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Poetica Manuel Bandeira

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DEDALUS -Acervo - FFLCH-LE
\
869.915
81665
4.ed
Seleta em prosa e verso.
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21300036903
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"O Sei"João BatistadoModC'rn;.wlO"
MÁRIO DI' ANDRAI>E
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i MANUEL BANDEIRA
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SELETA
EM PROSA
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EOI(Ão COMEMORATIVA
DO CENTENÁRIO DE NASCIMENTO
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JOSÉOlYMPIO I DITaRA
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U (ff3-'L:..~.J... S. P. ," õJ-;;J--'
FACULDI\O!:DE FILOSOFIALETRASe. ,
CtEN,.IAS tIUMMJAS. ) \. ..! (~~\ -'.
BIBLlOTE.CADE. Ui11AS .:~i
MarinoFalcãoacertouemparte.De fato,o poemaé o relato
de umasedução.Só quea finalidadedetodasas manigânciasdo
poetaera obtertão-somenteum sorrisode Sacha.E comoestá
contadonosversos,obleve-o.Obtevemais,coisainefável,a Última
mensagemdos anjos,sob a formade um voealisemuitoseme-
lhanteàslinhase pontosdo alfabetomorse.
Marinoerroutambémno queconcerneà idadede Sacha.Era
menorde dezoitoanos,sim,tinha,ao tempoda sedução,apenas
unsseismesesde idade,s6 falavacmalfabctomorse.Louríssima.
alvíssima,seriíssima.Eu tinhaqueconquistar-lheumsorriso,usei
de todosos recursosreferidos.E o sorrisoveio.Comodevetcr
luzidosobreo mundoo primeiroarco-íris.
Vou mandarestacrônicaa Sacha.Ela vivehojeemEstocolmo,
casadacom um rapagãosueco,mãede duassuequinhasmaravi-
Ihosas-Ann-Mariee Ingrid,trêsanose umano,portanto,ambas
já maisidosasdo queSachaquandoinspirouo poematãointeres-
santementeanatomizadopor MarinoFalcão.Não lhedoaa esteo
quehá de erradona suainterpretação.Valérynãodissequenão
existeverdadeirosentidode um texto?Não valea autoridadedo
autor:"Qlloiqll'i/ait vouludire,il a écritceqll'i/a écrit".2
(A 1/(lorilllra, A IIdurilll1a)
POÉTICA
O POETA E A POESIA
1. O poemafigura neslaselela,à pág.96.=-2."O quequerquetenha
queridodizer,ele escreveo queescreve".
SOU NATURAL DO Recife, masnaverdadenasciparaa vidacons-cienteem Petrópolis,pois de Pctrópolisdatamas minhasmais
velhasreminisci:ncias.Procureifixá-Iasno poema"Infância":1
umacorridadc ciclistas,um bambualdehruçadono rio (imagino
queerao fundodo Paláciodc Cristal).o pátiodo antigoHotel
Orlcans,hojePálaceIlotel... Deviater eu entãounstrêsanos.
O que há de especialnessasreminiscências(e em outrasdos
anosseguintes,rcminiscênciasdo Rio e de SãoPaulo.até 1892,
quandovolte;a Pernambueo.ondefiqueiatéos dezanos)é que,
nãoobstanteseremtão vagas,encerramparamim um conteúdo
inesgotávelde emoção.A certaalturada vida vim a identificar
essacmoçãoparticularcomoutra.--a dc naturczaartística.Desde
essemomento.possodizer que haviadcscobertoo segredoda
pocsia.o scgredod..!mcu itinerárioem pocsia.Vcrifiqueiainda
quc o contcÚdoclllocionaldaquelasrcminiscênciasda primeira
meniniccerao mesmode certosrarosmomcntosemminhavida
dc adulto:nume noutrocasoalgumacoisaqueresisteà análise
da intcligi:nciae da memÓriaconsciente,e queme enchede so-
bressaltoOll me forçaa umaatitudede apaixonadaescuta.
O meuprimeirocontactocoma poesiasoba formade versos
Icrásidoprovavelmenteemcontosde fadasemhistóriasda caro-
chinha.No Recife.depoisdosseisanos.Pelo menosmelembro
nitidamentedo sohrossoque me cansavaa cantigada menina
enterradaviva no conto"A Madrasta":
I
I
I
;1
,I
I
.1.,
'\
CapiTleiroele1II1'1i{lai,
Nelame cOlte.fmeuscabelos.
Minha mãeme penteou,
Minha madrastame ente"ou
Pelo figoda figueira
Que o passarinhobicou.
XÔ, passarinho!
lIeleta.23
Era assimque me recitavamos versos.E esse"Xô, passa-
rinho!"me cortavao coração,me davavontadede chorar.
Aos versosdoscontosda carochinhadevojuntaros dascan-
tigasde roda,algumasdas quaissempreme encantaram,como
"Roseira,dá-meumarosa",2"O anelque tu me deste","Bão,
balalão,senhorcapitão","Mas paraquêtantosofrimento".3Falo
destasporqueas utilizeiem poemas.E tambémas trovaspopu-
lares,copIasde zarzuelas,coupletsde operetasfrancesas,enfim
versosde todaa sortequemeensinavameupai. Lembro-mede
unscujo autoratéhojeignoro.Ouviu-osmeupai de um sujeito
queum dia, no alpendrede umacasinhado interiorde Pernam-
buco,lhe veio pedir esmola.Meu pai, que gostavade brincar,
disse-lhe:"Poisnão!Masvocêantestemdemedizerunsversos."
Ora, ° nossohomemnão se fez de rogadoe saiu-secom esta
décimalapidar,.cujo primeiroverso,estropiado,mostraque a
estrofenão era de sua autoria:
Tiveumachoça,seardeu-se. Tentou-meo diabo,joguei-os.
Tinha um s6 dente,caiu. E fiqueisemt~rmaismeios
Tive wna arara,morreu. De sustentaros meusbrios.
Um papagaio,iugill. Tinha uns chinelos... Vendi-os.
Dois tostõestinirade meu: Tinhaunsamores." Deixei-os.
Assim,na companhiapaternaia-meeu embebendodessaidéia
quea poesiaestáemtudo--tantonosamorescomonoschinelos,
tantonascoisaslógicascomonasdisparatadas.
CUS(jll;lIhlltleN,,~,masde umsentimentomisturado,coma intui-
ção terrificantedas tristezase maldadesda vida.
