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O epigenoma é um alvo terapêutico. Como o estado epigenético de uma célula depende de modificações
reversíveis realizadas por enzimas (que geralmente constituem bons alvos de medicamentos), existe um
grande interesse no desenvolvimento de fármacos que tenham como alvo modificadores epigenômicos no
câncer e outras doenças. Os inibidores de histona desacetilases, as “borrachas” de cromatina que removem
grupos acetila das histonas, estão aprovados para uso clínico em certos tumores linfoides, e os inibidores da
metilação do DNA são utilizados no tratamento de tumores mieloides, com base, em parte, na ideia de que
esses medicamentos são capazes de reativar genes supressores de tumor. Outros medicamentos que têm como
alvo os “escritores” específicos e “leitores” de cromatina estão agora sendo avaliados em ensaios clínicos
Os cânceres tendem a exibir uma considerável heterogeneidade epigenética. Da mesma forma que a
instabilidade genômica dá origem à heterogeneidade genética nos cânceres, há suspeita de que os cânceres
também demonstrem ter uma extensa heterogeneidade epigenética entre células dentro de tumores
individuais. Uma das consequências dessa heterogeneidade pode ser a resistência a fármacos. Por exemplo,
as alterações epigenéticas podem levar à resistência das células do câncer de pulmão a inibidores da
sinalização do EGF. Quando os inibidores são removidos, as células do câncer de pulmão revertem para seu
estado prévio sensível ao inibidor. Se for generalizada, essa plasticidade epigenética pode unir-se à
heterogeneidade genética como outra barreira ao desenvolvimento de terapias curativas para o câncer.
RNA não codificantes e câncer
Os RNA não codificantes participam da carcinogênese ao regular a expressão de genes codificadores de
proteínas associados ao câncer. Os microRNA são os mais bem caracterizados desses RNA não codificantes.
Conforme discutido no Capítulo 1, os microRNA (miR) são pequenos RNA de fita simples não codificantes,
com cerca de 22 nucleotídios de comprimento, que medeiam a inibição específica da sequência dos mRNA.
Tendo em vista que os miR controlam a sobrevivência, o crescimento e a diferenciação normais das células, não
é surpreendente que eles desempenhem um papel na carcinogênese. A expressão alterada do miR, algumas vezes
devido a amplificações e deleções dos loci do miR, foi identificada em muitos cânceres. A diminuição da
expressão de certos miR aumenta a tradução de mRNA oncogênicos; esses miR apresentam atividade supressora
de tumores. Por exemplo, as deleções que afetam miR-15 e miR-16 estão entre as lesões genéticas mais
frequentes na leucemia linfocítica crônica, um tumor comum de indivíduos idosos (ver Capítulo 13). Nesse
tumor, a perda desses miR leva à suprarregulação da proteína antiapoptótica BCL-2, aumentando a sobrevida das
células tumorais. Por outro lado, a superexpressão de outros miR reprime a expressão de genes supressores de
tumor; esses miR promovem o desenvolvimento do tumor e são designados como onco-miR. Um exemplo de um
onco-miR é o miR-155, que está superexpresso em muitos linfomas de células B humanos e que suprarregula
indiretamente um grande número de genes que promovem a proliferação, incluindo MYC.
A atuação dos miR pode representar a ponta do iceberg em relação à função dos RNA não codificantes no
câncer. As análises genômicas sistemáticas revelaram que mais de 60% dos genomas são transcritos em RNA,
cuja maior parte não é codificante e pode ter funções reguladoras (ver Capítulo 1).
Base molecular da carcinogênese sequencial ou em múltiplas etapas
Tendo em vista que os tumores malignos precisam adquirir múltiplas “marcas registradas” do câncer,
depreende-se que os cânceres resultam do acúmulo sequencial de múltiplas mutações que atuam de forma
complementar para produzir um tumor totalmente maligno. A noção de que os tumores malignos se
originam do acúmulo sequencial de alterações promotoras do câncer é respaldada por estudos epidemiológicos,
experimentais e moleculares, e o estudo dos oncogenes e dos genes supressores de tumor forneceu uma base
molecular firme para o conceito de carcinogênese sequencial ou em múltiplas etapas. O sequenciamento
genômico completo dos cânceres revelou alterações que podem variar de cerca de apenas 10 mutações em certas
leucemias a até muitos milhares de mutações (cuja maior parte consiste em mutações passageiras, e não
condutoras) em tumores que surgem após exposição crônica a carcinógenos, como os cânceres de pulmão
associados ao tabagismo. Uma resposta mais direta à pergunta “quantas mutações são necessárias para
estabelecer um tumor completamente maligno?” é obtida das tentativas experimentais de transformar células
humanas normais em cancerígenas com combinações de oncogenes, alguns dos quais derivados de vírus
transformadores (descritos mais adiante). Por exemplo, as células epiteliais humanas normais podem ser
transformadas pela seguinte combinação de eventos: (1) ativação de RAS; (2) inativação de RB; (3) inativação
da p53; (4) inativação de PP2A, uma fosfatase supressora de tumor, que é um regulador negativo de muitas vias
de sinalização; e (5) expressão constitutiva da telomerase. As células portadoras de todas essas alterações são
imortais e produzem tumores invasivos e totalmente malignos quando injetadas em camundongos com
imunodeficiência.
Diferentemente do que ocorre no laboratório, esses eventos presumivelmente nunca são observados de modo
simultâneo durante o desenvolvimento natural de um câncer humano, porém ocorre de maneira sequencial. Qual
é a evidência de que isso ocorre dessa maneira? Um exemplo clássico de aquisição incremental do fenótipo
maligno é encontrado no carcinoma de cólon. Muitos desses cânceres evoluem por meio de uma série de estágios
morfologicamente identificáveis, mais notavelmente a formação de adenomas que aumentam de modo
progressivo e, por fim, sofrem transformação maligna (ver Capítulo 17). As análises moleculares das
proliferações em cada estágio mostraram que as lesões pré-cancerígenas apresentam menos mutações do que os
adenocarcinomas, e que certas mutações tendem a ocorrer de modo precoce (p. ex., mutações no gene supressor
de tumor APC) ou de forma tardia (p. ex., mutações em TP53) no processo (discutido com mais detalhes no
Capítulo 17). Existe uma evidência semelhante para a progressão sequencial de outras lesões precursoras
reconhecíveis para cânceres epiteliais, como displasias do colo do útero, da epiderme e da mucosa oral e também
hiperplasias do endométrio. Esses processos são também descritos em capítulos posteriores correspondentes.
