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60 Unidade II Unidade II 5 BIODISPONIBILIDADE DE FERRO E VITAMINAS C, B9 E B12 5.1 Ferro e vitamina C 5.1.1 Nomenclatura, estrutura química e função O ferro é um nutriente fundamental para todas as células vivas, participando de numerosas vias metabólicas e considerado, desde 1860, essencial para os seres humanos. A quantidade circulante de ferro em um indivíduo adulto corresponde a 3 a 5 g, distribuindo-se basicamente em duas categorias: a dos compostos essenciais ou funcionais, que correspondem a cerca de 80% desse ferro, fazendo parte desse grupo a hemoglobina (65% a 70%), mioglobina, citocromo-oxidases, transferases, catalases e outras enzimas (ao redor de 10%). Os 20% restantes pertencem à categoria do ferro que se encontra sob a forma de depósito, estocado nos hepatócitos e nas células do sistema retículo endotelial (SRE), na forma de ferritina e hemossiderina, sendo 1/3 no fígado, 1/3 na medula óssea e o restante no baço e em outros tecidos (YIP; DALLMAN, 1998). O ferro utilizado no organismo tem origem de três fontes: degradação da hemoglobina, ferro dietético e liberação dos estoques. Apesar de sua importância para as células vivas, o ferro em estado livre pode ser tóxico por catalisar a formação de radicais livres, devendo sempre estar ligado a proteínas para prevenir danos teciduais (BRAGA; BARBOSA, 2006). O oligoelemento ferro está presente nos sistemas biológicos de duas formas ou estados de oxidação: ferroso (Fe2+) e férrico (Fe3+). Em grande parte das suplementações feitas em soluções aquosas, o ferro está presente no estado ferroso, sendo rapidamente oxidado ao estado férrico, insolúvel em pH fisiológico. Para que seja mantido em solução e utilizado pelo organismo, o ferro necessita se associar a algum composto quelante, um exemplo é a transferrina no plasma, proteína sintetizada pelo organismo e fundamental na captação, transporte e estoque do metal (BRAGA; BARBOSA, 2006). Nos seres vivos, o ferro é um elemento com papel essencial nos processos metabólicos, participando como cofator nas reações de transferência e conservação de energia, fazendo parte também da síntese de biomoléculas, reações redox na cadeia de transporte de elétrons, tomando parte da estrutura molecular de diversas proteínas e enzimas e participando no transporte do oxigênio O ferro é componente de inúmeras proteínas, incluindo enzimas e hemoglobina, sendo esta última de grande importância para o transporte de oxigênio para os tecidos (YIP; DALLMAN, 1998). A participação do ferro na eritropoiese é uma das funções mais importantes por sua presença na forma heme em hemoglobina, mioglobina e citocromos. A hemoglobina tem como função transportar oxigênio (O2) por meio da corrente sanguínea dos pulmões para os tecidos/órgãos e retornar com dióxido de carbono (CO2) dos tecidos para os pulmões. Aproximadamente 67% do nosso ferro corporal 61 NUTRIÇÃO E BIODISPONIBILIDADE DE NUTRIENTES encontram-se na hemoglobina, proteína composta por quatro subunidades com um grupo heme associado, e para cada grupo um átomo de ferro capaz de se ligar a uma molécula de oxigênio. Para cada hemácia que desempenha adequadamente a sua função, encontramos aproximadamente 640 milhões de moléculas de hemoglobina (YIP; DALLMAN, 1998). Uma das principais funções biológicas do ferro em sistemas vivos é o seu papel no metabolismo energético devido a sua facilidade de doar e receber elétrons. Entre os compostos de ferro envolvidos na produção de energia podemos mencionar a hemoglobina, a mioglobina, as enzimas oxidativas como a dehidrogenase e os citocromos; estes últimos são um grupo de enzimas transportadoras de elétrons localizadas nas mitocôndrias de todas as células com função aeróbica, caracterizadas pela presença de um grupo heme (ferro-protoporfirina) como grupo prostético (BRAGA; BARBOSA, 2006). Os citocromos são conhecidos por sua importância no metabolismo humano, uma vez que atuam no transporte de elétrons durante a produção de energia celular, na produção de energia mitocondrial (adenosina trifosfato – ATP) e podem ser também componentes de enzimas não dependentes do heme, como as desidrogenases do metabolismo energético. Os citocromos também atuam na degradação oxidativa de substâncias tóxicas, sendo os citocromos P450 responsáveis pela oxigenação de xenobióticos lipofílicos (YIP; DALLMAN,1998; SANTIAGO, 2003). O organismo absorve normalmente moléculas de carbono, utilizando gorduras e vitaminas da dieta. Contudo, algumas toxinas e drogas ricas em carbono também seguem esse fluxo e necessitam ser eliminadas pelos aparelhos digestório e urinário, e para isso existe um sistema especial que capta essas moléculas tornando-as mais solúveis e, assim, de mais fácil eliminação. O citocromo P450 está no centro desse sistema (GOODSELL, 2001). A vitamina C atua conjuntamente ao ferro, melhorando a sua disponibilidade, porém também é reconhecida por seu papel antioxidante. Por esse motivo, é um nutriente relevante na prevenção de doenças cardiovasculares e demais doenças crônicas não transmissíveis. Estudos realizados em grandes populações reforçam evidência de que o consumo frequente de frutas e vegetais reduzem o risco de doenças cardiovasculares pela presença de uma substância antioxidante com capacidade de prevenir a oxidação e alteração na configuração química do LDL-colesterol, especificamente a sua porção de ApoB – essa substância é a vitamina C. Ela desempenha essa função também por outro mecanismo, reduzindo a adesão de monócitos na camada endotelial e diminuindo o risco para a formação de placas de ateroma e disfunção endotelial. Adicionalmente, a vitamina C aumenta a produção de óxido nítrico e consequente vasodilatação, condição que melhora a perfusão sanguínea e reduz a pressão arterial sistêmica (MOSER; CHUN, 2016). A capacidade redutora do ácido ascórbico faz parte de várias reações bioquímicas e caracteriza sua função biológica. Além das atividades já descritas, a vitamina C atua como cofator de numerosas reações que requerem cobre e ferro reduzidos como antioxidantes hidrossolúveis que atuam em ambientes intra e extracelulares, participa da hidroxilação do colágeno, da biossíntese da carnitina e da biossíntese de hormônios e aminoácidos. Alguns estudos sugerem que o ascorbato desempenha papel importante na expressão gênica do colágeno, na secreção celular de procolágeno e na biossíntese de outras substâncias do tecido conectivo, como elastina, fibronectina, proteoglicanos e elastina associada à fibrilina. 62 Unidade II Além das funções da vitamina C já descritas, descobertas recentes no campo da epigenética demonstraram que esse nutriente na forma de ascorbato promove a desmetilação do DNA e das histonas. A epigenética é a área da medicina que estuda a interface entre o ambiente e a genética e as histonas são as principais proteínas presentes no nucleossomo e que possuem um importante papel na regulação dos genes (WANG et al., 2016). 5.1.2 Metabolismo: digestão, absorção, transporte, utilização, excreção e armazenamento A cada 120 dias, os eritrócitos são removidos da circulação e 90% do ferro retornam à medula óssea por meio do plasma ligado a proteína, sendo reutilizados para a produção de novos glóbulos vermelhos; os 10% restantes são utilizados por células de outros sistemas ou seguem para o depósito. Desse modo, em condições normais, pela reciclagem, o organismo consegue conservar e reutilizar o ferro já absorvido anteriormente (FISBERG; BORTOLINI, 2008). Diariamente, uma pequena quantidade de ferro (1 a 2 mg por dia) é excretada de maneira fisiológica, o que torna necessária a absorção de igual quantidade de ferro pela dieta, a fim de que seja mantida a quantidade deste mineral no organismo. Perdas diárias e em pequenas quantidades ocorrem a partir das fezes, de descamação dos enterócitos e da pele, da bile e da urina. Na ausência de sangramento ou gravidez, apenas uma pequena quantidade é perdida a cada dia. Na infância,perdas de ferro diárias são estimadas em 0,2 mg para lactentes e 0,5 mg para idades de 6 a 11 anos. Ao mencionarmos o ferro, torna-se essencial traçar um paralelo com a vitamina C ou ácido ascórbico; atualmente, a vitamina C é também conhecida como ácido ascórbico, L-ácido ascórbico, ácido deidroascórbico, ascorbato e vitamina antiescorbútica (FISBERG; BORTOLINI, 2008). O ácido ascórbico é um composto hidrossolúvel que corresponde a uma forma oxidada da glicose, C6H8O6 (176,13 g/mol), sendo uma alfa-cetolactona de seis átomos de carbono, formando um anel lactona com cinco membros e um grupo enadiol bifuncional com um grupo carbonilo adjacente, embora possa ser obtida a partir do metabolismo da glicose. Essa é uma pequena quantidade em se tratando de sua necessidade metabólica; logo, podemos dizer que a vitamina C tem como característica comum a sua semelhança às demais vitaminas e minerais, ou seja, a sua essencialidade caracterizada pela necessidade e obtida via alimentação, uma vez que não pode ser sintetizada por seres humanos e primatas (FISBERG; BORTOLINI, 2008). O HO H HO HO OH O Figura 16 – Estrutura química do ácido ascórbico Disponível em: https://bit.ly/37272gO. Acesso em: 23 jul. 2021. 63 NUTRIÇÃO E BIODISPONIBILIDADE DE NUTRIENTES O ascorbato é a sua forma biologicamente ativa e pode ser oxidado resultando de forma reversível ao semidehidroascorbato e radical ascorbato, sendo essas formas menos ativas (SILVA; ANTUNES; COZZOLINO, 2016). O principal fator que regula o conteúdo de ferro no organismo é a absorção intestinal, que ocorre nas vilosidades dos enterócitos duodenais e do jejuno superior. A absorção do ferro na luz intestinal é regulada conforme as necessidades orgânicas e o estado nutricional, a partir de um mecanismo de down regulation, resultando no aumento da absorção em situações de deficiência do mineral e redução em situações de sobrecarga. O processo de absorção ocorre em três estágios e compreende a captação do ferro pela borda em escova do enterócito, o transporte intracelular e a transferência para o plasma (BOCCIO et al., 2003). O principal mecanismo de absorção do ferro não heme, forma encontrada nos alimentos de origem vegetal, necessita de um ambiente ácido para reduzir o Fe3+ dietético a Fe2+ e para isso a saúde gástrica é fundamental, pois o pH ajudará no início do processo de digestão e posterior absorção. A maior parte do ferro inorgânico está presente na forma Fe3+ e é fornecida por vegetais e cereais. A aquisição do ferro da dieta na forma heme corresponde a 1/3 do total e é proveniente da quebra da hemoglobina (Hb) e mioglobina contidas na carne vermelha. Ovos e laticínios fornecem menor quantidade dessa forma de ferro, que é melhor absorvida do que a forma inorgânica (GROTTO, 2008). Fe3+ Fe3+ Transferrina + Fe3+ Fe2+ Fe2+ Fe2+ Fe 2+ Dcytb HCP1 Heme Hemeoxigenase Ferritina Enterócito Ferroportina Hefaestina TfR HFE Nu DMT-1 Figura 17 – Os enterócitos e as proteínas envolvidas na absorção do ferro Fonte: Grotto (2008, p. 391). 