor analisa quatro quesitos, a saber: distância (atitude do sujeito falante face ao seu enunciado); modalização (modo de construção do enunciado); tensão (relação que se estabelece entre locu- tor e interlocutor) e transparência (grau de opacidade e ou transparência do enunciado). Essas modalidades servirão mais tarde para a nossa análise dos géneros textuais selecionados, nos quais iremos apontar essas e outras características argumentativas. No entanto, para não só fazermos a análise do tipo de discurso utilizado faz-se necessário falar também da es- trutura do texto argumentativo na qual se destaca o au- tor Othon M. Garcia, que define assim a argumentação: "Convencer ou tentar convencer mediante a apresentação de razões em face da evidênciadas provas e à luz de um raciocínio coerente e consistente. (2000, p.380)." Para o autor, o ato de argumentar está intimamente re- lacionado à consistência dos fatos. Desse modo, ele es- tabelece condições para haver argumentação nos textos 191 l ADRIANA MARIA DE ABREU BARBOSA (Org.) a argumentação está na língua não importando qual meio as pessoas usem-na para se comunicar, pois em todo texto há uma ideologia, mesmo que o locutor ainda não tenha plena consciência disso. Portanto, afirmamos que não se pode fugir da realida- de de que, com menor ou maior grau de intencionalidade, persuadir faz parte da linguagem humana. Ou seja, "Ge- neralizando um pouco é possível afirmar que o elemento persuasivo está colado ao discurso como a pele ao corpo." Citelli (1997, p. 6). Dessa forma, entendemos que embo- ra discurso e persuasão não se encontrem nos dicionários definidos como sinónimos, na prática fica impossível fazer uma divisão entre os dois termos seja qual for a forma dis- cursiva utilizada. Por falar em significados e definições, é relevante acres- centar que a palavra persuadir vem do latin persuadere, a qual significa aconselhar e é sinónimo de submeter, ten- do assim, segundo Citelli (1997), uma vertente autoritária, ou seja, quem aconselha quer levar o outro a aceitação de uma ideia, e podemos dizer ainda que, quem aconselha, normalmente, tem maior "poder" em relação ao aconse- lhado. Para tanto, afirmamos que quem persuade age atra- vés da linguagem, pretendendo produzir efeitos de senti- do, respostas, estabelecendo mecanismos argumentativos capazes de causar esses efeitos. Esses mecanismos podem variar conforme o público ou o receptor do enunciado, como por exemplo, palavras mais simples, ou estruturas frasais mais diretas. Toda essa preocupação com a forma ou o estilo a ser usado já é uma estratégia argumentativa que o locutor pode usar em seu discurso. Tratando-se des- ses mecanismos, Citelli (1997) cita as figuras de linguagem, 1901 Prática de leitura e escrita em Língua Portuguesa especificamente a metáfora e a metonímia, afirmando que elas se fazem importantes em alguns textos para prender a atenção do receptor, pois rompem a significação própria da palavra criando novos efeitos. Poderemos fazer aqui a distinção entre três discursos, dividindo-os em modos organizacionais. Dessa forma, te- mos por Citelli (1997) o discurso lúdico que toma forma mais democrática com menor grau de persuasão, quase sem a presença de imperativos e sem uma verdade única e acabada; o discurso polémico, que atrai uma atmosfera de instigação com argumentos que podem ser contestados; e o discurso autoritário que não permite questionamentos. Para chegar a essas caracterizações, o autor analisa quatro quesitos, a saber: distância (atitude do sujeito falante face ao seu enunciado); modalização (modo de construção do enunciado); tensão (relação que se estabelece entre locu- tor e interlocutor) e transparência (grau de opacidade e ou transparência do enunciado). Essas modalidades servirão mais tarde para a nossa análise dos géneros textuais selecionados, nos quais iremos apontar essas e outras características argumentativas. No entanto, para não só fazermos a análise do tipo de discurso utilizado faz-se necessário falar também da es- trutura do texto argumentativo na qual se destaca o au- tor Othon M. Garcia, que define assim a argumentação: "Convencer ou tentar convencer mediante a apresentação de razões em face da evidência das provas e à luz de um raciocínio coerente e consistente. (2000, p.380)." Para o autor, o ato de argumentar está intimamente re- lacionado à consistência dos fatos. Desse modo, ele es- tabelece condições para haver argumentação nos textos 191 l ADRIANA MARIA DE ABREU BARBOSA (Org.) orais ou escritos, tendo ela que se basear na lógica e não no que ele chama de "juízos de simples inspeção" que são os preconceitos, superstições ou generalizações apressa- das. Nesse caso, podemos ampliar a discussão, citando o que Garcia define como Sofismas, que nos remete ao "raciocínio vicioso ou falacioso", e mais: "raciocínio falso elaborado com a intenção de enganar". (2000, p.316). No entanto, segundo o autor, há duas maneiras de errar com os argumentos: raciocinando mal com dados correios, ou raciocinando bem com dados falsos. O fato é que as condições para se obter um texto ar- gumentativo nos são apresentadas de uma forma tão cri- teriosa por Garcia, que parece estarmos tratando de uma linguagem judicial. Vemos isso quando ele explicita que para que os argumentos sejam claros, necessitam de evi- dência, uma