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www.leonardodemoraesadv.com 1 CONFLITO APARENTE DE NORMAS PENAIS PROFESSOR: LEONARDO DE MORAES É quando 2 ou mais normas aparentemente podem ser aplicadas ao mesmo fato. Tal conflito é meramente aparente, pois apenas uma das normas será efetivamente aplicada. Requisitos para o conflito aparente de normas: a) Unidade de fato; b) Pluralidade de normas aplicáveis ao mesmo fato (aparente); c) Vigência contemporânea de todas as normas. Obs: Não se confunde com conflito de leis penais no tempo, pois neste as normas não vigoram ao mesmo tempo, mas se sucedem no tempo, faltando o requisito de letra “c” (contemporaneidade). No conflito de leis no tempo aplica-se o princípio da sucessividade, porquanto são leis que sucedem uma a outra. Assim, se as leis estão vigendo ao mesmo tempo e à época do fato, será conflito aparente de normas; e se a vigência sucede uma a outra será conflito de leis no tempo. Existem 4 princípios que resolvem o problema do conflito aparente de leis penais, indicando qual lei será aplicada ao caso concreto: 1º) Princípio da especialidade (lex specialis derogat legi generali) A lei especial prevalece sobre a lei geral. Lei especial é aquela que contém todos os elementos da lei geral e acrescenta outros, chamados de elementos especializantes. Ocorre muito no tipo simples x tipo derivado (qualificadora ou privilégio). Ex: Furto simples (lei geral) x furto qualificado (lei especial); www.leonardodemoraesadv.com 2 Ex2: receptação simples (lei geral) x receptação privilegiada (lei especial). Poderá haver relação entre lei geral e lei especial em crimes diversos, desde que ambos tutelem o mesmo bem jurídico. Ex: homicídio (lei geral) x infanticídio (lei especial): Art. 121 - Matar alguém. Art. 123 - Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após (elementos especializantes). Segundo art. 12, só será aplicada a lei geral quando a lei especial não dispuser de modo diverso. Legislação Especial Art. 12 - As regras gerais deste Código aplicam-se aos fatos incriminados por lei especial, se esta não dispuser de modo diverso. 2º) Princípio da subsidiariedade (lex primaria derogat legi subsidiariae) Uma norma que prevê uma ofensa mais ampla e mais grave ao bem jurídico (norma primária) prevalece sobre outra norma que prevê ofensa menos ampla e menos grave a este bem jurídico (norma subsidiária). A norma subsidiária funciona como soldado reserva (Hungria). A subsidiariedade pode ser: a) Expressa ou explícita: quando a própria lei já diz expressamente que só será aplicada se o fato não constituir crime mais grave. Ex: art. 132, já diz expressamente que só incidirá se o fato não constituir crime mais grave. Assim, se no julgamento (júri, por exemplo) não existir a intenção de matar (animus necandi), o juiz condenará pelo crime do art. 132: www.leonardodemoraesadv.com 3 Perigo para a Vida ou Saúde de Outrem Art. 132 - Expor a vida ou a saúde de outrem a perigo direto e iminente: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, se o fato não constitui crime mais grave (subsidiariedade expressa) Falsa Identidade Art. 307 - Atribuir-se ou atribuir a terceiro falsa identidade para obter vantagem, em proveito próprio ou alheio, ou para causar dano a outrem: Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa, se o fato não constitui elemento de crime mais grave. Violação de Sigilo Funcional Art. 325 - Revelar fato de que tem ciência em razão do cargo e que deva permanecer em segredo, ou facilitar-lhe a revelação: Pena - detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, ou multa, se o fato não constitui crime mais grave. Outros exemplos: arts. 238, 239 etc. b) Tácita ou implícita: quando a lei não diz expressamente o seu caráter subsidiário. Aqui a norma subsidiária