Agentes carcinogênicos e suas interações celulares
Há mais de 200 anos, o cirurgião londrino Sir Percival Pott atribuiu corretamente o câncer de pele do escroto em
limpadores de chaminé à exposição crônica à fuligem. Com base nessa observação, a Danish Chimney Sweeps
Guild determinou que seus membros deveriam tomar banho diariamente. Nenhuma medida de saúde pública
desde aquela época teve tanto sucesso no controle de uma forma de câncer. Subsequentemente, foi demonstrado
que centenas de substâncias químicas são carcinogênicas em animais. Alguns dos principais agentes estão
listados na Tabela 7.10.
Carcinogênese química
Conforme discutido anteriormente, a carcinogênese é um processo em múltiplas etapas. Isso é cabalmente
demonstrado em modelos experimentais de carcinogênese química, em que foram descritos os estágios de
iniciação e promoção durante o desenvolvimento do câncer. Os experimentos clássicos que permitiram a
distinção entre iniciação e promoção foram realizados na pele de camundongos e revelaram os seguintes
conceitos relacionados com a sequência de iniciação-promoção: a iniciação resulta da exposição das células a
uma dose suficiente de um agente carcinogênico. Provoca dano permanente ao DNA (mutações). Os promotores
podem induzir o aparecimento de tumores a partir das células iniciadas, porém eles não são tumorigênicos por si
só. A aplicação de promotores leva à proliferação e expansão clonalde células iniciadas (mutadas).
Impulsionados a proliferar, os subclones das células iniciadas sofrem várias mutações adicionais, e, por fim,
surge um clone cancerígeno com todas as características e marcas registradas do câncer. É provável que muitos
fatores que contribuem para a oncogênese nos seres humanos também atuem ao estimular a proliferação,
podendo, assim, ser considerados de modo conceitual como promotores de tumores; os exemplos incluem a
estimulação estrogênica (sem regulação) do endométrio e da mama e os processos inflamatórios crônicos
associados ao reparo dos tecidos (p. ex., doença inflamatória intestinal, hepatite crônica e esôfago de Barrett).
Tabela 7.10 Principais carcinógenos químicos.
Carcinógenos de ação direta
Agentes alquilantes
β-´propiolactona
Dimetil sulfato
Diepoxibutano
Agentes antineoplásicos (ciclofosfamida, clorambucila, nitrosureia e outros)
Agentes acilantes
1-Acetil-imidazol
Cloreto de dimetilcarbamila
Pró-carcinógenos que exigem ativação metabólica
Hidrocarbonetos aromáticos policíclicos e heterocíclicos
Benza[a]antraceno
Benzo[a]pireno
Dibenzo[a]antraceno
3-Metilcolantreno
7,12-Dimetilbenzo[a]antraceno
Aminas aromáticas, amidas, corantes azo
2-Naftilamina (β-naftilamina)
Benzidino
2-Acetilaminofluoreno
Dimetilaminoazobenzeno (“amarelo-manteiga”)
Produtos naturais de plantas e microrganismos
Aflatoxina B1
Griseofulvina
Cicasina
Safrol
Noz-de-areca
Outros
Nitrosamina e amidas
Cloreto de vinila, níquel, cromo
Inseticidas, fungicidas
Bifenilas policloradas
Embora os conceitos de iniciação e de promoção tenham sido derivados, em grande parte, de experimentos
realizados em camundongos, eles são úteis quando se consideram os papéis de determinados fatores que
contribuem para os cânceres humanos. Com esse breve panorama, a iniciação e a promoção podem ser
examinadas com mais detalhes (Figura 7.41). Todos os carcinógenos químicos iniciadores são eletrófilos (que
apresentam átomos com deficiência de elétrons) altamente reativos, que podem reagir com átomos nucleofílicos
(ricos em elétrons) na célula. Seus alvos são o DNA, o RNA e as proteínas, e, em alguns casos, essas interações
causam morte celular. Obviamente, a iniciação provoca dano não letal ao DNA, cujo reparo é feito em um
processo sujeito a erros. Em seguida, a célula mutada transfere as lesões do DNA às células-filhas. As
substâncias químicas que podem causar iniciação da carcinogênese são classificadas em duas categorias: de ação
direta e de ação indireta.
Figura 7.41 Esquema geral de eventos na carcinogênese química. Observe que os promotores causam expansão clonal
da célula iniciada, produzindo, assim, um clone pré-neoplásico. A proliferação adicional induzida pelo promotor ou por
outros fatores provoca o acúmulo de mutações adicionais e o aparecimento de um tumor maligno.
Carcinógenos de ação direta
Os carcinógenos de ação direta não exigem sua conversão metabólica para se tornarem carcinogênicos. A
maioria consiste em carcinógenos fracos, porém alguns são importantes por serem agentes quimioterápicos
contra o câncer (p. ex., agentes alquilantes). Tragicamente, em alguns casos, esses agentes já curaram,
controlaram ou adiaram a recorrência de certos tipos de câncer (p. ex., leucemia, linfoma e carcinoma de mama)
apenas para produzir uma segunda forma de câncer, normalmente leucemia mieloide aguda. O risco de câncer
induzido é baixo, porém sua existência exige o uso criterioso desses agentes.
Carcinógenos de ação indireta
Os carcinógenos de ação indireta exigem sua conversão metabólica para se tornarem carcinógenos ativos;
os produtos carcinogênicos são denominados carcinógenos finais. Os carcinógenos químicos em sua maioria
atuam indiretamente e exigem sua ativação metabólica para conversão em carcinógenos finais (Figura 7.41).
Alguns dos carcinógenos químicos indiretos mais potentes – os hidrocarbonetos policíclicos – estão presentes em
combustíveis fósseis. Outros, por exemplo, como o benzo[a]pireno (o componente ativo da fuligem, que Potts
demonstrou ser carcinogênico), são formados durante a combustão em alta temperatura do tabaco nos cigarros e
estão implicados na causa do câncer de pulmão. Os hidrocarbonetos policíclicos também são produzidos a partir
de gorduras animais no processo de assar ou grelhar carnes e estão presentes em carnes e peixes defumados. As
aminas aromáticas e os corantes azo constituem outra classe de carcinógenos de ação indireta que foram
amplamente utilizados no passado no corante anilina e na indústria de borracha. Muitos outros carcinógenos
ocupacionais estão listados na Tabela 7.10.
Os carcinógenos indiretos são metabolizados, em sua maioria, por mono-oxigenases dependentes do
citocromo P-450. Os genes que codificam essas enzimas são polimórficos, e a atividade e capacidade de indução
dessas enzimas variam de modo significativo entre indivíduos (descritas com mais detalhes no Capítulo 9).
Como essas enzimas são essenciais para a ativação de pró-carcinógenos, a suscetibilidade à carcinogênese está
relacionada, em parte, com as variantes polimórficas específicas herdadas por um indivíduo. Assim, pode ser
possível avaliar o risco de câncer em determinado indivíduo pela análise genética desses polimorfismos
enzimáticos.