Dosseisaosdezanos,nessesquatroanosde residêncianp Re-
cife.1:0111pequenosveraneiosnos arredores-Monteiro,Sertãozi-
IIho de Caxangá.Boa Viagem.Usina do Cabo--construiu-sea
minharnitologia,r.e digo mitologiaporqueos seustipos,um To-
tônioRodrigucs,urnaD. AninhaViegas,a pretaTomásia,velha
cozinheirada casade meuavô CostaRibeiro,têmparamim a
mesmaconsistênciaheróicadas personagensdos poemashomé-
ricos.A Rua daUnião,comosquatroquarteirõesadjacenteslimi-
tadospelasruasda Aurora,do Sol,daSaudadee PrincesaIsabel,
foi a minhaTróada;a casademeuavô,a capitaldessepaísfabu-
loso. Quandocomparoessesquatroanosde minhameninicea
quaisqucroutrosquatroanosdeminhavidadeadulto,fico espan-
tadodo vaziodestesúlitn:losemcotejocoma densidadedaquela
quadradistante.
o.................................................
0"0.......................
Tomeiconsciênciade queeraum poetamenor;6quemeesta-
ria parasemprefechado() mundodas grandesabstraçõesgene-
rosas;que não haviaem mim aquelaespéciede cadinhoonde,
pelocalordo sentimento,as emoçõesmoraisse transmudamem
emoçõcsestéticas:o metalpreciosoeu teriaquesacá-Ioa duras
penas,ou melhor,a durasesperas,do pobreminériodasminhas
pequenasdorese aindamenoresalegrias.
Procuromelembrarde outrasimpressõespoéticasda primeira
infânciae eis que me acodemos primeiroslivros de imagens:
João Felpudo,SimplicioOlhapro Ar, Viagemà Rodado Mundo
numaCasquinhade Noz. SobretudoesteúltimoteveinOuência
muitoforteemmim;por eleadquiria noçãodehaverumareali-
dademaisbela,düerenteda realidadequotidiana,e a páginado
macacotirandococosparaos meninosdespertouo meuprimeiro
desejodeevasão.No fundo,já eraPasárgada4queseprenunciava.
.
.
"Vou-meemborapra Pusárgada"7foi o poemade maislonga
gestaçãoem todaa minhaobra.Vi pelaprimeiravezessenome
ue Pasárgadaquandotinha os meusdezesseisanos e foi num
autorgrego.Estava~ertode ter sidoemXenofonte,masjá vas-
culheiduasou trêsvezesa Ciropédiae não encontreia passa-
gem.O doutoFrei DamiãoBergeinformou-meque Estrabãoe
Arriano, autoresque nuncali, falamna famosacidadefundada
por Ciro, o antigo.no localprecisoem quevenceraa Astíages.
Ficava a sucstede Persépolis.Esse nomede Pasárgada,que
significa"campodos persas"ou "tesourodos persas",suscitou
na minhaimaginaçãoumapaisagemfabulosa,um país de delí-
cias,COntOo de "L'I1tl'itat;olla/l Voyage"de Baudelaire.Mais de
vinteanosdepois,quandoeu moravasó na minhacasada Rua
seleta.25
O Coraçãoerao livrode leituraadotadonaminhaclasse.Para
mim,porém,nãoeraumlivrodeestudo.Era a portadeummun-
do, nãode evasão,comoo da Viagemà Rodado Mundonuma
24 m.b.
do Curvelo,nummomentode fundodesânimo,da maisaguda
sensaçãode tudo o que eu não tinhafeito na minhavida por
motivoda doença,saltou-medesúbitodo subconscienteessegrito
estapafúrdio:"Vou-meemborapra Pasárgada!"Sentina redon-
dilha a primeiracélulade um poema,e tenteirealizá-Ia,masfracassei.Já nessetempoeu não forçavaa mão.Abandoneia
idéia.Alguns anosdepois,em idênticascircunstânciasde desa-
lentoe tédio,me ocorreuo mesmodesabafode evasãoda "vida
besta".8Destavez o poemasaiusemesforço,comose já esti-
vessepronto dentrode mim. Gosto dessepocmaporque~'cjo
nele,em escorço,todaa minhavida;e tambémporqueparece
quenelesoubetransmitira tantasouttaspessoasa visãoe pro-
messadaminhaadolescência-essaPasárgadaondepodcmosviver
pelo sonhoo que a vida madrastanão nos quis dar. Não sou
arquiteto,como meu pai desejava,não fiz ncnhumacasa,mas
reconstruí,e "nãocomoformaimperfeitanestemundodeaparên-
cias",umacidadeilustre,que hoje não é maisa Pasárgadade
Ciro, e sim a "minha"Pasárgada.
.
"A última Cançãodo Beco"Pé o melhorpoemaparaexem-
plificarcomoem minhapoesiaquasetudo resultade um jogo
de intuições.Não faço poesiaquandoqueroe sim quandoela,
poesia,quer.E elaqueràs vezesemhorasimpossíveis:no meio
danoite,ou quandoestouemcimada horaparair dar umaaula
na Faculdadede Filosofiaou sair para u~ jantarde cerimô-
nia... "A últimaCançãodo Beco" nasceunummomentodes-
tes,s6 que o jantar não era de cerimônia.Na vésperade me
mudarda Rua Moraise Vale, às seise tantoda tarde,tinhaeu
acabadode arrumaros meustroçose caíra eJÇaustona cama.
Exaustoda arrumaçãoe um poucotambémda emoçãodedeixar
aqueleambiente,ondeviveranoveanos.De repentea cmoção
se ritmouem redondilhas,escrevia primeiraestrofe,masera
horade vestir-meparasair,vesti-mecomos versossurdindona
cabeça,descià rua,no BecodasCarmelitasmelembreide Raul
de Leoni,e os versosvindosempre,e eu commedodeesquecê-
-los, tomeium bonde,saqueido bolsoum pedaçodepapele um
lápis, fui tomandoas minhasnotasnuma estenografiaimprovi-
sada,senãoquandolá 'sequebroua pontado lápis,os versos
nãoparavam.. . Cheganddaomeudestino,pediumlápise escrevi
26 m.b.
