Prévia do material em texto
Autora: Profa. Priscilla Augusta Monteiro Ferronato Colaboradoras: Profa. Vanessa Santhiago Profa. Marília Tavares Coutinho da Costa Patrão Esportes Coletivos Professora conteudista: Priscilla Augusta Monteiro Ferronato Doutora em Ciências pela Escola de Educação Física e Esportes da Universidade de São Paulo (USP), com estágio-sanduíche na Universidade de Umea (Suécia, 2013). Mestre em Ciências da Motricidade pela Universidade Estadual Paulista (Unesp Rio Claro) e bacharel em Educação Física pela mesma universidade. Ex-atleta de handebol, disputou campeonato paulista e brasileiro, categoria júnior, pela Federação Paulista de Handebol de 1995 a 1997. Professora titular na Universidade Paulista (UNIP) desde 2004 e coordenadora do curso de Educação Física no campus Alphaville de 2007 a 2020. Leciona as disciplinas de Handebol, Aprendizagem e Desenvolvimento Motor e Projeto Técnico-Científico Interdisciplinar. Sua área de especialidade abrange o ensino dos jogos esportivos coletivos durante o processo de iniciação esportiva, tendo produzido e orientado diversos trabalhos com o ensino de esportes. Pesquisadora do Grupo de Assistência Multidisciplinar a Indivíduos com Deficiências Múltiplas de Santana de Parnaíba (UNIP) e pesquisadora do Grupo de Estudos da Ação e Intervenção Motora (USP). Também investiga o desenvolvimento do comportamento ativo das mãos em bebês e as relações do desenvolvimento com as práticas de cuidado durante o primeiro ano de vida. © Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Universidade Paulista. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) F396e Ferronato, Priscilla Augusta Monteiro. Esportes Coletivos / Priscilla Augusta Monteiro Ferronato. – São Paulo: Editora Sol, 2022. 92 p., il. Nota: este volume está publicado nos Cadernos de Estudos e Pesquisas da UNIP, Série Didática, ISSN 1517-9230. 1. Esporte. 2. Pedagogia. 3. Fase. I. Título. CDU 796 U516.44 – 22 Prof. Dr. João Carlos Di Genio Reitor Profa. Sandra Miessa Reitora em Exercício Profa. Dra. Marilia Ancona Lopez Vice-Reitora de Graduação Profa. Dra. Marina Ancona Lopez Soligo Vice-Reitora de Pós-Graduação e Pesquisa Profa. Dra. Claudia Meucci Andreatini Vice-Reitora de Administração Prof. Dr. Paschoal Laercio Armonia Vice-Reitor de Extensão Prof. Fábio Romeu de Carvalho Vice-Reitor de Planejamento e Finanças Profa. Melânia Dalla Torre Vice-Reitora de Unidades do Interior Unip Interativa Profa. Elisabete Brihy Prof. Marcelo Vannini Prof. Dr. Luiz Felipe Scabar Prof. Ivan Daliberto Frugoli Material Didático Comissão editorial: Profa. Dra. Christiane Mazur Doi Profa. Dra. Angélica L. Carlini Profa. Dra. Ronilda Ribeiro Apoio: Profa. Cláudia Regina Baptista Profa. Deise Alcantara Carreiro Projeto gráfico: Prof. Alexandre Ponzetto Revisão: Andressa Picosque Caio Ramalho Sumário Esportes Coletivos APRESENTAÇÃO ......................................................................................................................................................7 INTRODUÇÃO ...........................................................................................................................................................7 Unidade I 1 CONCEITO DE ESPORTE ....................................................................................................................................9 2 PRÁTICA DE AFES NO BRASIL ................................................................................................................... 12 2.1 Iniquidades sociais no esporte ........................................................................................................ 16 3 ESPORTE, SOCIEDADE, EDUCAÇÃO E CULTURA .................................................................................. 18 3.1 Desenvolvimento humano e impacto social do esporte ..................................................... 18 3.2 Papel social e cultural do esporte .................................................................................................. 20 3.3 Papel educacional do esporte ......................................................................................................... 23 3.4 Sistema Nacional do Desporto (SND) e as políticas públicas para o esporte ............................................................................................................................................... 25 4 CLASSIFICAÇÃO DOS ESPORTES ................................................................................................................ 29 4.1 Esportes coletivos e JECs ................................................................................................................... 33 Unidade II 5 PEDAGOGIA DO ESPORTE ............................................................................................................................ 42 6 TÉCNICA E TÁTICA NOS JOGOS ESPORTIVOS COLETIVOS ................................................................ 45 7 MODELOS PEDAGÓGICOS ............................................................................................................................ 46 7.1 Pedagogia da rua .................................................................................................................................. 47 7.2 Pedagogia não linear .......................................................................................................................... 51 7.3 Ensino dos jogos para compreensão ............................................................................................ 53 8 ENSINO DOS ESPORTES COLETIVOS NA INICIAÇÃO E NO ESPORTE DE RENDIMENTO ....... 55 8.1 Treinamento especializado ............................................................................................................... 67 8.2 Iniciação esportiva universal (IEU) ................................................................................................ 69 8.2.1 Fase pré-escolar ....................................................................................................................................... 70 8.2.2 Fase universal ........................................................................................................................................... 71 8.2.3 Fase de orientação.................................................................................................................................. 72 8.2.4 Fase de direção ........................................................................................................................................ 72 8.2.5 Fase de especialização .......................................................................................................................... 72 8.2.6 Fase de aproximação/integração ...................................................................................................... 73 8.2.7 Fase de alto nível .................................................................................................................................... 73 8.2.8 Fase de recuperação/readaptação .................................................................................................... 73 8.2.9 Fase de recreação e saúde ................................................................................................................... 73 7 APRESENTAÇÃO Esta disciplina destaca o estudo do esporte como fenômeno social, cultural e político, apresentando as abordagens teórico-metodológicas de ensino dos esportes coletivos. Pretende-se apresentar os procedimentos didático-pedagógicos nas fases de iniciação e aperfeiçoamento do treinamento técnico e tático de esportes coletivos, especificamente dos jogos esportivos coletivos (JECs). No entanto, é importante salientar a fortea ponto de nortear todo seu ensino, e sua manifestação é a única capaz de estabelecer estratégias pedagógicas para ensinar esportes coletivos de maneira dinâmica e sistêmica. JECs integram o grupo dos esportes designados de cooperação/oposição, com ou sem compartilhamento do terreno de jogo. As ações resultam do conflito de objetivos opostos com a finalidade de gerir situações em proveito próprio, cuja frequência, ordem cronológica e complexidade não podem ser determinadas antecipadamente. Essas características – além da autonomia dos jogadores, variabilidade das ações, rapidez das decisões táticas e das ações motoras em função de um objetivo comum – fazem dos JECs um sistema complexo (GALATTI et al., 2014). Dessa forma, ao compreender que o jogo e os esportes coletivos são dotados dessas características, o professor pode organizar práticas pautadas por uma teoria fundamentada no jogo para ensinar JECs e ter maior certeza de que a atividade pensada como jogo será realmente praticada plenamente pelos alunos, e não apenas executada como uma atividade qualquer, atingindo seu principal objetivo de aprendizagem: ter no jogo um elemento que fundamente uma prática significativa dos alunos (LEONARDO; SCAGLIA; REVERDITO, 2009). Atualmente, a pedagogia do esporte caminha para compreender os JECs como sistema complexo e cujo processo de ensino-aprendizagem fundamenta-se nos estudos sobre a lógica do jogo, através da sua dimensão tática. No entanto, essa visão é relativamente recente, e é possível apontar que a prática pedagógica de parte considerável dos profissionais de educação física ainda se pauta em conceitos e abordagens divergentes das apresentadas. 