O metabolismo dos hidrocarbonetos policíclicos aromáticos, como o benzo[a]pireno pelo produto do gene
P450 CYP1A1, fornece um exemplo instrutivo. Cerca de 10% da população branca é portadora de uma forma
altamente induzível desse gene. As pessoas que fumam pouco e que apresentam o genótipo CYP1A1 suscetível
correm risco sete vezes maior de desenvolver câncer de pulmão, em comparação com tabagistas sem o genótipo
suscetível. As vias metabólicas também estão envolvidas na inativação (destoxificação) de certos pró-
carcinógenos e seus derivados, e a variação dessas vias também pode influenciar o risco de câncer.
Alvos moleculares dos carcinógenos químicos. Como a transformação maligna resulta de mutações, não é
surpreendente que os agentes químicos iniciadores tenham, em sua maioria, o DNA como alvo e sejam
mutagênicos. Não existe nenhuma alteração isolada ou única associada à iniciação do câncer. Tampouco há
qualquer predisposição aparente para que os iniciadores causem mutações em determinados genes;
presumivelmente, ocorrem mutações em todo o genoma, e as células que aleatoriamente sofrem dano nos
“suspeitos habituais” – oncogenes e supressores de tumor, como RAS e TP53 – adquirem uma vantagem seletiva
potencial e correm risco de transformação subsequente.
Isso não quer dizer que as mutações induzidas por carcinógenos ocorrem de modo totalmente aleatório. Em
virtude de suas estruturas químicas, alguns carcinógenos interagem de modo preferencial com sequências ou
bases particulares do DNA e, portanto, produzem mutações que são agrupadas em “pontos de acesso” ou que são
predispostas a substituições de bases específicas. Esse fenômeno é ilustrado por um “ponto de acesso”
mutacional associado à exposição à aflatoxina B1, um agente de ocorrência natural produzido por algumas cepas
do fungo Aspergillus. Aspergillus cresce em sementes e nozes inadequadamente armazenados, e existe uma forte
correlação entre o nível dietético desse contaminante nos alimentos e a incidência de carcinoma hepatocelular
em partes da África e do Extremo Oriente. É interessante ressaltar que os carcinomas hepatocelulares associados
à aflatoxina B1 tendem a apresentar uma mutação particular em TP53, uma transversão G:C→T:A no códon 249,
que produz uma substituição de arginina por serina na proteína p53, o que interfere em sua função. Por outro
lado, as mutações de TP53 são infrequentes em tumores hepáticos de áreas em que não ocorre contaminação dos
alimentos pela aflatoxina, e poucas dessas mutações envolvem o códon 249. De modo semelhante, os cânceres
de pulmão associados ao tabagismo apresentam uma carga mutacional 10 vezes maior, em média, do que os
cânceres de pulmão em não fumantes, e essas mutações em excesso estão fortemente representadas por
substituiçõesde bases específicas que são conhecidas por serem causadas por carcinógenos presentes na fumaça
de cigarro (a famosa “prova do crime”). O sequenciamento dos genomas do câncer revelou várias dúzias de
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outras “assinaturas” mutacionais. Uma dessas assinaturas reflete uma exposição a agentes quimioterápicos,
porém as demais assinaturas em grande parte permanecem sem explicação, sugerindo a existência de outros
agentes carcinogênicos escondidos no ambiente, aguardando sua descoberta.
Outros carcinógenos potenciais no local de trabalho e em casa incluem cloreto de vinila, arsênico, níquel,
cromo, inseticidas, fungicidas e bifenilas policloradas. Os nitritos utilizados como conservantes de alimentos
também têm causado preocupação, visto que eles reagem com aminas contaminadas no alimento, formando
nitrosaminas, que são suspeitos de serem também agentes carcinogênicos.
 Conceitos-chave
Carcinogênese química
Os carcinógenos químicos apresentam grupos eletrofílicos altamente reativos, que provocam dano direto ao
DNA, levando a mutações e, por fim, ao câncer
Os agentes de ação direta não exigem conversão metabólica para se tornarem carcinogênicos, enquanto os
agentes de ação indireta não são ativos até que sejam convertidos em um carcinógeno final por vias
metabólicas endógenas. Por conseguinte, os polimorfismos de enzimas endógenas, como o citocromo P-
450, podem influenciar a carcinogênese
Após exposição de uma célula a um agente mutagênico ou a um iniciador, a tumorigênese pode ser
intensificada pela exposição a promotores, que estimulam a proliferação de células mutadas
Exemplos de carcinógenos em humanos incluem agentes de ação direta (p. ex., agentes alquilantes
utilizados na quimioterapia), agentes de ação indireta (p. ex., benzo[a]pireno, corantes azo, aflatoxina) e
promotores ou agentes que causam hiperplasia patológica do endométrio ou atividade regenerativa no
fígado.
Carcinogênese por radiação
A energia radiante, na forma de raios UV da luz solar ou na forma de radiação eletromagnética ionizante
e particulada, é mutagênica e carcinogênica. A exposição à luz UV provoca cânceres de pele, enquanto a
exposição à radiação ionizante devido à exposição médica ou ocupacional, a acidentes de usinas nucleares e
detonações de bombas atômicas, está associada a uma variedade de cânceres. Embora a contribuição da radiação
ionizante para a carga total de cânceres humanos provavelmente seja pequena, os cânceres que ocorrem podem
surgir décadas mais tarde, e são necessários longos períodos de observação para verificar seu efeito completo.
Um aumento na incidência de câncer de mama tornou-se evidente década após a exposição de mulheres quando
ainda eram crianças, durante testes de bombas atômicas. A incidência alcançou um pico no período de 1988 a
1992 e, em seguida, declinou. Além disso, a radiação pode ter efeitos aditivos ou sinérgicos com outros fatores
potencialmente carcinogênicos.
Raios ultravioleta
A exposição aos raios UV derivados do sol, sobretudo em indivíduos de pele clara, está associada ao
aumento da incidência de carcinoma espinocelular, carcinoma basocelular e melanoma da pele. O grau de
risco depende do tipo de raios UV, da intensidade da exposição e da pigmentação da pele, refletindo essa última a
quantidade de melanina da pele que absorve luz. Por conseguinte, as pessoas de origem europeia com pele clara
que sofrem queimaduras solares com facilidade e que têm dificuldade em se bronzear e que moram em locais
que recebem muita luz solar (p. ex., Queensland, na Austrália, próximo ao equador) apresentam a maior
incidência de câncer de pele do mundo. A porção UV do espectro solar pode ser dividida em três faixas de
comprimentos de onda: UVA (320 a 400 nm), UVB (280 a 320 nm) e UVC (200 a 280 nm). Destes, acredita-se
que os raios UVB sejam responsáveis pela indução de cânceres de pele. Os raios UVC, apesar de serem um
potente mutagênico, não são considerados significativos, visto que são filtrados pela camada de ozônio ao redor
da Terra (daí a preocupação sobre a depleção do ozônio).