"
~
li queaindaguan.Javade cor. ., De voltaa casa,batios versos
na máquinae fiquci espantadíssimoao verificar que o poemase
cOlllpllsna, Ú millh.I n:wlia, ('/li .\"I'tl'(,.\.trof('sde sete ver.wsde
setc sí/lI/ws. (/ til/eráriode l'lI.\'lírgllâa)
1. Poemado livro Belo Belo.-2. Vel' pil~. 133.-3.Ver pág. 151.-4.
Ver pÚg. 146.-5.Ver pÚg, 133.-6.Ver págs. 25 e 156,-7.Ver pAgo
]46.-8. A expressãoé de!\1ÚriodeAndrade.A melhordefiniçãoé a de
Carlos Dnnnlllondde Andradf'.no PO('IIHI"Cidndc'linhaQualquer":
"Casasentreballalleiras/l\lulheresentreIUl'unjciras/pomaramor ean-
tar./Um homemvai uevagar./Umcachorrovai devagar./Umburro
vai dt'vaJ~ar./lkv;lJ~ar...a~;.iall..t:Isolhalll./I~ta\'idahesta.meuDeus".
Essa paslllaceiracaractl'!'izaa "vida besta".E ela tantopodedecor-
1'::1'da falta de sentidona vida. comoda contrariedadeimpostapelo
viver cotidiunollqueleque sonhaviver com as verd:1dcirasbelezas
do mundo.(Ver p;',gs.45.46c 4i.)-9. Ver pág.149.
POESIA E VERSO
Ufo,(DIA. ao começara escreverum livro didático sobre litera-tura, tive quc dar ullla defini~'iioda pocsiae embatuquei.
Eu. 4uedesdeos dezanosde idadefaçoversos;eu, que tantas
vczessentiraa poesiapassaremmimcomoumacorrenteelé~rica
e afluir aos l11('usolhossob a formade misteriosaslágrimasde
alegria:nãosoubeno momentoforjarjá nãodigoumadefinição
racionaldessasque,segundoa regrada lógica,devemconvira
todo() ddinido e Slí ao ddinido, maslima definiçãopuramente
empírica,artística,liteníria.No apertomesocorride Schiller,em
quem() críticoera tão grandequantoo poeta,e dissecom ele:
"Pocsiaé a forçaqUl' alua de maneiradivinae inapreendida,
além'e acimada consciência."
Sabc:so que é atuarde maneiradivina?Confessolisamente
que não sei. Mas conheçoda poesia,por experiênciaprópria,
essamaneirainapreendidade ação: nuncapude explicar,em
muitoscasos,a emoçãoquemeassaltavaao ouvirou ao ler certos
versos,certascombinaçõesde palavras.A propósito,vou eon-
tar-vosuma anedota.Havia na AvenidaMarechalFlorianoum
hotelquese chamavaHotel PenínsulaFernandes.Toda vez que
eu passavapor ali e viana tabuletaaquelenomeHotelPenínsula
seleta.27
Femandes,sentianão sei quepequeninoalvoroço-alvoroçoem
sumadequalidadepoética.E ficavaintrigadíssimo.Por queaquele
hotelse chamavaPenínsulaFernandes?Uma tardemeuprimo
AntônioBandeira,igualmenteinvocadopeloestranhonome,não
se conteve,subiuas escadase foi falarao proprietário,queera
um portuguêsterra-a-terrae semnenhumafumaçade literatura.
-O senhorme desculpea curiosidade,maspor queé queo
seuhotelse chamaPenínsulaFernandes?
-Muito simples-:espondeuo homem.-F'rnandesporqueé
o meunome,e p'nínsulaporqueé bonito!
O nomeestavarealmenteexplicado,mas a emoçãopoética
não: atuavade maneirainapreendida.
E assimquemuitosfatosde rua atuamsobrea nossasensibi-
lidade.Dois automóveiscolidem,ou umasenhoradesmaia,ou um
homemé assassinado,ou umaestrangeir~emtrânsitoparaBuenos
Aires desembarcana PraçaMauá emtrajespoucomaisqueme-
nores:forma-selogo um ajuntamentoe os quevão chegandoe
aderindoao grupoe os queolhamde longenãosabemaindao
que se passou.Pairano ar um certotumultoemocional,criando
umacomoqueatmosferade poesia.Pois bem,o poetasuscitaa
mesmacoisa,só quemedianteapenasumacolisãode palavras.
QuandoSchillerdissequea poesiaé umaforçaqueatuaalém
e acimada consciência,parecequequeriareferir-seàquelemundo
do subconscientequetodostrazemosdentrodenós.A poesiaseria
entãoa ponteentreo subconscientedo poetae o subconsciento
do leitor.Seadoteinomeulivroa definiçãodeSchiller,foi porque
elaesclarece,a meuver,a poesiamenosacessível,a quenãoocorre
no focoda consciência)Masé evidentequea pocsiapodenascer
tambémem plenofoco da consciência,e portantoatuarde ma-
neiraclaramenteapreensível.Em meupoema"Palinódia"la estro-
fe centralé perfeitamenteinteligível.Mas eu mesmonãosaberia
explicaras estrofesiniciale final. Elas pertencema um poema
quefiz duranteum sonho.Ao despertartenteirecompô-Ioe não
me foi possívelfazê-Io senãoparcialmente.A estrofeinteligível
resultoude um trabalhomentalemplenofocoda consciência;as
outrasduasforamelaboradasde maneirainapreendidana franja
da consciência.Tenhoa minhainterpretaçãodelas,masnãovo-la
comunicarei:é segredoprofissional.
Nas mesmascondiçõesde "Palinódia"estáo meu soneto"O
Lutador'? tambémelaboradoem sonho.
28 m.b.
I
t,) .r; '1,,.;- .,
\~.
1,,1'
.
\
Nele a intervençãoposteriorem estadode vigíliafoi mínima.
O soneto,com títuloe tudoé fielmenteo do sonho.Tive de o
illterpretarcomose eu fosseum estranhoa mim mesmo,como
qualquerum de vós o podeciainterpretarsegundoas sugestões
do seusubconscienteestimulado.Para mim-mensagemdo meu
subconscienteà minhaconsciência,mensagemmuitovagamente
apreendidapor estae de novorefrangidaparao seumundoori-
ginal.