37 ESPORTES COLETIVOS Resumo Nesta unidade foram apresentadas as principais definições de esporte e apontadas as incongruências nessas definições, que se manifestam tanto no âmbito popular quanto acadêmico e profissional. Em geral, o conceito de esporte passa a ser confundido com o conceito de lazer. Em seguida, foram apresentados os dados do relatório sobre as atividades físicas e esportivas (AFEs) no Brasil, um levantamento feito pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) que passou por dificuldades devido às diversas definições de atividade física e esporte. Os dados apontam baixa adesão às AFEs mais relacionada a fatores externos (marcadores da diferença social) do que fatores individuais. Foi apresentada a relação entre esporte e a taxa de desenvolvimento humano e o quanto esta pode se associar às oportunidades de acesso a equipamentos e práticas esportivas. O potencial de desenvolvimento social do esporte e, principalmente, as características enquanto agente de eliminação das desigualdades e diferenças sociais relacionam-se com a cultura em que o indivíduo está inserido. Na sequência apresentaram-se a estrutura organizacional do esporte no Brasil e as políticas públicas de incentivo à prática esportiva, problematizaram-se as falhas nessa estrutura e foram apresentadas estratégias e recomendações a profissionais de educação física enquanto disseminadores das AFEs. A unidade terminou com a apresentação das categorias de esporte mais atuais e reconhecidas pela literatura e pelos documentos nacionais oficiais para situar os JECs. 38 Unidade I Exercícios Questão 1. O gráfico a seguir mostra o percentual de alunos do 9º ano do Ensino Fundamental, residentes nas unidades federativas do Brasil, que tiveram duas ou mais aulas de educação física por semana em 2015: Pa rá Ac re Ce ar á Ri o de Ja ne iro Am ap á Al ag oa s Ri o Gr an de d o N or te M ar an hã o Pe rn am bu co M at o Gr os so Ba hi a Pi au í Se rg ip e Pa ra íb a Br as il Am az on as Ro ra im a Sã o Pa ul o Ri o Gr an de d o Su l Go iá s Ro nd ôn ia To ca nt in s Di st rit o Fe de ra l Pa ra ná M in as G er ai s M at o Gr os so d o Su l Es pí rit o Sa nt o Sa nt a Ca ta rin a % 80,0 70,0 60,0 50,0 40,0 30,0 20,0 10,0 0,0 90,0 100,0 15,916,917,319,2 22,522,826,8 31,133,0 33,3 34,4 37,940,4 47,2 48,448,4 52,4 53,856,458,7 60,3 70,1 72,574,875,075,7 80,4 87,2 Figura 20 Disponível em: https://cutt.ly/qNoX4Ub. Acesso em: 25 out. 2022. Com base no gráfico e no seu conhecimento, avalie as afirmativas: I – O número de estudantes do 9º ano que tiveram pelo menos duas aulas de educação física por semana foi maior em Rondônia que em São Paulo. II – Os dados mostram que, na maioria das unidades federativas do Brasil, menos da metade dos alunos do 9º ano teve pelo menos duas aulas de educação física por semana. III – O gráfico indica a enorme deficiência de professores de educação física em todas as regiões do país. IV – Todos os estados do Sul e Sudeste do Brasil estão acima da média nacional no que diz respeito à oferta de aulas de educação física, o que mostra que a prática esportiva ocorre com maior frequência nas regiões que apresentam maior índice de desenvolvimento humano (IDH). 39 ESPORTES COLETIVOS É correto apenas o que se afirma em: A) I e II. B) II. C) II e III. D) III. E) III e IV. Resposta correta: alternativa B. Análise das afirmativas I – Afirmativa incorreta. Justificativa: o gráfico indica a proporção relativa (porcentagem) de alunos que tiveram pelo menos duas aulas de educação física por semana, e não o número absoluto de alunos. Para interpretar o gráfico, devemos considerar que a população de Rondônia é muito menor que a população do estado de São Paulo (mesmo que esses dados não estejam no gráfico, são de conhecimento geral). Portanto, o número total de alunos que frequentam o 9º ano também é significativamente menor em Rondônia. II – Afirmativa correta. Justificativa: o levantamento mostrou que em 15 das 27 unidades federativas brasileiras menos de 50% dos alunos do 9º ano tiveram pelo menos duas aulas de educação física por semana. III – Afirmativa incorreta. Justificativa: não podemos afirmar que a baixa proporção relativa de alunos com pelo menos duas aulas de educação física por semana é consequência da falta de professores de educação física. As causas não são apresentadas no gráfico. IV – Afirmativa incorreta. Justificativa: o estado do Rio de Janeiro integra a região Sudeste, porém está bem abaixo da média nacional. 40 Unidade I Questão 2. A Lei n. 9.615, de 24 de março de 1998, também conhecida como Lei Pelé, institui normas gerais sobre o desporto e dá outras previdências. A respeito desse documento, assinale a alternativa correta: A) Atividades desportivas profissionais e não profissionais devem receber tratamento equivalente pelo Estado e pela sociedade. B) Recursos públicos devem ser alocados prioritariamente ao financiamento dos atletas profissionais que participam de competições em território nacional e/ou em países estrangeiros. C) O desporto educacional, praticado nos sistemas de ensino e em formas assistemáticas de educação, deve privilegiar a seletividade e a competitividade de seus praticantes, a fim de alcançar o desenvolvimento integral do indivíduo e sua formação para o exercício da cidadania e para a prática do lazer. D) O desporto de participação voluntária compreende as modalidades desportivas praticadas com a finalidade de contribuir para integrar praticantes na plenitude da vida social, na promoção da saúde e da educação e na preservação do meio ambiente. E) A prática do desporto de rendimento deve, obrigatoriamente, ser remunerada de acordo com contrato formal de trabalho entre o atleta e a entidade que promove a prática desportiva. Resposta correta: alternativa D. Análise das alternativas A) Alternativa incorreta. Justificativa: de acordo com o capítulo II da Lei n. 9.615/1998: “Art. 2o O desporto, como direito individual, tem como base os princípios: […] IV – da liberdade, expresso pela livre prática do desporto, de acordo com a capacidade e interesse de cada um, associando-se ou não a entidade do setor;[…] VI – da diferenciação, consubstanciado no tratamento específico dado ao desporto profissional e não profissional”. Disponível em: https://cutt.ly/UNjyGjU. Acesso em: 27 out. 2022. B) Alternativa incorreta. Justificativa: de acordo com a Lei n. 9.615/1998, o desporto educacional deve ter prioridade na alocação de recursos públicos. 41 ESPORTES COLETIVOS C) Alternativa incorreta. Justificativa: de acordo com o capítulo III da Lei n. 9.615/1998: “Art. 3o O desporto pode ser reconhecido em qualquer das seguintes manifestações: I – desporto educacional, praticado nos sistemas de ensino e em formas assistemáticas de educação, evitando-se a seletividade, a hipercompetitividade de seus praticantes, com a finalidade de alcançar o desenvolvimento integral do indivíduo e a sua formação para o exercício da cidadania e a prática do lazer”. Disponível em: https://cutt.ly/YNjyd4p. Acesso em: 27 out. 2022. D) Alternativa correta. Justificativa: a participação voluntária em atividades desportivas – como a Corrida e Caminhada contra o Câncer de Mama – tem como objetivo promover a educação em saúde; já a Corrida Noturna do Meio Ambiente visa à conscientização quanto à importância de preservar o meio ambiente; entre outros exemplos. E) Alternativa incorreta. Justificativa: de acordo com a Lei n. 9.615/1998, o desporto de rendimento pode ser praticado de modo profissional (remunerado) ou não profissional (não remunerado).preocupação em oferecer um conteúdo que, além de instrumentalizar profissionais de educação física para ensinar esportes coletivos, também levasse à reflexão acerca do por que ensinar. Para isso, a unidade I apresenta uma completa e atualizada revisão do papel do envolvimento das pessoas com as atividades físicas e esportivas (AFEs) e o desenvolvimento humano, a condição atual do Brasil nesse cenário, as iniquidades sociais atuais e suas relações com a prática esportiva. Como justificativa para o cenário vigente, são apresentados o sistema de organização do esporte no Brasil, as políticas públicas atuais e uma reflexão acerca de quais aspectos merecem a atenção dos futuros profissionais de educação para se tornarem agentes de mudança e melhoria na área, de forma a impactar positivamente o desenvolvimento humano do cidadão brasileiro. Pretende-se desenvolver no estudante o conhecimento acerca dos múltiplos papéis do esporte, bem como das abordagens metodológicas e procedimentos didático-pedagógicos que o profissional de educação física precisa deter para sua atuação ser relevante e mudar o cenário das atividades físicas e esportivas no Brasil. INTRODUÇÃO O esporte atualmente é entendido para muito além da prática física e pode ser considerado um fenômeno social, político e cultural tanto no Brasil como no mundo. Apesar do esporte fazer parte de forma crescente da vida dos brasileiros, seja efetivamente pela prática ou pelo envolvimento como espectador e/ou torcedor, a maioria das pessoas não se envolve com a prática esportiva. O Relatório nacional de desenvolvimento humano do Brasil, publicado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD, 2017), aponta uma série de aspectos sociais, políticos e educacionais como possíveis justificativas para o país apresentar apenas 22,5% da população adulta (acima de 18 anos) envolvida em práticas que atendam as recomendações mínimas da Organização Mundial da Saúde (OMS), ou seja, pelo menos 150 minutos semanais de atividade física moderada ou vigorosa. A primeira parte deste livro-texto apresenta o conceito de esporte e como essa atividade permeia aspectos sociais, culturais, políticos e educacionais para, posteriormente, abordar especificamente esportes coletivos. Sendo o esporte tão presente em diversas esferas da vida do ser humano, o ensino dos esportes coletivos é considerado uma área de fundamental importância, especialmente nos cursos de graduação em Educação Física. 