A luz UVB é carcinogênica, em virtude de sua capacidade de causar a formação de dímeros de
pirimidina no DNA. A absorção da energia em um fóton de luz UV pelo DNA produz uma reação química que
leva à ligação cruzada covalente de bases pirimidínicas, sobretudo resíduos de timidina adjacentes na mesma fita
de DNA. Isso distorce a hélice de DNA e impede o pareamento adequado do dímero com bases na fita oposta de
DNA. O reparo dos dímeros de pirimidina é realizado pela via de reparo por excisão de nucleotídios, um
processo que pode envolver 30 ou mais proteínas. Foi postulado que, com a exposição excessiva ao sol, a
capacidade da via de reparo por excisão de nucleotídios é sobrepujada, e os mecanismos de reparo do DNA sem
molde e propensos a erros tornam-se operantes. Esses mecanismos possibilitam a sobrevivência da célula, mas
também introduzem mutações que, em alguns casos, levam ao câncer. A importância da via de reparo por
excisão de nucleotídios do DNA é evidenciada pela elevada frequência de cânceres em indivíduos com o
distúrbio hereditário conhecido como xeroderma pigmentoso (discutido anteriormente). A controvérsia sobre o
papel da exposição à luz UV na etiologia do melanoma foi solucionada pelo sequenciamento dos genomas do
melanoma. Revelou que os melanomas que surgem na pele exposta à luz solar abrigam um enorme número de
mutações que apresentam a assinatura de reparo de dímeros de pirimidina propenso a erros, confirmando que a
luz UV desempenha um importante papel etiológico nesse câncer potencialmente letal.
Radiação ionizante
As radiações eletromagnética (raios X, raios γ) e particulada (partículas α e β, prótons, nêutrons) são
carcinogênicas. As evidências são significativas, e apenas alguns exemplos são suficientes. Muitos indivíduos
que foram os primeiros a utilizar os raios X desenvolveram câncer de pele. Os mineiros de elementos radioativos
na Europa Central e na região das Montanhas Rochosas dos EUA apresentam uma incidência 10 vezes maior de
cânceres de pulmão do que o resto da população. Mais revelador é o acompanhamento dos sobreviventes das
bombas atômicas de Hiroshima e Nagasaki. A princípio, houve um aumento acentuado na incidência de certas
formas de leucemia, depois de um período latente médio de cerca de 7 anos. Subsequentemente, houve aumento
na incidência de muitos tumores sólidos, com períodos latentes mais longos (p. ex., carcinomas de mama, cólon,
tireoide e pulmão). Na era atual do uso disseminado da tomografia computadorizada (TC), há muita preocupação
em relação aos estudos que mostraram que crianças submetidas a duas ou três TC apresentam um risco três vezes
maior de leucemia, enquanto as que são submetidas de 5 a 10 TC correm um risco três vezes maior de ter
tumores cerebrais. O risco global em crianças é muito baixo (aproximadamente um caso de leucemia e um de
tumor cerebral em excesso depois de 10 anos para cada 10 mil TC); entretanto, evidencia a necessidade de
minimizar a exposição à radiação, sempre que possível.
Nos seres humanos, por motivos ainda não esclarecidos, existe uma hierarquia de vulnerabilidade dos tecidos
a cânceres induzidos por radiação. Os mais frequentes são as leucemias mieloides (tumores de granulócitos e
seus precursores; ver Capítulo 13). O câncer de tireoide vem logo em seguida, porém afeta apenas pacientes
jovens. Na categoria intermediária são encontrados cânceres de mama, de pulmão e glândulas salivares. Por
outro lado, a pele, os ossos e o trato gastrintestinal são relativamente resistentes a neoplasias induzidas por
radiação, apesar do fato de as células epiteliais gastrintestinais serem vulneráveis a lesão e morte celular por
radiação, e a pele ser “a primeira na fila” a receber todas as radiações externas. Entretanto, o médico não deve
esquecer que praticamente qualquer célula pode ser transformada em uma célula cancerosa se houver exposição
suficiente à energia radiante.
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 Conceitos-chave
Carcinogênese por radiaçãoA radiação ionizante provoca quebra dos cromossomos, translocações e, com menos fre quência, mutações
pontuais, levando ao dano genético e à carcinogênese
Os raios UV induzem a formação de dímeros de pirimidina na molécula de DNA, resultando em mutações.
Por conseguinte, os raios UV podem dar origem a cânceres de pele. Os indivíduos com defeitos no reparo
dos dímeros de pirimidina sofrem de xeroderma pigmentoso e estão particularmente em uma situação de
alto risco
A exposição à radiação durante exames de imagem, como a TC, está associada a um aumento muito
pequeno, porém mensurável no risco de câncer em crianças.
Carcinogênese microbiana
Muitos vírus de RNA e de DNA demonstraram ser oncogênicos em animais tão variados como sapos e primatas.
Entretanto, apesar de pesquisas intensas, somente alguns vírus foram associados ao câncer humano. Nossa
discussão tem como foco os vírus oncogênicos humanos, bem como o papel que a bactéria H. pylori desempenha
no câncer gástrico. Um tema comum na patogênese da carcinogênese microbiana é o de que a infecção
desencadeia a proliferação celular, que, inicialmente, é policlonal, mas que, com o tempo, torna-se monoclonal
pela aquisição de mutações condutoras nas células que sofrem rápida divisão.
Vírus oncogênicos de RNA
Vírus da leucemia de células T humanas tipo 1. Embora o estudo de retrovírus de animais tenha fornecido uma
incrível compreensão da base molecular do câncer, apenas um retrovírus humano, o vírus da leucemia de células
T humanas tipo 1 (HTLV-1) está firmemente implicado na patogênese do câncer em seres humanos.
O HTLV-1 causa leucemia/linfoma de células T do adulto (ATLL), um tumor endêmico em certas
partes do Japão, da bacia do Caribe, da América do Sul e da África e encontrado de modo esporádico em
outros locais, incluindo os EUA. Em todo o mundo, estima-se que 15 a 20 milhões de indivíduos estejam
infectados pelo HTLV-1. À semelhança do vírus da imunodeficiência humana (HIV), que causa a AIDS, o
HTLV-1 tem tropismo para as células T CD4+, e, portanto, esse subgrupo de células T constitui o principal alvo
de transformação neoplásica. A infecção humana requer a transmissão de células T infectadas por relação sexual,
hemocomponentes ou amamentação. A leucemia desenvolve-se em apenas 3 a 5% dos indivíduos infectados,
normalmente depois de um longo período de latência, que pode variar de 40 a 60 anos.