vez considerada por Descartes como o critério da verdade, ou "certeza manifesta que se chega pelo racio- cínio ou pela apresentação de fatos". Essas evidências se manifestam num texto argumentativo por meio de fatos, exemplos, ilustrações, dados estatísticos e testemunhos, os quais para o autor são de fundamental importância para dar credibilidade a um discurso que se diz argumentativo, elevando a consistência do texto. Além das evidências, o texto argumentativo é também composto de uma estrutura que o identifica como tal. Essa estrutura nos é colocada por Garcia (2000) sob dois as- pectos: o da argumentação informal e o da argumentação formal, ambas compostas por quatro estágios. Os estágios da argumentação informal que compõem a estrutura do texto são: a proposição, a concordância parcial, a contestação e a conclusão. Já na argumentação formal, 1 9 2 1 Prática de leitura e escrita em Língua Portuguesa temos: a proposição, a análise da proposição, a formulação dos argumentos e a conclusão. Assim, entendemos que o que difere a argumentação formal da informal são, prin- cipalmente, os estágios da concordância parcial e análise da proposição. Enquanto esta aparece num texto de argu- mentação formal conceituando elementos da proposição, aquela aparece na argumentação informal apresentando "os dois lados da moeda" em relação à proposição, opon- do-se à argumentação formal na qual a tese deve ser bem definida e inconfundível quanto ao que nega ou afirma. Vimos então a estrutura básica de um texto argumenta- tivo, mas convém lembrar que argumentar implica, segundo Garcia (2000), divergência, portanto não se pode argumen- tar sobre verdades universais, como por exemplo, o fato de o homem ser um ser vivo; e ainda convém ressaltar que o as- sunto a ser abordado deve ser específico, pois para o autor, argumentar sobre generalidades seria quase impossível. Podemos perceber então que existem condições favore- cedoras de uma argumentação realmente clara e consisten- te, porém sempre refutável já que só se argumenta sobre temas divergentes. Contudo, salientamos que estamos sem- pre colocando a linguagem à disposição dos nossos ideais, da nossa cultura, do que achamos que é verdade, já que so- mos seres dotados de vontades e formamos a todo instante juízo de valor sobre as coisas. Como podemos ver: É por esta razão que se pode afirmar que o ato de argu- mentar, isto é, de orientar o discurso no sentido de deter- minadas conclusões, constitui o ato linguístico fundamen- tal, pois a todo e qualquer discurso subjaz uma ideologia, na acepção mais ampla do termo. (Koch, 2004: 17) 1931 ADRIANA MARIA DE ABREU BARBOSA (Org.) orais ou escritos, tendo ela que se basear na lógica e não no que ele chama de "juízos de simples inspeção" que são os preconceitos, superstições ou generalizações apressa- das. Nesse caso, podemos ampliar a discussão, citando o que Garcia define como Sofismas, que nos remete ao "raciocínio vicioso ou falacioso", e mais: "raciocínio falso elaborado com a intenção de enganar". (2000, p.316). No entanto, segundo o autor, há duas maneiras de errar com os argumentos: raciocinando mal com dados correios, ou raciocinando bem com dados falsos. O fato é que as condições para se obter um texto ar-gumentativo nos são apresentadas de uma forma tão cri- teriosa por Garcia, que parece estarmos tratando de uma linguagem judicial. Vemos isso quando ele explicita que para que os argumentos sejam claros, necessitam de evi- dência, uma vez considerada por Descartes como o critério da verdade, ou "certeza manifesta que se chega pelo racio- cínio ou pela apresentação de fatos". Essas evidências se manifestam num texto argumentativo por meio de fatos, exemplos, ilustrações, dados estatísticos e testemunhos, os quais para o autor são de fundamental importância para dar credibilidade a um discurso que se diz argumentativo, elevando a consistência do texto. Além das evidências, o texto argumentativo é também composto de uma estrutura que o identifica como tal. Essa estrutura nos é colocada por Garcia (2000) sob dois as- pectos: o da argumentação informal e o da argumentação formal, ambas compostas por quatro estágios. Os estágios da argumentação informal que compõem a estrutura do texto são: a proposição, a concordância parcial, a contestação e a conclusão. Já na argumentação formal, 192 Prática de leitura e escrita em Língua Portuguesa temos: a proposição, a análise da proposição, a formulação dos argumentos e a conclusão. Assim, entendemos que o que difere a argumentação formal da informal são, prin- cipalmente, os estágios da concordância parcial e análise da proposição. Enquanto esta aparece num texto de argu- mentação formal conceituando elementos da proposição, aquela aparece na argumentação informal apresentando "os dois lados da moeda" em relação à proposição, opon- do-se à argumentação formal na qual a tese deve ser bem definida e inconfundível quanto ao que nega ou afirma. Vimos então a estrutura básica de um texto argumenta- tivo, mas convém lembrar que argumentar implica, segundo Garcia (2000), divergência, portanto não se pode argumen- tar sobre verdades universais, como por exemplo, o fato de o homem ser um ser vivo; e ainda convém ressaltar que o as- sunto a ser abordado deve ser específico, pois para o autor, argumentar sobre generalidades seria quase