8 Depois de situar os esportes coletivos – especificamente os JECs – na classificação de esportes atual, a unidade I apresenta as categorias de esporte mais atuais e reconhecidas pela literatura e pelos documentos nacionais oficiais para situá-los nesse contexto. A unidade II apresenta a ciência do esporte, que investiga teoria e prática da organização dos processos didático-pedagógicos da prática esportiva em todas as suas manifestações, ou seja, da iniciação esportiva até o esporte de rendimento. Também expõe modelos pedagógicos reconhecidos pela literatura, bem como conceitos primordiais de técnica, tática e estratégia para compreender esses processos didáticos. O texto compara modelos tradicionais e modernos da pedagogia do esporte e as implicações destes para o processo de ensino-aprendizagem dos JECs, embasando como o profissional pode organizar a prática pautado no conhecimento atual da pedagogia do esporte, bem como despertar a consciência acerca do seu papel enquanto agente transformador do cenário brasileiro de prática de atividades físicas e esportivas. Para isso, o texto expõe problematizações e propostas para o profissional de educação física delinear sua prática no que tange a métodos de ensino dos esportes coletivos, da iniciação ao rendimento esportivo. Para finalizar, apresenta-se uma proposta para o ensino de esportes – a iniciação esportiva universal (IEU) – e suas etapas. 9 ESPORTES COLETIVOS Unidade I 1 CONCEITO DE ESPORTE Quando buscamos encontrar a definição de uma palavra ou conceito rapidamente, lançamos mão da internet como ferramenta de busca, e logo nos deparamos com inúmeras opções. A partir daí precisamos tomar algumas decisões sobre quais sites usar, considerando sua confiabilidade. No entanto, cerca de 20 a 30 anos atrás os dicionários impressos eram a ferramenta ideal e inquestionável para tais buscas. Neste texto, vamos consultar tanto estes quanto as fontes da internet para discutir o que é o esporte. O Dicionário de educação física e esporte de Valdir Barbanti (1994, p. 109) mostra quão complexa é essa tarefa: Uma definição precisa de Esporte é impossível devido à grande variedade de significados. Quase tudo que é entendido sob o termo Esporte é menos determinado por análises científicas em seus domínios do que pelo uso diário e desenvolvimento histórico e transmitido pelas estruturas sociais, econômicas, políticas e judiciais. Para os sociólogos do Esporte uma definição bastante aceita diz: é uma atividade competitiva, institucionalizada, que envolve esforço físico vigoroso ou uso de habilidades motoras relativamente complexas, por indivíduos cuja participação é motivada pela combinação de fatores intrínsecos e extrínsecos. Mencionada a sociologia do esporte como fonte de informação, buscamos Ronaldo Helal, sociólogo brasileiro que investigou o fenômeno do esporte na sociedade. No livro O que é sociologia do esporte (1990), ele descreve as diferenças entre brincadeira, jogo e esporte. A primeira é definida como “qualquer atividade espontânea, voluntária, sem regras fixas, que proporciona prazer e diversão e que não tem finalidade ou sentido além ou fora de si” (HELAL, 1990, p. 24). Uma vez que a brincadeira começa a apresentar algum tipo de organização com regras estabelecidas, passamos a falar do jogo, ou seja, “sempre que a brincadeira começa a estipular regras para sua prática, ela se transforma em jogo” (HELAL, 1990, p. 25). Tendo isso claro, é possível considerar que o esporte incorpora elementos do jogo, mas apresenta outras características específicas não encontradas nele. Assim, o esporte é definido como “qualquer competição que inclua uma medida importante de atividade física e que seja subordinada a uma organização mais ampla que escape ao controle daqueles que participam ativamente da ação” (HELAL, 1990, p. 28). Com tais definições em mente, voltamos nossa atenção para definições de dicionários clássicos, reconhecidos nacional e internacionalmente, apresentadas no quadro 1. 10 Unidade I Quadro 1 – Definições de esporte em diferentes dicionários da língua portuguesa Dicionário Definições Houaiss 1 – Prática metódica, individual ou coletiva, de jogo ou qualquer atividade que demande exercício físico e destreza com fins de recreação, manutenção do condicionamento corporal e da saúde e/ou competição 2 – Atividade lúdica ou amadora; hobby, passatempo Aurélio 1 – Conjunto dos exercícios físicos praticados com método; individualmente ou em equipe 2 – Entretenimento, prazer Larousse 1 – Atividade cuja finalidade é a melhoria da condição física 2 – Conjunto dos exercícios físicos que se apresentam sob forma de jogos individuais ou coletivos e dão vez à competição, praticados sob regras preestabelecidas Melhoramentos 1 – Passatempo, divertimento 2 – Prática metódica dos exercícios físicos, que consistem geralmente em jogos competitivos entre pessoas, ou grupos de pessoas, organizados em partidos Aulete 1 – Prática metódica dos exercícios físicos Adaptado de: PNUD (2017). Observação Definição de esporte: competição, com regras definidas, nível de esforço e subordinada a uma organização/entidade. Conforme as definições, ao longo do tempo o conceito de esporte passou a se confundir com o de lazer. Essa falta de precisão na definição alcança até mesmo outras esferas, como a mídia, haja vista os conteúdos abordados na seção de esportes de jornais, telejornais e programas de televisão. Em uma rápida busca pela internet,será possível encontrar, na seção de esportes de jornais nacionais e internacionais, reportagens sobre fórmula 1, cassinos, hipismo, xadrez, entre outras modalidades que não se encaixam totalmente nas definições da sociologia do esporte. No entanto, algumas estão incluídas nos jogos olímpicos. De maneira geral, a sociologia do esporte apresenta definições claras sobre o que é esporte e quais atividades ele abrange (figura 1). 11 ESPORTES COLETIVOS Brincadeira Brincadeira organizada Jogos não competitivos Jogos competitivos (competições) Competições intelectuais Competições físicas (esporte) Figura 1 – Paradigma de definições de brincadeira, jogo e esporte Adaptada de: Helal (1990). Além da definição acadêmica da sociologia do esporte, a lei maior do esporte no Brasil (a Lei n. 9.615/1998, conhecida como Lei Pelé) apresenta definições de esporte que contemplam diversas dimensões: formal, não formal, profissional, não profissional, educacional, de rendimento, de participação e de formação. Ao definir cada categoria, a lei refere-se a características como competição e competitividade, cidadania, lazer, desenvolvimento dos indivíduos, promoção da saúde, entre outros aspectos que efetivamente podem ou não estar contemplados na definição do esporte, colaborando assim para a imprecisão e confusão já estabelecida. A imprecisão em definir e classificar o que é esporte também se manifesta no linguajar cotidiano da população brasileira. Essa diferença entre linguajar popular e especializado pode ser exemplificada quando se usa o termo esporte em buscadores da web (Google e Bing) que apresentam, juntos, 38.600.000 resultados, enquanto buscadores de bases de dados acadêmicas (SciELO e Bireme) apresentam 1.749 (PNUD, 2017). Em 2014 e 2016, como o Brasil sediou dois dos maiores eventos esportivos mundiais (Copa do Mundo e Olimpíadas), um setor da Organização das Nações Unidas (ONU) encomendou ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) um relatório sobre as atividades físicas e esportivas (AFEs) no Brasil (PNUD, 2017). O relatório tinha o objetivo de mapear as AFEs praticadas no país e refletir sobre os resultados apresentados. O primeiro dilema foi justamente o termo usado para abordar a população e mapear o tipo e a frequência do conjunto dessas práticas pelo povo brasileiro. A definição oficial de AFEs é esta: conjunto de práticas que exigem significativo envolvimento e movimentação corporal, ou esforço físico, que são realizadas predominantemente sem fins produtivos do ponto de vista econômico, e às quais os praticantes conferem valores e sentidos diversos, ligados às dimensões da saúde, aptidão física, competição, sociabilidade, diversão, risco e excitação, catarse, relaxamento e beleza corporal, entre outros (PNUD, 2017, p. 80). Mesmo com essa definição ampla, apenas 22,5% dos adultos (acima de 18 anos) atendem à recomendação da OMS de pelo menos 150 minutos semanais de atividade física moderada ou vigorosa. 12 Unidade I Esse número provavelmente seria menor se considerássemos a definição estrita de esporte que advém da área acadêmica especializada. A) B) Figura 2 – Logo das Olimpíadas Rio 2016 e da Copa do Mundo de 2014 Disponível em: A) https://cutt.ly/sNjpML4; B) https://cutt.ly/TNjp9fE. Acesso em: 27 out. 2022. 2 PRÁTICA DE AFES NO BRASIL A prática ou não das AFEs geralmente se associa a fatores individuais, como disposição, motivação, vontade, hábito ou até necessidade. Entretanto, pouco se fala sobre oportunidades de prática. Em um país socialmente tão desigual, a escassez de oportunidades deveria receber mais atenção de profissionais e da mídia. Atualmente o Brasil está entre as dez nações com maior índice de desigualdade social do mundo (PNUD, 2017), e marcadores das diferenças sociais – como sexo, raça, idade, renda, nível de instrução e localização geográfica – afetam as oportunidades de um indivíduo ao longo da vida, o que inclui as oportunidades de prática das AFEs. Figura 3 – Prática de AFEs Disponível em: https://cutt.ly/sNpRQIu. Acesso em: 25 out. 2022. 