Há pouca dúvida de que a infecção dos linfócitos T pelo HTLV-1 seja necessária para a leucemogênese,
porém os mecanismos moleculares da transformação não estão definidos. Diferentemente de vários retrovírus
murinos, o HTLV-1 não contém um oncogene, e não foi descoberta nenhuma integração consistente próxima a
um proto-oncogene. Entretanto, nas células leucêmicas, a integração viral mostra um padrão clonal. Em outras
palavras, embora o sítio de integração viral nos cromossomos do hospedeiro seja aleatório (o DNA viral é
encontrado em diferentes localizações em cânceres distintos), o sítio de integração é idêntico dentro de todas as
células de determinado câncer. Isso não ocorreria se o HTLV-1 fosse meramente um passageiro que infecta as
células após sua transformação; na verdade, significa que o HTLV-1 precisou estar presente no momento da
transformação, colocando-o na “cena do crime”.
O genoma do HTLV-1 contém as regiões gag, pol, env e a região de repetições terminais longas típicas de
todos os retrovírus; todavia, diferentemente de outros vírus envolvidos em leucemias, ele contém dois outros
genes, denominados tax e HBZ. Vários aspectos da atividade transformadora do HTLV-1 podem ser atribuíveis
aos produtos proteicos desses genes. O Tax é essencial para a replicação viral, visto que ele estimula a
transcrição do RNA viral a partir da repetição terminal longa 5’. O HBZ é um fator de transcrição, e o Tax e o
HBZ alteram a transcrição de genes das células do hospedeiro e interagem com certas proteínas de sinalização da
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célula hospedeira. Ao fazê-lo, eles parecem contribuir para a aquisição de marcas registradas do câncer, embora
os mecanismos envolvidos ainda não estejam bem definidos; foram sugeridos efeitos sobre os sinais
intracelulares que regulam o crescimento e a sobrevivência das células, a indução de instabilidade genômica e a
inibição da senescência. Qualquer que seja o mecanismo efetivo, ele é bastante ineficaz, tendo em vista o período
de latência típico de muitas décadas entre a infecção e o desenvolvimento de leucemia, que se desenvolve em
apenas um pequeno subgrupo de indivíduos infectados.
Vírus oncogênicos de DNA
À semelhança dos vírus de RNA, foram identificados diversos vírus oncogênicos de DNA que causam tumores
em animais. Entre os diversos vírus de DNA humanos, cinco deles – HPV, EBV, HBV, poliomavírus das células
de Merkel e herpes-vírus humano-8 (HHV8, também denominado herpes-vírus do sarcoma de Kaposi) – foram
implicados na causa do câncer humano. O poliomavírus de células de Merkel foi identificado em carcinomas de
células de Merkel e é descrito no Capítulo 25. O HHV8 é discutido nos Capítulos 6 e 11. Embora não seja um
vírus de DNA, o HCV também está associado ao câncer e será discutido aqui de maneira sucinta.
Papilomavírus humano. Foram identificados pelo menos 70 tipos geneticamente distintos de HPV. Alguns tipos
(p. ex., 1, 2, 4 e 7) provocam papilomas escamosos benignos (verrugas) nos seres humanos. Por outro lado, HPV
de alto risco (p. ex., tipos 16 e 18) foram implicados na gênese dos carcinomas de células escamosas do colo do
útero, da região anogenital e da cabeça e pescoço (sobretudo tumores que surgem na mucosa tonsilar). Esses
cânceres são doenças sexualmente transmissíveis, causadas pela infecção crônica pelo HPV. Diferentemente dos
cânceres de colo do útero, as verrugas genitais apresentam baixo potencial maligno e estão associadas a HPV de
baixo risco, predominantemente HPV-6 e HPV-11.
O que explica a variação no risco de câncer entre cepas de HPV? Nas verrugas benignas, o genoma do HPV
é mantido em uma forma epissomal não integrada, ao passo que, nos cânceres, o genoma do HPV é integrado ao
genoma do hospedeiro, sugerindo que a integração do DNA viral constitui um fator relevante nesse processo. À
semelhança do HTLV-1, o sítio de integração viral nos cromossomos do hospedeiro é aleatório, porém o padrão
de integração é clonal. A integração sempre ocorre de modo a interromper o DNA viral dentro do quadro de
leitura aberto E1/E2, levando à perda do repressor viral E2 e a um aumento da expressão dos genes E6 e E7 do
HPV, que são responsáveis pelo potencial oncogênico do vírus (Figura 7.42):
Atividades oncogênicas de E6. A proteína E6 liga-se à p53 e medeia sua degradação, além de estimular a
expressão da transcriptase reversa da telomerase (TERT), a subunidade catalítica da telomerase, como você
deve lembrar, contribui para a imortalização das células. A E6 dos tipos de HPV de alto risco exibe maior
afinidade pela p53 do que a E6 dos tipos de HPV de baixo risco, uma distinção que provavelmente explica a
diferença no risco de câncer
Atividades oncogênicas de E7. A proteína E7 exerce efeitos que complementam os da E6, todos os quais
estão centralizados na aceleração das células por meio do ponto de checagem G1/S do ciclo celular. Liga-se à
proteína RB e desloca os fatores de transcrição E2F que normalmente são sequestrados pela RB, promovendo
a progressão por meio do ciclo celular. À semelhança das proteínas E6 e da p53, as proteínas E7 dos tipos de
HPV de alto risco apresentam maior afinidade pela RB do que as proteínas E7 dos tipos de HPV de baixo
risco. A E7 também inativa as proteínas p21 e p27, que são inibidoras de CDK. Por fim, as proteínas E7 dos
HPV de alto risco (tipos 16, 18 e 31) ligam-se também às ciclinas A e E e provavelmente as ativam.
Para resumir, os tipos de HPV de alto risco expressam proteínas oncogênicas que inativam os
supressores de tumor, ativam as ciclinas, inibem a apoptose e combatem a senescência celular. Por
conseguinte, é evidente que as proteínas do HPV promovem muitasdas marcas registradas do câncer. A primazia
da infecção pelo HPV na etiologia do câncer de colo do útero é confirmada pela efetividade das vacinas contra
HPV na prevenção desse tipo de câncer. Todavia, a infecção pelo HPV por si só não é suficiente para a
carcinogênese. Por exemplo, quando queratinócitos humanos são transfectados com DNA do HPV dos tipos 16,
18 ou 31 in vitro, eles são imortalizados, porém não formam tumores. A cotransfecção com um gene RAS
mutado resulta em transformação maligna completa. Além desses cofatores genéticos, o HPV, com toda a
probabilidade, também atua em consonância com os fatores ambientais. Esses fatores incluem tabagismo,
infecções microbianas coexistentes, deficiências nutricionais e alterações hormonais, que têm sido implicados na
patogênese dos cânceres de colo do útero. Uma alta proporção de mulheres infectadas pelo HPV elimina a
infecção por meio de mecanismos imunológicos, porém outras não o fazem, devido a anormalidades imunes
adquiridas, como as que resultam da infecção pelo HIV, ou por motivos desconhecidos. Como seria de esperar,
as mulheres coinfectadas por HPV de alto risco e pelo HIV apresentam um risco elevado de câncer de colo do
útero.