Assentadoquea poesiapodcatuardentroou fora,acimaou
abaixoda consciência,comeceia registrartodasas definiçõesde
poesiaquefui encontrandoao acasodeminhasleituras.Organizei
assimumapequenaantologiado assunto.Sãonumerosíssimase o
poetaCarlosDrummondde Andradedepoisde mimaindaassi-
nalounumacrÔnicaumaporçãodelasqueeu nãoconhecia.Mas
é possívelreduzi-Iasa umameiadÚziadetipos,quelhesfacilitanl
o exame.Senão,vejamos:
Certosautoresdefinema poesiacomoficção:"Poeta",escreveu
Jonson,grandedramaturgoinglês,contemporâneode Shakespeare
e um doshomensmaiscultosdo seutempo,"é, nãoaqueleque
escrevecommétrica,maso quefingee formaumafábula,pois
fábulae ficçãosão,por assimdizer,a formae a almade toda
obrapoéticaou poema".b o mesmoconceitodedoisoutrosgran-
díssimospoetasinglesesseiscentistas:Donne,quedisse'~\LP.Q.~~!~
é comoumasimili-Criaçãoe faz coisasque não existem,como
se existissem",e Dryden,paraquem"a ficçãoé a essênciada
poesia".
Perguntoeu agora:nãohaverápoesiaquandorealizoempala-
vrasumatransposiçãoda realidade,seminventarnada,sem"fin-
gir" nada?Comonestepoema3:
O llrrtltllra-ct'u.w!le110ar puro que foi lm'adopelachuva
E descerefletidolia poçade lamado pátio.
Filtre a rcalitladee a ima[:em.110cheiosecoqueas separa,
Quatro[lomhas[llls.çeillm.
Poemaqueé umasimplesreproduçãopor imitação,paraem-
pregaras velhaspalavrasde Aristóteles.
Jáo Danteacrescentaao elementoficçãoum novoelemento-
a mÚsica,e diz: "Poesiaé ficçãoretÓricapostaem 'música'."O
elementomúsicavai aparecerem numerosasoutrasdefinições.
"À poesia",escreveuCarlyle,"chamaremospensamentomusical."
seleta29
E Ruskin,moralista,ensinaqueela é "a apresentação,emfom1a
musical,à imaginação,denobresfundamentosàsnobresemoções".
Não se podenegarque a músicasejaum elementoda velha
poesia,da poesiaao tempoemqueela foi assimdefinida.Hoje
5abemosquepodehaverpoesiasemmúsica,e poesiada melhor.
Semmúsica,bementendido,no sentidode nãoprocuraro poeta
fazero versocantarno poema.
Outropoeta,e quepoeta!o granderomânticoColeridge,defi-
niuo poema"aquelaespéciedecomposiçãoqueseopõeàsobras
de ciênciapor visarcomoobjetoimediatoo prazere nãoa ver-
dade".O objetoimediato,porqueemprofundidadeeleé "a iden-
tidadede todosos outrosconhecimentos,a flor e o perfumede
todo o humanoconhecimento".
E aqui entramosno conceitode poesia-conhecimento.Mui-
tossãoos queo afirmam.ParaLautréamont,elaanunciaasrela-
çõesexistentesentreos primeirosprincipiose as verdadessecun-
dáriasdavida.Novalisjá disseraque"a poesiaé o realabsoluto".
E o modernoMaritainprecisa:"Poesiaé o conhecimento,incom-
paravelmente:conhecimento-experiência,conhecimentoemoção,
conhecimentoexistencial.Ela é o fruto do contactodo espírito
com a realidadeem si mesmainefávele com a sua fonte,que
acreditamosser Deus."
O epíteto"inefável"leva-nosa um grupode definições,onde
culminao conceitona definiçãode Edwin ArlingtonRobinson,
grandepoetanorte-americano:"Poe'liaé a linguagemque nos
diz, em virtudedumareaçãomaisou menosemocional,alguma
coisaquenãopodeserdita."
Devoesclarecerquetodasessasdefiniçõese muitasoutrasqlJe
coligi,apareccmemcontextoondese procuraapreendera essên-
cia do fenômenopoético:não foramapresentadasisoladamente
comodefiniçãono sentidológicoda palavra,e de isolá-Iascomo
fiz, resultaumaccrtamutilaçãodo pensamentode seusautorcs.
Nada obstantc.cadaumacontémumaparcelade verdade,ilu- I
minaum àngulodo problema,que é talvezinsolúvel.Todasme
\
parecemfalaremtermosde poesia,como seuvago,o seumis-
tério.Nenhumase rcfereao que é a matéria-primada poesia
na arte literária-as palavras,e tantose podemaplicarà arte
literáriacomoà músicae às artesplásticas.Paul Valéry men-
ciona-asnumadefiniçãoqueé um pequeninopoema:"Poesiaé
30 m.b.
,
a tentativade representarou de restituirpor meioda linguagem
articuladaaquelascoisasou aquelacoisaqueos gestos,as lágri-
mas,as carícias,os beijos,os su~pirosprocuramobscuramente
exprimir."E André Gide foi desenterrarde-um prefácioesque-
cido deBanvilleestadefinição,queespantatenhasaídoda cabe-
ça de um daquelesmestresqueThibaudetchamouos Tetrarcas
do Parnaso:"Poesia... essamagiaque consisteem despertar
sensaçõcspor meiode umacombinaçãodesons... essesortilégio
graçasao qual idéiasnos são necessariamentecomunicadas,de
uma maneiracerta,por meio de palavrasque todavianão as
exprimem."
Comentandolargamentea definiçãode J:!anvil'e,começaGide
pelosvocábulos"magia"e "sortilégio"(sorcellerie):"Valéry,de
maneiravoluntariamenteambígua,dirá chorme... O verdadeiro
poetaé ummago.Não se tratatantoparaelede ser comovido,
masde induziro leitora comover-se:'por meiode umacombi-
naçãodesons',quesãopalavras.Quea significaçãodessaspala-
vras importa,não seráprecisodizer;não, porém,independente-
menteda sonoridadedelas,O versodeliciosode Racine,tão fre-
qüentemenecitado como exemplode cllcantaçãoharmoniosa:
Vou.smO/mltesQItbordou VOltSjúteslaissée..Mudaias palavras,
dizei: Vousêt(.smortesur le ril'aReoÜ TlIéseévou.sava;taban-
ciolurée.r.O significadocontinuao mesmo,maso 'encanto'desa-
parece."
Mallarmétinharazão:"Não é comidéiasquesefazemversos:
é compalavras."Não queo sentidodelasnão importe.Importa,
!lias,não comoadvertiuGide, independentementeda sonoridade
lidas. Natmalmcnte(1sentimentoestásubentendido,é ele que
faz acharas combinaçõesde palavrassuscitadorasda emoção
!,oética.