13 ESPORTES COLETIVOS Os dados apresentados a seguir foram retirados do relatório Movimento é vida: atividades físicas e esportivas para todas as pessoas (PNUD, 2017), fruto de uma pesquisa realizada em todo o país a fim de levantar as práticas e suas condições estratificadas por diversos marcadores de diferenças sociais no Brasil. A maioria dos dados apresentados se refere à população adulta (acima de 18 anos), entretanto, também serão apresentados alguns dados acerca da população escolar baseados no último relatório da Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar (PeNSE). Lembrete AFEs: atividades físicas e esportivas. A) B) Figura 4 – A) Capa do relatório Movimento é Vida; B) Capa da PeNSE Fonte: A) PNUD (2017); B) IBGE (2016). Entre a população escolar que frequenta a Educação Básica – na qual a educação física é componente curricular obrigatório e deve ser oferecida ao menos duas vezes por semana –, os dados da PeNSE (figura 5) apontam que no Sul do país 44,2% dos jovens de 13 a 15 anos praticaram duas aulas de Educação Física na semana anterior à semana da pesquisa. A região deteve a maior porcentagem, seguida do Centro-Oeste (37,1%), Sudeste (36,2%), Nordeste (21,8%) e Norte (19,5%). Incluindo estudantes do Ensino Médio na amostra – quando educação física deixa de ser obrigatória –, a porcentagem cai para 44,1% no Sul, 31,7% no Sudeste, 20,1% no Nordeste e 17,5% no Norte (IBGE, 2021). 14 Unidade I Os dados indicam que a região do país é primordial para o acesso às aulas de educação física na escola, haja vista que em determinados locais há carência de profissionais, e isso impacta o quadro docente. A idade também altera o acesso num país de sociedade capitalista e produtivista, em que o adulto tem dificuldade em conciliar trabalho com exercício físico (CARVALHO, 2013). 100 % 90 80 70 60 50 40 30 20 10 0 Pa rá Ac re Ce ar á Ri o de Ja ne iro Am ap á Al ag oa s Ri o Gr an de d o N or te M ar an hã o Pe rn am bu co M at o Gr os so Ba hi a Pi au í Se rg ip e Pa ra íb a Br as il Am az on as Ro ra im a Sã o Pa ul o Ri o Gr an de d o Su l Go iá s Ro nd ôn ia To ca nt in s Di st rit o Fe de ra l Pa ra ná M in as G er ai s M at o Gr os so d o Su l Es pí rit o Sa nt o Sa nt a Ca ta rin a 15 ,9 1 6, 9 1 7, 3 19 ,2 22 ,5 2 2, 8 2 6, 8 3 1, 1 3 3 3 3, 3 34 ,4 3 7, 9 4 0, 4 47 ,2 4 8, 4 4 8, 4 5 2, 4 53 ,8 5 6, 4 5 8, 7 6 0, 3 70 ,1 7 2, 5 74 ,8 7 5 7 5, 7 8 0, 4 87 ,2 Figura 5 – Percentual de escolares frequentando o 9º ano do Ensino Fundamental que tiveram duas ou mais aulas de educação física por semana nos últimos sete dias, segundo as unidades da Federação (2015) Adaptado de: IBGE (2016). Com relação à população adulta no Brasil, considerando diferentes critérios de frequência e tempode prática, a figura 6 mostra que apenas 31,5% praticaram algum tipo de esporte nos últimos três meses. O percentual é preocupante e fica ainda mais alarmante se for estratificado por diferentes marcadores de diferença social. O grupo com maior índice de prática de AFEs é composto por pessoas com renda mensal per capita superior a cinco salários mínimos. Esse segmento da população tem envolvimento com AFEs 71% superior à população maior de 15 anos. Na sequência, o nível de instrução aparece como segundo marcador que mais impacta a porcentagem de praticantes de AFEs. Indivíduos com Ensino Superior completo têm envolvimento com AFEs 3,31 vezes maior que grupos menos escolarizados, porque um sujeito (ou uma família) com melhores condições socioeconômicas tem maior chance de alcançar um nível educacional mais alto, receber melhores salários e ter mais possibilidades de se exercitar. 15 ESPORTES COLETIVOS Praticou algum tipo de esporte nos últimos 3 meses Pratica pelo menos 1 vez por semana independente do tempo Pratica pelo menos 20 minutos semanais Pratica pelo menos 40 minutos semanais Pratica pelo menos 150 minutos semanais ou 75 minutos de atividades físicas vigorosas 31,5% 30,5% 30,1% 27,1% 22,5% 3530252015105 Percentual da população brasileira adulta (18 anos ou mais) Figura 6 – Percentual da população brasileira adulta envolvida com AFEs segundo diferentes critérios de frequência e tempo de prática Fonte: PNUD (2017, p. 95). Com relação ao gênero, também é possível identificar diferenças na prática de AFEs: homens apresentam 28,4% mais probabilidade de praticá-las em relação às mulheres. Entre homens e mulheres, a proporção de praticantes cai conforme a idade, ou seja, os mais jovens estão mais envolvidos com práticas que os mais velhos. Entre os mais jovens (15 a 17 anos), menos de 40% das mulheres são praticantes, em contraposição a 70% dos homens. A diferença diminui conforme a idade, principalmente na faixa dos 40 aos 59 anos – quando o envolvimento com o trabalho e a necessidade de sustentar a família geralmente não deixam tempo livre. O mesmo acontece para o marcador cor da pele: entre a população branca, a proporção é maior que entre a população negra. Os dados indicam que pertencer a um grupo ou outro é fator determinante para o acesso às AFEs (PNUD, 2017). O relatório aponta que adultos de baixa escolarização, com algum tipo de deficiência e idosos são os grupos com menor proporção no Brasil, demonstrando que a estrutura social imprime uma dinâmica de cotidiano que facilita ou dificulta esse acesso, o que vai na direção oposta da crença de que fatores individuais são determinantes para praticar AFEs no Brasil. Além da porcentagem de pessoas envolvidas com AFEs, é importante conhecer que tipos de atividades estão entre as mencionadas pelos brasileiros. Caminhada é a mais praticada, mencionada por 37% dos entrevistados, seguida de futebol (e todas as suas variações: campo, areia, society e futsal), mencionado por 23%. Academia e fitness aparecem em terceiro lugar, com 12% das menções. Esse grupo engloba 80% das práticas mencionadas pelos indivíduos, o que indica pouca diversidade de modalidades esportivas incluídas no cotidiano do brasileiro (PNUD, 2017). O único esporte coletivo mencionado foi o futebol, sendo os demais – inclusive outras AFEs – mencionados por menos de 1%. 16 Unidade I Por fim, os motivos que levam à prática e os que impedem os brasileiros de praticar AFEs variam de acordo com sexo, idade e rendimento mensal. Entre mulheres, o motivo mais mencionado que leva à prática foi a melhora na qualidade de vida; entre homens, relaxamento ou diversão (PNUD, 2017). Considerando o marcador idade, o principal motivo para praticar AFEs segundo os mais jovens (15 a 24 anos) é relaxamento ou diversão; entre adultos de mais de 25 anos até os maiores de 60, é a melhora da qualidade de vida ou o bem-estar. Considerando o rendimento mensal domiciliar, para todas as faixas salariais estratificadas na pesquisa o principal motivo para a prática de AFEs relatado foi a melhora da qualidade de vida ou bem-estar (PNUD, 2017). Não gostar ou não querer se exercitar é o principal motivo relatado pelos mais jovens (15 a 17 anos) e com menor renda (nenhuma ou meio salário mínimo) para não praticar nenhuma atividade. A partir dos 18 anos até acima de 60, bem como quem tem renda de um a cinco salários mínimos, falta de tempo foi o motivo mais mencionado (PNUD, 2017). Os dados apresentados identificam indivíduos que, por diferenças sociais, merecem atenção especial dos profissionais envolvidos com a promoção das AFEs. Foi possível identificar um caminho a percorrer para disseminar a prática principalmente de esportes coletivos, evidenciando também a necessidade de empenho na oferta de oportunidades para praticá-los. Observação Os únicos dados nacionais acerca das AFEs, ainda que não de maneira detalhada, estão na PeNSE. 2.1 Iniquidades sociais no esporte Infelizmente muitas crianças e adolescentes não participam de programas esportivos devido às desigualdades e iniquidades sociais não só no Brasil, mas ao redor do mundo. As taxas de participação de jovens no esporte estão diretamente relacionadas com a renda familiar. Estudos que investigaram a participação de jovens no esporte em países como Estados Unidos (EUA), Finlândia e Alemanha apontam que a renda está positivamente relacionada com o estilo de vida que contempla a prática de esportes por crianças. Além das disparidades com relação à renda, marcadores como minoria étnica (afro-americanos, negros e hispânicos) determinam que essas crianças participam menos de esportes do que seus pares caucasianos/brancos ou não hispânicos (KUHN et al., 2021). 17 ESPORTES COLETIVOS A) B) Figura 7 – Acesso a diferentes estruturas de equipamentos esportivos Disponível em: A) https://cutt.ly/CNpJoOD; B) https://cutt.ly/NNpJkZm. Acesso em: 25 out. 2022. Restrição de tempo também é uma barreira para a prática de esportes entre crianças, além de localização geográfica, tipo de ambiente e acessibilidade a outros locais que não a escola. Eime et al. (2017) estudaram os principais fatores que influenciam a prática de atividade física por jovens de até 15 anos residentes nas diferentes áreas administrativas do estado de Victória (Austrália). Os resultados indicam que facilidade de acesso a locais de prática esportiva, status socioeconômico e localização geográfica são os principais fatores identificados. Assim, a distância de casa, a mobilidade até o local e a segurança estão associadas com a disponibilidade (EIME et al., 2017). Suporte familiar também é uma variável importante, e nesse caso as desigualdades de gênero são um complicador apontado por estudo que revela que meninas recebem menos suporte (tanto instrumental quanto afetivo) das famílias para se manter no esporte. Além disso, pais que não praticam influenciam inadvertidamente seus filhos a não praticar, assim como pais praticantes influenciam positivamente filhos, e crianças em famílias reconstruídas e com pai ou mãe solo apresentam taxa menor de participação (KUHN et al., 2021). Nos EUA, três quartos das crianças estão envolvidas em atividades esportivas. As principais causas das lesões que sofrem se associam à falta de vigilância e à participação em esportes de contato físico intenso. Além disso, o baixo nível de escolarização e as condições socioeconômicas das crianças, pais e/ou instrutores fomentam a incidência de lesão e tratamentos deficientes (TURNER et al., 2017). O Brasil não dispõe de pesquisas para apresentar dados sobre a participação de crianças no esporte. A PeNSE aponta uma baixa adesão dos jovens à prática de AFEs, mas não detalha esses dados (IBGE, 2016). Com relação às iniquidades que atingem o acesso dos adultos às AFEs, o Relatório nacional de desenvolvimento humano do Brasil aponta que, apesar de baixa adesão (menos de 30% da população adulta), as disparidades em termos de corda pele, sexo, situação econômica, nível de instrução etc. impactam o envolvimento com as práticas (quadro 2). Os dados revelam que ser jovem, homem, branco e de alto nível socioeconômico está frequentemente vinculado a um nível mais alto de prática de AFEs, ao passo que ser idoso, mulher, negro e de baixo nível socioeconômico ou de instrução estão frequentemente vinculados a um nível mais baixo de prática. Jovens entre 15 e 17 anos com alto nível socioeconômico chegam a praticar 106% mais AFEs que a média da população brasileira (PNUD, 2017). 