funciona como elementar ou circunstância da norma mais grave. Ex1: A foi acordado em casa com barulho e ao chegar na sala viu pessoa que acabara de quebrar a janela tentando entrar na casa – A apontou a arma e rendeu o rapaz – o juiz poderá entender que houve tentativa de furto – do contrário, poderá entender que houve crime de dano (quebrou a janela) – senão, violação de domicílio. Ex2: extorsão (art. 158) e sequestro (art. 148) são subsidiários em relação à extorsão mediante sequestro (art. 159). www.leonardodemoraesadv.com 4 Princípio da especialidade ≠ da subsidiariedade: Especialidade: a comparação entre as duas leis se dá em abstrato; uma norma é gênero e a outra é espécie; prevalece sempre a lei especial, ainda que mais branda. Subsidiariedade: a comparação entre as duas leis é realizada à luz do caso concreto; uma norma não é espécie da outra; prevalece a norma mais severa (norma primária), que afasta a mais branda (norma subsidiária). 3º) Princípio da consunção (ou absorção) (lex consumens derogat legi consumptae) Fatos mais amplos e mais graves absorvem fatos menos amplos e menos graves, que funcionam como fase normal de preparação ou de execução do crime ou como mero exaurimento. As hipóteses de incidência do princípio são as seguintes: a) Crime complexo: resulta da fusão entre dois ou mais delitos autônomos. Os crimes autônomos serão absorvidos pelo crime complexo. Ex: roubo (art. 157) + homicídio (art. 121) = latrocínio (art. 157, §3º). Ex2: ameaça (art. 147) + furto (art. 155) = roubo (art. 157). Roubo Art. 157 - Subtrair coisa móvel alheia, para si ou para outrem, mediante grave ameaça ou violência a pessoa, ou depois de havê-la, por qualquer meio, reduzido à impossibilidade de resistência: Art. 157, § 3º - Se da violência resulta lesão corporal grave, a pena é de reclusão, de 7 (sete) a 15 (quinze) anos, além da multa; se resulta morte, a reclusão é de 20 (vinte) a 30 (trinta) anos, sem prejuízo da multa. www.leonardodemoraesadv.com 5 Obs: art. 101 do CP, que define o crime complexo e fala da ação penal neste delito. Quer dizer que se um dos crimes que formam o complexo for de ação penal pública, todo o complexo também será processado mediante ação penal pública. Ação Penal no Crime Complexo Art. 101 - Quando a lei considera como elemento ou circunstâncias do tipo legal fatos que, por si mesmos, constituem crimes, cabe ação pública em relação àquele, desde que, em relação a qualquer destes, se deva proceder por iniciativa do Ministério Público. Este dispositivo apenas do crime complexo puro. Vejamos: O crime complexo puro pode ser: - Puro: é aquele que decorre de 2 crimes autônomos (fato típico + fato típico). Ex: ameaça + furto = roubo. - Impuro: é aquele que decorre da soma de fato típico + fato atípico. Ex: constrangimento ilegal + prática sexual. Por isso que estupro é crime complexo impuro. b) Crime progressivo: a prática de um delito pressupõe necessariamente a prática de outro. Ex: Para matar é necessário que se lesione, de forma que a lesão corporal é fase normal de execução de crime mais grave (a lesão corporal será crime de ação de passagem). Ex2: Para cometer furto em residência é necessária a violação de domicílio. Este crime ficará absorvido pelo furto. c) Progressão criminosa: há multiplicidade de dolo do agente. O dolo do agente sofre uma modificação, desde que no mesmo contexto fático. www.leonardodemoraesadv.com 6 Ex: A discute comB em um bar e faz várias injúrias (dolo) – A muda o dolo e resolve agredir fisicamente B – A muda mais uma vez o dolo e resolve matar – responderá apenas pelo homicídio, absorvendo a injúria e a lesão corporal, pois foram praticados no mesmo contexto fático. Crime progressivo ≠ progressão criminosa: - Crime progressivo: o dolo, desde o início, já estava voltado para o crime