A ~!ral\(kdificuldade.pon:m.estáem que llllS se comovem
,.Iiantedeccrtosverses;:oulrosnão,Há pessoasqueachaminten-
sa poesianosversosde Murilo Mendes;outrasnão a achamne-
nhu!lla,encontram-naé nossonetosde Emílio de Meneses,onde
os admiradoresde Ml'rilo nãovêemsequera sombradela.E há
as que não suportamnemum nemoutro: gostamé da suave.
I
músicade OlegárioMariano.Afinal em poesiatudo é relativo:
-,k. .a poesianãoexisteemsi: seráumarelaçãoentreo mundointe-, ."
~"I ' Beleta 31
\
'" .. .\
\',11;'
\.
'.
.
\
. ~
I
rior do poeta,com a sua sensibilidade,a sua cultura,as suas
vivências,e o mundointeriordaquelequeo lê..
Sepassamosda definiçãode poesiaparaa definiçãodo verso,
asdificuldadesdiminuem,masnãodesaparecem.Abri umtratado
de versificação.qualquer,o de Bilac e GuimarãesPassos,por
exemplo,e ali vereis definidoo versocomo"o ajuntamentode
palavras,ou aindaumasó palavra,compausasobrigadase deter-
minadonúmerode sílabas,queredundamemmúsica".Em nota
traduzemos doisautoreso francêsQuitard:"A etimologialatina
daspalavras'prosa'e 'verso'claramenteindicaa diferençaessen-
cialda suasignificação:'prosa'vemdo adjetivolatinoprosa(su-
bentendendo-seo substantivoora/io,discurso,oração)-oratio pro-
sa, discursocontínuo,seguido,e respeitandoa ordemgramatical
direta!'Verso'é derivadode versus,do verbovertere,tornarou
voltar,-porque,umavez esgotadoum certonúmerode sílabas,
a oraçãoseinterrompeevoltadenovoaopontodepartida,a fim
de começaroutraevoluçãosilábica.".
A definiçãodeBilace GuimarãesPassos,queé maisou menos
a detodososoutrostratadistas,podiaservirparaa nossalínguae
maisalgumasoutrasmass6 atéo adventodo versolivre. Que
definiçãosepodedardoverso,demodoqueelaseapliquea qual-
queridioma,vivoou morto,e emqualquertempo?pedroIlcnrí-
quez-Ureõa,o grandemestredominicano,há poucofalecido,ten-
tou,a meuver comêxito,essadefiniçãomínima.Poesia,poesia
no sentidoformal,ensinouele,é linguagemdivididaemunidades
rítmicas;prosaé linguagemcontinuada.Semdúvida,na linguagem
continuadadaprosaháparágrafos.Maso cortedaprosaempará-
grafosatendetão-somenteà necessidadede ordenaçãodasidéias.
O versoé a unidaderítmicado poema.Ritmo,emsuafórmula
elementar,é repetição.O verso,emsuaessência,é unidaderítmica
porqueserepetee formaséries.Paraformarsériespodemasuni-
dadesser semelhantesou dessemelhantes.Podemser unidades
flutuantes.Mas é necessárioquecadaversosejaumacomoque
entidade,ou comodisseValéry"umapalavratotal,vasta,nativa,
perfeita,novae estranhaà língua".
O que diferenciaos diversostiposde versificaçãoatravésde
todosos idiomase de todosos tempossãoos expedientesdeque
sevaleramos poetasparapôr emmaiorevidênciao ritmo.Expe-
dientescomo:valoresde sílabas(quantidade),acentosde inten-
32 m.b.
.)
.~
sidadebemmarcados.regulaçãodos tonsou diferençasde altura
musicalentreas sílabas,nÚmcrofixo de sílabas,rima,aliteração,
encadcamento,paralelismo,acróstico.Na ver&ificaçãoportuguesa
os apoiosrítmicosde quetemosexemplossãoo númerofixo de
sílab<ls,a ccsura.a rima.a aliteração.o encadeamento,o parale-
lismoe o acróstico.Talvezmuitosde meusleitoresnão estejam
a pardosignificadodetodasessaspalavras.Do encadeamento,do
paralclisl11o,por exemplo.O encadeamentoconsisteemrepetirde
versoa verso,ou deestrofea estrofe,fonemas,palavrase frases.
Foi, como paralelismo,muitousadona poesiahebraica,e dele
seservequaseinfalivelrnenteemseuspoemaso nossoalgobíblico
AugustroFredericoSclunidt:
Porquechorarse o céu estáróseo,
S/' 11.1'flor/'.I' e.l'lilO 111I.1'Ir/'padeira.l' IllIIIII/Çlll/lJO. ao sopro leve do
[vento.
J'orq/ll' chorar .rel/li felicidadelias camillllO,r.
SI' l/li .1'illO.\,batel/dolia.\'aldeia.\'de Por/ugal?
Nessepoemado Canto da Noite o poeta só abandonaa inter-
ro~a(..ão"porquc chorar" para passarà locução l'ncadeadora"feliz
como":
1'01'1111I'c!wwr--m('u 1>/'1/.1',.w:e.I'/OI/fdi::. I' pobre.
Feliz comoos pobresdesconhecidosdos hospitais,
Feliz comoos cegosparaquema lu7.é maÜ"ela do quea luz,Feliz CO/llO... e/c.
O paralelismoé a repetiçãoideológica.Encadeamentoe pdrale-
lismoliverama suafasedeouroemlínguaportuguesano tempo
dos cancioneiros.O que chamaram"cossante"era uma cantiga
paralelísticae encadeada.Assim esta "barcarola"de Martim
Codax:
,') alldas do mar de V;go,
Se vistesmeuamigo!
F ai, Deus,se verrácedo!
. , J~
. ':r;/, I } ':. :t;.Q)./f
I '"
Ondasdo mar levado,
Se vistesmeuamado!
E ai, Del/s,se verrácedo!
8clcta.33
Sevistesmeuamigo,
O por queeususpiro!
E ai, Deus,se verrácedo!
Se vistesmeuamado,
O por queei grancuidado!
E ai, Deus,se verrácedo!
Essa cantigaé paralelísticaporqueas estrofesparesrepetem
a idéiadas estrofesímparescom ligeirasalteraçõesde palavras
paravariaro timbredavogaltônicadasrimas(i ea); éencadeada,
porqueo segundoversode cadaestrofeímparse repetecomo
primeiroversoda estrofeímparseguinte.