18 Unidade I Quadro 2 – População que praticou AFEs num período de referência de 365 dias Grupo Índice de iniquidade (2015) Rendimento mensal domiciliar per capita de 5 salários mínimos ou mais 171 Ensino Superior completo 150 15 a 17 anos 142 Ensino Superior incompleto 136 18 a 24 anos 123 Ensino Médio completo 113 Homens 113 25 a 39 anos 109 População branca 106 Rendimento mensal domiciliar per capita de mais de 1 até 2 salários mínimos 104 Sem deficiência 102 Norma (média) Todas as pessoas adultas (37,9%) 100 Ensino Fundamental completo 97 População negra 94 Mulheres 88 40 a 59 anos 88 Rendimento mensal domiciliar per capita de menos de meio salário mínimo 83 Ensino Fundamental incompleto 75 60 anos ou mais 73 Com deficiência 49 Sem instrução 46 Fonte: PNUD (2017, p. 98). 3 ESPORTE, SOCIEDADE, EDUCAÇÃO E CULTURA 3.1 Desenvolvimento humano e impacto social do esporte O conceito de desenvolvimento humano esteve, por muito tempo, relacionado aos marcadores econômicos da sociedade. Entretanto, atualmente tem considerado indicadores mais abrangentes, tendo em vista que uma vida plena depende de múltiplos fatores para além da condição econômica. O PNUD define desenvolvimento humano como a “ampliação das possibilidades de escolha, ou, o que é o mesmo, na eliminação das privações que impedem que as pessoas possam dispor das oportunidades necessárias para alcançar uma vida valiosa e plena” (2017, p. 41). 19 ESPORTES COLETIVOS Assim, qualquer ação orientada a ampliar esse tipo de oportunidade poderia ser considerada um movimento em direção a melhorar o desenvolvimento humano. O desenvolvimento humano considera coisas que as pessoas podem ser e fazer, e devem ser muito mais amplas do que a condição imposta pelo poder econômico. A visão de desenvolvimento humano atual considera todas as possibilidades de escolha à disposição do indivíduo e o que ele pode efetivamente realizar. A renda tem impacto central na expansão das liberdades humanas, porém o desenvolvimento humano considera outras esferas da vida que também expandem as liberdades. Esses fatores variam de acordo com marcadores como idade, gênero e papel social assumido, não se limitando apenas à renda, e sim considerando todos os aspectos da vida humana, como acesso ao conhecimento, condições nutricionais, tempo livre, opções de lazer e cultura, liberdade política etc. A prática de AFEs se associa diretamente a essa discussão. A relação entre elas e o dilema social no Brasil pode se dar pelo percentual de pessoas que as praticam e o índice de desenvolvimento humano municipal (IDHM) em cada unidade da Federação. Os últimos dados disponíveis são de 2015 e apontam que, ao se aumentar o percentual da população praticante de AFEs, aumenta-se também o IDHM das capitais brasileiras (IPEA; PNUD; FJP, 2017), conforme a figura 8. Figura 8 – Percentual da população que pratica atividade física e esportiva e o IDHM dos estados brasileiros Fonte: PNUD (2017, p. 55). 20 Unidade I Os municípios com maior IDHM encontram-se, além do Distrito Federal, em São Paulo, Santa Catarina, Paraná, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, que concentram municípios onde a prática de atividade física e esportiva é relativamente alta, o que provavelmente decorre da maior oferta de oportunidades, a partir principalmente de políticas públicas, que devem considerar capacidades individuais e particularidades de grupos para traçar uma estratégia de intervenção urgente a quem sofre maiores privações, pois, “empoderadas, as pessoas podem ter uma participação cada vez maior nos mecanismos institucionais, formais ou informais, a fim de tomar decisões e escolher as opções que lhes permitam melhorar sua situação de vida” (PNUD, 2017, p. 54). Saiba mais A seguir, um guia para professores trabalharem os aspectos do esporte para o desenvolvimento humano: REMS. Esporte para o desenvolvimento humano. São Paulo: Rede Esporte pela Mudança Social, 2016. Disponível em: https://cutt.ly/zNdwn5l. Acesso em: 26 out. 2022. 3.2 Papel social e cultural do esporte A ONU defende e divulga que o esporte é uma importante ferramenta para o desenvolvimento de pessoas e países. É fundamental na propagação de uma cultura de paz, e não deve ser considerado apenas como instrumento de promoção da saúde e complemento da educação. As habilidades para a vida aprendidas com o esporte, além de empoderar, aumentam o bem-estar psicossocial, a autoestima e as capacidades em todas as idades, transformando a maneira do indivíduo de se relacionar com o outro e com o mundo (ONU, 2016). O esporte tem sido uma ferramenta de transformação social, promovendo saúde, desenvolvimento humano e cidadania, mas para isso é preciso que as atividades dos programas esportivos gerem essas reflexões, seja em crianças, jovens ou idosos. No Brasil, é lei o direito ao esporte, ao lazer, à prática desportiva e ao acesso a equipamentos comunitários, socializadores e inclusivos. De acordo com o Estatuto da Juventude, esses direitos se encontram no bojo dos direitos fundamentais dos jovens (ONU, 2016). Saiba mais A seguir, um livro ilustrado que homenageia o poder dos sonhos e a integridade do esporte: UNESCO. O poder e o valor do esporte. Paris: Unesco, 2016. Disponível em: https://cutt.ly/3Nde3QL. Acesso em: 26 out. 2022. 21 ESPORTES COLETIVOS O papel social do esporte se baseia na sociabilidade e amizade, contribuindo para a aceitação social e desenvolvendo competências para a vida adulta. Sociedades em geral discriminam indivíduos por sua origem racial, gênero, idade, orientação sexual, entre outras características. Sendo o Brasil um país de dimensões continentais, que abrange diversas culturas, o esporte pode ser um agente transformador no respeito às diferenças. Compreender, respeitar e reconhecer, assim como reconhecer-se na diversidade, é um exercício importante de cidadania e respeito ao próximo. Uma das diferenças sociais mais evidentes na sociedade e que atinge todos são as diferenças de gênero. Crianças desenvolvem desde muito cedo a noção do que é ser e se comportar como menino ou menina graças às relações sociais e à cultura em que estão inseridas. Esses conceitos são fruto também da maneira como essas crianças são cuidadas pelos pais e/ou cuidadores. Práticas culturais e históricas do cuidar que oferecem brincadeiras “de menino” ou “de menina” também se manifestam, além de no ambiente familiar, no ambiente escolar, onde as crianças estão sujeitas às expectativas e ao controle de seu comportamento exercido pelos adultos que povoam esses ambientes. Para que o esporte seja uma ferramenta de transformação social, é preciso que tais questões com relação às diferenças não sejam reproduzidas nem reforçadas. Pelo contrário, é preciso empenho para retirar os estigmas já implantados, especialmente em determinadas modalidades de jogos esportivos coletivos (JECs), como futebol, voleibol e tantas outras. No mundo do esporte, em especial no futebol, apesar do aumento da participação de meninas na modalidade, ainda há resistência na sociedade em aceitar tal transformação. Com argumentos que vão desde as diferenças na capacidade física à falta de habilidade cognitiva para entender o jogo, meninas ainda sofrem rejeição quando se envolvem na modalidade. O mesmo acontece com o voleibol, que carrega o estigma de modalidade de menina, muito devido à mídia e ao fato de ser um esporte sem contatofísico entre jogadores. Interessante apontar que esportes coletivos pouco conhecidos numa cultura não são estigmatizados como atividade de menino ou de menina, e modalidades sem uma clara associação a algum gênero tendem a ser jogados por todos – é o caso de um estudo que investigou como o badminton era reconhecido por crianças e professores (SOUSA; MALDONADO, 2020). Figura 9 – Futebol feminino Disponível em: https://cutt.ly/aNjaxOb. Acesso em: 22 out. 2022. 22 Unidade I No esporte a relação entre corpo e gênero é muito evidente, pois, além de se materializar no movimento, está envolta nas relações sociais coletivas. Esse processo tem origem na década de 1970, quando as aulas de educação física na escola separavam meninos e meninas. Até o final da década de 1980, o conteúdo desse componente curricular era diferente para cada grupo, ancorado nas diferenças biológicas entre os dois sexos como norteadoras das práticas pedagógicas e esportivas. O papel fundamental do esporte para a igualdade de gênero já havia sido indicado pela Plataforma de Ação de Pequim, em 1995 – documento que discute a eficácia do esporte para promover a saúde das mulheres e o desenvolvimento de uma educação não discriminatória, uma vez que a prática esportiva contribui para o empoderamento de mulheres (ONU, 2016). Fomentar a prática de esportes é fundamental para que as meninas se conheçam e se desenvolvam livres de preconceito de gênero. O esporte potencializa o desenvolvimento de atributos como autoestima e liderança, além de conhecimento sobre o próprio corpo e sobre os próprios direitos. Investir na liderança de meninas e mulheres jovens pelo esporte é uma metodologia efetiva para modificar percepções, atitudes e comportamentos que causam ou justificam a violência e reforçam a desigualdade de gênero (ONU, 2016). Incluir e manter meninas e mulheres no esporte deve ser prioridade, tendo em vista o resultado de estudos que apontam que elas tendem a se envolver mais tarde e deixar a prática de esportes antes dos meninos, especialmente em comunidades urbanas e entre meninas negras (SABO; VELIZ, 2008). Dados da PeNSE apontam que meninas participam em menor número de AFEs do que meninos, conforme a figura 10, que evidencia que o número de meninas que praticaram 300 minutos ou mais de atividades físicas na semana anterior à pesquisa é praticamente a metade do número de meninos (IBGE, 2016). 