64 Unidade II Nos países industrializados, o ferro representa a principal deficiência de micronutrientes, o que não ocorre nos países em desenvolvimento. Embora esse micronutriente seja de fundamental importância em todos os estágios de vida, nas faixas etárias da criança, pré-escolar e escolar identificamos as maiores manifestações de carências. A figura 18 ilustra uma célula intestinal e o processo de absorção do ferro; observe que o Fe2+ e o Fe3+ são absorvidos por mecanismos diferentes; o Fe3+ necessita da ação da enzima ferroredutase (Dcytb) para ser convertido em Fe2+ tendo a vitamina C um papel importante nessa reação, uma vez que atua como cofator para a Dcytb; posteriormente o Fe2+ é captado via transportador de metal divalente 1 (DMT1); dentro do enterócito, o ferro atravessa a membrana basolateral por meio do transportador ferroportina e se liga a seguir à transferrina plasmática. O ferro heme, de origem nas carnes e vísceras, atravessa a membrana celular como uma metaloporfirina intacta. No interior do enterócito, ele sofre a ação da enzima hemeoxigenase, desprendendo-se da estrutura, passando para o sangue como ferro inorgânico. Dessa forma, após a absorção pelo enterócito, tanto o ferro heme como o não heme seguem o mesmo trajeto metabólico. Para que esse mineral seja transportado aos tecidos alvo, precisará se ligar a sua principal proteína de transporte (transferrina) de síntese hepática, predominantemente. Segundo Braga e Barbosa (2006, p. 12): Embora apenas 1% do mineral encontre-se circulando na corrente sanguínea, sua função é fundamental, pois distribui o ferro para todo o organismo. Classicamente, o complexo ferrotransferrina une-se aos receptores de transferrina presentes nas superfícies celulares e entra nas células por mecanismo de endocitose. Intracelularmente, o ferro sofre redução e é então utilizado para a síntese do grupo heme e outras proteínas ou levado a moléculas de ferritina, para armazenamento. O ferro que excede as necessidades metabólicas é armazenado principalmente sob a forma de ferritina e em pequena quantidade na forma de hemossiderina. Os estágios de vida influenciam no status corporal desse mineral; logo, nas crianças, nas mulheres em idade fértil, nas gestantes e nas nutrizes, devido à necessidade aumentada, os estoques são menores (INSTITUTE OF MEDICINE, 2002). 65 NUTRIÇÃO E BIODISPONIBILIDADE DE NUTRIENTES Fe Fe Fe Fe Ctrl FeD Figuras mitóticas Fe Fe Fe Fe Fe Fe Fe Fe Fe Fe Fe Fe Figura 18 – Regulação da absorção de ferro na mucosa intestinal Fonte: Gulec, Anderson e Collins (2014, p. 402). Durante a deficiência de ferro, adaptações na morfologia do epitélio intestinal ocorrem objetivando melhorar a assimilação desse nutriente; o aumento da espessura da mucosa, aumento do comprimento e largura das vilosidades, aumento da mitose de células-tronco nas criptas e absorção de ferro via enterócitos ao longo de um comprimento maior das vilosidades são os principais ajustes que ocorrem especificamente nos enterócitos duodenais em resposta a mudanças nas concentrações intracelulares de íons metálicos ou a alterações no estado de ferro corporal (GULEC; ANDERSON; COLLINS, 2014). A absorção de ferro também é regulada localmente por mudanças nos níveis intracelulares de ferro, que alteram as interações entre estruturas haste-alça em transcritos de mRNA e proteínas citosólicas sensíveis ao ferro (IRPs). Durante a carência do ferro ou insuficiente oxigenação dos tecidos o fator de ação trans indutível por hipóxia, fator indutível por hipóxia (HIF) 2α, é estabilizado em enterócitos, promovendo transcrição gênica, consequentemente Isso resultará no aumento do transporte de ferro por meio dos processos de transporte apical (GULEC; ANDERSON; COLLINS, 2014). A vitamina C ingerida na alimentação é absorvida rapidamente no trato gastrointestinal por transporte ativo dependente de íons de sódio, porém, esse processo é saturável e dependente da dose presente no lúmen intestinal, condição que deve ser levada em consideração em casos de suplementação da vitamina. Cerca de 80% do consumo dietético de ácido ascórbico é absorvido, mas essa taxa pode diminuir quando se aumenta a ingestão. 66 Unidade II Um segundo mecanismo de regulação do ascorbato é a excreção renal de ácido ascórbico ou seus metabólitos. Investigações recentes têm demonstrado que as quantidades excretadas de ascorbato são muito pequenas, mas aumentam proporcionalmente à oferta oral. No plasma, o ácido ascórbico é transportado em forma de ascorbato, sendo que não necessita de transportador para circular em meio extracelular por ser uma vitamina hidrossolúvel. No interior das células sanguíneas, o ascorbato é transportado na forma de deidroascorbato, composto mais permeável à membrana. Uma vez no interior da célula, o deidroascorbato transforma-se novamente em ascorbato (BRAGA; BARBOSA, 2006). A correlaçãodireta entre a vitamina C e a imunidade é explicada pelo fato de os neutrófilos e linfócitos possuírem alta afinidade ao ascorbato, porém, a concentração de vitamina C nos tecidos é maior que no plasma e na saliva. Níveis elevados se encontram nas glândulas hipófise e suprarrenal, em leucócitos, no pâncreas, nos rins, no baço e no cérebro. Por ser um agente redutor, o escorbato perde um elétron e forma o radical estável semi-hidroascórbico. Esse composto sofre uma segunda oxidação reversível, transformando-se em ácido deidroascórbico, o qual também será oxidado a ácido 2-3 dicetogulônico, e não possui atividade antiescorbútica (HENRIQUES et al., 2016). A carência de vitamina C durante a gestação está envolvida no desenvolvimento embrionário, má formação do trato gastrointestinal, prematuridade, problemas na mielinização, entre outras intercorrências. Na vida adulta, a sua carência pode associar-se a neuroinflamação e posterior desenvolvimento de doença de Parkinson ou Alzheimer (GULEC; ANDERSON; COLLINS, 2014). A vitamina C é eliminada do organismo pela via urinária na forma de deidroascorbato, cetogulonato, 2-sulfato ascorbato e ácido oxálico. Em casos de suplementação, quando consumida em altas doses (2 g/dia), essa vitamina é excretada principalmente como ácido ascórbico. Em condição de carência, a excreção urinária de ascorbato cai para níveis indetectáveis, porém, não há referências para a interpretação dos níveis de ascorbato urinário, o que inviabiliza esse parâmetro como critério para avaliação do estado nutricional (HENRIQUES et al., 2016). Os sinais de deficiência da vitamina C em indivíduos bem nutridos só se desenvolvem após quatro a seis meses de baixa ingestão, quando as concentrações plasmáticas e dos tecidos diminuem consideravelmente, porém, os primeiros sintomas de deficiência são equimoses e petéquias, sendo que as primeiras se tornam mais proeminentes, desencadeando uma condição de hiperqueratose folicular, seguida de hemorragia ocular. A deficiência de vitamina C geralmente está associada com doenças específicas, sendo o escorbuto a principal delas. Este é raramente encontrado em países desenvolvidos, embora possa ocorrer em alcoolistas crônicos. A diarreia crônica aumenta a perda fecal, e a acloridria diminui a quantidade absorvida. A anemia também está geralmente associada ao escorbuto e pode ser tanto macrocítica, induzida pela deficiência de folato, como microcítica, induzida pela deficiência de ferro. 67 NUTRIÇÃO E BIODISPONIBILIDADE DE NUTRIENTES 5.1.3 Fatores que interferem na biodisponibilidade (processamento do alimento, características genéticas, doenças, ciclo da vida, interações alimento-nutriente, nutriente-nutriente, droga-nutriente, álcool, tabaco, entre outros) As principais fontes de ferro heme da dieta são provenientes de alimentos de origem animal, como carne, frango e peixe. Nesses alimentos de origem animal, 30% a 70% do ferro é ferro heme, absorvido cerca de duas a três vezes mais facilmente que o ferro não heme. Além disso, outros fatores afetam a absorção do ferro, como a sua forma química, os ligantes alimentares e a integridade do sistema digestório. Os alimentos ligantes são o ácido ascórbico, os ácidos carboxílicos a exemplo de citrato e malato, alguns aminoácidos provenientes da digestão de carne, peixe ou aves, enquanto as substâncias conhecidas como quelantes, que impactam negativamente na absorção do ferro, são o ácido fítico presente em grãos e leguminosas, os polifenóis de alguns chás e café e o cálcio. A biodisponibilidade do ferro heme é menos afetada por alimentos ligantes, com a exceção de cálcio. O cálcio dietético tem sido relacionado com a diminuição da biodisponibilidade do ferro, tanto do ferro heme como do não heme (UMESAWA et al., 2008). Fatores antinutricionais podem interferir positiva ou negativamente na biodisponibilidade do ferro presente nos alimentos. Tabela 11 – Biodisponibilidade e teor de ferro nos alimentos crus (em mg) Alimentos Baixa Média Elevada Fontes proteicas Ovo (3,1) Soja (8,8) Farinha de soja (9,1) Carnes em geral Vaca (2,1-2,7) Frango (1,6-1,9) Peixes (0,5-1,3) Beterraba (2,5) Brócolis (15) Abóbora (0,7) Vegetais Feijão (3,3-10,2) Lentilha (8,6) Espinafre (3,0) Couve (2,2) Couve-flor (0,7) Batata (1,0) Cereais Aveia (0,6) Milho (0,5) Arroz integral (2,0) Farinha de trigo (3,3) Farinha de milho (0,9) Frutas Abacate (0,7) Banana (0,6-2,25) Maçã (0,3) Morango (0,9) Pera (0,3) Uva (0,3-0,7) Manga (0,7) Abacaxi (0,5) Laranja (0,2) Suco de limão (0,6) Adaptado de: Queiroz, Collins e Jardim (2001). 68 Unidade II O ferro presente nos alimentos de origem vegetal (ferro inorgânico ou Fe+3) tem menor biodisponibilidade do que o ferro heme ou Fe+2, encontrado nos alimentos de origem animal como fígado, carnes vermelhas e embutidos, por exemplo. Porém, estudos têm demonstrado resultados contraditórios quanto à influência da forma em que o ferro se apresenta no alimento sobre o estado nutricional em ferro nos vegetarianos (SIQUEIRA; MENDES; ARRUDA, 2007). Estudos comparando o consumo de alimentos fonte de ferro entre pessoas onívoras e vegetarianas demonstram que os últimos tinham maior ingestão de ferro, embora os níveis de ferritina sérica e hemoglobina fossem inferiores. Ao observar outros indicadores como saturação de transferrina, protoporfirina eritrocitária e ferritina, não foram observadas diferenças entre as concentrações. Ao analisarem o padrão de excreção de ferro dos dois grupos, observaram uma redução da excreção fecal da ferritina entre os indivíduos com a dieta vegetariana, sugerindo uma adaptação fisiológica para a manutenção da homeostase corporal (SIQUEIRA; MENDES; ARRUDA, 2007). Tabela 12 – Recomendações dietéticas de ferro Ciclos de vida UL EAR RDA / AI* Lactentes 0-6 meses 7-12 meses 40 40 ND 6,9 0,27* 11 Crianças 1-3 anos 4-8 anos 40 40 3 4,1 7 10 Mulheres 9-13 anos 14-18 anos 19-30 anos 31-50 anos 51-70 anos > 70 anos 40 45 45 45 45 45 5,7 7,9 8,1 8,1 5 5 8 15 18 18 8 8 Gestantes < 18 anos 19-30 anos 31-50 anos 45 45 45 23 22 22 27 27 27 Lactantes < 18 anos 19-30 anos 31-50 anos 45 45 45 7 6,5 6,5 10 9 9 Homens 9-13 anos 14-18 anos > 19 anos 40 45 45 5,9 7,7 6 8 11 8 Fonte: Fisberg e Bortolini (2008, p. 106). 69 NUTRIÇÃO E BIODISPONIBILIDADE DE NUTRIENTES Ainda com relação à interação entre nutrientes, a vitamina A e o ß-caroteno aumentam a biodisponibilidade do ferro não heme. O ácido fítico exerce um efeito inibitório na absorção de ferro e zinco por formar complexos insolúveis no intestino. A formação desses quelatos depende do teor de zinco, ferro e cálcio em relação ao de fitatos no alimento (UMESAWA et al., 2008). Alguns estudos apontam também que o modo de preparação dos alimentos e o utensílio utilizado para cocção, por exemplo, podem interferir na biodisponibilidade de nutrientes. Kumari et al. (2004) demonstraram em seu estudo um aumento do ferro total (1,2 a 10,8 vezes) associado a melhora de sua biodisponibilidade (4 vezes) em feijões cozidos em panela de ferro, quando comparado a feijões crus e cozidos em panela metálica. Como resultado percebeu-se que o ferro disponível foi aproximadamente 9% superior naqueles cozidos em panela de ferro. Os oligoelementos ferro e zinco exercem importante interação; por serem minerais dimetálicos (carga +2), a relação entre eles na dieta é fator determinante para garantir a absorção; logo, quando existe a razão molar de ferro para zinco de 2,5:1,0 na dieta parece não haver interação com desfecho prejudicial, porém, quando essa razão passa para 25:1 (Fe+2: Zn+2), percebe-se uma redução significativa na absorção do zinco. Entretanto, o impacto que o ferro exerce na absorção do zinco é menor do que a presença dos ligantes como ácido oxálico e ácido fítico na dieta. Em algumas situações específicas é possível reconhecer o impacto negativo dessa relaçãona saúde humana: mulheres entre 25 e 40 anos, após a utilização de 50 mg de zinco diários, apresentaram uma queda nos níveis de hematócrito e ferritina sérica. Para potencializar a absorção do ferro inorgânico dos alimentos, deve-se sempre associar uma porção de fruta in natura rica em vitamina C, porque irá interferir na oxidação do ferro férrico, promovendo melhora de sua disponibilidade. Esse impacto pode ser estimado a partir de um cálculo descrito a seguir. Tabela 13 – Método para classificar a disponibilidade do ferro presente nas dietas Baixa biodisponibilidade Média biodisponibilidade Alta biodisponibilidade < 23 g de carne e < 75 mg de vitamina 23 a 70 g de carne e < 25 mg de vitamina C < 23 g de carne e > 75 mg de vitamina C 23 a 70 g de carne e > 75 mg de vitamina C > 70 g de carne e < 25 mg de vitamina C > 70 g de carne e > 25 mg de vitamina C Se a refeição for de baixa biodisponibilidade: Multiplicar o total em mg de ferro não heme por 3 e dividir por 100 e obter o total do ferro não heme absorvido nessa refeição Se a refeição for de média biodisponibilidade: Multiplicar o total em mg do ferro não heme por 5 e dividir por 100 e obter o total do ferro não heme absorvido nessa refeição Se a refeição for de alta biodisponibilidade: Multiplicar o total em mg do ferro não heme por 8 e dividir por 100 e obter o total do ferro não heme absorvido nessa refeição Observação: já o total de ferro heme deve ser multiplicado por 23 e dividido por 100, portanto, o total de ferro absorvido nas refeições será a somatória do não heme com o heme Fonte: Fisberg e Bortolin (2008, p. 110). 