impossível. Podemos perceber então que existem condições favore- cedoras de uma argumentação realmente clara e consisten- te, porém sempre refutável já que só se argumenta sobre temas divergentes. Contudo, salientamos que estamos sem- pre colocando a linguagem à disposição dos nossos ideais, da nossa cultura, do que achamos que é verdade, já que so- mos seres dotados de vontades e formamos a todo instante juízo de valor sobre as coisas. Como podemos ver: É por esta razão que se pode afirmar que o ato de argu- mentar, isto é, de orientar o discurso no sentido de deter- minadas conclusões, constitui o ato linguístico fundamen- tal, pois a todo e qualquer discurso subjaz uma ideologia, na acepção mais ampla do termo. (Koch, 2004: 17) 1931 ADRIANA MARIA DE ABREU BARBOSA (Org.) Koch (2004) ainda ressalta que, se admitimos essa te- oria, nos permitimos pensar que a distinção feita tradicio- nalmente entre argumentação e dissertação, tendo esta a função de expor ideias alheias imparcialmente, desaparece já que a própria seleção das ideias a serem reproduzidas implica uma opção. Segundo a autora, nos textos descriti- vos e narrativos também se faz presente a argumentação, mesmo que em menor grau. Ao falarmos da estrutura do texto argumentativo e suas condições, não usamos o termo persuadir e sim, conven- cer, isso porque, para o autor que as descrevia, o conceito de argumentação está relacionado aos princípios da lógi- ca. Sobre isso Koch (2004) cita Perelman (1970), para fazer certa distinção entre os termos persuadir e convencer. Diz que a persuasão busca atingir o interlocutor por meio dos sentimentos, da vontade, por meio de argumentos plausí- veis ou verossímeis, estando, portanto, vinculada à emo- ção; enquanto que convencer é estritamente ligado à razão, por meio de provas objetivas e claras, no entanto ligado à lógica. Supomos, por isso, que há maneiras distintas de ar- gumentar: por meio da persuasão ou convencimento, que provavelmente serão utilizadas conforme for a intenção do locutor, seu público alvo e, especialmente, o género que ele utilizará para expor seus argumentos. 2. Conhecendo os Textos Visto que utilizaremos textos para nos servir de análise e para pormos em prática os nossos conhecimentos sobre as estratégias argumentativas, cabe-nos reconhecer esses textos, primeiramente reconhecendo que são de diferentes géneros, sendo eles a crónica, a coluna de opinião de revis- Prática de leitura e escrita em Língua Portuguesa ta e o artigo científico. Sendo que os três géneros citados, embora distintos, podem ser encontrados num mesmo ve- ículo de comunicação: a revista ou jornal, por exemplo, mas assumem funções diferentes diante da sociedade. A crónica, texto criado para circular exclusivamente na imprensa, pode conter um teor informativo, mas tem uma particularidade de envolver num mesmo texto fantasia, hu- mor, certo teor de criticidade e ficção, dependendo do toque pessoal que o cronista queira dar. Normalmente o leitor lê a crónica considerando-a uma leitura leve e agradável, já que se trata de temas relacionados ao seu cotidiano, podendo passar despercebido o teor argumentativo que está presente. A coluna de opinião já é mais voltada para o leitor que pre- tende saber a opinião de alguém sobre determinado assunto. Espera-se, então, que o leitor já saiba que irá encontrar nessa leitura algo de persuasivo. Por sua vez, o artigo científico pre- tende de início informar o leitor sobre algo voltado à saúde ou descobertas científicas. No entanto, notamos que nesse tipo de texto, especialmente quando se tratar de temas polémicos, o cientista usará provavelmente estratégias de argumentação para convencer o leitor de suas teses científicas. 3. Concluindo Partindo do pressuposto teórico apresentado, podemos comprovar que toda ação linguística contém traços argu- mentativos e que toda forma de comunicação se dá através de algum género textual. Com a análise que faremos nos textos anexos, compro- varemos esse processo nato da língua de argumentar, visto que, até mesmo em textos que não são de predominân- cia persuasiva, como é o caso da crónica, encontraremos 195 ADRIANA MARIA DE ABREU BARBOSA (Org.) estratégias argumentativas que atestam a inexistência do mito da neutralidade da língua. Vale ressaltar que reconhecer que a língua, em qual- quer situação discursiva, traz aspectos argumentativos, é de suma importância, não apenas para os estudiosos da área, mas para qualquer cidadão, já que, saber dos efeitos de sentido os quais a linguagem produz torna o falante/ ouvinte apto a utilizá-la com criticidade e autonomia. 