mais grave. Ele já queria matar na origem. - Progressão criminosa: O dolo está voltado para o menos grave, e durante é que decide mudar o dolo para o crime mais grave. d) Fato anterior impunível: um delito (crime meio) é meio necessário para outro delito (crime fim). O crime meio não será punido, ficando absorvido pelo crime fim. Ex: Art. 25 da LCP (DL 3.688/41) pune quem porta chave falsa (ex: gazua) em via pública, desde que já tenha sido condenado anteriormente pela prática de crime patrimonial – assim se esta pessoa portava chave falsa para cometer furto e efetivamente o comete – responderá por furto, restando absorvida a contravenção penal. Posse Não Justificada de Instrumento de Emprego Usual na Prática de Furto Art. 25 - Ter alguém em seu poder, depois de condenado por crime de furto ou roubo, ou enquanto sujeito à liberdade vigiada ou quando conhecido como vadio ou mendigo, gazuas, chaves falsas ou alteradas ou instrumentos empregados usualmente na prática de crime de furto, desde que não prove destinação legítima: Pena - prisão simples, de 2 (dois) meses a 1 (um) ano, e multa. Ex2: Porte de arma e homicídio – responderá apenas por homicídio. Nos exemplos, é preciso que estejam todos no mesmo contexto fático. www.leonardodemoraesadv.com 7 Ex3: Súmula 17 do STJ: fala do estelionato cometido com documento falso, e este falso é absorvido pelo estelionato. Súmula nº 17 Estelionato - Potencialidade Lesiva Quando o falso se exaure no estelionato, sem mais potencialidade lesiva, é por este absorvido. Crime progressivo ≠ fato anterior não punível: se a passagem pelo crime menos grave é obrigatória será crime progressivo. Mas se a passagem não é obrigatória, será fato anterior não punível. e) Fato posterior impunível (exaurimento): após consumar a infração penal, o agente torna a agredir o mesmo bem jurídico, visando tirar vantagem da prática anterior. Este fato posterior não será punido. Ex: furto de celular e depois destrói (só responderá por furto, e não furto + dano); Ex2: furto de celular e influencia 3º para adquirir (o que furtou responderá apenas por furto, e não furto + receptação). 4º) Princípio da alternatividade Serve para solucionar conflito nos chamados tipos mistos alternativos, ou seja, tipos penais que descrevem crimes de ação múltipla ou de conteúdo variado (o tipo prevê mais de uma forma de cometimento do mesmo crime). Praticando uma ou várias condutas, o delito será uno. Ex: art. 14 da Lei 10.826/03, que traz 13 condutas. Porte ilegal de arma de fogo de uso permitido www.leonardodemoraesadv.com 8 Art. 14. Portar, deter, adquirir, fornecer, receber, ter em depósito, transportar, ceder, ainda que gratuitamente, emprestar, remeter, empregar, manter sob guarda ou ocultar arma de fogo, acessório ou munição, de uso permitido, sem autorização e em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 4 (quatro) anos, e multa. Ex2: Art. 122 do CP, que tem 3 condutas típicas. Induzimento, Instigação ou Auxílio a Suicídio Art. 122 - Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça. Ex3: Art. 33 da Lei 11.343/06. Art. 33. Importar, exportar, remeter, preparar, produzir, fabricar, adquirir, vender, expor à venda, oferecer, ter em depósito, transportar, trazer consigo, guardar, prescrever, ministrar, entregar a consumo ou fornecer drogas, ainda que gratuitamente, sem autorização ou em desacordo com determinação legal ou regulamentar: Pena - reclusão de 5 (cinco) a 15 (quinze) anos e pagamento de 500 (quinhentos) a 1.500 (mil e quinhentos) dias-multa. É criticado como princípio, pois não existe várias normas aparentemente aplicáveis ao mesmo fato, mas sim vários verbos em uma mesma lei. Na verdade, a alternatividade é a aplicação da consunção dentro do mesmo tipo penal.
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