70 Unidade II Para compreender melhor a funcionalidade do método descrito, é importante o conhecimento dos valores de ingestão recomendados para a vitamina C. Tabela 14 – Valores diários recomendados de AI para a vitamina C em criança Idade AI 0-6 meses 40 mg/dia 7-12 meses 50 mg/dia Fonte: Silva, Antunes e Cozzolino (2016, p. 429). Tabela 15 – Valores diários recomendados de EAR e RDA para a vitamina C Ciclos de vida EAR (mg) RDA (mg) Crianças 1-3 anos 4-8 anos 9-13 anos 14-18 anos 13 22 39 63 15 25 45 65 (M) 75 (H) Homens 19-30 anos 31-50 anos 51-70 anos > 70 anos 75 75 75 75 90 90 90 90 Mulheres 19-30 anos 31-50 anos 51-70 anos > 70 anos 60 60 60 60 75 75 75 75 Gestantes 14-18 anos 19-30 anos 31-50 anos 66 70 70 80 85 85 Lactantes 14-18 anos 19-30 anos 31-50 anos 96 100 100 115 120 120 EAR = Necessidade média estimada; RDA = Ingestão dietética recomendada. Fonte: Silva, Antunes e Cozzolino (2016, p. 429). 71 NUTRIÇÃO E BIODISPONIBILIDADE DE NUTRIENTES Embora saibamos dos inúmeros benefícios associados ao oligoelemento ferro, a sua sobrecarga no corpo humano pode ser prejudicial, levando lentamente à disfunção de múltiplos órgãos e finalmente ao óbito, sendo, entretanto, passível de tratamento. Ela pode ser primária, quando ocorre por absorção aumentada do ferro proveniente da dieta, ou secundária, por conta da administração de ferro terapêutico por via parenteral ou transfusões de sangue. A sobrecarga de ferro secundária às transfusões é muito mais comum, principalmente naquelas crônicas mais presentes em doenças hematológicas (BRAGA; HOKAZONO, 2006). A sobrecarga primária, em geral, é determinada por um defeito genético chamado de hemocromatose; a hemocromatose hereditária (HH) é a mais comum, e caracteriza-se pela presença de mutações genéticas que causam distúrbios em sua absorção, necessitando de acompanhamento médico especializado. Em relação às interações ocorridas com a vitamina C, megadoses podem afetar a disponibilidade da vitamina B12 dos alimentos, aumentando o risco de deficiência de vitamina B12, também segundo a vulnerabilidade. Já nos alimentos, a concentração de vitamina C é influenciada por diversos fatores: estação do ano, transporte, estágio de maturação, tempo de armazenamento e modo de cocção. Os produtos animais contêm pouca vitamina C, e os grãos não a possuem, logo, as fontes usuais de ácido ascórbico são os vegetais, frutas e legumes. Pessoas que apresentam carência de vitamina C têm defeito na liberação do Fe das células endoteliais, e nessas condições parece que o ácido ascórbico pode ser importante na modulação da síntese de ferritina e, portanto, no armazenamento de Fe. Saiba mais Sobre a vitamina C, leia o artigo a seguir: SILVA, V. L. da; ANTUNES, L. C.; COZZOLINO, S. M. F. Vitamina C (ácido ascórbico). In: COZZOLINO, S. M. F. Biodisponibilidade de nutrientes. 5. ed. Barueri: Manole, 2016. Exemplo de aplicação Observe o exercício a seguir e aprenda a aplicar o método de disponibilidade do ferro nos alimentos. Você recebe em seu consultório um paciente esportista do sexo feminino com 35 anos que descreve o seguinte almoço como sua refeição habitual: 72 Unidade II Tabela 16 Alimento Quantidade de ferro (mg) Quantidade de vitamina C (mg) 1 pires de salada de folhas 0,26 1,45 ½ tomate em rodelas 0,20 0,26 2 colheres de sopa cheias de arroz cozido 0,05 0,26 2 fatias de abóbora cabotian 0,10 2,8 2 colheres de sopa de couve refogada 0,60 tr Total 1,21 4,77 Observe: Tabela 17 Baixa biodisponibilidade Média biodisponibilidade Alta biodisponibilidade < 23 gramas de carne e < 75 mg de vitamina 23- 70 g de carne e < 25 mg de vitamina C < 23 g de carne e > 75 mg de vitamina C 23-70 g de carne > 75 mg de vitamina C > 70 g de carne e < 25 mg de vitamina C > 70 g de carne e > 25 mg de vitamina C Fonte: Fisberg e Bortolini (2008, p. 110). Passo 1 Classifique o cardápio de acordo com a biodisponibilidade: Pelo fato de não ter proteína animal (carne) e somar < 75 mg de vitamina C, podemos classificar em baixa biodisponibilidade. Passo 2 Aplique o % de aproveitamento do nutriente, conforme a determinação a seguir: Se a refeição for de baixa biodisponibilidade: multiplicar o total em mg de ferro não heme por 3 e dividir por 100 e obter o total do ferro não heme absorvido na refeição. Ferro não heme (alimentos de origem vegetal): 1,21 mg com 3% de biodisponibilidade. Passo 3 Resultado: 0,03 mg de ferro absorvido na refeição. 73 NUTRIÇÃO E BIODISPONIBILIDADE DE NUTRIENTES Caso adicionássemos na refeição, por exemplo: Maminha assada com cebola (150 gramas), com 3,6 mg de ferro e 2,10 mg de vitamina C; e suco de uva natural (200 ml), 0,20 mg de ferro e 42 mg de vitamina C, teríamos uma refeição classificada como de alta biodisponibilidade para o mineral ferro. A partir daí, o ferro heme teria 23%* de aproveitamento e o ferro não heme de 8%, conforme demonstrado a seguir: • Ferro não heme: 1,4 mg a 0,112 mg de biodisponibilidade; • Ferro heme: 3,6 mg a 0,828 mg de biodisponibilidade; • Vitamina C: 48,61 mg/refeição. *o ferro ferroso (alimentos de origem animal) sempre possui biodisponibilidade de 23%. Lembrete Podemos considerar xenobióticos substâncias biológicas com as quais temos contato cotidianamente; eles apresentam afinidade pelos lipídios que compõem as nossas membranas; por isso, são chamados de lipofílicos. Podemos considerar como xenobióticos: medicamentos, pesticidas, poluentes, agrotóxicos, algumas substâncias presentes em cosméticos, entre outros, e precisam ser “neutralizados” por meio de eliminação ou reações enzimáticas específicas. 5.2 Vitamina B9: nomenclatura, estrutura química e função O folato é um termo genérico utilizado para alguns compostos bioquímicos da vitamina B, do ácido pteroilglutâmico ou do ácido fólico, obtido exclusivamente pela dieta, cuja função relaciona-se às reações de transferência de um único carbono. O ácido fólico, ou ácido pteroilmonoglutâmico, é a versão sintética da vitamina, utilizada em suplementos vitamínicos e em fortificação de alimentos. Essa forma é considerada a mais oxidada e estável do folato, mas não a metabolicamente ativa. O ácido fólico não é encontrado naturalmente em tecidos vivos; precisa ser reduzido in vivo, a partir da adição de átomos dehidrogênio no anel pirazina da pteridina, nas posições 7, 8 e 5, 6, 7 e 8, respectivamente, resultando em moléculas de dihidrofolato e tetrahidrofolato (ROSAS et al., 2002). 74 Unidade II O grupo carboxila da porção do ácido p-aminobenzoico é formado a partir de uma ligação peptídica a um α-amino grupo de glutamato, formando pteroilglutamato (PteGlu). Nos alimentos, grande parte do folato está presente na forma de poliglutamatos reduzidos (MAFRA; COZZOLINO, 2004; ROSAS et al., 2002). OH H2N CH2 CH CH2 CH2 COOH COOHC O N H N H N N NN Vitamina B9 (ácido fólico) Figura 19 – Estrutura química do ácido fólico Fonte: Mafra e Cozzolino (2004, p. 512). A vitamina B9 atua como cofator essencial durante a transferência de carbono na reação de biossíntese de nucleotídeos essenciais para a síntese de DNA e RNA. Essa vitamina está metabolicamente relacionada com a vitamina B12 e quando consumida em quantidade insuficiente, pode favorecer o desenvolvimento de alguns tipos de cânceres (MAFRA; COZZOLINO, 2004). Saiba mais Leia mais sobre a vitamina B12 nos artigos a seguir: PANIZ, C. et al. da deficiência de vitamina B12 e seu diagnóstico laboratorial. Jornal Brasileiro de Patologia e Medicina Laboratorial, v. 41, n. 5, p. 323-34, out. 2005. MAFRA, D.; COZZOLINO, S. M. F. Vitamina B12 (cianocobalamina). In: COZZOLINO, S. M. F. Biodisponibilidade de nutrientes. 5. ed. Barueri: Manole, 2016c. Os valores estabelecidos pelas recomendações nutricionais são de fácil alcance, uma vez que essa vitamina está amplamente distribuída nos alimentos, conforme descrito nas tabelas a seguir. 75 NUTRIÇÃO E BIODISPONIBILIDADE DE NUTRIENTES Tabela 18 – Conteúdo de folato em alimentos Alimento Peso (g) Folato (µg) Fígado de galinha cozido 100 770 Fígado de peru cozido 100 666 Levedo de cerveja 16 626 Fígado de boi cozido 100 220 Lentilha 99 179 Quiabo cozido 92 134 Feijão preto cozido 86 128 Espinafre cozido 95 103 Soja verde cozida 90 100 Macarrão branco cozido 140 98 Rim de boi cozido 100 98 Amendoim 72 90 Folhas de couve cozidas e congeladas 90 88 Aspargos (hastes) 60 84 Sementes de girassol 56 77 Alface romana 248 76 Suco de laranja fresco 85 75 Beterraba cozida 85 68 Couve-de-bruxelas cozida 78 67 Ervilhas secas 96 64 Abacate 100 62 Fonte: Mafra e Cozzolino (2016a, p. 513). O folato está presente em muitos alimentos, sendo os principais o fígado, o levedo e a lentilha; em menor proporção, podemos encontrá-lo na beterraba, na couve e no suco de laranja. A forma mais frequente (80% dos casos) de vitamina B9 nos alimentos ocorre como poliglutamatos, apresentando variações elevadas de sua biodisponibilidade e metabolismo ainda pouco esclarecido. Esses poliglutamatos podem estar conjugados ou podemos ainda encontrar atividade biológica nos derivados de folato (MAFRA; COZZOLINO, 2004). 76 Unidade II Tabela 19 – Ingestão de referência de folato Idade EAR (µg/dia) RDA (µg/dia) 0-6 meses – 65 (AI) 7-12 meses – 80 (AI) 1-3 anos 120 150 4-8 anos 160 200 9-13 anos 250 300 14-18 anos 330 400 > 19 anos 320 400 Gestantes 520 600 Lactantes 450 500 EAR = Necessidade média estimada; RDA = Ingestão dietética recomendada. Fonte: Mafra e Cozzolino (2016a, p. 519). 5.2.1 Metabolismo: digestão, absorção, transporte, utilização, excreção e armazenamento Após o consumo de alimentos fonte, considerando que há integridade no sistema digestório do indivíduo, os poliglutamatos conjugados sofrerão a ação da enzima intestinal hidrolase pteroilglutamato, uma peptidase dependente do zinco proveniente da bile, suco pancreático e mucosa da borda em escova; logo, para que essa hidrólise ocorra adequadamente, é fundamental o adequado status de zinco. O folato livre, liberado após a ação enzimática, é absorvido na forma de monoglutamatos por transporte ativo no duodeno e no jejuno, por um processo saturável dependente de pH (MAFRA; COZZOLINO, 2004). Uma particularidade ocorre com o folato presente no leite, já que ele está ligado à proteína específica; esse complexo proteína-folato é absorvido intacto, sobretudo no íleo, por um mecanismo distinto do sistema de transporte ativo para a absorção do folato livre (MAFRA; COZZOLINO, 2004). Após entrar na célula intestinal, especificamente nos enterócitos, esse folato sofrerá uma reação de metilação, assumindo a forma principal de 5-Metiltetra-hidrofolato – essa reação ocorre pela enzima metionina sintetase – dependente de vitamina B12, nutriente que deverá apresentar boas concentrações de forma a viabilizar essa reação. Outros folatos nas formas monoglutamatos e deidrofolatos são também absorvidos; estes serão reduzidos e metilados no fígado e secretados na bile. No fígado também ocorrerá a captação de vários folatos provenientes dos tecidos; estes serão reduzidos, metilados e secretados na bile (MAFRA; COZZOLINO, 2004). A principal forma de circulação da vitamina B9 é a metiltetra-hidrofolato e está ligada a albumina; outras formas de folato também circulam em menores proporções (cerca de 10% a 15% do folato no plasma estão na forma de 10-formil-tetra-hidrofolato). Grande concentração de folato é localizada no eritrócito, condição que, embora pouco esclarecida, pode apresentar como justificativa uma situação de reserva do nutriente. A sua excreção pode ser realizada por via urinária e fecal e pela bile, tanto nas formas ativas quanto inativas. 