4. Textos para Atividade TEXTO l Professor não é coitado Sexta-feira, 7 de dezembro de 2007 O professor brasileiro é um herói. Batalha com afinco contra tudo e todos em prol de uma educação de qualidade em um país que não se importa com o tema, ensinando em salas hiperlotadas de escolas em péssimo estado de con- servação. Tem de trabalhar em dois ou três lugares, com uma carga horária exaustiva. Ganha um salário de fome, é constantemente acossado pela indisciplina e desinteresse dos alunos e não conta com o apoio dos pais, da comuni- dade, do governo e da sociedade em geral. Se você tem lido a imprensa brasileira nos últimos vin- te anos, provavelmente é assim que você pensa. Permita- me gerar dúvidas. Segundo a última Sinopse Estatística do Ensino Supe- rior, em 2005 havia 904.000 alunos matriculados em cursos da área de educação, ou o equivalente a 20% do total de alunos do país. É a área de estudo mais popular, deixando 1 9 6 1 Prática de leitura e escrita em Língua Portuguesa para trás gerenciamento e administração (704.000) e direi- lo (565.000). Ademais, é uma área que só faz crescer: em 2001, eram 653.000alunos - um aumento de quase 40% em apenas quatro anos. No mercado profissional, os números do professora- do também são mastodônticos. Segundo dados da última Pnad tabulados por Simon Schwartzman, há 2,9 milhões de professores em todo o país. É provavelmente a catego- ria profissional mais numerosa. Surge o questionamento: se a carreira de professor é esse inferno que se pinta, por que tantas pessoas optam por ela? Pior: por que esse interesse aumenta ano a ano? Seria uma categoria que atrai masoquistas? Ou desinformados? A resposta é mais simples: porque a realidade da carreira de professor é bastante diferente da imagem difundida. A maio- ria dos professores trabalha em apenas uma escola. Segundo o Perfil dos Professores Brasileiros, ampla pesquisa realizada pela Unesco, 58,5% têm apenas um local de trabalho. Os que fazem dupla jornada são pouco menos de um terço: 32,2%. Só 9%, portanto, trabalham em três escolas ou mais. Sua carga horária também não é das mais massacrantes: 31% trabalham entre uma e vinte horas em sala de aula por semana, 54% fi- cam entre 21 e quarenta horas e o restante trabalha mais de quarenta horas. Os professores costumam argumentar que seu trabalho se estende para fora da sala de aula, com correção de tarefas, preparação de aulas etc. Nisso, não são diferentes de todos os outros profissionais liberais - qual o médico que não estuda fora do consultório ou o advogado que não pesquisa a legislação nos horários fora do escritório? O que os representantes da categoria não costumam mencionar são as vantagens da profissão: as férias longas, a estabilidade no emprego e o regime especial de aposen- 1 9 7 1 ADRIANA MARIA DE ABREU BARBOSA (Org.) tadoria (80% são funcionários públicos) e, sobretudo, a regulamentação frouxa. No estado de São Paulo, 13% dos professores da rede estadual faltam a cada dia, contra l % daqueles da rede privada. Há um amontoado de proteções jurídicas para que essa ausência não redunde em perda salarial - infelizmente, não conseguimos blindar o apren- dizado dos alunos contra as faltas docentes. Não é correta, também, a ideia de que os professores trabalham em estabelecimentos superlotados. Segundo os dados oficiais, há 27 alunos por turma no ensino funda- mental (de 1a a 8a série). A relação só sobe nos três anos do ensino médio, para 37 alunos por turma - dentro da normalidade, portanto. Tampouco procede a ideia de que as escolas não tenham as condições mínimas de infra-estrutura para a realização de aulas. As histórias de escolas de lona ou de lata rendem muito noticiário justamente por serem a exceção, a aberra- ção. Mais de 90% de nossas escolas de ensino fundamental têm banheiro, água encanada e esgoto, e 87% contam com eletricidade. Quase um terço tem quadra esportiva, e 42% dispõem de computadores. Certamente há muito que me- lhorar, mas é igualmente certo que o nosso professorado não trabalha em condições infra-estruturais sofríveis. A ideia de um professor acuado pela violência também não se confirma quando contrastada com a frieza dos dados. Questionário respondido pelos professores quando da aplica- ção do Saeb, o teste do ensino básico, revela que apenas 3% deles haviam visto, em toda a sua carreira, alunos com armas de fogo, que só 5,4% dos professores já foram ameaçados e 0,7% sofreu agressão de aluno. São incidentes lamentáveis e que devem ser punidos com todo o rigor da lei. Essa quanti- Prática de leitura e escrita em Língua Portuguesa dade de problemas, porém, está longe de indicar uma epide- mia de violência tomando conta das nossas escolas. Finalmente, a questão crucial: o salário. Há uma ideia encravada na mente do brasileiro de que professor ganha pouco, uma mixaria. É verdade que o professor brasileiro tem um salário absoluto baixo - o que se explica pelo fato de ele ser brasileiro, não professor. Somos um país pobre, com uma massa salarial baixa. O professor tem um contra- cheque de valor baixo, assim como médicos, carteiros, ban- cários, jornalistas e todas as demais categorias profissionais do país, com exceção de congressistas (e suas amantes). Quando estudos econométricos comparam o salário dos professores com o das outras carreiras, levando em consi- deração a jornada laborai e as características pessoais dos trabalhadores, não há diferença para a categoria dos docen- tes. Ou seja, os professores ganham aquilo que é compatível com a sua formação e o seu trabalho, e ganhariam valor semelhante se optassem por outra carreira. Quando se leva em conta a diferença de férias e aposentadoria, o salário do professor é mais alto do que o do restante. Estudo recente de Samuel Pessoa e Fernando de Holanda, da FGy também mostrou que o salário do professor de escola pública é mais alto do que aquele recebido por seu colega de escola parti- cular. Achados semelhantes emergem quando se compara o professor brasileiro com aquele de outros países. Enquanto aqui ele ganha o equivalente a l ,5 vez a renda