Já a rimaé apoiorítmicomuitoconhecido,massó comoigual-
dadede sonsno fim daspalavrasa partirda vogaltônica- a
chamadarimaconsoante.Muita genteaiodanão sabedasrimas
toantes,isto é, aquelasemque só são iguaisas vogaisa partir
da tônica,comoem "asa" e "cada","velho"e "quero".Raros
sabemque no latim eclesiástico,na poesiainglesae na alemã
basta,parahaverrima,a repetiçãoda últimasílabaátonae até
da últimavogalátona.Lembrai-vosdo Veni, SancteSpiritus:
Veni, SancteSpiritus,
Et emittecoelitus
Lucis tuaeradium.o
Lembrai-vosde Shakespeare,queno sonetoprefaciadorde Ro-
meue Julieta rima "dignity"com "mutiny";de Milton que no
soneto"On Shakespeare"escreveu:
Tltotlin OUTwonderandastonislunent
Has built thyselfa livelongmonument,T
rimando "a.rtonishment"com "monumem". Lembrai-vosde
Heine,que rima "lch liebediclz"com "bitterlich":
/Joch wenndu .rprich.l't:"/ch liehedic/t!"
So mussich weinenbitterlich.ij
Finalmentepoucagentej.í terárefletidoque a aliteraçãoé, no
fim de contas,uma rima ao contrário,ou seja,umarima dos
começosdas palavras.Sei bem que não houveintenção,pelo
menosconsciente,da.partede GonçalvesDias emrimarpor ali-
34 m.b.
1
t.
teraçãona segundae terceiraestrofesda "Canção do Exílio", mas
a verdadeé que essasrimas ao contráriodão à pequenaobra-pri-
ma não sei que inefávelmusicalidade:
NãopermitaDeu.rque eu morra
Semquevoltepara lá;
Semquedesfru~eos primores
Que mio desfrutopor-cá;
Sem que illda avist(' asl'alm('iras,
()II<l1' Cill/til (I,mhiti,
O nÚmerolho uesílabas,I:ompausasobrigadas,é semduvida
o maisimperiosometr<ll1omodo rilmo.Todavianão é preciso
ficar-seno mesmomclroparamantero mesmoritmo.No poema
deGonçalvesDias intitulado"MinhaVida e meusAmores"ocor-
re umamudançade metromuitointeressante.O poetavinhaver-
sejandoemdecassílabosaccntuadosna sexlasílabaou na quarta
e oitava:
Ol/tra 1'1'::C/UClá fI/i, que a \'i. 'l/Ie a medo
T/'Tlla 1'0,:li:.' OUilt'i:---SOllhci cOllligo/-
Inefável pra<.erbal/houmeu peito,
Senti delícias; lIla.f a JÓ.f comigo
I'/'I/.\'ci--tall'/' ;:.'---/' já IlÚO pude cn;-lo,
De súbito, nos versos 67 e 68, faz cair as pausasna quarta
c sétimassílabas,aproximandoo ritmo decassilábicodo ritmo do
verso de onze sílabas,que vai aparecernos versos 70 e 71:
Mas J(' v()c/~fala: "Eu gosto de você!"
Aí ('U t('llhode chorar amargamelite.
Ela tão meigae ttiocheiade encanto,
F:la tão fiam, tão pura e tão bela. . ,
AIIlllr-IIl,'!-- Eu (/11/'.\'OU?
Meu'\"olho.\'ell\agam, ellquallto duvida
Minh'almasemcrença,de forçaexaurida,
Já fa/,'/I cfa I'h/a,
{}II/' /111101'ncio doi/'Oli,
() nlO\'il11cntorílmicodc UI11versopodcsofrcra influênciado
vcrsoanlclior uu du seguinte.ê sabidoque na puesiaespanhola
e na portuguesaantigaa vogalinicialde um versopodiaembe-
bcr-senovcrsoprccedcntc.GonçalvesDias,tãolido numae nou-
seleta. 35
tra, tambémversejouassim.O queadmiraé queatéAlbertode
Oliveira,mestrede umaescolade rigorosamétrica,baja proce-
didoda mesmamaneira,talvezinadvertidamente,quandoem"O
Examede Hucí1ia"escreveu:
Subiu(JQAtiasde umsalto
E ao Kilimandjaro;logo
De tãoalto,
Ao Barh-al-Abiahdeáguaclara
Baixoue (JQsaibrodefogo
Do Sahara.
O quartoverso("Ao Barh-al-Abiabde águaclara") temoito sí-
labas,masa primeira("ao") seembebenaúltimasílabado verso
anterior,de sortequeno contextoda estrofese mantémo ritmo
do heptassilabo.
Há casosatéemqueé forçosoquebraro versoparamantero
ritmo.Comofei CasimirodeAbreuna célebre"Valsa".O poema
estádistribuídoemversosdeduassílabas:
Tu, ontem
Na dança
Quecansa,
Voavas
Co'asfaces
Em rosas
Formosas
De vivo,
Lascivo
Carmim
Mas oa últimaestrofepôs o poetaa palavra"pálida"no fim
de dois versos:
Teia pálida
J~'I/tiio;
Qual pálida
Rosa
Mimosa,
No vale
no "/'I/to
Cruel/to
Batida,
CaMa
Semvida
No chão!
O vocábuloproparoxítollOobrigavao poetaa abrir o versose-
guintepor uma palavracomeçandopor vogalou a quebraro
metrodeduassílabasparauma.Casimirovaleu-sedeume outro
recurso,um da primeiravez, o outro da segunda.Se ele não
tivesseatendidoà interrelaçãodosversose emlugarde "então"
dissesse"no instantc"e em vez de "rosa" escrevesse"camélia",
o ritmoseriasacrificado:
Na valsa
Cansaste;
Ficaste
Prostrada,
TurbadaJ
Pensavas,
Cismavas,
E estavas
J>eIlSQ\Jas,
Cis11Im'as,
E estavas
Tão T}álida
No instante;
Qualpálida
Camélia
Mimosa.. .
Foi em observaçãoa cssejogo de ressonânc.iasde um verso
emoutroqueeu no poema"Boi morto",escritoemoctossílabos.
quebreia medidano tercciroversoda Últimaestrofe.
Disseatrásque o encadeamentoé o principalapoiorítmico
de que se serveAugcstoFredericoSchmidtnos seuspoemas.
AdalgisaNery. quc tambémcmprega,aindaque menosassidua-
mentequeSchmidt,o encadeamento,começoua usarda rimaem
versosnãometrificados,a partir,creioque do seu livro Ar do
Deserto,queé de 1943:36 m.b.