77 NUTRIÇÃO E BIODISPONIBILIDADE DE NUTRIENTES 5.2.2 Fatores que interferem na biodisponibilidade (processamento do alimento, características genéticas, doenças, ciclo da vida, interações alimento-nutriente, nutriente-nutriente, droga-nutriente, álcool, tabaco, entre outros) A biodisponibilidade da 5-metil-THF e do ácido fólico ocorre em doses equimolares, sendo que a biodisponibilidade de folato é dependente de alguns fatores, como a matriz alimentar e a integridade do epitélio intestinal. Nos alimentos, os folatos encontram-se ligados a macromoléculas e, nesse caso, podem ficar retidos na matriz no alimento, dificultando sua disponibilização para a superfície absorvente durante a digestão. A forma de preparo dos alimentos também interfere na disponibilidade do nutriente; logo, o processo de cocção leva a perdas significativas de folato nos alimentos, embora pouco mensuráveis pela variação de tempo e temperatura. Além disso, podem influenciar a biodisponibilidade de folato a desconjugação de folatos poliglutamil no intestino e os compostos dietéticos que podem aumentar a estabilidade do folato durante a digestão (MAFRA; COZZOLINO, 2004). O consumo alimentar de folato ou de suplementos alimentares, assim como a sua forma, também pode influenciar a biodisponibilidade dessa vitamina. A biodisponibilidade do ácido fólico, versão utilizada em suplementos vitamínicos e fortificação de alimentos, é maior quando comparada com compostos reduzidos de folato. Um polimorfismo genético 667C/T no gene da MTHFR, enzima que catalisa a redução irreversível de 5,10-metilenotetra-hidrofolato a 5-metil-THF, pode também afetar a biodisponibilidade de folato. Alguns medicamentos podem causar depleção de vitamina B9, como por exemplo a fenitoína, a primidona, os barbitúricos, o metotrexato, a nitrofurantoína ou a sulfas-salazina. De acordo com Mafra e Cozzolino (2004, p. 515): A biodisponibilidade do folato é, em grande parte, controlada pela absorção intestinal; o poliglutamil folato (forma predominante nos alimentos) deve ser desconjugado no intestino delgado, dependendo, portanto, de uma ação enzimática. A absorção deve ocorrer em pH ótimo e é saturável. A estabilidade de um dos principais folatos alimentares (5-metiltetra- hidrofolato) é influenciada pelo pH gástrico, e a presença de ácido ascórbico tem um maior efeito protetor, que ajuda a manter o folato no seu estado molecular funcional. Com relação à excreção de folato, pequena quantidade ocorre na urina. Além disso, a borda em escova das células renais possui proteínas ligadoras de folato queparticipam da regulação desse processo. Alguns metabólitos do metabolismo do folato serão de excreção urinária, como o p-acetamidobenzoato e o p-acetamidoben-zoil-glutamato. A perda fecal é pequena. . 78 Unidade II 5.3 Vitamina B12: nomenclatura, estrutura química e função O termo vitamina B12 ou cianocobalamina refere-se à família de substâncias compostas por anéis tetrapirrol ao redor de um átomo central de cobalto com um nucleotídio unido a esse átomo, e dependendo da molécula que está a ela associado, pode receber vários nomes: metilcobalamina, hidroxicobalamina, hidroxicobalamina ou cianobobalamina. Sua forma predominante no soro é a metilcobalamina; no citosol, é a deoxiadenosilcobalamina (MAFRA; COZZOLINO, 2004). H2N H2N H2N H3C H3C H3C CH3 CH3 CH3 O O NH2 Co CH3 CH3 CH3 NH2 NH2 CH3 O OH HO H3C O N N N N N N O O O O O P O O O Figura 20 – Estrutura da vitamina B12 Fonte: García-Casal et al. (1998, p. 325). Atua como cofator essencial na conversão de ácido propiônico em succínico, uma vez que é cofator para a enzima metilmalonil-CoA mutase; outra enzima dependente da vitamina B12 é a metionina sintetase, essencial na síntese de ácidos nucleicos e reações de metilação do organismo (GARCÍA-CASAL et al., 1998). 79 NUTRIÇÃO E BIODISPONIBILIDADE DE NUTRIENTES As principais formas da vitamina B12 presentes nos alimentos são a adenosilcobalamina e a hidroxicobalamina, principalmente nas carnes e nos peixes, porém, as bactérias intestinais também sintetizam essa vitamina. A vitamina B12 atua de maneira relevante no processo de formação dos eritrócitos, na medula óssea; portanto, a sua deficiência pode ocasionar anemia megaloblástica ou macrocítica (MAFRA; COZZOLINO, 2004). Vitamina B12 Síntese de purinas e pirimidinas Dano no tecido parietal gástrico Fraqueza Anemia Sintese de glicose Hematopoiese Metabolismo proteico Des env olv ime nto cel ula r Ação no metabolismo Carência Célula hematopoiética Hemácia Eritrócito Leucócito Plaqueta Purinas Pirimidinas Glóbulo branco OH OH OH OH HO H Figura 21 – Principais ações da vitamina B12 no metabolismo e acometimentos em decorrência da carência desse tipo de vitamina no organismo Fonte: Souza et al. (2005, p. 5). Outra importante função atribuída à vitamina B12 está associada à sua participação no metabolismo da homocisteína (He), um aminoácido sulfurado, derivado do metabolismo do aminoácido metionina. A condição de hiper-homocisteinemia associa-se ao elevado risco cardiovascular, portanto, é essencial a adequada ingestão e aproveitamento dessa vitamina na prevenção de eventos cardiovasculares. A enzima metionina sintetase necessita da metilcobalamina para a transferência do grupo metil do metiltetraidrofolato à homocisteína, formando dessa forma a metionina tetraidrofolato. Observando a figura é possível também identificar que outros nutrientes estão envolvidos no metabolismo desse aminoácido: a vitamina B6 e o ácido fólico, embora por uma via diferente (LOPES; NEVES; MACEDO, 2004). O metabolismo da metionina e homocisteína (Hcy) tem uma grande interdependência, já que a Hcy é um aminoácido sulfurado obtido a partir do metabolismo do aminoácido metionina, derivado do consumo de lácteos como queijos, leite, iogurtes, coalhadas e demais derivados. A Hcy apresenta duas vias metabólicas: a via da remetilação e a via da transulfuração. 80 Unidade II Para a adequada metabolização da Hcy, alguns cofatores, como a B12 e o folato, são essenciais na via de remetilação e ativação da enzima metionina sintetase, caracterizando um movimento cíclico e de retroalimentação dessa via; o outro caminho metabólico que compõe o metabolismo da Hcy depende da vitamina B6 para ativar a enzima γ-cistationase. Dessa forma, a adequação no consumo da vitamina B12 será essencial também para a manutenção da saúde cardiovascular, uma vez que a hiper-homocisteinemia associa-se ao desenvolvimento da aterogênese e trombogênese. Os valores de ingestão recomendados para a vitamina B12 estão descritos na tabela a seguir. Tabela 20 – Ingestão de referência de vitamina B12 Idade EAR (µg/dia) RDA (µg/dia) 0-6 meses – 0,4 (AI) 7-12 meses – 0,5 (AI) 1-3 anos 0,7 0,9 4-8 anos 1,0 1,2 9-13 anos 1,5 1,8 > 14 anos 2,0 2,4 Gestantes 2,2 2,6 Lactantes 2,4 2,8 EAR = Necessidade média estimada; RDA = Ingestão dietética recomendada. Fonte: Mafra e Cozzolino (2016c, p. 536). Segundo Lopes, Neves e Macedo (2004, p. 310), duas são as vias de metabolização da homocisteína: vias de desmetilação, que ocorre preferencialmente no jejum, e de transulfuração, que ocorre quando há sobrecarga de metionina. A migração da He para o meio extracelular faz-se necessária para manter constante o meio intracelular. Valores plasmáticos e urinários de He refletem síntese celular, utilização e integridade de suas vias de metabolismo. No fígado, a metionina é catabolizada dando origem a S-adenosilmetionina (SAM), S-adenosil-homocisteína e He. A regulação do metabolismo da He faz-se através de SAM, folatos e estado de oxidorredução (redox). 81 NUTRIÇÃO E BIODISPONIBILIDADE DE NUTRIENTES Proteína da dieta Metionina Homocisteína Folato Tetraidrofolato Cistationina Cisteína Excreção urinária Aterogênese Trombogênese Homocisteína auto-oxidada + Espécies de oxigênio altamente reativas – Perioxidação lipídica – Lesão da matriz vascular – Proliferação da célula muscular lisa – Lesão endotelial vascular – Regulação vasomotora prejudicada – Superfície protrombótica N5- metiltetraidrofolato MTHFR γ-cistationase + B6 B12+ Metionina sintetase (MS) Homocisteína metiltransferase + betaína E x c e s s o CβS + B6 Figura 22 – Metabolismo da homocisteína e possível mecanismo de doença aterotrombótica Fonte: Lopes Neves e Macedo (2004, p. 313). 5.3.1 Metabolismo: digestão, absorção, transporte, utilização, excreção e armazenamento Aproximadamente 50% da vitamina B12 alimentar são absorvidos por indivíduos com função gastrointestinal normal. Duas são as vias de absorção da vitamina B12, uma associada ao fator intrínseco e outra por difusão passiva, sendo a primeira um processo de absorção ativa, que necessita de condições fisiológicas normais do estômago, inclusive o fator intrínseco, de enzimas pancreáticas e do íleo terminal. Essa preservação irá auxiliar na liberação da proteína transportadora de vitamina B12 no estômago, pela ação do ácido gástrico e da pepsina (ENGLAND; LINNELL, 1980; FAIRBANKS; KLEE, 1998). 82 Unidade II Ácido clorídrico salivar AlimentoAlimento Células parietais gástricas Estômago Lançamento de vitamina B12 Proteína transportadora de vitamina B12 haptocorrina Mitocôndria Citosol Metilmalonil CoA TC Homocisteína Metionina Tetrahidrofolato Metiltetrahidrofolato MetilcobalaminaMetilcobalamina Adenosil Adenosil cobalaminacobalamina Succinil CoA Tripsina pancreática Fator intrínseco transportador de vitamina B12 Complexo B12/Fator intrínseco liga-se ao receptor de culinina nas células da mucosa do íleo B12 exposta com proteína resistente a drogas Vitamina B12 levada por receptores de transcobalamina (CD320) Vitamina degradada por lisossomos no fígado, medula óssea e outras células Proteína transcobalamina de transporte de vitamina B12 Complexo B12 circulante MRP1 Fator intrínseco degradado pelo lisossomo Plasma sanguíneo Cub Amn Vitamina B12 biliar Intestino delgado superior Intestino delgado inferior B12B12 B12B12 B12B12 B12B12 B12B12 B12B12 B12B12 B12B12 B12B12 B12B12 B12B12 B12B12 B12B12 TC TC HC HC HC HC HC IF IF IF Figura 23 – Descrição de absorção da vitamina B12 Fonte: Green (2017, p. 9). O ambiente adequado para que a vitamina B12 seja corretamente absorvida inicia na boca e posteriormente no estômago, que necessita do pH fisiológico decorrente da secreção de ácido clorídrico pelas células parietais; a partir daí, a vitamina livre se liga à proteína R no estômago,ou seja, uma cobalofilina, proteína secretada na saliva, nos sucos gástrico e intestinal e no soro. Essa proteína é degradada pelas enzimas pancreáticas que agem em meio alcalino no intestino delgado; dessa forma, a vitamina B12 se liga ao fator intrínseco, proteína secretada pelas células gástricas parietais, com uma relação de dependência entre a secreção de histamina, gastrina e insulina a partir do nervo vago. Esse complexo é absorvido por fagocitose, e ainda não se sabe ao certo se ele é absorvido de forma intacta na célula intestinal ou se a vitamina é transferida do complexo para a ligação intracelular, deixando o apofator intrínseco na superfície da mucosa (ENGLAND; LINNELL, 1980; FAIRBANKS; KLEE, 1998; MAFRA; COZZOLINO, 2004). 