100 % 80 60 40 20 0 25 26 2 6, 2 2 6, 4 2 6, 4 2 6, 4 2 7, 2 2 7, 3 2 7, 3 2 7, 3 2 8 2 8, 1 2 8, 1 28 ,6 28 ,7 29 29 ,4 29 ,5 29 ,8 29 ,9 30 ,2 3 1, 4 3 1, 5 3 1, 6 3 2 3 2, 2 32 ,9 3 4 Pe rn am bu co Pa ra íb a Ce ar á M ar an hã o Sa nt a Ca ta rin a M in as G er ai s Al ag oa s Se rg ip e Sã o Pa ul o Ba hi a Pi au í Ro nd ôn ia Br as il Ri o Gr an de d o Su l Pa rá Am ap á Ac re Pa ra ná Ri o Gr an de d o N or te Es pí rit o Sa nt o Go iá s M at o Gr os so Di st rit o Fe de ra l Ri o do Ja ne iro Ro ra im a Am az on as M at o Gr os so d o Su l To ca nt in s 11 ,2 10 1 1, 7 14 ,1 1 3, 6 1 2, 7 1 1, 5 15 ,3 1 2, 2 1 2, 8 1 1, 5 1 4, 2 1 2, 9 1 1, 9 15 ,3 1 7, 1 1 3, 4 1 3, 5 13 ,8 1 2, 6 14 ,7 15 ,2 1 3, 6 11 ,2 1 5, 7 19 ,7 1 5, 6 1 5, 6 Masculino Feminino Intervalor de confiança de 95% Figura 10 – Percentual de escolares frequentando o 9º ano do Ensino Fundamental que praticaram 300 minutos ou mais de atividade física globalmente estimada, nos últimos sete dias, com indicação do intervalo de confiança de 95%, por sexo, segundo as unidades da Federação (2015) Fonte: IBGE (2016). 23 ESPORTES COLETIVOS Parte fundamental do esporte como ferramenta de desenvolvimento humano e social passa pela competência e habilidade do professor de educação física em ser agente promotor dessas mudanças. Afinal, pesquisas ainda apontam que professores de educação física produzem métodos sexistas, que reproduzem desigualdades de gênero em suas aulas (CORSINO; AUAD, 2014). Saiba mais Diversas organizações não governamentais (ONGs) e outras entidades disponibilizam materiais didáticos para auxiliar os profissionais a elaborar planos de ação adequados para as políticas de minimização de desigualdades de gênero através do esporte. A seguir, alguns exemplos: JORGE, A. et al. Educação e esporte para a igualdade: guia de atividades do projeto Praticando Esporte, Vencendo na Vida! Promundo, [s.d.]. Disponível em: https://cutt.ly/CNdWAYj. Acesso em: 26 out. 2022. WE COACH. Coaching girls guide: como fazer meninas jogarem e continuarem jogando. 2020. Disponível em: https://bit.ly/3TZclnU. Acesso em: 26 out. 2022. 3.3 Papel educacional do esporte O esporte é considerado um importante elemento na educação desde a Antiguidade, com a valorização das práticas de AFEs na Grécia, seja para o culto ao corpo, seja para finalidades bélicas. O modelo educativo de esporte nas escolas inglesas serviu de inspiração para Pierre de Coubertin e seu empenho para o renascimento dos jogos olímpicos da modernidade. Assim, o esporte teve, no início da sua trajetória, a ideia de uma prática educativa além da finalidade de rendimento. No entanto, mesmo com a importante e consolidada imagem do esporte atrelado ao rendimento, na década de 1970, com o movimento Esporte para Todos e a Carta Internacional de Educação Física e Esportes editada pela Unesco, o esporte foi reconhecido como direito humano, incorporando aspectos de lazer e educação (KORSAKAS; ROSE JUNIOR, 2002). [Há o] Esporte-Educação, o Esporte-Lazer e o Esporte de Desempenho. Nessa perspectiva o Esporte-Educação é guiado pelos princípios socioeducativos da participação, cooperação, coeducação, corresponsabilidade, da inclusão, do desenvolvimento esportivo e do desenvolvimento do espírito esportivo (TUBINO, 2010, p. 100). Quando a Unesco percebeu que o esporte era uma ferramenta de educação permanente, evidenciada pela Carta Internacional da Educação Física e do Esporte de 1978, é que os jogos e o esporte tiveram suas relações estreitadas com a educação, e esse conceito deve ainda ser discriminado em dois elementos – esporte educacional e esporte escolar –, pois cada um tem estruturas diferentes. 24 Unidade I O esporte educacional, para todos, é independente de vocação, no sentido de favorecer as ações educativas que as práticas esportivas oferecem (respeitar as regras, aprender a ganhar e perder, recuperar-se após as derrotas, perceber o sentido de equipe etc.), apoiado pelos princípios socioeducativos (inclusão, participação, cooperação, corresponsabilidade, coeducação e outros) (TUBINO, 2010). O objetivo do esporte educacional é formar e desenvolver a cidadania; já o esporte escolar: aceita as vocações esportivas (possíveis talentos) e é destinado a utilização nas competições externas intercolegiais, nas quais os princípios soberanos são o Princípio do Desenvolvimento Esportivo e o Princípio do Desenvolvimento do Espírito Esportivo (TUBINO, 2010). Os marcos legais que embasam o esporte educacional surgiram com a Constituição Federal de 1988, que reformulou as bases do esporte nacional, criando a perspectiva de direito ao esporte, também previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Desde então a Lei Zico (Lei n. 8.672/1993) e a Lei Pelé (Lei n. 9.615/1998) apresentam o mesmo texto acerca do esporte educacional: O Esporte Educacional, responsabilidade pública assegurada pelo Estado, dentro ou fora da escola, tem como finalidade democratizar e gerar cultura através de modalidades motrizes de expressão de personalidade do indivíduo em ação, desenvolvendo este indivíduo numa estrutura de relações sociais recíprocas e com a natureza, a sua formação corporal eas próprias potencialidades, preparando-o para o lazer e o exercício crítico da cidadania, evitando a seletividade, a segregação social e a hiper-competitividade, com vistas a uma sociedade livremente organizada, cooperativa e solidária. No entanto, no Brasil, a maioria das crianças não se envolve em práticas esportivas, seja por falta de tempo, recursos materiais, praças e equipamentos esportivos ou recursos financeiros. Esporte é uma janela de oportunidades para transformar a vida, em especial a dos jovens. Ações educativas relacionadas às práticas esportivas são fundamentais para elaborarem seus projetos de vida de maneira autônoma e sustentável, de maneira que detenham mais controle do seu futuro, assim como de sua família, comunidade e país (ONU, 2016). O esporte educacional assegura a inclusão de todos os indivíduos em práticas esportivas lúdicas e promotoras do desenvolvimento humano. Desenvolve ainda a autonomia – pois oferece oportunidades de decisões na organização e na realização das atividades –, respeita o nível de desenvolvimento motor, cognitivo, emocional, psicológico e social dos indivíduos e busca desenvolver a autocrítica, a autoavaliação e, consequentemente, a autoestima. Também tenta emancipar indivíduos, sendo entendido como ferramenta para exercitar a cidadania e, ao mesmo tempo, proporcionar atividades prazerosas (IEE; PETROBRAS, 2017). 25 ESPORTES COLETIVOS Desenvolvendo seus princípios fundamentais, o esporte educacional cria condições para incluir todas as crianças e adolescentes nas práticas, através de uma construção coletiva dos procedimentos pedagógicos a adotar. Também prepara o indivíduo para reconhecer e valorizar a diversidade e ser capaz de agir com responsabilidade nas diversas esferas da vida de maneira autônoma. Todos esses elementos formam a educação integral do indivíduo, sendo o esporte uma ferramenta para desenvolver todos os seus domínios. O objetivo primeiro do esporte educacional é formar cidadãos, e para isso cabe ao professor elaborar práticas nas quais o indivíduo possa “discutir, planejar, refletir, lidar com as emoções, conscientizar-se, problematizar e valorizar conceitos, atitudes e procedimentos para além do emprego no esporte, transferindo esses saberes para o convívio coletivo e para a vida cidadã” (IEE; PETROBRAS, 2017, p. 12). O esporte promove socialização, estabelece rotina, cumpre regras e desenvolve disciplina, trabalho em equipe, liderança, respeito, persistência, solidariedade, cooperação e motivação para aprender com erros e conquistar vitórias. Os valores do jogo não são apenas ensinados para serem validados no esporte; são fundamentais para balizar os caminhos com metas e meios de alcançar objetivos (FAIA, 2016). Para isso, é preciso que o professor de educação física seja capaz de criar, através dos jogos esportivos, situações-problema com estratégias eficazes para alcançar as expectativas de aprendizagem. As práticas necessitam de uma sistematização e intencionalidade por parte do professor, que deve desafiar os alunos a refletir sobre questões que extrapolem o contexto do esporte. Exemplo de aplicação Imagine o bobinho, um jogo de futebol adorado pelas crianças, que mobiliza habilidades como dominar, controlar e passar a bola com precisão; organizar-se em grupo no espaço e com algumas regras unificadas; construir boas estratégias de passe para não deixar o “bobinho” pegar a bola etc. Agora reflita: é um bom jogo para fazer parte de uma aula de esporte educacional? Como fazer desse jogo um espaço de boa aprendizagem? 3.4 Sistema Nacional do Desporto (SND) e as políticas públicas para o esporte A normativa responsável pelo esporte brasileiro é a Lei Pelé, que dispõe sobre princípios e finalidades do esporte, manifestações esportivas, Sistema Brasileiro do Desporto (SBD), prática desportiva profissional e justiça desportiva. As manifestações esportivas são organizadas pelo SBD e pelo SND; o primeiro, mais abrangente, incorpora o segundo juntamente com o Ministério do Esporte, o Conselho Nacional do Esporte e os sistemas de desporto dos estados, do Distrito Federal e dos municípios, que devem se organizar de forma autônoma e colaborativa, conforme a figura 11. 