8eleta37
À medidaqueo vaziono meucorpoecoa,
Cresceno meuespíritoo sentidodas vidasacontecida.'i,
Balançar.donosmeusouvidoso pensamentoqueapregoa
Os soluçose a solidãodasalmasinutilmentepertencidas.
Mas versolivre cempor centoé aqueleque não se socorre
de nenhumsinalexteriorsenãoa da voltaao pontode partida
à esquerdada folhado papel:versoderivadode vertere,voltar.
A primeiravista,parecemaisfácilde fazerdo queo versometri-
ficado.Mas é engano.Bastadizerqueno versolivreo poetatem
de criar o seuritmosemauxíliode fora. f: comoo sujeitoque
solto no recessoda florestadevaacharo seu caminhoe sem
bússola,semvozesque de longeo orientem,semos grãozinhos
defeijãodahistóriade João e Maria.Semdúvidanãocustanada
escreverum trechode prosae depoisdistribuí-Ioemlinhasirre-
gulares,obedecendotão-somenteàs pausasdo pensamento.Mas
issonuncafoi versolivre.Se fosse,qualquerpessoapoderiapôr
em versoaté o últimorelatóriodo Minislro da Fazenda.Essa
enganosafacilidadeé causada superpopulaçãode poetasquein-
festamagoraas nossasletras.O modernismoteveisso.de catas-
trófico: trazendoparaa nossalínguao versolivre,deu a todo
o mundoa ilusãodequeumasériede linhasdesiguaisé poema.
Resultado:hoje qualquersubescrituráriode autarquiaem crise
de dor-de-cotovelo,qualquerbrotinhodesiludidodo namorado,
qualquerbalzaquianadesajustadano seuambientefamiliarsejul-
gam habilitadosa concorrercom JoaquimCardosoou Cecília
Meireles.
Por issoerasemprecomdelíciaqueeu lia as críticasde Elói
Pontesno Globo e é semprecom prazerque leio as de Berilo
Nevesno Jornal do Comércio,críticossemcontemplaçãopara
com a poesiaquenãose exprimeemversosmedidose rimados.
O quemeentristeceé ver queelesnuncatenhamtido influência
bastantepara pôr um paradeir4?nesse"babaréu de medíocres",
como costumavadizer o primeirono seu curiosoestilo.
Por issotenhoàs vezesumagrandetentaçãode esquecertudo
o queaprendicommestreUrenae dizere jurarparatodaa gente
que"versoé o ajuntamentodepalavras,ou aindaumasó palavra,
com pausasobrigadase determinadonúmerode sílabas",como
ensinavamBilac e GuimarãesPassos.Isto é, talvezsubstituísse
38 m.b.
t
..
f
,
a palavra"ajuntamento",que me soa vagamentea coisailícita,
c acrescentassea obrigaçãoda rima edo duploacróstico!Con-
cordais?(DePoetase dePoesia)
1. Poemado livro Llbertlnagem.-2.Poemado livro BeloBelo.-3. "A
Realidadee a Imagem".do livro BeloBelo.-4. "Vós morrestesà mar-
~cmonderostesdeixada."-S. "Vocêmorreusobrea costaondeTeseu
a linha deixado."-6. "Vt>I11.Esplrito Santo./E envia do Céu/O raio
datualuz."-7. "Tu denossopasmoe assombramento/Tumesmocons-
truíste todoum monumento."-8."Mas se você fala: 'Eu gostode
você!'/AIeu tenhode choraramargamente."(Trad. de Paulo Rónai).
A POESIA ESTÁ NAS PALAVRAS
MAS AOmesmotempocompreendi.aindaantesde conheceraliçãodeMallarmé,quecmliteraturaa poesiaestánaspalavras,
se faz compalavrase não com idéiase sentimentosmuitoem-
bora,bementendido,sl'japelaforçado sentimentoou pelaten..
sãolIo espíritoqueacodemao poetaas combinaçõesde palavras
ondehácargadepoesia.Coisaquedescobrinoslapsosdememó-
ria ou no examede variantes.Quantasvezes,querendorelembrat
uma eslrofede pocma.uma trovapopular,e não conseguindo
reconstituí-lasfielmente,fazia da melhormaneirao remplissage;l
depois,cotejandoas duasversões-a minhae o original,verifi-
cavaqual delas~ramelhor,pesquisavao segredoda superiori-
dadee, descoberto,passavaa utilizá-Ianosmeusversos.Quantas
vezestambémvi, em r,oetasde gostocerteironas emendas,um
versodefeituosoou inexpressivocarregar-sede poesiapeloefeito
encanlatóriode umaou de algumaspalavras,exprimindono en-
tantoo mesmosentiment0ou a mesmaidéiaqueas substituídas.
Compare-se,por exemplo.o poema"Mocidadee Morte", de
CastroAlves,comoapareceuemEspumasFlutuantes,coma pri-
mcÍraversão,de 1864,e publicadaem São Paulo por voltade
1868-69sob o títulode "O Tísico". Na oitavainicial haviao
verso"No seioda morenahá tantaamora!".Na versãodefini-
tiva"amora"foi substituídapor "aroma".Naturalmenteo poeta
ponderouque as amorasdo peitodas morenasnão são tantas,
8el~ta39
duasapenas,e maistardecorrigiuo versopara"No seioda
mulherhátantoaromal".A superioridadeé óbvia.(Itineráriode
Pasárgada)
1.Enchimentodoverso:completavao versoporcontaprópria.
A POESIA REPONTA ONDE MENOS SE ESPERA
TODOS os DIASa poesiarepontaondemenosseespera:numano-tíciapolicialdosjornais,numatabuletadefábrica,numnome
de hotel da Rua Marechal'Floriano, nos anúnciosda Casa
Matias... Poesiaeletodasas escolas.Parnasiana:"FábricaNa-
cionalde Artigos Japoneses"(não sei se aindaexiste,era na
Praça da República).Surréaliste:"Hotel PcnínsulaFcrnandes"
(ao meuprimoAntoninhoBandeira,queperguntouao proprie-
tário português:"Porque Península Fernandes?", respondeuo
homem:"F'rnandes porqueé o meunome,e p'ninsulaporqueé
bonitol") Por aí assim,românticos,simbolistas,futuristas,una-
nimistas,integralistas...
Faltavaà minhacoleçãoaJgumhaicai.Acabode acharvários
agora,e estupendos,ondemenosesperava:numlivro de fórmu-
las ~etoaleteparamulheres.