83 NUTRIÇÃO E BIODISPONIBILIDADE DE NUTRIENTES A absorção da vitamina B12 é lenta e o seu ápice é alcançado entre seis a oito horas depois de uma dose oral; seu local de maior reserva é no fígado. A vitamina B12 circula no plasma ligada à transcobalamina (TC) I, II e III, porém, sua maior parte circula ligada a uma glicoproteína ainda com a função pouco esclarecida (holoHc), sem receptores celulares, logo, inerte; uma pequena fração de vitamina B12 circula ligada à transcobalamina III (Tc III). A excreção de vitamina B12 se dá pelas fezes, sendo proveniente da síntese bacteriana, da bile e da vitamina que não foi absorvida da dieta. O seu excesso no plasma ocorre apenas quando em administração parenteral, e a eliminação é feita pela via urinária em pequena quantidade (aproximadamente 0,1% a 0,2% do estoque total corporal), porém, em pessoas com problemas biliares e associações a taxa de excreção pode estar aumentada, ocasionando uma provável deficiência (GARCÍA-CASAL et al., 1998). Outra proteína envolvida no transporte da vitamina B12 é a holo-Tc, uma proteína produzida por fígado, macrófagos e íleo que contém a fração biologicamente ativa da cobalamina, além de possibilitar a entrada específica da cobalamina em todas as células do corpo (GARCÍA-CASAL et al., 1998). Observação Com o surgimento da psiquiatria nutricional, iniciou-se uma série de estudos aprofundando o papel dos nutrientes na saúde mental; logo, identificou-se que a vitamina B12 pode apresentar papel relevante na prevenção da depressão e das desordens neurológicas. 5.3.2 Fatores que interferem na biodisponibilidade (processamento do alimento, características genéticas, doenças, ciclo da vida, interações alimento-nutriente, nutriente-nutriente, droga-nutriente, álcool, tabaco, entre outros) Os estudos que avaliam a biodisponibilidade da vitamina B12 são escassos e indicam que a absorção fracionária diminui à medida que a ingestão aumenta. A insuficiência pancreática pode ser um fator para o desenvolvimento da deficiência em vitamina B12 pela falha em sua metabolização. Pacientes com o vírus HIV positivo também podem desenvolver carências desta vitamina (MAFRA; COZZOLINO, 2004). A deficiência de vitamina B12 pode apresentar diferentes gravidades, sendo vários os fatores etiológicos como problemas de mal absorção, gastrectomia, ressecção ileal, abuso de óxido nítrico, doença pancreática, vegetarianismo, doenças gástricas, entre outros (GREEN, 2017). Algumas pesquisas realizadas com a cianocobalamina radiomarcada demostraram que, em uma dose de 1 μg, administrada, aproximadamente 50% da vitamina são absorvidos. Quando a dose está entre 5 e 25 μg, essa porcentagem varia entre 20 e 5%, respectivamente. Uma refeição contendo de 1,5 a 2,5 μg de vitamina B12 pode limitar a sua absorção em virtude da saturação de receptores localizados no íleo. 84 Unidade II Ao transpormos esse raciocínio para os alimentos, podemos considerar que em 100 g de leite há aproximadamente de 0,3 a 0,4 μg de vitamina B12, e sua biodisponibilidade é de cerca de 65%; ao aquecermos o leite, pode ocorrer perdas de até 50% da vitamina e quando pasteurizado, essa perda está entre 5 e 10%. Em ovos, a biodisponibilidade pode variar entre 4 e 9%. Pacientes idosos ou aqueles submetidos a cirurgia bariátrica desenvolvem carência de vitamina B12 pela reduzida secreção de ácido clorídrico; pacientes vegetarianos estritos também são grupo de risco para a sua carência, em decorrência da ausência no consumo de alimentos fonte. Estudos realizados na Guatemala, Índia e México identificaram outros grupos de risco que precisam ser considerados e devidamente assistidos em assistência primária: nutrizes, gestantes e lactentes (GARCÍA-CASAL et al., 1998). 6 BIODISPONIBILIDADE DE VITAMINAS B1, NIACINA, RIBOFLAVINA E PIRIDOXINA 6.1 Vitamina B1: nomenclatura, estrutura química e função A tiamina ou vitamina B1 é composta por um anel pirimídico com um grupamento amina que é ligado a um anel tiazol por uma ponte metileno. Pode existir de três formas: tiamina trifosfato (TPP), tiamina difosfato ou tiamina pirofosfato (TDP) e tiamina monofosfato (TMP). Há cerca de 1.300 anos era reconhecida uma polineuropatia identificada como beribéri, cujo significado no Sri Lanka era “eu não posso – eu não posso”, isto porque essa doença do sistema nervoso periférico ocasionava um intenso cansaço (SILVA; COZZOLINO, 2016). No século XIX, com a introdução do arroz polido na alimentação, a doença tornou-se problema de saúde pública, especialmente no leste da Ásia. Na ocasião, a doença era atribuída a um fator infeccioso presente no arroz, porém após pesquisas, identificou-se que o polimento do arroz traria como consequência a redução no teor dessa vitamina, presente no alimento integral. A causa dessa carência nutricional foi comentada como alimentar em 1880 pelo almirante Takaki, que reduziu a incidência da doença pela adição de peixe, carne, cevada e vegetais à alimentação dos marinheiros japoneses. Em 1897, Christiaan Eijkman, um patologista holandês, foi enviado para a Indonésia a fim de estudar a causa da polineuropatia que acometia a população. Na ocasião, ele observou que os frangos do seu laboratório desenvolviam sintomas semelhantes ao beribéri quando alimentados com arroz polido, e que a doença desaparecia quando alimentos integrais como farelo de arroz ou um extrato aquoso feito à base do resíduo do polimento era adicionado à ração dos animais (VANNUCCHI; CUNHA, 2009). A vitamina B1 ou tiamina foi a primeira vitamina a ter a sua estrutura química determinada, e a partir de então o químico polonês Casimir Funk a identificou no farelo de arroz, nomeando-a como um fator “antiberibéri", já que reconhecidamente essa vitamina auxiliava no tratamento desta doença tanto em animais como em humanos; em 1936, a tiamina teve o esclarecimento completo de sua estrutura pelo bioquímico americano Robert R. Williams, sendo que o mesmo cientista ficou reconhecido por exaltar a essencialidade dos nutrientes na alimentação. 85 NUTRIÇÃO E BIODISPONIBILIDADE DE NUTRIENTES A estrutura química da vitamina B1 está exposta na figura a seguir e podemos observar que esta é formada pela ligação de metileno entre uma molécula de pirimidina substituída e um anel tiazol. OH H3CH3C S N+ N N NH2 Figura 24 – Estrutura química da vitamina B1 (tiamina) Disponível em: https://bit.ly/3rw1ggM. Acesso em: 23 jul. 2021. A tiamina desempenha importante função como coenzima e atua na transmissão nervosa por meio das formas tiamina pirofosfato (TPP) e tiamina trifosfato (TT); atualmente, sabe-se que a tiamina, em combinação com o fósforo, forma a coenzima tiamina pirofosfato (TPP) que inclusive é a sua forma fisiologicamente ativa, e atua como uma cocarboxilase, elemento fundamental na descarboxilação oxidativa dos α-cetoácidos e na utilização das pentoses (na via da hexose monofosfato). A via da pentose fosfato é o principal caminho do metabolismo de carboidratos em alguns tecidos, e uma alternativa significativa para a glicólise em todos os tecidos; logo, compõe o nosso sistema energético. A importância principal dessa via é a produção de NADPH para uso nas reações biossintéticas (em especialda lipogênese) e na ressíntese de ribose para a síntese de nucleotídios (SILVA; COZZOLINO, 2016). Essa vitamina participa também nas reações da transcetolase na via da pentose fosfato, fornecendo ribose para a síntese de nucleotídeos e ácidos nucleicos. 6.1.1 Metabolismo: digestão, absorção, transporte, utilização, excreção e armazenamento Em alimentos, a tiamina pode ser encontrada na forma fosforilada (produtos de origem animal) ou livre (produtos de origem vegetal) e as suas fontes alimentares predominantes são: carne suína, presunto, frutos do mar, entre outras proteínas de origem animal em menores proporções e leveduras, farelo de trigo, cereais integrais e castanhas como as mais concentradas (VIEIRA FILHO et al., 1997). A sua absorção é feita principalmente no intestino delgado e quando consumida em baixas quantidades, a vitamina é absorvida por um transporte ativo saturável e, diante de altas concentrações, por difusão passiva. Durante o processo de absorção, a tiamina livre é fosforilada à TPP pela tiamina pirofosfoquinase, enzima presente na mucosa intestinal. Após a entrada na célula, a TPP é defosforilada por fosfatases 86 Unidade II microssomais. No plasma, a tiamina encontra-se como monofosfato de tiamina (60%) e o restante na sua forma livre, que pode ser rapidamente fosforilada no fígado. Todos os tecidos captam as formas livres ou fosforiladas e são capazes de transformá-las em di e trifosfato de tiamina, pela ação enzimática da pirofosfoquinase (VANNUCCHI; CUNHA, 2009). A tiamina dos alimentos pode ser absorvida na sua forma livre ou como fosfato de tiamina, pela ação das fosfatases intestinais. A absorção ocorre principalmente no duodeno, mas também no jejuno e em menor proporção no íleo. Quando a oferta é baixa, a tiamina é absorvida por transporte ativo saturável, dependente da adenosina trifosfatase dependente de sódio, enzima presente na membrana basolateral do endotélio vascular (VANNUCCHI; CUNHA, 2009; PRIORI et al., 2016). Em seguida, a tiamina é transportada para a circulação sanguínea, tanto para o plasma como para os eritrócitos. No organismo, pode ser armazenada no coração, no cérebro, nos rins e no fígado. Uma pequena parcela é absorvida, e o restante é excretado pela urina em aproximadamente 2 horas. Tabela 21 – Valores de DRIs para tiamina Ciclos de vida EAR (mg) RDA (mg) Recém-nascidos e crianças 0-6 meses 7-12 meses 1-3 anos 4-8 anos – – 0,4 0,5 0,2 (AI) 0,3 (AI) 0,5 0,6 Homens 9-13 anos 14-18 anos > 70 anos 0,7 1 1 0,9 1,2 1,2 Mulheres 9-13 anos 14-18 anos 19-70 anos > 70 anos 0,7 0,9 0,9 0,9 0,9 1,0 1,1 1,1 Gravidez e lactação ≤ 18-50 anos 1,2 1,4 AI = Ingestão adequada; EAR = Necessidade média estimada; RDA = Ingestão dietética recomendada. Fonte: Silva e Cozzolino (2016, p. 449). Para a manutenção desses processos fisiológicos é essencial o consumo de seus alimentos fonte e correto aproveitamento da vitamina, o que ocorre mediante o consumo adequado do nutriente. 87 NUTRIÇÃO E BIODISPONIBILIDADE DE NUTRIENTES De acordo com Vannucchi e Cunha (2009), a deficiência de tiamina pode resultar em três síndromes distintas: 1) beribéri seco, caracterizado por neuropatia periférica crônica; 2) beribéri úmido, no qual insuficiência cardíaca e anormalidades metabólicas predominam, com pouca evidência de neuropatia periférica; e 3) encefalopatia de Wernicke com psicose Korsakoff, caracterizada por confusão mental, dificuldade na coordenação motora e paralisia do nervo ocular (oftalmoplegia). • O beribéri seco caracteriza-se por processo degenerativo sem fundo inflamatório das bainhas de mielina, com quadro de neuropatia periférica que pode ser dolorosa ou não, de caráter simétrico, com envolvimento das funções sensitiva, motora e reflexa. Figura 25 – Manifestações da deficiência de tiamina, na forma de beribéri seco Disponível em: https://bit.ly/3lTaMYT. Acesso em: 23 jul. 2021. • O beribéri úmido manifesta-se por alterações hemodinâmicas secundárias à vasodilatação periférica, promovendo o aumento do débito cardíaco, a retenção de sódio e de água, com desenvolvimento de edema (agudo ou crônico), e insuficiência cardíaca. Na forma aguda ocorre lesão miocárdica com sinais e sintomas de dispnéia, cianose, taquicardia, cardiomegalia acentuada, hepatomegalia, sopros arteriais e estase jugular, podendo evoluir para choque circulatório e óbito. Na forma crônica do beribéri úmido, ocorre grande aumento do débito cardíaco devido à vasodilatação periférica intensa, que leva a taquicardia, elevação da pressão venosa periférica, elevação da pressão diastólica final do ventrículo direito e retenção de sódio e água, com consequente quadro de insuficiência cardíaca congestiva. 