26 Unidade I Sistema Brasileiro do Desporto Ministério do Esporte Sistema Nacional do Desporto Conselho Nacional do Esporte Sistema de desporto dos estados, DF e municípios Comitê Olímpico Brasileiro Confederação Brasileira de Clubes Ligas regionais e nacionais Comitê Paralímpico Brasileiro Federações Confederações Entidades de prática desportiva Figura 11 – Divisão do SBD O principal objetivo do SBD é “garantir a prática desportiva regular e melhorar-lhe o padrão de qualidade”; já o SND busca “promover e aprimorar as práticas desportivas de rendimento” (PNUD, 2017, p. 271). O Comitê Olímpico Brasileiro (COB), o Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB), a Confederação Brasileira de Clubes (CBC), assim como as entidades nacionais de administração do desporto, fazem parte do SND; federações estaduais, ligas regionais e entidades de prática desportiva também fazem parte do SBD. O esporte escolar, representante do esporte educacional, é representado pelas federações de esporte escolar e faz parte desse sistema, uma vez que recebe verba compulsória destinada pelo COB, CPB e CBC. Ou seja, a organização do esporte brasileiro representa quase exclusivamente o esporte de rendimento, que atende uma parcela pequena da população. A priorização do esporte de rendimento nas políticas de incentivo vai na contramão das tendências de massificação da prática esportiva. Em 2015, o percentual de brasileiros envolvidos na prática esportiva e filiados a federações era de 4,4%, apenas 9,8% praticavam esporte porque gostavam de competir, 28,9% praticavam para relaxar ou se divertir, e 26,8% para melhorar a qualidade de vida. Esses números revelam uma incongruência nessa estrutura, pois dados indicam que 95,6% dos brasileiros que praticam esporte o fazem sem vínculo com instituições que recebem verba destinada ao esporte. 27 ESPORTES COLETIVOS ConvêniosLei Agnelo Piva Contrato de desempenho Lei de Incentivo ao Esporte Aprovação Termo de execução descentralizada (TED) Comissão Desportiva Militar do Brasil (CDMB) Confederações Clubes COB Comitê Olímpico Brasileiro CPB Comitê Paralímpico Brasileiro CBC Comitê Brasileiro de Clubes Convênios Convênios Lei Agnelo Piva Repasse de recurso Caixa Econômica Federal Outros entes Patrocínios Empresas estatais Lei de Incentivo ao Esporte Recursos Empresas privadas Ministério do Esporte Figura 12 – Principais fluxos de recursos para o esporte de rendimento Fonte: PNUD (2017, p. 273). Os programas esportivos governamentais no Brasil foram criados em sua maioria para atender a demanda de país-sede de megaeventos esportivos (Copa do Mundo de 2014 e Jogos Olímpicos e Paralímpicos de 2016), com o objetivo de formar e detectar atletas de rendimento, na contramão de massificar a prática esportiva. Vários órgãos foram responsáveis por tais programas – como os ministérios do Esporte, da Educação, da Saúde, da Defesa e da Cultura. No Ministério do Esporte destaca-se o programa Segundo Tempo, criado em 2003, que não explicita em seus documentos uma concepção de identificar e selecionar talentos esportivos; ao contrário: é voltado para vivência, aprendizado e prática de diversas modalidades. O programa Forças do Esporte, do Ministério da Defesa, usou o modelo do Segundo Tempo nos espaços físicos das Forças Armadas. No Ministério da Educação, o programa Mais Educação também utilizou os princípios pedagógicos do Segundo Tempo no ambiente escolar. Além disso, vinculado ao Ministério da Educação, o programa Esporte e Lazer da Cidade é uma estratégia para oferecer, através do esporte, suporte às necessidades sociais dos municípios. 28 Unidade I O Ministério da Cultura fomentou com infraestrutura para a prática de esportes osCentros de Artes e Esportes Unificados (CEUs), e o Ministério da Saúde, com o programa Academia da Saúde, também ofereceu espaço e programas de AFEs para a população. Entretanto, mesmo somando esforços, os programas não atenderam nem 2% da população brasileira. Ainda, a maioria deles atende crianças, adolescentes e jovens, deixando de lado a população adulta e idosa, obrigada a abandonar as AFEs à medida que envelhece. Em 2015, um grupo de trabalho do Ministério do Esporte elaborou uma nova proposta de organização para o esporte nacional (figura 13). Entretanto, encontra-se em análise no Senado Federal. Esporte para toda vida: jovens, adultos e idosos Aprendizagem esportiva para jovens e adultos e recuperação Progressão etária 80 anos ou mais Especialização esportiva Aperfeiçoamento esportivo Alto rendimento Po pu la çã o at en di da 10 0% Vi vê nc ia e sp or tiv a Fu nd am en ta çã o es po rt iv a Ap re nd iz ag em d a pr át ic a es po rt iv a Esporte competitivo Formação esportiva Crianças e adolescentes Excelência esportiva Esporte de lazer Atividade física Figura 13 – Esquema do novo sistema nacional de esporte Políticas públicas voltadas a segmentos da prática esportiva precisam se estruturar para atender todos os cidadãos. Para isso, gastos públicos precisam ser mais bem distribuídos entre programas do SND, de forma a não privilegiar apenas o esporte de rendimento, tendo em vista seus muitos outros papéis. Políticas públicas também devem atender a população adulta e idosa; entretanto, manter tais programas sob a tutela do discurso de inclusão social – como tem sido feito com ONGs – também não parece o caminho, uma vez que também não atendem todos, mas somente aqueles em vulnerabilidade social. Políticas universais devem direcionar recursos públicos a cidadãos de todas as idades. O foco das políticas públicas de incentivo ao esporte deve mudar também por causa da atual estrutura etária brasileira, que vem se alterando, pois a expectativa de vida e a longevidade vêm aumentando (IBGE, 2015). 29 ESPORTES COLETIVOS 4 CLASSIFICAÇÃO DOS ESPORTES Baseado na definição de esporte já apresentada – como prática regida por um conjunto de regras formais, institucionalizadas por organizações (associações, federações e confederações esportivas) que definem as normas de disputa e desenvolvem modalidades em todos os níveis de competição –, ele pode apresentar variadas classificações. Para este livro-texto será utilizado um modelo de classificação de Gonzalez (2004), baseado na lógica interna, tendo como referência critérios de cooperação, interação com o adversário, desempenho motor e objetivos táticos da ação. Esse modelo também é usado nos documentos nacionais mais recentes, como a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que determina as diretrizes do ensino dos esportes no âmbito escolar. Esse modelo distribui modalidades esportivas em categorias, privilegiando as ações motoras intrínsecas, reunindo esportes que apresentam exigências motrizes semelhantes no desenvolvimento de suas práticas. Assim, são apresentadas sete categorias de esportes que servem apenas para facilitar a compreensão de cada uma delas. Inicialmente, é importante ter a noção de que uma atividade só é esporte quando há disputa entre adversários; entretanto, o modo como se enfrentam pode variar durante uma partida. Existem modalidades nas quais os adversários podem intervir diretamente na ação dos outros o tempo todo, como futebol, judô, handebol, entre outros. Nessa categoria, não é necessário contato físico para haver interação entre os adversários, como é o caso do tênis e do voleibol, onde a ação de um jogador sempre se vincula e depende da ação do adversário. Estes são chamados de esportes com interação entre adversários. No entanto, existem esportes nos quais não é permitido nenhum tipo de interação, como ginástica rítmica, patinação artística, boliche etc. – chamados de esportes sem interação entre adversários. A partir da compreensão desse conceito e das relações de oposição entre adversários, serão apresentados grupos/classificações dos esportes dentro das categorias com e sem interação. Entre aqueles sem interação, três categorias podem ser identificadas, baseadas nos aspectos do movimento executado: • Esportes de marca: baseados na comparação de índices, ou marcas, alcançados em unidades de segundos, metros ou quilos. Como exemplos apresentam-se todas as provas do atletismo, patinação de velocidade, remo, ciclismo, levantamento de peso etc. São provas nas quais os adversários medem forças para superar uns aos outros. Uma das características mais destacadas nos esportes de marca é a quebra de recordes. • Esportes técnico-combinatórios: são aqueles em que a comparação do desempenho está centrada no perfil estético e no grau de dificuldade (geralmente associado à acrobacia) do movimento, estabelecidos por padrões, códigos ou critérios das regras. São exemplos todas as modalidades de ginástica (acrobática, aeróbica esportiva, artística, rítmica, de trampolim), a patinação artística, o nado sincronizado e saltos ornamentais. Nos esportes técnico-combinatórios, o vencedor é quem consegue executar movimentos difíceis com mais estilo e beleza estética. 