Figura 7.42 Efeitos transformadores das proteínas E6 e E7 do papilomavírus humano (HPV). O efeito final das proteínas
E6 e E7 do HPV consiste em imortalizar as células e remover as restrições à proliferação celular (ver Figura 7.26). TERT,
transcriptase reversa da telomerase. (Modificada de Münger K, Howley PM: Human papillomavirus immortalization and
transformation functions, Virus Res 89:213-228, 2002.)
Vírus Epstein-Barr. O EBV, um membro da família dos herpes-vírus, foi o primeiro vírus associado a um tumor
humano, o linfoma de Burkitt. Desde sua descoberta, há 50 anos, o EBV tem sido implicado na patogenia de um
conjunto diverso de tumores humanos, como diversos linfomas, carcinomas e até mesmo sarcomas raros. Os
tumores mais comuns associados ao EBV são linfomas derivados das células B e carcinoma nasofaríngeo; outras
neoplasias associadas ao EBV são discutidas em outras partes deste livro.
O modo pelo qual o EBV causa tumores de células B, como o linfoma de Burkitt, é complexo e ainda não
está totalmente compreendido, porém é mais bem reconhecido ao considerar os efeitos sobre as células B
normais. O EBV conta com glicoproteínas de superfície que reconhecem e que se ligam ao receptor do
complemento CD21, permitindo ao vírus ligar-se às células B e infectá-las. Isso provavelmente ocorre nas
tonsilas após exposição ao vírus na saliva. A infecção viral das células B é latente, isto é, não há replicação viral,
e as células não são destruídas. Entretanto, as proteínas do EBV são expressas em células B infectadas de forma
latente, que permitem às células crescer indefinidamente (imortalização). A base molecular do crescimento e da
imortalização das células B é complexo; todavia, como no caso de outros vírus, envolve a “apropriação” de
diversas vias de sinalização normais. Um gene do EBV, a proteína de membrana latente 1 (LMP-1), é um
oncogene capaz de induzir linfomas de células B em camundongos. A LMP-1 comporta-se como um receptor de
CD40 constitutivamente ativo, um receptor-chave de sinais das células T auxiliares que estimulam o crescimento
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das células B (ver Capítulo 6). A LMP-1 ativa as vias de sinalização NF-κB e JAK/STAT e promove a
sobrevivência e a proliferação das células B. É importante notar que essa sobrevivência e proliferação ocorrem
de maneira autônoma (i. e., na ausência de células T ou de outros sinais externos) nas células B infectadas por
EBV. Ao mesmo tempo, a LMP-1 impede a apoptose por meio da ativação de BCL2. Por conseguinte, o vírus
“pega emprestado” as vias de ativação normais das células B para expandir o reservatório de células com
infecção latente. Outro gene do EBV, o EBNA-2, codifica uma proteína nuclear que simula um receptor Notch
constitutivamente ativo. O EBNA-2 transativa diversos genes do hospedeiro, como a ciclina D e a família SRC
de proto-oncogenes. Além disso, o genoma do EBV contém um gene que codifica um homólogo de IL-10 (vIL-
10), que foi “emprestado” do genoma do hospedeiro. A vIL-10 suprime a ativação das células T pelos
macrófagos e contribui para a transformação dependente de EBV das células B.
As proteínas do EBV que são necessárias para a imortalização e a proliferação das células B são altamente
imunogênicas, e, nos indivíduos normais, a proliferação de células B policlonais impulsionada pelo EBV é
prontamente controlada por uma resposta das células T citotóxicas. Dependendo do momento e da intensidade
dessa resposta, o indivíduo permanece assintomático ou desenvolve um episódio autolimitado de mononucleose
(ver Capítulo 8). Entretanto, se a imunidade de células T for deficiente, as células B transformadas pelo EBV
podem produzir um linfoma rapidamente progressivo e fatal.
O linfoma de Burkitt é uma neoplasia de linfócitos B, que é endêmica na África Central e Nova Guiné, áreas
onde ele constitui o tumor da infância mais comum. Um linfoma morfologicamente idêntico ocorre de modo
esporádico em todo o mundo. A associação entre o linfoma de Burkitt endêmico e o EBV é forte:
Mais de 90% dos tumores endêmicos apresentam o genoma do EBV
Todos os pacientes afetados apresentam títulos elevados de anticorpos contra os antígenos do capsídio viral
Os títulos séricos de anticorpos contra os antígenos do capsídio viral estão correlacionados com o risco de
desenvolvimento do tumor.
Embora o EBV esteja intimamente envolvido na etiologia do linfoma de Burkitt, várias observações sugerem
que outros fatores também estão envolvidos. (1) A infecção pelo EBV não se limita às regiões onde o linfoma de
Burkitt é encontrado; na verdade, trata-se de um vírus onipresente que infecta quase todos os seres humanos em
todo o mundo. (2) O genoma do EBV é encontrado em apenas 15 a 20% dos linfomas de Burkitt fora das regiões
endêmicas. (3) Existem diferenças significativas nos padrões de expressão gênica viral nas linhagens de células
B transformadas pelo EBV (mas não tumorigênicas) e as células do linfoma de Burkitt. De forma mais notável,
as células do linfoma de Burkitt não expressam a LMP-1, a EBNA2 e outras proteínas do EBV que impulsionam
o crescimento e a imortalização das células B.
Com base nessas observações, de que maneira, então, o EBV contribui para a gênese do linfoma de Burkitt
endêmico? Uma possibilidade é mostrada na Figura 7.43. Em regiões onde o linfoma de Burkitt é endêmico, as
infecções concomitantes, como a malária, comprometem a imunocompetência, possibilitando a proliferação
sustentada de células B. Em algum momento, a imunidade das células T dirigida contra os antígenos do EBV,
como EBNA2 e LMP-1, elimina a maioria das células B infectadas pelo EBV, porém um pequeno número de
células infrarregula a expressão desses antígenos imunogênicos. Essas células persistem indefinidamente, mesmo
na presença de imunidade normal. As células do linfoma podem emergir dessa população somente com a
aquisição de mutações específicas, mais caracteristicamente translocações que envolvem o oncogene MYC, visto
que quase todos os tumores endêmicos esporádicos apresentam a translocação t(8;14) ou outras translocações
que desregulam o MYC. Por conseguinte, embora os linfomas de Burkitt esporádicos sejam desencadeados por
outros mecanismos diferentes do EBV, eles parecem se desenvolver por meio de vias oncogênicas semelhantes.