88 Unidade II • O quadro clínico da síndrome de Wernicke-Korsakoff é caracterizado por uma tríade de sinais e sintomas: 1) alterações motoras oculares; 2) ataxia e 3) comprometimento das funções mentais. Secundariamente, ocorre prejuízo do aproveitamento da glicose como fonte energética que causa degeneração da bainha de mielina das fibras nervosas e dos nervos periféricos. A diminuição da atividade da enzima piruvato deidrogenase na deficiência de tiamina resulta em aumento da concentração plasmática de lactato e piruvato. A sobrecarga oral de glicose e o exercício físico moderado podem determinar acidose metabólica, que, embora inespecífico, é um teste indicativo de deficiência de tiamina, sendo algumas vezes utilizado na prática clínica. Essa vitamina, se dosada no sangue, não será um indicador sensível de seu estado nutricional; uma quantidade significante pode ser excretada inalterada na urina. A determinação da quantidade excretada após uma dose teste de tiamina (5 mg ou 19 µmol por via parenteral) é utilizada para avaliar o estado nutricional em relação a essa vitamina. Em condições normais, após quatro horas, haverá excreção superior a 300 µmol da vitamina; indivíduos deficientes apresentam excreção menor que 75 µmol (PRIORI et al., 2016). Não há evidências de qualquer efeito tóxico da tiamina por via oral, embora altas doses (> 400 mg/dia) por via parenteral tenham sido associadas a depressão respiratória em animais e choque anafilático em seres humanos. Duas condições foram associadas a esse excesso: a hiperssensibilidade e a dermatite de contato, porém, nada conclusivo. 6.1.2 Fatores que interferem na biodisponibilidade (processamento do alimento, características genéticas, doenças, ciclo da vida, interações alimento-nutriente, nutriente-nutriente, droga-nutriente, álcool, tabaco, entre outros) O etanol é capaz de inibir apenas o processo de absorção ativa da tiamina, mas não interfere na difusão passiva. Com relação aos conhecidos fatores antinutricionais dietéticos, as fibras dietéticas (provavelmente pela presença de ácido fítico) e os compostos fenólicos interferem na biodisponibilidade da tiamina (SILVA; COZZOLINO, 2016). Na atualidade, a deficiência primária de tiamina é rara, embora possa ser encontrada em populações cuja alimentação é rica em carboidratos. Em alcoólatras, essa deficiência ocorre, porém não de forma isolada, mas sim associada a outras deficiências e fatores como a ingestão insuficiente, a diminuição da absorção e a redução da utilização da tiamina, por alteração metabólica na etapa de fosforilação. Importante ressaltar que por se tratar de uma vitamina hidrossolúvel, durante o preparo térmico dos alimentos poderá ocorrer perdas (PRIORI et al., 2016). Outras são as situações que influenciarão no aproveitamento dessa vitamina por nosso organismo, envolvendo momentos fisiológicos particulares como a gestação e a lactação, ou riscos envolvidos a alguns procedimentos médicos e doenças, conforme quadro a seguir. 89 NUTRIÇÃO E BIODISPONIBILIDADE DE NUTRIENTES Quadro 5 – Situações que interferem na demanda metabólica da tiamina Deficiências prováveis Situações Demanda metabólica e/ou fisiológica aumentada Metabolismo prejudicado da tiaminaAbsorção reduzida de tiamina Aumento da aliminação da tiamina Gravidez e lactação, atividade física intensa, doença intercorrente (câncer, febre, hipertireoidismo), dieta rica em carboidratos Insuficiência hepática Cirurgia ou doença gastrintestinal, diarreia, vômitos Diálise e diuréticos de alça Fonte: Silva e Cozzolino (2016, p. 443). 6.2 Niacina: nomenclatura, estrutura química e função Vitamina identificada a partir da doença pelagra na Europa em 1735, por Gaspar Casal, médico da corte espanhola, a sua primeira publicação sobre a doença ocorreu em 1762. Chamada inicialmente de “lepra das Astúrias”, foi associada com a pobreza e a ingestão de milho deteriorado. Gaspar Casal descreveu os detalhes do quadro demencial e das lesões observadas em torno do pescoço dos pacientes, que ficaram conhecidas como “Colar de Casal” (VANNUCCHI; CUNHA, 2009). Em 1867, a niacina foi reconhecida como um composto químico, o ácido nicotínico, produzido pela oxidação da nicotina, sem uma reconhecida importância nutricional. Em 1935, a sua função metabólica como parte da coenzima II (nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato – NADP) foi descoberta e estabelecido um número desse composto entre as vitaminas do grupo B (VANNUCCHI; CUNHA, 2009). A pelagra é caracterizada por dermatite fotossensível, parecida com queimadura grave de sol, com um padrão de distribuição típico, semelhante a uma borboleta na face, afetando todas as partes da pele expostas à luz solar; lesões similares na pele podem ocorrer em áreas não expostas à luz, porém sujeitas a pressões, como joelhos, cotovelo, pulso e tornozelo (VANNUCCHI; CARVALHO; CHIARELLO, 2016). Niacina é um termo genérico que engloba o ácido nicotínico e a nicotinamida, dois nucleotídeos piridínicos cuja função é essencial para o metabolismo energético, já que atuam conjuntamente com o triptofano como precursores da coenzima nicotinamida-adenina-dinucleotídeo (NAD, coenzima I) e de sua forma fosforilada (NADP, coenzima II), participando do ciclo do ácido cítrico, nas reações produtoras de energia celular (VANNUCCHI; CUNHA, 2009; MAKAROV; TRAMMELL; MIGAUD, 2019). OH O N Figura 26 – Estrutura química da niacina Disponível em: https://bit.ly/3hZP050. Acesso em: 23 jul. 2021. 90 Unidade II Em nosso organismo é possível encontrar no mínimo 200 enzimas dependentes de NAD e NADP, cuja função direciona-se ao metabolismo dos macronutrientes, além de participarem na síntese de hormônios adrenocorticais a partir da acetil coenzima A (CoA), na conversão de ácido láctico em ácido pirúvico (VANNUCCHI; CUNHA, 2009). Algumas pesquisas clínicas têm evidenciado um importante papel da niacina na redução de risco cardiovascular, isso porque essa vitamina possui evidência científica na redução dos níveis de LDL-Col, de triacilglicerol e da lipoproteína A, além de associar-se com a melhora da intolerância a glicose; porém este efeito é demonstrado quando ocorre a suplementação da niacina, o que em alguns casos, dependendo da dose utilizada, apresenta risco para o desenvolvimento de rubor (“flushing”), prurido, dor de cabeça e sintomas gastrointestinais. Em fontes vegetais, a niacina está presente na forma de ácido nicotínico, que tende a ser convertido em NAD no intestino ou no fígado e, posteriormente, em nicotinamida, pela ação da enzima NAD glicohidrolase, para posterior distribuição aos tecidos alvo. Outras fontes alimentares de niacina são os cereais, porém ela não é biologicamente disponível, uma vez que se encontra na forma esterificada (niacitina), que é presumivelmente uma forma de armazenamento de baixa biodisponibilidade (VANNUCCHI; CARVALHO; CHIARELLO, 2016). 6.2.1 Metabolismo: digestão, absorção, transporte, utilização, excreção e armazenamento Em humanos, a niacina é sintetizada a partir do triptofano e obtida também por fontes alimentares. Quantidades significativas da vitamina são encontradas na carne, principalmente bovina e suína e no fígado e posteriormente nos legumes, nos ovos, nos grãos de cereais, nas leveduras, nos peixes e no milho. O leite não é caracterizado como uma fonte alimentar de niacina, porém, o é de triptofano, que provê a niacina equivalente mais que suficiente (VANNUCCHI, 2007; VANNUCCHI; CUNHA, 2009). Após a ingestão de alimentos fonte, mesmo que em baixa concentração, a absorção do ácido nicotínico e da nicotinamida ocorre rapidamente em toda a extensão do intestino delgado. No intestino, os nucleotídeos da nicotinamida são hidrolisados e a nicotinamida liberada é absorvida por difusão facilitada; ela irá circular no plasma na forma livre, sendo transportada para o fígado e convertida a NAD(H) e NADP(H), com a participação da vitamina B6. A sua meia vida plasmática é relativamente curta (aproximadamente 1 hora) e os seus principais metabólitos são N-metilnicotinamida, N-metil-2-piridona-5-carboxamida e N-metil-4-piridona-5-carboxamida, sendo excretados na urina (VANNUCCHI; CUNHA, 2009). Os valores de ingestão recomendados são: 91 NUTRIÇÃO E BIODISPONIBILIDADE DE NUTRIENTES Tabela 22 – Valores de DRIs para niacina Estágio de vida EAR (mg/dia) RDA (mg/dia) UL (mg/dl) Recém-nascidos e crianças 0-6 meses 7-12 meses 1-3 anos 4-8 anos – – 5 6 2 (AI) 4 (AI) 6 8 ND ND 10 15 Homens 9-13 anos 14-18 anos 19-70 anos > 71 anos 9 12 12 12 12 16 16 16 20 30 35 35 Mulheres 9-13 anos 14-18 anos 19-70 anos > 71 anos 9 11 11 11 12 14 14 14 20 30 35 35 Gestantes ≤ 18 anos 19-50 anos 14 14 18 18 30 35 Lactantes ≤ 18 anos 19-50 anos 13 13 17 17 30 35 AI = Ingestão adequada; EAR = Necessidade média estimada; ND = Não definido; RDA = Ingestão dietética recomendada; UL = Limite superior tolerável de ingestão. Fonte: Vannucchi, Carvalho e Chiarello (2016, p. 504). Observação A nicotinamida adenina dinucleotídeo, conhecida como NAD, está presente em todas as células vivas e atua como importante coenzima, podendo ser encontrada em sua forma oxidada (NAD+), resultado do aceite de um átomo de hidrogênio; pode ser encontrada também em sua forma reduzida, resultante da doação de um átomo de hidrogênio (NADH). Em sua forma reduzida, esse elemento desempenha papel importante na produção de energia celular, já que durante o Ciclo de Krebs, especificamente durante a reação de oxidação de glicose, compõe o saldo resultante (6 moléculas de NADH), juntamente a duas moléculas de flavina adenina nucleotídeo reduzido (FADH2), duas moléculas de adenosina trifosfato (ATP) e quatro moléculas de dióxido de carbono (CO2). 92 Unidade II Em doses de aproximadamente 3 a 4 g, a niacina é quase completamente absorvida. Nos alimentos de origem vegetal, a sua biodisponibilidade é menor, pois grande parte está na forma complexada, com carboidratos e peptídios, conhecida como niacitina e niacinogênio, respectivamente. Já nos alimentos de origem animal, encontra-se complexada a dinucleotídios, nas formas de NAD(H) e NADP(H), que apresentam maior biodisponibilidade. A síntese de niacina a partir do triptofano é dependente de uma variedade de fatores dietéticos e metabólicos, como a ingestão de triptofano, vitamina B6, ferro e riboflavina, o uso de contraceptivos orais com altas doses de estrógeno e a presença da síndrome carcinoide, na qual o triptofano é oxidado a 5-hidroxitriptofano e serotonina. O valor de Noael (no observed adverse effect level) para o ácido nicotínico é de 500 mg (250 mg de liberação lenta) e de 1.500 mg para nicotinamida, e o Loael (lowest observed adverse effect level) é de 1.000 mg (500 mg de liberação lenta) para o ácido nicotínico e de 3.000 mg para a nicotinamida. Os limites superiores toleráveis de ingestão (UL) para niacina, segundo estágio de vida, sexo e condições especiais (gestação e lactação), estão entre 10 a 35 mg/dia, sendo que para crianças até 12 meses não são estabelecidos esses valores (VANNUCCHI; CARVALHO; CHIARELLO, 2016). Doença hepática e carência de zinco são fatores que interferem diretamenteno metabolismo da niacina e podem levar ao desenvolvimento da pelagra (VANNUCCHI, 2007). 6.3 Riboflavina: nomenclatura, estrutura química e função Em 1879, Wynter Blyth isolou a riboflavina a partir do soro do leite, denominando-a de lactocromo. Posteriormente, a vitamina foi reconhecida em diferentes alimentos ou substâncias, recebendo o nome de lactoflavina, ovoflavina, hepatoflavina, verdoflavina, uroflavina e vitamina G. Atualmente, é conhecida como vitamina B2 ou riboflavina, por conta de sua cor amarela do grupo flavínico (do latim flavus, “amarelo”) e devido à presença de ribose em sua estrutura (VANNUCCHI; CUNHA, 2009). NH N N O H N O Sistema de anéis isoaloxazina O 1 2 34 56 7 8 9 10 OH OH OH 1' 2' 3' 4' 5' Cadeia ribitil Figura 27 – Fórmula estrutural da riboflavina, em destaque a cadeia ribitil e o sistema de anéis isoaloxazina Fonte: Souza et al. (2005, p. 1). 