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CRIMINALÍSTICA E INVESTIGAÇÃO CRIMINAL AULA 04 – TOXICOLOGIA FORENSE Prezado(a) aluno(a), Seja bem-vindo(a) à nossa quarta aula! Continuando nossa jornada de aprendizado, exploraremos agora um campo fundamental para a compreensão e resolução de casos complexos: a Toxicologia Forense. Este módulo tratará de tópicos fundamentais para a prática da Toxicologia Forense. Iremos examinar os diferentes tipos de Toxicologia Forense e compreender como cada um deles contribui para a análise e interpretação de evidências em situações legais. Além disso, daremos ênfase à importância do laudo toxicológico, que desempenha um papel fundamental na comunicação dos resultados das análises. A utilização da Toxicologia Forense no âmbito jurídico será um dos principais focos desta aula. Bons estudos! 4 INTRODUÇÃO Toxicologia é a ciência que estuda os efeitos prejudiciais das substâncias químicas nos sistemas vivos (JESUS; SILVA, 2020). Na área forense, essa ciência é aplicada com objetivos específicos, frequentemente relacionados a infrações, contravenções e crimes, onde há a detecção e quantificação dessas substâncias. No Brasil, as principais técnicas de análise toxicológica variam desde métodos não instrumentais até os mais sofisticados, utilizando materiais biológicos como sangue, urina e cabelo. Recentemente, houve um aumento significativo de interesse nessa área, impulsionado pela popularização de séries que retratam a ciência forense. A toxicologia identifica os diversos efeitos associados à exposição a agentes tóxicos. A intoxicação ocorre quando há um desequilíbrio fisiológico devido à exposição a xenobióticos em uma determinada dose e condição de exposição (FERREIRA, 2016). Os sinais e sintomas de intoxicação muitas vezes não são específicos para identificar o agente causador, exigindo o uso de métodos analíticos para sua determinação. Nesse contexto, é essencial escolher a matriz biológica adequada, considerando a disponibilidade da amostra e o tipo de exposição, além de utilizar métodos analíticos compatíveis com a identificação do agente intoxicante. Inicialmente, as práticas forenses eram geralmente realizadas de maneira genérica por profissionais. Com o avanço tecnológico e a complexificação dos crimes ao longo do tempo, surgiu a necessidade de profissionais especializados em áreas diversas como antropologia, criminologia, entomologia, odontologia, toxicologia, engenharia, patologia, psicologia e medicina, criando assim um campo multidisciplinar (BARROS et al., 2021). A toxicologia forense, que combina conhecimentos de farmacologia, bioquímica, química, fisiologia, genética, patologia, entre outros, visa estudar a interação entre agentes químicos e nosso sistema biológico, determinando os danos potenciais desses agentes e os efeitos adversos observados em diferentes organismos. No contexto forense, a toxicologia visa detectar e quantificar substâncias potencialmente nocivas, aplicando esses conhecimentos em questões judiciais para reconhecer, identificar e quantificar os riscos relacionados à exposição humana a agentes tóxicos. Portanto, a toxicologia forense desempenha um papel crucial na detecção e quantificação de substâncias tóxicas envolvidas em situações criminais. Suas principais áreas de aplicação são a de averiguação ante mortem, ou post mortem, a doping no esporte e teste de drogas em ambientes de trabalho e no trânsito. Apesar disso, ainda há poucos estudos dedicados à toxicologia forense na elucidação de crimes. 4.1 Tipos de Toxicologia Forense Toxicologia ante mortem Responsável pelo diagnóstico de amostras biológicas de indivíduos vivos, cuja ingestão de substâncias tóxicas pode estar relacionada a eventos de importância forense, um exemplo típico é a análise de "drogas facilitadoras de crimes" (DFC), utilizadas por infratores para cometer crimes como homicídios, estupros e violência sexual, visando incapacitar as funções cognitivas da vítima (TAKITANE et al., 2017). As DFC geralmente têm um efeito de curta duração no organismo, causando sintomas como amnésia, alucinações, sonolência e perda de consciência, podendo resultar em confusão e inibição da resposta da vítima. É crucial que as amostras