Em resumo, no caso do linfoma de Burkitt, parece que o EBV não é diretamente oncogênico; todavia,
ao atuar como mitógeno de células B policlonais, ele cria as condições para a aquisição da translocação
(8;14) e de outras mutações que, em última análise, produzem um câncer totalmente desenvolvido. Na
maioria dos indivíduos, a infecção pelo EBV é prontamente controlada por respostas imunes efetivas, e a
linfomagênese é rara. Em contrapartida, nas regiões onde o linfoma de Burkitt é endêmico, cofatores como a
malária crônica podem favorecer a aquisiçãode eventos genéticos adicionais (p. ex., t[8;14]) que levam à
transformação.
Figura 7.43 Patogênese do linfoma de Burkitt induzido pelo vírus Epstein-Barr (EBV). CTL, linfócitos T citotóxicos.
O papel desempenhado pelo EBV é mais direto nos linfomas de células B que surgem em pacientes
imunossuprimidos. Alguns indivíduos com AIDS ou os que recebem terapia imunossupressora para prevenção
de aloenxertos desenvolvem tumores de células B com EBV positivo, frequentemente em múltiplos locais e
dentro dos tecidos extranodais, como o intestino e o sistema nervoso central. Essas proliferações são policlonais
desde o início, mas podem evoluir em neoplasias monoclonais. Diferentemente do linfoma de Burkitt, os
tumores em pacientes imunossuprimidos costumam expressar LMP-1 e EBNA2, que são antigênicas e que
normalmente seriam reconhecidas pelas células T citotóxicas. Além disso, em contraste com o linfoma de
Burkitt, os tumores de células B em indivíduos imunossuprimidos normalmente carecem de translocações do
MYC. Essas proliferações potencialmente letais podem ser reprimidas se for possível restaurar a imunidade de
células T, como pode ocorrer com a retirada dos agentes imunossupressores em indivíduos submetidos a
transplante de órgãos.
O carcinoma nasofaríngeo também está fortemente associado ao EBV. Esse tumor é endêmico no sul da
China, em partes da África e na população dos inuítes no Ártico. Diferentemente do linfoma de Burkitt, todos os
carcinomas nasofaríngeos obtidos de todas as partes do mundo contêm o EBV, e os títulos de anticorpos contra
antígenos do capsídio viral estão uniformemente elevados nos pacientes afetados. A estrutura do genoma viral é
idêntica (clonal) dentro dos tumores individuais, indicando que a infecção pelo EBV ocorreu antes do
desenvolvimento do tumor. Por conseguinte, o EBV desempenha um papel central na gênese do carcinoma
nasofaríngeo; entretanto (como no caso do linfoma de Burkitt), sua distribuição geográfica restrita indica que os
cofatores genéticos ou ambientais também contribuem para seu desenvolvimento. Diferentemente do linfoma de
Burkitt, a LMP-1 é expressa nas células do carcinoma nasofaríngeo e (como nas células B) ativa a via do NF-κB,
que suprarregula a expressão de fatores como VEGF, FGF-2, MMP-9 e COX-2, que podem contribuir para a
oncogênese. Normalmente, o carcinoma nasofaríngeo contém infiltrados proeminentes compostos de células T,
que podem responder a antígenos virais, como LMP-1; entretanto, essa resposta é ineficaz, sugerindo que os
mecanismos de evasão imune provavelmente são importantes nesse câncer. De acordo com essa ideia, as células
do carcinoma nasofaríngeo frequentemente expressam a molécula do ponto de checagem imune PD-L1 e são
responsivas a inibidores de PD-L1. É interessante assinalar que, em certas ocasiões, carcinomas EBV positivos,
semelhantes ao carcinoma nasofaríngeo, surgem em outros locais, como o estômago e o timo.
A relação do EBV com a patogênese do linfoma de Hodgkin, outro tumor associado ao EBV, é discutida no
Capítulo 13.
Vírus das hepatites B e C. Em todo o mundo, 70 a 85% dos carcinomas hepatocelulares estão associados à
infecção pelo HBV ou pelo HCV. O HBV é endêmico nos países do Extremo Oriente e da África;
correspondentemente, essas áreas apresentam a maior incidência de carcinoma hepatocelular. Apesar das
evidências convincentes que incriminam o HBV e o HCV, o modo de ação desses vírus na tumorigênese do
fígado não está totalmente elucidado. Ainda não foram identificados oncogenes nos genomas do HBV ou do
HCV, e, embora o DNA do HBV seja integrado no genoma humano, não existe nenhum padrão consistente de
integração nas células hepáticas. De fato, enquanto os efeitos oncogênicos do HBV e do HCV são multifatoriais,
o efeito dominante parece consistir em inflamação crônica imunologicamente mediada e morte dos hepatócitos,
levando à proliferação dos hepatócitos durante a regeneração e, com o passar do tempo, dano genômico.
Como em qualquer causa de lesão hepatocelular, a infecção viral crônica leva à proliferação compensatória
dos hepatócitos. Esse processo regenerativo é auxiliado e estimulado por uma abundância de fatores de
crescimento, citocinas, quimiocinas e outras substâncias bioativas. Essas substâncias são produzidas por células
imunes ativadas e promovem a sobrevivência das células, o remodelamento tecidual e a angiogênese (ver
Capítulo 3). As células imunes ativadas também produzem outros mediadores, como espécies reativas de
oxigênio, que são genotóxicos e mutagênicos. Uma etapa molecular essencial pode ser a ativação da via do NF-
κB, que bloqueia a apoptose, permitindo que os hepatócitos em divisão sejam submetidos ao estresse genotóxico
e acumulem mutações. Embora isso pareça ser um mecanismo dominante na patogênese do carcinoma
hepatocelular induzido por vírus, o genoma do HBV também contém genes que podem promover diretamente o
desenvolvimento do câncer. Por exemplo, um gene do HBV, conhecido como HBx, pode ativar uma variedade de
fatores de transcrição e várias vias de transdução de sinais. Além disso, a integração viral pode causar alterações
estruturais nos cromossomos, que desregulam os oncogenes e os genes supressores de tumor.
Apesar de não ser um vírus de DNA, o HCV também está fortemente ligado à patogênese do câncer de
fígado. Os mecanismos moleculares utilizados pelo HCV não estão tão bem definidos quanto os do HBV. Além
da lesão crônica das células hepáticas e da regeneração compensatória, os componentes do genoma do HCV,
como a proteína do cerne do HCV, podem exercer um efeito direto sobre a tumorigênese, possivelmente pela
ativação de uma variedade de vias de transdução de sinais promotoras do crescimento.