93 NUTRIÇÃO E BIODISPONIBILIDADE DE NUTRIENTES A forma fosforilada ativa da riboflavina foi identificada no extrato de levedura em 1932 e posteriormente outros estudiosos esclareceram a sua estrutura química. Em 1938, Warburg e Christian isolaram e caracterizaram a flavina adenina dinucleotídeo (FAD) e demonstraram a sua participação como coenzima. A partir dessa época, seguiram-se muitos experimentos em animais de laboratórios, buscando conhecer os efeitos da fortificação de alimentos com riboflavina e para verificar as manifestações clínicas da deficiência dessa vitamina (VANNUCCHI; CUNHA, 2009). A determinação das necessidades nutricionais e a biodisponibilidade da riboflavina foram avaliadas entre 1940 e 1960. Em 1968, Glatzle propôs o teste da atividade da glutationa redutase para avaliar os níveis de riboflavina. Tabela 23 – Valores de DRIs para riboflavina Estágio de vida EAR (mg/dia) RDA (mg/dl) Recém-nascidos e crianças 0-6 meses 7-12 meses 1-3 anos 4-8 anos – – 0,4 0,5 0,3 (AI) 0,4 (AI) 0,5 0,6 Homens 9-13 anos 14-70 anos > 71 anos 1,8 1,1 1,1 0,9 1,3 1,3 Mulheres 9-13 anos 14-18 anos 19-70 anos > 71 anos 0,8 0,9 0,9 0,9 0,9 1 1,1 1,1 Gestantes 1,2 1,4 Lactantes 1,3 1,6 EAR = Necessidade média estimada; RDA = Ingestão dietética recomendada; DRI = Ingestão dietética de referência. Fonte: Vannucchi, Carvalho e Chiarello (2016, p. 459). A riboflavina, 7,8-dimetil-10-ribitil-isoaloxazina, é uma vitamina hidrossolúvel pertencente ao complexo vitamínico B2. Ela é encontrada na forma livre, como FMN e FAD em seus alimentos fonte. Em tecidos biológicos, é encontrada principalmente como flavina adenina dinucleotídeo (FAD) e, em menor extensão, como flavina mononucleotídeo (FMN) e como grupos prostéticos de flavoproteínas responsáveis por processos de óxido-redução. Os alimentos fonte de riboflavina são a carne, o peixe e, principalmente, os vegetais de cor verde-escura (SOUZA et al., 2005). 94 Unidade II As suas formas metabolicamente ativas, FAD e FMN, têm papel essencial no metabolismo humano, atuando como coenzimas para uma grande variedade de flavoproteínas respiratórias, algumas das quais contêm metais (como a xantina oxidase); nestes casos, a riboflavina poderá desempenhar ação como cofator redox no metabolismo energético. Outras funções desempenhadas por essa vitamina do complexo B relacionam-se à formação dos eritrócitos, na neoglicogênese e na regulação das enzimas tireoideanas (VANNUCCHI; CUNHA, 2009). Importante fundamentalmente em organismos aeróbios, a riboflavina atua como sendo precursora de importantes coenzimas participantes da cadeia transportadora de elétrons como a FAD e FMN. Também origina muitas das flavinas que se encontram ligadas a diversas enzimas, que atuam na catálise de muitas reações importantes como, por exemplo, as relacionadas ao reparo do DNA (SOUZA et al., 2005). Riboflavina NH OH OH OH HO N N N O O NH OP(O)(OH)2 OH OH HO N N N O O Flavina mononucleotídio (FMN) NH O O O O O N N N N OH OH HO NH2 HO O P P OH OH HO N N N O O Flavina adenina dinucleotídio (FAD) Figura 28 – Fórmula molecular da riboflaviname derivados Fonte: Vannucchi, Carvalho e Chiarello (2016, p. 456). 95 NUTRIÇÃO E BIODISPONIBILIDADE DE NUTRIENTES 6.3.1 Metabolismo: digestão, absorção, transporte, utilização, excreção e armazenamento Com exceção do leite e dos ovos, que contêm grandes quantidades de riboflavina livre relacionada a ligadores proteicos específicos, a maioria da vitamina nos alimentos está como coenzima de flavina ligada a enzimas, cerca de 60% a 90% como FAD, como é o caso da riboflavina presente no leite materno (VANNUCCHI; CARVALHO; CHIARELLO, 2016). Após o consumo de alimentos fonte, ocorre no estômago a hidrólise feita pelo suco gástrico liberando a riboflavina, para a posterior absorção no jejuno. Embora o mecanismo de absorção seja pouco conhecido, ocorre a dependência entre o número de transportadores no epitélio intestinal ou da variação da atividade desses transportadores, regulados pela disponibilidade corporal da vitamina. Embora pouco absorvida, a riboflavina pode ser produzida pela flora bacteriana do intestino grosso. Após a absorção, a maior parte da riboflavina é fosforilada na mucosa intestinal pela enzima flavoquinase e entra na circulação sanguínea como riboflavina fosfato. Para tornar-se mais solúvel, a riboflavina fosfato liga-se a proteínas, sendo a albumina uma das principais, para percorrer o plasma sanguíneo. A concentração sanguínea ocorre em 50% na forma de riboflavina livre, 40% como FAD e 10% como FMN (VANNUCCHI; CARVALHO; CHIARELLO, 2016; VANNUCCHI; CUNHA, 2009; SOUZA et al., 2005). O armazenamento corporal da riboflavina é restrito e ocorre principalmente no fígado, baço e músculo cardíaco. Os mecanismos homeostáticos não permitem grandes variações na concentração de riboflavina no cérebro. Quando as necessidades metabólicas são atingidas, ocorre aumento da excreção urinária da riboflavina e de seus metabólitos, até que a absorção intestinal seja saturada. Vale ressaltar que a vitamina B2 não possui reservas corporais. De acordo com Vannucchi, Carvalho e Chiarello (2016, p. 458): A conservação da riboflavina nos tecidos é muito eficiente em situações de deficiência. A diferença entre a concentração mínima de flavina no fígado e o nível no qual ocorre a saturação é de apenas quatro vezes. No sistema nervoso central a diferença entre a deficiência e a saturação é de apenas 35%. A concentração de coenzimas de riboflavina nos tecidos parece estar sob o controle da atividade da flavoquinase e da síntese e do catabolismo de enzimas dependentes de flavina. Quase todas as vitaminas nos tecidos estão ligadas a enzimas, e a riboflavina livre fosfato e a FAD são rapidamente hidrolisadas em riboflavina. Se não é refosforilada, rapidamente é difundida para fora dos tecidos, sendo excretada. Na deficiência, a única perda de riboflavina dos tecidos se dá por meio da riboflavina ligada covalentemente à enzima, e mesmo assim em pequena quantidade. 96 Unidade II 6.3.2 Fatores que interferem na biodisponibilidade (processamento do alimento, características genéticas, doenças, ciclo da vida, interações alimento-nutriente, nutriente-nutriente, droga-nutriente, álcool, tabaco, entre outros) A distribuição da riboflavina nos alimentos é ampla, mas a sua concentração é baixa. Entre os alimentos-fonte, podem-se destacar o leite e seus derivados, carne e vísceras (como fígado e rins), vegetais folhosos verdes (como a couve, o brócolis, o repolho e o agrião), ovos e ervilhas. Nos países em desenvolvimento, as principais fontes de riboflavina são os vegetais verdes; nos países desenvolvidos, os produtos lácteos (BARRETTO; CYRILLO; COZZOLINO, 1998). Em solução aquosa, a riboflavina é moderadamente solúvel, termoestável e sensível à radiação ultravioleta; portanto, ao preparar os alimentos em cozimento, estima-se uma perda de cerca de 20% da sua concentração, podendo chegar a 50% se houver exposição solar duranteo processo (BARRETTO; CYRILLO; COZZOLINO, 1998). Durante o processamento de grãos há perda considerável do teor de riboflavina dos alimentos. A análise da disponibilidade de nutrientes presentes em alimentos da “cesta básica” mostrou que a oferta de riboflavina atende a 33,8% de adequação em relação às recomendações, quantidade considerada insatisfatória. Embora ocorra essa vulnerabilidade, parece existir constante adequação entre o consumo alimentar e as necessidades humanas dessa vitamina (BARRETTO; CYRILLO; COZZOLINO, 1998). Porém, estudos realizados na década de 1970 mostraram que a ingestão de riboflavina foi geralmente baixa em grupos populacionais de baixa renda, em todas as regiões brasileiras, especialmente de áreas urbanas. Pessoas com baixa ingestão de riboflavina constituem-se no grupo de risco para a deficiência, que são os idosos, as mulheres em uso crônico de contraceptivos orais, as crianças e os adolescentes de baixo nível socioeconômicos. Os quadros de deficiência podem ocorrem em pessoas com baixa ingestão, no alcoolismo, em pacientes com doenças que cursam com estresse orgânico grave (como nas queimaduras e no pós-operatório de grandes cirurgias), além da má absorção intestinal. A deficiência de riboflavina tem sido observada em pacientes com doenças crônicas debilitantes (infecção pelo HIV, tuberculose, endocardite bacteriana subaguda), diabetes, hipertireoidismo e cirrose hepática. Recém-nascidos sob fototerapia prolongada para tratamento de hiperbilirrubinemia podem apresentar sintomas e alterações bioquímicas de deficiência de riboflavina, devido à fotólise dessa vitamina; essa fotólise da riboflavina leva à formação de lumiflavina (em solução alcalina) e lumicromo (em solução ácida ou neutra) (VANNUCCHI; CARVALHO; CHIARELLO, 2016). A lumiflavina e o lumicromo resultantes dessa exposição catalisam a oxidação da vitamina C; portanto, mesmo uma breve exposição do alimento à luz, que possibilita pequena perda de riboflavina, pode causar perdas consideráveis de vitamina C (VANNUCCHI; CARVALHO; CHIARELLO, 2016). Alguns fármacos (como a ouabaína, a teofilina e a penicilina) são antagonistas da riboflavina, por dificultarem a ligação da flavina com as flavoproteínas; indivíduos que fazem uso crônico de algumas medicações podem apresentar risco de desenvolver a deficiência de riboflavina, devido às interações entre o fármaco e a vitamina. Medicamentos como a clorpromazina, as fenotiazinas, os barbitúricos, 97 NUTRIÇÃO E BIODISPONIBILIDADE DE NUTRIENTES o antibiótico estreptomicina e os contraceptivos orais podem diminuir a absorção intestinal ou a reabsorção renal, por mecanismos diversos, entre eles a competição com a riboflavina. Nesses casos é necessária a suplementação para a prevenção da deficiência e de seus agravos. A excreção urinária de riboflavina (basal ou após uma dose teste) e de seus metabólitos pode ser utilizada como um índice de estado nutricional do indivíduo em relação a essa vitamina. Quando os tecidos estão saturados, ocorre rápido aumento da excreção urinária, entretanto, indivíduos com balanço nitrogenado negativo podem apresentar aumento da excreção urinária como resultado do catabolismo das flavoproteínas dos tecidos e perda de seus grupos prostéticos. A riboflavina pode ser usada em desordens mitocondriais para compensar os defeitos genéticos na formação específica de flavoproteínas. É usada como suplemento durante fototerapia para icterícia neonatal, sendo que alguns estudos utilizam a sua suplementação para a redução dos sintomas de crises de enxaqueca durante um período de três meses. Devido à sua baixa solubilidade e limitada absorção do trato gastrointestinal, a riboflavina não tem toxicidade por via oral significante ou mensurável. Após administração de altas doses por via parenteral (300-400 mg/kg peso corporal), pode haver cristalização das moléculas de riboflavina com deposição renal, devido à sua baixa solubilidade – o seu excesso pode ocasionar coloração alaranjada na urina (VANNUCCHI; CUNHA, 2009). 6.4 Piridoxina: nomenclatura, estrutura química e função A vitamina B6 (cloridrato de piridoxina) é um pó cristalino branco, inodoro e relativamente estável ao ar e à luz. Disposta em solução aquosa, tende a ser mais estável em valores de pH menores que 5, tornando-se menos estável em valores de pH maiores que 7, especialmente quando irradiada com luz na região do UV-Visível. Essa vitamina está amplamente distribuída na natureza, sendo as fontes alimentares de sua obtenção o fígado, farelo de cereais, levedura, melaço bruto de cana e germe de trigo. Consiste de uma mistura de piridoxina, piridoxal e piridoxamina, que são normalmente interconvertidas no organismo. A vitamina B6 é um nome genérico para um grupo de seis compostos: álcool piridoxina, aldeído piridoxal, amina piridoxamina e seus 5’-fosfatos. O piridoxal 5’-fosfato (PLP) e a piridoxamina 5’fosfato (PMP) constituem as formas coenzimáticas ativas, sendo o PLP a forma de interesse biológico (MORAIS; COMINETTI; COZZOLINO, 2016a). Piridoxina NH3C HO OH OH Piridoxal NH3C HO HO OH Piridoxamina NH3C HO NH2 OH Figura 29 – Formas da vitamina B6 mais comuns encontradas Fonte: Aniceto e Fatibello-Filho (2002, p. 1). 