sejam coletadas o mais rapidamente possível, idealmente antes do início de qualquer tratamento, para evitar a perda de evidências criminais (MARTON et al., 2019). A prevalência e o tipo de DFC variam entre os países. No Brasil, os benzodiazepínicos como flunitrazepam, além de álcool e gama-hidroxibutirato (GHB), conhecido como "boa noite cinderela", são os mais frequentemente usados para cometer esses crimes (TAKITANE et al., 2017). A seleção da matriz biológica para análise forense deve considerar a disponibilidade da amostra e o tipo de exposição. Em casos de intoxicação aguda, sangue, urina e saliva são opções adequadas, enquanto em exposições crônicas, cabelo e unhas podem oferecer informações sobre o período de exposição prolongado (DORTA et al., 2015). Além disso, a escolha da matriz é influenciada por vários fatores, incluindo a natureza da amostra, integridade, tipo de investigação (ante mortem e post mortem), facilidade de coleta e considerações analíticas. O uso de fluidos orais como matriz biológica tem ganhado destaque devido à sensibilidade crescente dos métodos analíticos, permitindo a detecção de baixas concentrações de analitos em amostras biológicas, especialmente em motoristas submetidos a testes rápidos conhecidos como "on road", embora essa amostra esteja disponível apenas ante mortem. Toxicologia post mortem Na toxicologia post mortem, os diagnósticos são utilizados em investigações criminais envolvendo vítimas fatais, onde há suspeita de que substâncias tóxicas possam ter contribuído para a causa da morte. É comum também analisar drogas de abuso ou medicamentos em vítimas de homicídios e mortes acidentais, buscando correlacionar o consumo dessas substâncias com as circunstâncias da morte. Embora uma ampla variedade de amostras esteja disponível para investigações post mortem, a análise toxicológica enfrenta desafios adicionais devido a alterações celulares relacionadas à autólise, redistribuição post mortem, decomposição ou mesmo à ausência de amostras, o que pode afetar a confiabilidade dos resultados e limitar sua interpretação. As matrizes biológicas frequentemente utilizadas na caracterização da exposição humana em análises post mortem incluem sangue total (aorta, cavidade cardíaca e femoral), humor vítreo, fígado, conteúdo estomacal e urina. Em casos de extensa decomposição, tecidos musculares, cabelo e ossos podem ser matrizes úteis. Para preservar a integridade das amostras, é essencial que a necropsia seja realizada o mais cedo possível após a morte, ou que o corpo seja mantido refrigerado, minimizando as alterações nas concentrações de substâncias devido aos processos de decomposição. Isso ajuda a garantir que as amostras mantenham suas características originais, proporcionando uma análise mais precisa. Acidentes de trânsito Acidentes de trânsito causados por motoristas embriagados, que resultam em fatalidades, podem ser tratados judicialmente como tentativa de homicídio em certos casos. Para determinar se a pessoa ingeriu álcool em quantidade superior ao permitido por lei, utiliza-se o analisador de alcoolemia, popularmente conhecido como "bafômetro" no Brasil. Essas análises também são conduzidas de forma eficaz e segura como contraprova em decisões judiciais nos tribunais e laboratórios clínicos, onde biomédicos e bioquímicos realizam análises toxicológicas decisivas para a condenação ou absolvição de réus. Nesse contexto, a vigilância sobre condutores de veículosautomotores é crucial, dado o aumento de vítimas envolvidas em acidentes influenciados pelo uso de drogas ilícitas ou medicamentos. É igualmente importante monitorar o uso dessas substâncias no ambiente de trabalho (DORTA, 2018). Ambiente de trabalho A toxicologia ocupacional visa avaliar os efeitos adversos causados por produtos químicos presentes nos ambientes de trabalho, buscando estabelecer medidas de segurança para prevenir intoxicações. Isso inclui a implementação de proibições, restrições e limites máximos de concentração para agentes químicos dentro da indústria, assim como medidas adequadas de controle durante o manuseio e monitoramento ambiental dos locais de trabalho para garantir conformidade com os limites de exposição estabelecidos na legislação