média do país, a média dos países da OCDE (que têm a melhor educação do planeta) é de 1,3. Na América do Sul, os países com quali- dade de ensino melhor que a brasileira têm professores que recebem menos: 0,85 na Argentina, 0,75 no Uruguai e 1,25 no Chile. Esses são dados um pouco defasados, de 2005. É 1 9 9 1 ADRIANA MARIA DE ABREU BARBOSA (Org.) provável que atualmente o quadro seja ainda melhor, pois os estudos sobre o tema mostram que os rendimentos dos professores vêm aumentando, à medida que mais deles têm diploma universitário. Segundo os dados da última Pnad co- lhidos por Schwartzman, houve um aumento de 20% nos rendimentos dos professores da rede estadual e de 16% nos da rede municipal apenas entre 2005 e 2006. Apesar de todos esses dados estarem amplamente dis- poníveis, perdura a visão de que o professor é um coitado e/ou um herói, fazendo esforços hercúleos para carregar o pobre aluno ladeira acima. Longe de ser uma questão apenas semântica ou psicológica, essa caracterização do professor é extremamente daninha para o progresso do nosso ensino, porque ela emperra toda e qualquer agen- da de mudança. A literatura empírica aponta que há mui- to que professores, diretores e gestores públicos podem fazer para obter melhorias substanciais no aprendizado de nossos alunos, mas é quase impossível ter qualquer discussão produtiva nesse sentido no Brasil, pois, antes de mais nada, seria necessário "recuperar a dignidade do magistério", "dar condições mínimas de trabalho aos pro- fessores" etc. A mitificação do nosso professor impede que o vejamos como ele é: um profissional, adulto, consciente de suas decisões e potencialidades, inserido em uma cate- goria profissional que, como todas as outras, abriga muita gente competente, muita gente incompetente e muitos ou- tros medíocres e que, portanto, deve receber não apenas encorajamento e defesa condescendentes, mas também cobranças e críticas construtivas e avaliações objetivas de seus méritos e falhas. Só assim melhoraremos o desempe- nho das nossas escolas e daremos um futuro ao país. 11001 Prática de leitura e escrita em Língua Portuguesa TEXTO 2: Super polémico: Ideias que desafiam o senso comum por Fernando Travi A) REMÉDIOS SÃO VENENOS "A doença é um meio natural de o nosso organismo al- cançar a cura" humanidade vem sendo enganada há milha- res de anos por feiticeiros, curandeiros e charlatões com suas poções, extratos, pílulas e outros métodos de "cura". A ideia de que algo exterior ao organismo pode curar uma "doença" revela todo o desconhecimento sobre a natureza da saúde. Os remédios usados por curandeiros e pela me- dicina tradicional não passam de ilusões. A razão é simples: o princípio de que os remédios "curam" é falso. Remédios não curam ninguém, só adoecem. E as doenças não deve- riam ser curadas porque são a própria cura - já que a re- cuperação da saúde é um processo fisiológico naturalque não pode ser substituído por qualquer meio externo. Curar-se é tão natural quanto a reprodução, a digestão e o crescimento. O que se convencionou chamar de "doen- ça", tal como a febre, a dor, a inflamação e a infecção, é, na maioria das vezes, um processo de eliminação de toxinas e de reparação realizado pelo organismo para recuperar a saúde. O processo de cura é sempre desagradável. E isso é perfeito e natural. Não podemos ser recompensados pê- los nossos erros. Quando alguém respira ar poluído, come alimento impróprio, ingere álcool, remédios, fica irritado, preocupado, ou seja, ataca sua saúde, certamente adoe- cerá. Após semanas, meses ou anos, os resultados serão 1101 ADRIANA MARIA DE ABREU BARBOSA (Org.) reumatismos, infecções, câncer etc. Ninguém adoece sem motivo. Se há um efeito, há uma causa. E a causa é sem- pre um ambiente inadequado à vida e maus hábitos. Ora, quando se procura curar por meio de um remédio se está tentando eliminaro sintoma sem eliminar a causa. É uma tentativa charlatanesca de anular a "lei da causa e efeito". Se alguém ingeriu álcool e está bêbado, somente parando de ingerirálcool poderá curar-se. Os remédios apenas su- primem o sintoma, a reação orgânica benéfica de autocu- ra. Os remédios contêm princípios ativos que, na verdade, são venenos ativos: provocam efeitos colaterais e reações adversas que são sinais de envenenamento. Tudo o que não é alimento é veneno. Se queremos sobre- viver e ter saúde, devemos somente ingerir alimentos - e não remédios. O que o organismo não pode digerir e assimilar precisa ser eliminado. Quando algumas dessas substâncias se combinam quimicamente com as células, essas terminam morrendo. Todos os remédios, sem exceção, são venenos. A grande maioria das doenças modernas são doenças iatrogê- nicas, isto é, frutos da ingestão de remédios que aparecem anos após o "tratamento" com essas substâncias. Os remédios fazem tão mal às pessoas saudáveis quan- to fazem aos doentes - já que as mesmas leis válidas para uma pessoa saudável também valem para os doentes. Eles não deixam de ser venenos simplesmente porque foram receitados e sempre fazem mal, não importa a quantidade. Quando alguém diz que o remédio atua sobre o organismo não entende que, na verdade, ele não está curando nin- guém. Esses efeitos são decorrentes da reação do corpo a essas substâncias. Não é o remédio que é antiinflamató- rio ou anticancerígeno. Quem inflama