98 Unidade II A piridoxina é a forma mais utilizada para a fortificação de alimentos e preparações medicamentosas e a sua ação está relacionada ao metabolismo de aminoácidos, como uma coenzima nas reações de transaminase (interconversão e catabolismo de aminoácidos e na síntese de aminoácidos não essenciais); na descarboxilação para gerar aminas biologicamente ativas; e em outras reações do metabolismo. Esse nutriente atua também como cofator para a ação do glicogênio fosforilase e de outras enzimas (MORAIS; COMINETTI; COZZOLINO, 2016a). Está envolvida como cofator para inúmeras reações metabólicas, e por esse motivo participa de muitos processos orgânicos; o PLP tem papel bem definido no metabolismo lipídico, como coenzima na descarboxilação da fosfatidilserina, levando à formação da fosfatidile-tanolamina e, posteriormente, à fosfatidilcolina. De acordo com Ames, Elson-Schwab e Silver (2002), 1/3 das mutações genéticas ocorre pela baixa afinidade de ligação de uma enzima com a sua coenzima, resultando em um índice mais baixo de reação. Cerca de 50 doenças genéticas humanas podem ser tratadas ou melhoradas pela administração de altas doses de cofatores na forma de vitaminas da coenzima correspondente, restaurando a atividade enzimática; para compreendermos a relevância metabólica do PLP, basta compreendermos que ele é utilizado por 112 das 3.870 enzimas catalogadas. Na sequência, observe algumas das enzimas que são dependentes da vitamina B6: ornitina amonitransferase (catalisa a quebra da ornitina a ácido delta-pirrolino-5-carboxílico, o qual é então convertido em prolina), cistationa β-sintetase (catalisa a condensação da homocisteína à forma de cistationina), quiruneninase (envolvida na degradação do triptofano), entre outras (MORAIS; COMINETTI; COZZOLINO, 2016a). Seus valores de recomendação nutricional são: Tabela 24 – Ingestões de referência da vitamina B6 Estágio de vida EAR (mg/dia) AI/RDA (mg/dia) UL (mg/dia) Recém-nascidos e crianças 0-6 meses 7-12 meses – – 0,1 0,3 – – Crianças 1-3 anos 4-anos 0,4 0,5 0,5 0,6 30 40 Homens 9-13 anos 14-18 anos 19-30 anos 31-50 anos 51-70 anos > 71 anos 0,8 1,1 1,1 1,1 1,4 1,4 1 1,3 1,3 1,3 1,7 1,7 60 80 100 100 100 100 99 NUTRIÇÃO E BIODISPONIBILIDADE DE NUTRIENTES Estágio de vida EAR (mg/dia) AI/RDA (mg/dia) UL (mg/dia) Mulheres 9-13 anos 14-18 anos 19-30 anos 31-50 anos 51-70 anos > 71 anos 0,8 1 1,1 1,1 1,3 1,3 1 1,2 1,3 1,3 1,5 1,5 60 80 100 100 100 100 Gravidez ≤ 18 anos 19-50 anos 1,6 1,6 1,9 1,9 80 100 Lactação ≤ 18 anos 19-50 anos 1,7 1,7 2 2 80 100 AI = Ingestão adequada; EAR = Necessidade média estimada; RDA = Ingestão dietética recomendada;UL = Limite superior tolerável de ingestão. Fonte: Morais, Cominetti e Cozzolino (2016a, p. 484). A deficiência em vitamina B6 praticamente não existe, uma vez que ela está presente na maioria dos alimentos. Porém, a ingestão inadequada pode afetar o metabolismo de aminoácidos e possivelmente também a ação dos hormônios esteroides; do ponto de vista clínico, a deficiência em vitamina B6 é manifestada frequentemente por sintomas relacionados ao sistema nervoso central. O metabolismo dessa vitamina é pouco esclarecido, porém as três formas de vitamina B6 são rapidamente absorvidas pelo intestino delgado, especialmente no jejuno por difusão pasiva. A sua concentração sanguínea é de cerca de 6 µg/ dL, estando ligada à albumina plasmática ou à hemoglobina dos eritrócitos. No fígado, as formas não fosforiladas são convertidas naquelas metabolicamente ativas (VANNUCCHI; CUNHA, 2009). O armazenamento da vitamina ocorre no tecido muscular, ligado ao glicogênio, sabendo que a sua excreção é renal e que de forma contrária a muitas vitaminas hidrossolúveis, determinadas doses demonstram perdas ou possíveis excessos com consequências, quase sempre em sistema nervoso central. Morais, Cominetti e Cozzolino (2016a) descrevem que estudos em animais demonstraram o desenvolvimento de lesões dermatológicas e de neuropatia periférica com ataxia, fraqueza muscular e falta de equilíbrio em cachorros recebendo 200 mg de B6 /kg de peso corporal por 40 a 75 dias. Com uma dose de 50 mg/kg de peso corporal não há sinais de toxicidade, porém histologicamente há perdas da mielina nas raízes do nervo dorsal. Em humanos os estudos são pouco frequentes e inconclusivos; os efeitos desse excesso não estão esclarecidos, porém, sugere-se que altas concentrações de piridoxina possam competir com o piridoxal para a fosforilação; a piridoxina fosfato é oxidada para piridoxal fosfato apenas em poucos tecidos. O resultado disso poderia ser a depleção de piridoxal fosfato do nervo periférico e acúmulo de piridoxina fosfato. 100 Unidade II O Noael (no observed adverse effect level) para a piridoxina é de 200 mg/dia e o Loael (lowest observed adverse effect level) é de 500 mg/dia. O UL (tolerable upper intake level) baseou-se em resultados da presença de neuropatia sensorial. A absorção dessa vitamina é eficiente, porém, alguns fatores dietéticos podem alterar esse processo, principalmente nas fontes de origem vegetal; isto porque nesses alimentos ela permanece de forma glicosilada, o que reduz em 50% a eficiência de seu aproveitamento. As perdas de vitamina B6 são altas no cozimento e no processamento (enlatados) de carnes e vegetais. A moagem do trigo para a fabricação da farinha pode resultar em perdas de 70 a 90% e o congelamento de vegetais, de 35 a 55%. Outro fator dietético que interfere em sua biodisponibilidade reduzindo-a é a dieta hiperproteica (MORAIS; COMINETTI; COZZOLINO, (2016a) Alguns medicamentos como isoniazida e contraceptivos orais com elevadas doses de estrogênio podem reduzir as quantidades circulantes de piridoxal fosfato; nos casos de alcoolismo e gestantes com síndrome hipertensiva gestacional, essa vitamina está em concentrações circulantes reduzidas, justificando um possível comprometimento de sua biodisponibilidade. Lembrete De acordo com a Resolução CFN n. 656, de 15 de junho de 2020, o profissional deve levar em consideração inúmeros critérios antes de realizar uma suplementação alimentar. Resumo Na unidade II falamos sobre a importância do ferro na saúde muscular e de todos os tecidos corporais, uma vez que ele transporta oxigênio para os tecidos. O ferro atua de forma efetiva também na prevenção de anemias carenciais e na atividade da enzima citocromo P450. Esse nutriente atua em sintonia com a vitamina C e o cobre, sendo este essencial para o transporte de ferro aos tecidos pela incorporação na transferrina. O folato tem relevância durante a vida intrauterina, pois auxilia a formação do tubo neural. Além disso, desempenha um papel relevante no metabolismo da homocisteína, e conjuntamente com a vitamina B6 e vitamina B12 atua como cofator na metabolização desse aminoácido e na prevenção do aumento de chance de doenças cardíacas pela hiper-homocisteínemia. A vitamina B6, com o magnésio e a vitamina B12, atuam no metabolismo do triptofano, favorecendo a síntese de dopamina, glutamato e serotonina, neurotransmissores indispensáveis para a saúde mental e muito estudados ultimamente na área da saúde mental. 101 NUTRIÇÃO E BIODISPONIBILIDADE DE NUTRIENTES As vitaminas do complexo B, como tiamina, riboflavina e niacina, são nutrientes que participam do metabolismo energético e preservam a atuação na organela mitocôndria; logo, embora as suas recomendações diárias sejam facilmente atingidas, precisam ser bem aproveitadas, compreensão que só é possível quando observamos as vias metabólicas dos nutrientes e reconhecemos as suas melhores fontes alimentares e técnicas de preparo. Exercícios Questão 1. (Enade 2019) Leia o texto a seguir. Mulheres em idade fértil apresentam perdas regulares do endométrio durante o processo da menstruação. Essa perda de sangue pode favorecer a redução do aporte de ferro no organismo, aumentando as chances de desenvolvimento de anemia por deficiência de ferro. Estima-se ainda que mais de 20% das mulheres em idade reprodutiva sejam afetadas pela deficiência de ferro no mundo, sendo esta a mais comum entre as deficiências de micronutrientes. PHILIPPI, S. T.; AQUINO, R. C. (org.). Recomendações nutricionais nos estágios de vida e nas doenças crônicas não transmissíveis. Barueri: Manole, 2017. Adaptado. Considerando a expressiva carência de ferro em mulheres, avalie as afirmativas a seguir, acerca das orientações dietéticas e nutricionais que promovam o consumo adequado desse nutriente. I – É importante consumir hortaliças de cor amarelo-alaranjado, como a cenoura e a abóbora. II – Deve-se dar preferência ao consumo de alimentos de origem animal, como as carnes e as vísceras. III – É adequado ingerir diariamente alimentos lácteos, como o leite de vaca e o iogurte. IV – É recomendado consumir alimentos de origem vegetal verde-escuros, como o espinafre, associados a alimentos que sejam fontes de vitamina C, como a laranja e a acerola. É correto apenas o que se afirma em A) I e III. B) I e IV. C) II e IV. D) I, II e III. E) II, III e IV. Resposta correta: alternativa C. 102 Unidade II Análise das afirmativas I – Afirmativa incorreta. Justificativa: é importante consumir hortaliças de cor amarelo-alaranjado, como a cenoura e a abóbora, mas elas são fonte de vitamina A, não de ferro. II – Afirmativa correta. Justificativa: alimentos de origem animal, como as carnes e as vísceras, são fontes de ferro. III – Afirmativa incorreta. Justificativa: é adequado ingerir alimentos lácteos, como o leite de vaca e o iogurte. No entanto, eles são fonte de cálcio, não de ferro. IV – Afirmativa correta. Justificativa: os alimentos de origem vegetal verde-escuros são fontes de ferro não heme. O consumo desses alimentos com alimentos que sejam fontes de vitamina C aumenta a absorção de ferro. Questão 2. Leia o texto a seguir. A vitamina B12, ou cianocobalamina, faz parte de uma família de compostos denominados genericamente de cobalaminas. É uma vitamina hidrossolúvel, sintetizada exclusivamente por microrganismos, encontrada em praticamente todos os tecidos animais e estocada primariamente no fígado na forma de adenosilcobalamina. A fonte natural de vitamina B12 na dieta humana restringe-se a alimentos de origem animal, especialmente leite, carne e ovos. PANIZ, C. et al. Fisiopatologia da deficiência de vitamina B12 e seu diagnóstico laboratorial. Bras Patol Med Lab, v.41, n.5, p.323-34, Rio de Janeiro, 2005. Considerando os fatores relacionados à absorção de vitamina B12, avalie as afirmativas. I – A vitamina B12 é liberada pela digestão de proteínas de origem animal e é capturadapela transcobalamina I. Esse complexo é degradado pelas proteases pancreáticas e, posteriormente, há transferência da molécula de vitamina B12 para o fator intrínseco gástrico. II – A ausência de fator intrínseco leva à deficiência de vitamina B12 e caracteriza a anemia hemolítica. III – A gastrite atrófica e a diminuição da secreção ácida do estômago reduzem a biodisponibilidade da vitamina B12 presente nos alimentos. 103 NUTRIÇÃO E BIODISPONIBILIDADE DE NUTRIENTES É correto o que se afirma em A) I e II, apenas. B) I, apenas. C) II e III, apenas. D) I e III, apenas. E) I, II e III. Resposta correta: alternativa D. Análise das afirmativas I – Afirmativa correta. Justificativa: o fator intrínseco (FI) é uma glicoproteína produzida pelas células parietais do estômago. A ligação do FI à vitamina B12 forma um complexo que resiste às enzimas proteolíticas da luz intestinal e que se adere a receptores específicos no íleo terminal, local em que a vitamina B12 é absorvida, ligada a um transportador plasmático e lançada na circulação. II – Afirmativa incorreta. Justificativa: a falta de fator intrínseco está relacionada à anemia perniciosa. A anemia hemolítica está relacionada à destruição das hemácias antes do seu ciclo de vida (120 dias). III – Afirmativa correta. Justificativa: quando ingerida, a vitamina B12 está ligada a uma proteína. No estômago, o complexo proteína-vitamina B12 é separado por pepsina e ácido clorídrico para liberar a vitamina livre, que se liga à proteína R (transcobalamina) presente na saliva e no suco gástrico. Assim, a diminuição de ácido clorídrico e suco gástrico pode reduzir a biodisponibilidade de vitamina B12. Posteriormente, o complexo B12-proteína R é degradado pelas enzimas pancreáticas para liberar a vitamina B12 livre, que se liga no duodeno ao fator intrínseco secretado pela parede gástrica e segue até o íleo, local em que é absorvida.