Alguns exemplos:
Águade rosas
Glicerina
Bórax
Álcool
Que brilho verbal,que surpresaparao ouvidona sonoridade
secada palavraálcooldepoisda musicalidadeum poucosolta
dos dois primeirosversose desfazendonum comoacordesus-
pcnsivoa cadênciaperfeitado versobórax!
Tinturadebenjoim
Boratode sódio
Tinturadequi/aia
Águade rosas
40 1/1.b.
~
I
.!'
)..
'"
~
~
Áglla-de-colônia
Águadefloresde laranjeira
Boratodesódio
Mentol
6leo derícino
61eode amêndoasdoces
Álcool de 90°
Essênciade rosas
Dirãoqueo haicaitemsó trêsversos.Poisaquivaium:
Pá d/' IIrro~
Talco
Sulmitrato ele bismllto
Oulro:
AgI/li d(' rosas
Ácido lu;,.ico
f':ssh/(,;II dI' mel da b,glatcrrtl
Há mesmoum queconstituium verdadeiro"epigramairônico
e sentimental".Se não,vejam:
Leiteeleamhllloas
Bicloretode mercúrio
O livro de Maried'Osnyencerra,nestase outrasreceitas,uma
liçãoe umexemplodepoesia.(Crônicasda Provindado Brasil)
RIMA
Murro JlAVERIAquedizerdasrimasdeGonçalvesDias.Não as
procuravararasc ricas,aindaque às vezesas faziacom a
consoantede apoio, sem intençãoprovavelmentc:"coração",
"afcição";"cvita","avita",etc.A suahabitualdiscriçãolevava-o
a contentar-secom acordesmenosvistosos,a accitaras rimas
naturalmcnlcligadasa(l as~unto.O seutratoda poesiacastelhana
comunicou-lhe() amordastoantes,por ele largamenteemprega-
das: "caro","alvo"; "esmalta","prata";"topa", "provoca",etc.
No poema"A Tempcstadc",dosOltimosCantos,as toantesre-
seleta41
I
sultamnumbelo efeitosugeridordos prenúncios,aindaincertos
e vagos,da tempestadequese aproxima:
Um raio
Fulgura
No espaço
Esparso,
De luz;
E trêmulo
E puro
Se aviva,
S'esquiva,
Rutila,
Seduz!
Outra espécieaindamais sutil de rima-a dos fonemasini.
ciais-foi muitousadapor GonçalvesDias,ou melhor,aparecem
espontaneamentena contexturadasestrofese por elasse explica
muitasvezes,emparte,o segredoda musicalidadequenosenleia
em certospoemas.Na "Cançãodo Exílio", por exemplo.
Às vezeso efeitomusicalresultadeharmoniasaindamaissutis,
queno fundoaindasãorimas:assim"grata"e "nota";"aurora"
e "primav~ra";"tarde"e "perde",etc.O últimoexemploé da
poesia"Como!1:.sTu?", queestácheiadessasdelicadezasverbais.
(Gonçah'esDias)
O VERSO LIVRE
oESDEQUEo poetaprescindedo apoiorítmicofornecidopelonú-merofixodesílabas,penetranodomíniodoversolivre,o qual,
em sua extremaliberação,isto é, quandonão se socOI'rede
nenhumapoiorítmico,poderiaconfundir-secom a prosarítmi-
ca, se não houvesse,nelea unidadeformal interior,aquiloque
de certomodoo isolano contextopoético.(A Ver.l'ijicl/('ãoem
LínguaPortuguesa-EnciclopédiaDelta-Laroll.rse)
O poema"CarinhoTriste"lfoi a minhaprimeiratentativade
versolivre.Aindanãoeramversoslivres,comonãoo eramtam-
42 m.b.
~
I.
)
\
I
!
poucoos do poemade Guy-CharlesCros. Mas durantemuito tem- .
po continueinessaprática de aproximação,que foi a de muitos"
poetas(tinha sido a.de Laforgueem algunspoemas,"L'Hiver qui
Vienl". por exemplo).
O versoverdadeiramentelivre foi para mim uma conquistadifí-
cil. O hábitodo ritmo metrificado,da construçãoredondafoi-se-me
currigindo lental1\l'nte;1f\'I"\;ade que estranhosdessensihilizantes:
trauuçÜesel11prosa (as de Poc por MaIlarmé). poemasdésavollés2\
pelos "eus autores.C(l1I10\) famosoque Léon Deubcl escreveuna
Placcd11Carroussclàs 3 horasde umamadrugadade 1900(Seig-
"eur! je ,j'uissatl,rpaill, S(//ISrêve et sans demeure.),3menus,re-
ceitasdecozinha,fórmulasde preparadosparapele,comoesta:
()leo de rícillo
6leo de amêndoasdoces
Á /cool de 90°
E.vsê"citlde rosa.ç.
Versoscomoos do meu"Debussy",o\"Sonhode umaTerça-
-feiraGorda",~"Baladadc SantaMaria Egipcíaca","'Na Solidão
dasNoitesÚmidas",1"Bélgica",~"A Vigíliade Hero",o'~Madrigal
Melancólico",IU"QuandoPerdereso GostoHumildedaTristeza",11
aindaacusamo sentimcntodamcdida.Ora,noversolivreautên-
ticou mctrodeveestarde tal modoesquecidoqueo alexandrino
maisortodoxofuncionedentrodelesemvirtudede versomedido.
Comoelll "Mlllhercs"l~o akxandrino"O meuamorporémnão
tembondadealguma".Só em1921,com"A Estrada",13"Meninos
Carvociros".J.\"Noturnoda Mosela",15etc.fui conseguindolibEr-
tar-meda forçado h:íhilo.Mas nãosci se nãoficousempreuma
comosaudadea repontaraquic ali. .. Não melembrodeproble-
masdentroda metrificação,queeu não tivesseresolvidopronta-
mente.No \'nlanloos primeirosversosdo pm'ma"Gesso",lei que
é cm vcr~;oslivres, IIIC deu água pela barba duranteanos. Origi-
nalmenteme saíramassim:
A f/U('//I/',\'(/I(/w;:i,,/wd,: K/~,Ç,\'O,f/uatu/oma cleram,era flova.
E v g/!SSOmuitobranco(' as linhas militopura.ç
Mal sugeriamimagl'mde vida.
Não era possívelmanteraquele"ma deram",tão avessoao gênio
da fala brasileira.Alémdisso,o versosoavapesadoe desgracioso.
seleta 43

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