30 Unidade I • Esportes de precisão: são aqueles cujo objetivo principal é arremessar, bater ou lançar um objeto (bocha, bola, flecha, projétil) procurando acertar um alvo fixo ou em movimento. É considerado o número de vezes que um atleta tentou acertar o alvo (leva vantagem na pontuação quem conseguir acertar o alvo no menor número de tentativas), ou então compara-se a proximidade do objeto arremessado em relação ao alvo. São exemplos bocha, croquet, curling, golfe, sinuca, tiro com arco, tiro esportivo etc. Destaca-se a importância do controle do movimento do atleta no manejo preciso do objeto. Ou seja, nesses esportes é mais importante a precisão do que velocidade, força ou resistência física. Na categoria de esportes com interação, o critério de classificação se baseia nas tomadas de decisão (aspectos da tática) e nas ações (aspectos da técnica) dos sujeitos (no caso individual ou coletivo) para atingir a meta. Nessa categoria são apresentados quatro tipos de esporte: • Esportes de combate: disputas nas quais uns tentam vencer os outros por meio de toques, desequilíbrios, imobilizações, exclusão de determinado espaço ou até mesmo por contusões. São exemplos o boxe, esgrima, jiu-jítsu, judô, karatê, luta, sumô, taekwondo etc. Para se dar bem nesses esportes, é preciso atingir o corpo do adversário ou conseguir algum grau de controle sobre ele. Esportes de combate são sempre individuais. • Esportes de campo e taco: modalidades cujo objetivo é rebater a bola o mais longe possível para tentar percorrer o maior número de vezes as bases (ou a maior distância entre as bases) para somar pontos. Nestas modalidades as equipes atacam e defendem alternadamente. Um ataque sempre começa quando um rebatedor consegue bater com um taco (ou outro instrumento) na bola arremessada pelo jogador adversário, tentando mandá-la o mais longe possível dentro do campo de jogo para atrasar a devolução da bola por parte da defesa e, então, percorrer a distância necessária para marcar pontos. Uma das diferenças dos esportes de campo e taco para os outros tipos de esportes é que a equipe de defesa sempre começa a partida com a posse da bola. Exemplos de modalidades deste tipo são o beisebol, críquete e o softbol. No Brasil, em geral, esses esportes são pouco conhecidos por não fazerem parte da cultura de práticas do país. Figura 14 – Jogo de softbol Disponível em: https://cutt.ly/JNoLD38. Acesso em: 25 out. 2022. 31 ESPORTES COLETIVOS • Esportes com rede divisória ou parede de rebote: modalidades nas quais se arremessa, lança ou bate na bola ou peteca em direção à quadra adversária (sobre a rede ou contra uma parede) de forma que o adversário não consiga devolvê-laou pelo menos tenha dificuldades para isso. Exemplos de esportes com rede divisória são voleibol, vôlei de praia, tênis, badminton, pádel, peteca, entre outros; e exemplos de esportes com parede de rebote são o raquetebol e o squash. No caso do tênis, badminton, peteca, e raquetebol, o vaivém da bola ou da peteca é constante. Já no voleibol, punhobol e vôlei de praia é possível devolver a bola direto ou fazer passes entre companheiros da mesma equipe antes de mandar a bola para o outro lado da quadra. Na defesa, a ideia é ocupar os espaços da melhor forma possível para receber bem a bola ou a peteca e devolvê-la de um jeito que dificulte a ação dos adversários. A) B) Figura 15 – Badminton Disponível em: A) https://cutt.ly/5NoZLOL; B) https://cutt.ly/5NoZbLq. Acesso em: 25 out. 2022. 32 Unidade I • Esportes de invasão: modalidades cujas equipes tentam ocupar o setor da quadra/campo defendido pelo adversário para marcar pontos (gol, cesta, touchdown) enquanto precisam proteger a própria meta. Exemplos são o basquetebol, floorball, frisbee, futebol, futsal, futebol americano, handebol, hóquei na grama, lacrosse, polo aquático, rugby etc. Nesses esportes as equipes jogam em quadras ou campos retangulares. Em uma das linhas de fundo fica a meta a ser atacada, e na outra linha de fundo, a que deve ser defendida. Para atacar a meta do adversário, uma equipe precisa, necessariamente, ter a posse de bola (ou objeto usado como bola) para avançar sobre o campo do adversário (geralmente fazendo passes) e criar condições para fazer gols, cestas ou touchdowns. Nesse tipo de esporte, enquanto uma equipe tenta avançar, a outra tenta impedir os avanços, e para evitar que uma chegue à meta defendida pela outra é preciso reduzir os espaços de atuação do adversário de forma organizada e, sempre que possível, tentar recuperar a posse de bola e atacar. Tudo isso pode ocorrer simultaneamente. Figura 16 – Floorball Disponível em: https://cutt.ly/ENoZ5zE. Acesso em: 25 out. 2022. Compreender as características dos tipos de esporte permite ao profissional de educação física identificar semelhanças entre eles para eleger adequadamente atividades que desenvolvam essas habilidades e competências. Essa compreensão é importante e deve permitir que o profissional localize a maioria das modalidades num sistema de classificação, conforme a figura 17. 33 ESPORTES COLETIVOS Esportes Relação de oposição Invasão Precisão Marca Col. Col. Col. Col. Col. Ind. Ind. Ind. Ind. Ind. Combate Campo e Taco Técnico–combinatório Desempenho comparado Sem interação entre adversários Com interação entre adversários Rede divisória ou parede de rebote Podem ser classificados de acordo com a em são são são Podem ser classificados de acordo com o tipo de Podem ser classificados de acordo com o podem ser podem ser podem ser podem ser Col. Princípio tático do jogo Figura 17 – Mapa dos esportes. Ind.: individuais; Col.: coletivos Fonte: González e Bracht (2012, p. 126). A partir dessa classificação, vamos definir esportes coletivos e entender onde eles se situam, para em seguida direcionar o texto aos JECs, foco deste material. Lembrete JECs: jogos esportivos coletivos. 4.1 Esportes coletivos e JECs Esportes coletivos são todas as modalidades em que equipes são constituídas por duas ou mais pessoas, e podem estar incluídas em qualquer uma das categorias mencionadas, considerando a interação dos participantes (com exceção dos esportes de combate, sempre individuais). Este livro-texto trata dos aspectos pedagógicos do ensino dos JECs, entretanto, para entender essas práticas pedagógicas, é fundamental compreender a relação entre jogo e esporte coletivo. 34 Unidade I O jogo pode ser considerado um fenômeno com características antagônicas, uma vez que pode ser tanto lúdico como competitivo. Apesar de representar uma aparente desordem, tem regras claras e é dotado de imprevisibilidade e incerteza, ordem, desordem, tensão, movimento, mudança, solenidade, ritmo e entusiasmo (LEONARDO; SCAGLIA; REVERDITO, 2009). Considerando que o jogo é um sistema complexo, e ao considerá-lo uma grande categoria da qual o esporte faz parte, pode-se afirmar que esportes coletivos também são um sistema dotado de complexidade. Basta analisar o esporte coletivo como ambiente (sistema) dinâmico, onde uma equipe tenta desequilibrar as ações da outra, com ambas buscando organizar-se e equilibrar-se (REVERDITO; SCAGLIA, 2007). O jogo e o esporte se confundem um no outro, pois ambos possuem uma mesma natureza, o sentido literal e dinâmico do jogar. Assim o princípio sobre qualquer forma de abordagem aos jogos esportivos coletivos deverá por começar na sua forma primária de jogo (REVERDITO; SCAGLIA, 2007, p. 52). A literatura considera esporte uma manifestação do jogo devido a tantas similaridades e pelo fato de jogo ser uma instância maior que esporte, englobando tantas outras manifestações, inclusive o esporte (FREIRE; SCAGLIA, 2003). Jogos podem ser classificados em grupos ou famílias de jogos com semelhanças e diferenças, de acordo com suas relações de complexidade. Bayer (1994) identificou um agrupamento dos esportes coletivos a partir de características similares em sua lógica: Ataque Conservação da bola Progressão dos jogadores e da bola até a meta contrária Ataque à meta contrária para marcar o ponto Defesa Recuperação da bola Impedir a progressão dos jogadores e da bola até minha meta Proteção da minha meta ou campo Figura 18 – Princípios operacionais dos jogos esportivos coletivos Adaptada de: Leonardo, Scaglia e Reverdito (2009). 35 ESPORTES COLETIVOS É possível identificar um funcionamento semelhante na organização dos esportes coletivos: quando ataca, a equipe busca manter a posse de bola, progredir no sentido do objetivo oposto e, por fim, tentar marcar um ponto; quando defende, busca proteger seu alvo, impedir a progressão adversária e recuperar a posse da bola. Ao analisar esportes coletivos nessa perspectiva, a estrutura do basquete e do futebol, por exemplo, são semelhantes. Assim, sob a lógica do jogo, a estrutura pedagógica para ensinar ambos pode ser transferida de um para outro, mas é possível observar que, entre esportes coletivos, existem aspectos que os diferem, como o gesto técnico ou outras estruturas, como os sistemas defensivos, que podem ser compostos por quantidade de linhas defensivas e ofensivas diferentes (BAYER, 1994). Assim, devido a essas características, Scaglia (2003) aponta que esportes coletivos formam uma família dos JECs, conceito ilustrado na figura 19. Família dos jogos (…) Família dos jogos (…) Família dos jogos (…) Família de jogos populares Família dos jogos de 2×2 com alvo Família dos jogos de bolas com as mãos Família dos jogos de bolas com os pés Fu te bo l Futsal (...) Hóquei Rugby Futebol americano Basquete Ha nd eb ol Família dos jogos (…) Família dos jogos esportivos coletivos Figura 19 – Organização das diversas famílias de jogos. É notável como os esportes coletivos inserem-se concomitantemente na família dos JECs e em outras famílias de jogos não esportivizados Fonte: Leonardo, Scaglia e Reverdito (2009). 36 Unidade I Entre os JECs da mesma família não há destaque de modalidade sobre outras famílias; assim, a experiência vivida em uma modalidade será transferida para outra, pois a estrutura funcional dos jogos é a mesma. Ou seja, a experiência vivida no basquete terá a mesma lógica funcional do polo aquático, futebol americano, handebol e tantos outros. Além disso, outros jogos não classificados como JECs – como o jogo dos 10 passes – trazem benefícios para a aprendizagem do handebol, basquete, futebol americano e outros. Tendo em vista que o jogo é um sistema complexo, cujas partes não podem ser compreendidas sem se complementar – formando seu “todo”–, ele deve ser uma peça fundamental para a aprendizagem esportiva,