e desinflama, quem l 1021 Prática de leitura e escrita em Língua Portuguesa produz um tumor e reabsorve esse tumor é o organismo. O corpo não é suicida. Ele faz o melhor para manter a vida e a saúde. Tomar remédio para eliminar um sintoma é inter- romper um processo natural e saudável de cura que, mais tarde, o organismo precisará retomar. As mortes com sofrimento decorrem da prática de dro- gar o doente. A velha e conflável aspirina é um veneno mortal e está proibida na Inglaterra para quem tem até 16 anos - já destruiu a saúde de milhares de crianças em todo o mundo. O Interferon, que, na década de 8o, era anun- ciado como a "cura do câncer", foi mais um fracasso; a talidomida, testada por mais de três anos, aleijou milhares. Isso para não falar dos antibióticos, que acabam com nos- sa imunidade e, como diz o próprio nome, são "antivida". A maioria dos remédios que estavam em uso há 20 anos já não são usados porque são "ineficientes". Não há espe- rança de que a cura de alguma doença apareça dos remé- dios. A saúde não é fruto de remédios, vacinas ou qualquer outra substância externa ao corpo. Ela é fruto de bons há- bitos de vida e de um ambiente amigável. Os remédios ge- ram muita riqueza para seus fabricantes, mas escravizam e matam seus usuários. Nada substitui o poder curativo exclusivo do organismo. Os remédios são a herança tardia dos caldeirões dos feiticeiros e curandeiros disfarçada de prática científica. * Fernando Travi é biogenista e presidente da Socieda- de Brasileira de Biogenia e Higienismo. e-ma\l:etravi@uol. com.br Os artigos publicados nesta seção não traduzem ne- cessariamente a opinião da super. l 103 ADRIANA MARIA DE ABREU BARBOSA (Org.) TEXTO 3 Fazer 30 anos Affonso Romano de SantAnna Quatro pessoas, num mesmo dia, me dizem que vão fazer 30 anos. E me anunciam isto com uma certa gravidade. Ne- nhuma está dizendo: vou tomar um sorvete na esquina, ou: vou ali comprar um jornal. Na verdade estão proclamando: vou fazer 30 anos e, por favor, prestem atenção, quero cum- plicidade, porque estou no limiar de alguma coisa grave. Antes dos 30 as coisas são diferentes. Claro que há al- gumas datas significativas, mas fazer 7, 14, 18 ou 21 é ir numa escalada montanha acima, enquanto fazer 30 anos é chegar no primeiro grande patamar de onde se pode mais agudamente descortinar. Fazer 40, 50 ou 60 é um outro ritual, uma outra crónica, e um dia eu chego lá. Mas fazer 30 anos é mais que um rito de passagem, é um rito de iniciação, um ato realmente inaugural. Talvez haja quem faça 30 anos aos 25, outros aos 45, e alguns, nunca. Sei que tem gente que não fará jamais 30 anos. Não há como obrigá-los. Não sabem o que perdem os que não querem celebrar os 30 anos. Fazer 30 anos é coisa fina, é começar a pro- var do néctar dos deuses e descobrir que sabor tem a eternida- de. O paladar, o tato, o olfato, a visão e todos os sentidos estão começando a tirar prazeres indizíveis das coisas. Fazer 30 anos, bem poderia dizer Clarice Lispector, é cair em área sagrada. Até os 30, me dizia um amigo, a gente vai emitindo promissórias. A partir daí é hora de começar a pagar. Mas também se poderia dizer: até essa idade fez-se o aprendi- zado básico. Cumpriu-se o longo ciclo escolar, que parecia interminável, já se foi do primário ao doutorado. A profis- I 1041 Prática de leitura e escrita em Língua Portuguesa são já deve ter sido escolhida. Já se teve a primeira mesa de irabalho, escritório ou negócio. Já se casou a primeira vê/, já se teve o primeiro filho. A vida já se inaugurou em fraldas, fotos, festas, viagens, todo tipo de viagens, até das drogas já retornou quem tinha que retornar. Quando alguém faz 30 anos, não creiam que seja uma coisa fácil. Não é simplesmente, como num jogo de amare- l inha , pular da casa dos 29 para a dos 30 saltitantemente. Fazer 30 anos é cair numa epifania. Fazer 30 anos é como ir à Europa pela primeira vez. Fazer 30 anos é como o mi- neiro vê pela primeira vez o mar. Um dia eu fiz 30 anos. Estava ali no estrangeiro, es- tranho em toda a estranheza do ser, à beira-mar, na Cali- fórnia. Era um homem e seus trinta anos. Mais que isto: um homem e seus trinta amos. Um homem e seus trinta corpos, como os anéis de um tronco, cheio de eus e nós, arborizado, arborizando, ao sol e a sós. Na verdade, fazer 30 anos não é para qualquer um. Fazer 30 anos é, de repente, descobrir-se no tempo. Antes, vive-se no espaço. Viver no espaço é mais fácil e deslizante. É mais corporal e objetivo. Pode-se patinar e esquiar amplamente. Mas fazer 30 anos é como sair do espaço e penetrar no tempo. E penetrar no tempo é mister de grande responsabi- lidade. É descobrir outra dimensão além dos dedos da mão. É como se algo mais denso se tivesse criado sob a couraça da casca. Algo, no entanto, mais ténue que uma membrana. Algo como um centro, às vezes móvel, é verdade, mas um centro de dor colorido. Algo mais que uma nebulosa, algo assim pulsante que se entreabrisse em sementes. Aos 30 já se aprendeu os limites da ilha, já se sabe de onde sopram os tufões e, como o náufrago que se salva, é hora de se autocartografar. Já se sabe que um tempo em nós destila, 1051 ADRIANA MARIA DE ABREU BARBOSA (Org.) que no tempo nos deslocamos, que no tempo a gente se dilui e se dilema. Fazer 30 anos é como uma pedra que já não precisa exibir preciosidade, porque já não cabe em preços. É como a ave que canta, não parase denunciar, senão para amanhecer. Fazer 30 anos é passar da reta à curva. Fazer 30 anos é passar da quantidade à qualidade. Fazer 30 anos é pas- sar do espaço ao tempo. É quando se operam maravilhas como a um cego em Jericó. Fazer 30 anos é mais do que chegar ao primeiro grande patamar. É mais que poder olhar pra trás. Chegar aos 30 é hora de se abismar. Por isto é necessário ter asas, e sobre o abismo voar. O texto acima foi extraído do livro "A Mulher Madura", Editora Rocco - Rio de Janeiro, 1986, pág. 36. Analisando 1. Com base nas informações do texto lido, encontre nos texto anexos, as evidências citadas por Othon Garcia. 