vigente. Uma das ferramentas utilizadas na avaliação de riscos químicos ocupacionais é o monitoramento ambiental, que quantifica a concentração de agentes químicos no ambiente de trabalho. Essas concentrações são comparadas aos limites de exposição ocupacionais definidos por agências governamentais para determinar o nível de exposição potencial dos trabalhadores (DORTA, 2018). Outra abordagem para avaliar os riscos é o monitoramento biológico, que envolve a análise de agentes químicos ou seus metabólitos em tecidos, secreções, excreções, ar exalado ou uma combinação destes, com o objetivo de avaliar o risco à saúde comparando com padrões de referência. O controle do uso de substâncias que possam afetar negativamente o desempenho e a segurança no trabalho é essencial para reduzir acidentes e manter a produtividade (DORTA, 2018). 4.2 Utilização da Toxicologia Forense no âmbito jurídico Desde tempos antigos, a elucidação de mortes relacionadas a substâncias químicas foi uma preocupação constante. No entanto, o toxicologista Mateu Josep Bonaventura Orfila i Rotger (1787-1853) foi pioneiro ao conectar materiais de autópsia com análises químicas para revelar casos de envenenamento de interesse legal. Ele introduziu métodos analíticos inovadores adaptados à atividade forense, capazes de incriminar ou inocentar réus em casos de mortes suspeitas de envenenamento, por exemplo. Para que essas análises sejam aplicáveis na identificação, é fundamental seguir uma cadeia de custódia, um processo que precede a análise propriamente dita (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014). A cadeia de custódia consiste em um registro documentado de todos os procedimentos realizados, desde a visualização e coleta da amostra até o seu descarte final. A confiabilidade de todo o processo depende de uma cadeia de custódia rigorosamente seguida, o que assegura uma análise precisa e segura da amostra e, consequentemente, do caso como um todo. Este termo refere-se a documentos escritos e fotográficos usados para rastrear cada etapa da obtenção de provas, desde a coleta até a análise final. A cadeia de custódia garante a autenticidade da amostra e contribui para a confiabilidade dos resultados periciais, seja a amostra biológica, química ou física, líquida, seca ou fixada em lâminas. É, portanto, um método crucial de controle de qualidade. Os crimes previstos na Lei de Tóxicos 11.343/2006 são classificados como "crimes de vestígios" investigados por meio de perícia, com laudo pericial elaborado pelo órgão policial (OGA; CAMARGO; BATISTUZZO, 2014). Essa legislação aborda substâncias como maconha, cocaína, heroína, morfina e solventes, além de diferenciar as penas para usuários e traficantes, adotando uma abordagem não punitiva para usuários e penalidades mais severas para traficantes. 4.3 Principais métodos utilizados na Toxicologia Forense Cromatografias A técnica de cromatografias pode ser dividida em diversas modalidades. A cromatografia planar inclui a cromatografia em camada delgada e a cromatografia em camada delgada de alta eficiência. Por outro lado, a cromatografia em coluna se divide em cromatografia clássica em coluna de vidro, cromatografia líquida de alta eficiência, cromatografia com fluido supercrítico e cromatografia gasosa. Todos os métodos de cromatografia compartilham quatro componentes principais: injetor, fase móvel, fase estacionária e detector. A diferenciação entre esses métodos está no tipo específico de cromatografia. Inicialmente, a amostra é inserida no injetor e então propulsionada através da fase estacionária, onde os componentes da amostra interagem com as fases móvel e estacionária conforme sua estrutura e composição. Durante o processo de eluição (fracionamento), os compostos são detectados e identificados em um momento específico. Quando combinada com espectrofotometria e espectrometria de massas, a cromatografia possibilita a identificação e quantificação dos componentes presentes no analito. A espectrometria é capaz de identificar os diferentes átomos que compõem uma substância, enquanto a cromatografia separa essas substâncias. Embora os métodos de cromatografia planar e em coluna sejam instrumentalmente diferentes, todos os fenômenos