Helicobacter pylori
Inicialmente incriminado como uma causa de úlceras pépticas, o H. pylori agora adquiriu a distinção duvidosa de
ser a primeira bactéria classificada como carcinogênica. De fato, a infecção pelo H. pylori está implicada na
gênese dos adenocarcinomas e dos linfomas gástricos.
O cenário proposto para o desenvolvimento do adenocarcinoma gástrico no contexto da infecção pelo H.
pylori é semelhante ao do câncer de fígado induzido por HBV e HCV, visto que envolve o aumento da
proliferação de células epiteliais na presença de inflamação crônica. À semelhança da hepatite viral, o ambiente
inflamatório contém numerosos agentes genotóxicos, como espécies reativas de oxigênio. O genoma do H.
pylori também contém genes implicados diretamente na oncogênese. Foi demonstrado que as cepas associadas
ao adenocarcinoma gástrico contêm uma “ilha de patogenicidade” que conta com o gene associado à citotoxina
A (CagA). Embora o H. pylori não seja invasivo, o CagA penetra nas células epiteliais gástricas, onde exerce
uma variedade de efeitos, incluindo a iniciação de uma cascata de sinalização, que simula a estimulação
desregulada de fatores de crescimento. A infecção leva inicialmente ao desenvolvimento de gastrite crônica,
seguida de atrofia gástrica, metaplasia intestinal das células de revestimento, displasia e câncer. Essa sequência
leva décadas para se completar e ocorre em apenas 3% dos pacientes infectados.
O H. pylori está especificamente associado ao desenvolvimento de linfomas gástricos que se originam de
células B (também discutidos nos Capítulos 13 e 17). Sua patogênese molecular ainda não está totalmente
compreendida, mas parece envolver fatores específicos da cepa do H. pylori, bem como fatores genéticos do
hospedeiro, como polimorfismos nos promotores de citocinas inflamatórias, como a IL-1β e o TNF. Acredita-se
que a infecção pelo H. pylori leve ao aparecimento de células T reativas à bactéria, que, por sua vez, estimulam a
proliferação policlonal de células B. Nas infecções crônicas, podem ser adquiridas mutações atualmente
desconhecidas, que proporcionam às células individuais uma vantagem de crescimento. Essas células crescem
até formar um MALToma monoclonal, que, entretanto, permanece dependente da estimulação pelas células T e
das vias das células B queativam o fator de transcrição NF-κB. Nesse estágio, a erradicação do H. pylori pela
antibioticoterapia “cura” o linfoma com a remoção do estímulo antigênico para as células T. Em estágios mais
avançados, entretanto, podem ser adquiridas mutações adicionais que causam ativação constitutiva do NF-κB.
Nesse ponto, o MALToma não necessita mais do estímulo antigênico da bactéria para seu crescimento e
sobrevivência e desenvolve a capacidade de se propagar para outros tecidos além do estômago.
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 Conceitos-chave
Oncogênese viral e bacteriana
HTLV-1: retrovírus endêmico no Japão, no Caribe e em partes da América do Sul e África, que causa
leucemia/linfoma de células T do adulto:
O HTLV-1 codifica duas proteínas virais, Tax e HBX, que se acredita possam contribuir para a leucemogênese
por meio de mecanismos incertos
Depois de um longo período de latência (décadas), uma pequena fração dos indivíduos infectados pelo HTLV-
1 desenvolve leucemia/linfoma de células T do adulto, um tumor CD4+ que se origina de uma célula
infectada pelo HTLV-1, presumivelmente devido à aquisição de mutações adicionais no genoma da célula
hospedeira.
HPV: importante causa de verrugas benignas, câncer do colo do útero e câncer orofaríngeo:
Os tipos oncogênicos do HPV codificam as oncoproteínas virais E6 e E7, que se ligam à p53 e Rb,
respectivamente, com alta afinidade e neutralizam sua função
O desenvolvimento do câncer está associado à integração do HPV no genoma do hospedeiro e a mutações
adicionais que são necessárias para a aquisição de marcas registradas do câncer
Os cânceres por HPV podem ser evitados por meio de vacinação contra tipos de alto risco do HPV.
EBV: herpes-vírus onipresente implicado na patogênese dos linfomas de Burkitt, linfomas de células B em
pacientes com imunossupressão de células T (infecção pelo HIV, pacientes receptores de transplante) e vários
outros tipos de câncer:
O genoma do EBV abriga vários genes, que codificam proteínas que desencadeiam vias de sinalização das
células B; em seu conjunto, esses sinais são poderosos indutores do crescimento e da transformação das
células B
Na ausência de imunidade das células T, as células B infectadas pelo HBV podem “crescer” rapidamente
como tumores de células B agressivos
Na presença de imunidade normal das células T, uma pequena fração dos pacientes infectados desenvolve
tumores de células B com EBV positivo (linfoma de Burkitt, linfoma de Hodgkin) ou carcinoma (p. ex.,
carcinoma nasofaríngeo).
HBV e HCV: causa de 70 a 85% dos carcinomas hepatocelulares em todo o mundo:
Os efeitos oncogênicos são multifatoriais; o efeito dominante parece consistir em inflamação crônica
imunologicamente mediada, lesão hepatocelular e proliferação reparadora dos hepatócitos
A proteína HBx do HBV e a proteína do cerne do HCV podem ativar vias de transdução de sinais, que também
podem contribuir para a carcinogênese.
H. pylori: implicado no adenocarcinoma gástrico e no MALToma:
A patogênese dos cânceres gástricos induzidos por H. pylori é multifatorial, incluindo inflamação crônica e
proliferação reparadora das células gástricas
Os genes de patogenicidade do H. pylori, como CagA, também podem contribuir pela estimulação das vias de
fatores de crescimento
A infecção crônica pelo H. pylori leva a proliferações de células B policlonais, que podem dar origem a um
linfoma de células B (MALToma) do estômago, em conse quência do acúmu lo de mutações.
Aspectos clínicos da neoplasia
Manifestações clínicas
Em última análise, a importância das neoplasias está associada aos seus efeitos sobre os pacientes. Embora os
tumores malignos sejam naturalmente mais ameaçadores do que os tumores benignos, qualquer tumor, mesmo
quando benigno, pode causar morbidade e mortalidade.
Efeitos locais e hormonais
A localização é um determinante de importância crítica dos efeitos clínicos dos tumores tanto benignos quanto
malignos. Os tumores podem comprimir tecidos vitais e prejudicar suas funções, podem causar morte dos tecidos
afetados e fornecer um nicho para a infecção. Um pequeno adenoma hipofisário (1 cm), apesar de ser benigno e

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