2. Vimos que, segundo Citelli, as figuras de linguagem também funcionam como mecanismos da língua que aju- dam a prender a atenção do ouvinte/leitor ao discurso, co- laborando para o teor persuasivo do texto. Você concorda com essa afirmação? Justifique-se e verifique se há nos textos algum desses mecanismos. 3. Identifique qual a estrutura dos textos, formal ou in- formal (Garcia). Justifique sua resposta. 4. Indique em qual tipo de discurso (Citelli) cada texto se encaixa: Autoritário, lúdico ou polémico? Aponte as res- pectivas características. Prática de leitura e escrita em Língua Portuguesa Atividade complementar Leia com atenção o texto anexo de Frei Betto intitulado "Privatiza-se a soberania nacional" e faça o que se pede: 1) Qual a tese/proposição do autor? Localize-a no pri- meiro parágrafo. 2) Retire do texto as evidências que comprovam a refe- rida tese. Como, por exemplo, testemunhos, acontecimen- tos, dados estatísticos etc. 3) Para refutar o argumento "a América para os ameri- canos", o autor utiliza a fala do General Colin Powell para refutação. Como Frei Betto faz isso? 4) No quinto parágrafo, o uso do pronome "nós" deixa bem claro quem é o público-alvo do texto. Para quem fala Frei Betto? 5) "Noiva deslumbrada, a América Latina se entrega ao charme de Tio Sam, disposta a se casar. Esposa submissa está disposta a fazer concessões, inclusive perder sua au- tonomia, para salvar a harmonia da união". A imagem da esposa submissa como metáfora suscita que sentimentos no leitor? 6) Por que o texto do Frei Betto é um texto argumentativo? 7) Pesquise quem foi George Orwell e que relação ele tem com o fenómeno atual dos Big Brothers. Privatiza-se a soberania nacional FREI BETTO A Alça é um caso de sedução. Noiva deslumbrada, a América Latina se entrega ao charme de Tio Sam 1071 ADRIANA MARIA DE ABREU BARBOSA (Org.) George Orwell poderia escrever hoje o"2084", um novo exercício de futurologia crítica, consideradas as tendências atuais. Mas não é preciso recorrer a ele ou a Arthur Clarke para prever que a globocolonização nos conduz à redução do mundo a um só país e um só governo. O comunismo deixa de ameaçar, o neoliberalismo impera, a internet põe abaixo as fronteiras da comunicação. Senhores de todas as terras, ares e mares, os EUA mantêm o planeta sob vigilância (vide a espionagem sobre a China) e intervêm em qualquer ponto, ainda que sob o disfarce de boina azul da ONU (como em Iraque e Timor Leste). O inglês torna-se o idioma internacional. Os países afunilam-se em blocos regio- nais: União Europeia, Comunidade dos Estados Independen- tes, Associação das Nações do Sudeste Asiático, Cooperação Económica da Ásia e do Pacífico, Comunidade da África Meri- dional para o Desenvolvimento e, em breve, a Alça. "A América para os americanos", eis em resumo a doutrina Monroe, vigente desde 1823, e a Alça vista pela ótica da Casa Branca. Prova disso é o artigo publicado na Folha (22/4/01) pelo general Colin Powell, secretário de Estado dos EUA. Entre 729 palavras, o verbo "comprar" não figura nenhuma vez. Mas ele não hesita em afirmar: "Nós poderemos vender mercado- rias, tecnologia e serviços americanos sem obstáculos ou res- trições dentro de um mercado único de mais de 800 milhões de pessoas, com uma renda total superior a US$ 11 trilhões, abrangendo uma área que vai do Ártico ao cabo Horn". O processo de adestramento ideológico é eficaz. O que se subtende quando se fala em "americanos"? Os do sul ou do centro? Óbvio, os do norte, como se o resto fosse mero apêndice. O que se entende por norte-americano? A per- gunta caiu num exame. Muitos candidatos perderam pon- tos por responder segundo o "Aurélio": "Dos, ou pertencen- I 108 Prática de leitura e escrita em Língua Portuguesa te ou relativo aos Estados Unidos da América. O natural ou habitante desse país". Poucos atinaram que os nascidos no México e no Canadá também o são. O paradigma estadunidense é-nos imposto, primeiro, pe- las figuras de Walt Disney que nos passam, como bem anali- sou Ariel Dorfman, os estereótipos de uma sociedade desigual e excludente. Os filmes de Hollywood infundem-nos o "ame- rican dream", a ponto de renegarmos o mais atávico dos há- bitos, o culinário, trocando a variedade de nossos pratos por sanduíches com gosto de isopor. Engordam e dão status. A Alça, nos termos debatidos em Québec (que ninguém sabe se a Casa Branca respeitará, após ter jogado na latrina a Carta de Kyoto), assinala o fim de nossa soberania e auto- determinação. A ianquização da América Latina faz com que Panamá e Equador reneguem suas moedas nacionais em fa- vor do dólar; a Argentina cavalga assustada na dolarização