presentes na cromatografia planar podem ser observados na cromatografia em coluna, e vice-versa. Os mecanismos básicos de separação incluem adsorção, partição (absorção), exclusão, troca iônica, bioafinidade e cromatografia quiral. Cromatografia Líquida Na cromatografia líquida, a separação ocorre devido às diferentes concentrações de uma substância em um solvente orgânico na fase estacionária e na fase móvel dos analitos na coluna cromatográfica. A amostra, solubilizada em um solvente apropriado, é injetada na forma líquida e empurrada para a coluna cromatográfica pela fase móvel. Esta geralmente consiste em uma mistura de solventes aquosos como água pura, tampão, ácido ou base, combinados com solventes orgânicos como acetonitrila ou metanol. Os analitos podem permanecer na fase estacionária ou serem eluídos para o detector, dependendo de sua afinidade relativa com a fase móvel. Cromatografia Gasosa Já na cromatografia gasosa, os conceitos são semelhantes, mas a fase móvel consiste em um gás inerte, enquanto a amostra deve estar no estado gasoso para entrar no cromatógrafo. O fracionamento ocorre através do fluxo de fase móvel gasosa inerte, como hélio, argônio, nitrogênio ou hidrogênio, que transporta o analito através da coluna sem interagir com suas moléculas. Este método é ideal para substâncias voláteis e é amplamente utilizado devido à sua eficiência e compatibilidade com diversos detectores. Imunoensaios Os imunoensaios são métodos mais acessíveis e seguros em comparação com os métodos cromatográficos. Eles são utilizados para detectar drogas em fluídos biológicos através de um ensaio competitivo, onde o analito compete com uma substância marcada por um sítio de ligação de anticorpo específico. Isso permite a determinação precisa de compostos ou metabólitos alvo. 4.4 Laudo Toxicológico O Laudo Toxicológico deve conter os seguintes dados: identificação do processo ou inquérito e da entidade requisitante; método analítico utilizado e referências à técnica de isolamento empregada; datas de recepção das amostras e de conclusão dos exames; amostras analisadas; especialista responsável pela realização das análises; níveis de detecção e quantificação; estado das amostras analisadas, entre outras informações relevantes para esclarecer as conclusões. Em geral, o Laudo de Perícia Toxicológica é encaminhado ao Perito-Legista que solicitou a perícia e, posteriormente, isoladamente ou junto com o Laudo de Autópsia ou de Clínica Médico-Legal, à entidade requisitante. As informações provenientes dos Laudos Toxicológicos Forenses são de extrema importância para estudar o uso de diversas substâncias químicas, assim como os efeitos nocivos decorrentes de sua utilização para várias finalidades (FERREIRA, 2016). Encerramos nosso estudo sobre a ToxicologiaForense, nesta aula foi possível entender os diversos aspectos que delineiam esta disciplina importantíssima para as investigações e processos judiciais. No próximo módulo, continuaremos nossa jornada de aprendizado, explorando novos temas desta área fascinante. Até lá! REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARROS, Fernando et al. Ciências forenses: princípios éticos e vieses. Revista Bioética, Brasília, v. 29, n. 1, 2021. DORTA, Daniel José; YONAMINE, Mauricio; COSTA, José Luiz da; MARTINIS, Bianca dos Santos. Toxicologia Forense. 1. ed. São Paulo: Blucher, 2018. FERREIRA, Ana Gabriela. Química forense e técnicas utilizadas em resolução de crime. Revista Acta de Ciências e Saúde, v. 02, n. 05, 2016. JESUS, Sueli Santos de; SILVA, Denise da Silva. Toxicologia forense e sua importância na saúde pública. Revista Ibero – Americana de Humanidades, Ciências e Educação – REASE, São Paulo, v. 7, n. 7, 2021. MARTON, Raquel et al. Perfil epidemiológico das vítimas de violência sexual envolvendo Drogas Facilitadoras de Crime (DFCs). Revista Brasileira de Criminalística, v. 8, n. 2, 2019. OGA, Silvia; CAMARGO, Maria Margareth A.; BATISTUZZO, José Antônio de Oliveira. Fundamentos de toxicologia. 4. ed. Rio de Janeiro: Atheneu, 2014. TAKITANE, Juliana; et al. Aspectos médico-legais das substâncias utilizadas como facilitadoras de crime. Revista Saúde, Ética & Justiça, São Paulo, v. 22, n. 2, p. 66- 71, 2017.