do peso; a Colômbia entrega polícia e Justiça em mãos ian- ques; poucos reagem ao bloqueio imposto pela Casa Branca a Cuba e ninguém diz da anexação de Porto Rico aos EUA. A elite de nossos países remete seus filhos para as mes- mas escolas que formaram economistas na arte de estabilizar moedas sem estabilizar a esfera social; a política económica de nossos governos é monitorada em Washington pelo FMI e pelo Banco Mundial; os índices da Bolsa de Nova York fi- guram diariamente no noticiário televisivo, prova de que o nosso parâmetro, eufemisticamente chamado de integração, é o Big Brother. Por que o Brasil deve participar da Alça? Ela ampliará o nosso comércio exterior, criará novos empregos, atrairá mais investimentos diretos e fará com que os nossos produtos tenham acesso ao robusto mercado dos EUA, dizem os que têm a cabeça "alcalinizada" por Tio Sam. De fato, a Alça pode significar a privatização da soberania nacional. 1091 ADRIANA MARIA DE ABREU BARBOSA (Org.) O caso Embraer-carne bovina, com o Canadá, demonstrou como, na prática, a teoria é outra. Canadá e EUA não parecem dispostos a levantar suas barreiras alfandegárias e tarifárias, mexer em sua legislação antidumping e suprimir os subsídios agrícolas e comerciais. Nem perder o controle sobre a Organi- zação Mundial do Comércio. Segundo o Ipea, iniciada a Alça, as exportações brasileiras crescerão 10% ao ano. Seria ótimo se a previsão não fosse de as importações saltarem para 30%. Por enquanto, a Alça é um caso de sedução. Noiva des- lumbrada, a América Latina se entrega ao charme de Tio Sam, disposta a se casar. Esposa submissa, está disposta a fazer concessões, inclusive perder sua autonomia, para salvar a harmonia da união. Porá fim aos impostos destina- dos à área social, mudará a legislação trabalhista para pre- judicar ainda mais a faxineira, deixará que o marido decida onde fazer compras, ainda que o concorrente venda mais barato um produto melhor. Por que o Brasil não copia dos EUA o que têm de melhor: o senso de soberania e autode- terminação? Talvez a esperança de que as expectativas para 2084 sejam mera ficção resida na China, que sabe defender sua soberania e não tem medo dos falcões do Tio Sam. Dignidade não tem preço, como demonstrou o embaixa- dor Samuel Pinheiro Guimarães, demitido, por discordar da Alça, do cargo de diretor do Instituto de Pesquisa de Rela- ções Internacionais do Ministério das Relações Exteriores. Foi punido por defender o Brasil. Enquanto o ministro Celso Lafer deixa claro que o Itamaratynão admite o pluralismo de opiniões, o barão deve estar com as barbas de molho. Carlos Alberto Libânio Christo, o Frei Betto, 56, frade do- minicano e escritor, participa do Centro de Justiça Global e é autor de, entre outros, "Batismo de Sangue" (Casa Amarela). BIBLIOGRAFIA ABREU, António Suarez. Curso de Redação. São Paulo: Áti- ca, 2004. ALVES, Rubem. Explicando política às crianças III. Disponí- vel em: http://www.rubemalves.com.br/explicandopoli- ticaascriancasIII.htm BAKHTIN, Mikhail. Marxismo e filosofia da linguagem. 10a ed. São Paulo: Hucitec Annablume, 2002. BARBOSA, Adriana Maria de Abreu. Comunicação. Ia. Rio de Janeiro: FGV Management Cursos de Educação Continuada, 2000(apostila). . BIONDI, Silvana Oliveira(org). Olhares sobre o texto: o lugar do texto e o texto como lugar. ANAIS do l fórum Nacional Discurso e Textualidades. 27 a 29 de agosto de 2007. Jequié: Edições UESB-FAPESB, 2007. 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AUTORAS Giseli Novais d>,: Graduada è| •• - -rsídade doeste da Ba|l Pesquisas •-,...• i , , j: ;os emT rias do Discurso GETED l>os-graduanda em Língua Portuguesa pela UESB. jeane Borges dos santos Graduada em Letras pela Universidade Estadual do Su- doeste da Bahia/ UESB Pós-graduanda ern Uteratur pela UESB Escola aié-Ba E m Teorias do Dis- Professe Pesquis curso/ C idad | pela UESB. l 1121 Sara Oliveira Rodrigues Graduada em Letras pela Universidade Estadual do Su- doeste da Bahia/ UESB Pós-graduanda em Língua Portuguesa pela Faculdade do Noroeste de Minas FiNOM Professora de Língua Portuguesa da Secretaria de Educação da Prefeitura municipal de jequié/BA Pesquisadora do Grupo de Estudos em Teorias do Dis- curso/ GETED Joseane Silva Santos Jardim (Revisão) Graduada em Letras pela UESB/ Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Especialista em Gestão Educacional e Planejamento Professora de Língua Portuguesa da Rede Estadual de Ensino da cidade de Jequié-BA Caro Leitor, Esperamos que esta obra tenha correspondido às suas expectativas. Compartilhe conosco suas dúvidas e sugestões escrevendo para: autor@pacoeditorial.com.br Compre outros títulos em www.pacoeditorial.com.br oaco Rua 23 de Maio, 550 Vianelo - Jundiaí-SP -13207-070 ADRIANA MARIA DE ABREU BARBOSA é Doutora em Semiologia pela UFRJ. Mestre em Língua Portuguesa pela PUC-Rio. Graduada em Letras pela LJERj, Leciona a disci- plina Português Instrumental no Departamento de Ciên- cias Humanas e Letras ;da UESB-campus de jequié-BA desde 2006. Foi professora da cadeira de Comunicação e Expressão na PUORio.de 1993 a 2005, período no qua! participava da banca : de correção de redações dessa Instituição, Coordena o Grupo de Estu- dos em Teorias do Discurso (GETED) no Centro de Estu- dos da Leitura(CEL),
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