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1 Capítulo 12 – O Telencéfalo A mente por trás da máquina Augusto Valadão Junqueira Visão geral O termo "telencéfalo" compreende os dois hemisférios cerebrais divididos pela fissura longitudinal, um grande sulco que separa o hemisfério esquerdo do direito. A separação não é total por causa de estruturas como o corpo caloso, como veremos. O telencéfalo possui uma fina e complexa camada externa de corpos de neurônios, o córtex cerebral, além de diversos aglomerados de corpos de neurônios espalhados em meio à substância branca que preenche a massa de cada hemisfério, os núcleos da base. Já foram estudados os núcleos da base ligados à regulação dos movimentos, mas existem ainda núcleos telencefálicos com outras funções. Muitas delas, entretanto, ainda não são completamente esclarecidas. Um dado anatômico de importância para o entendimento do telencéfalo é que ele pode ser visto, basicamente, por três ângulos diferentes: a face súpero-lateral (a mais comum, corresponde à imagem que vem em nossa mente quando pensamos em ―cérebro‖), a face medial (muito usada para o estudo do diencéfalo, é a vista da parte interna de um dos hemisférios), e a face inferior. Figura 12.1 – Face súpero-lateral com os lobos frontal (F), parietal (P), temporal (T) e occipital (O). (Ilustrações: Raissa Mansilla) Capítulo 12 – O Telencéfalo 2 Figura 12.2 – Face medial com tronco encefálico e cerebelo removidos. Figura 12.3 – Face inferior com tronco encefálico e cerebelo removidos. O telencéfalo possui ao todo cinco lobos (frontal, parietal, temporal, occipital e insular), mas em nenhuma dessas faces todos podem ser vistos ao mesmo tempo. Na face súpero-lateral podem ser vistos os lobos frontal, temporal, parietal e occipital, mas não o lobo insular: este lobo é uma estrutura interna, totalmente circundada pela massa de tecido nervoso formada pelos outros lobos. Podemos visualizar o lobo insular apenas se forem afastadas as bordas do sulco lateral (ou sulco de Sylvius – não confunda com aqueduto de Sylvius, o canal do mesencéfalo por onde o líquor passa do terceiro para o quarto ventrículo). Na face medial com o tronco encefálico e cerebelo Capítulo 12 – O Telencéfalo 3 removidos vemos também os lobos frontal, parietal, temporal e occipital. O tronco encefálico e o cerebelo, quando presentes, limitam a visualização do lobo temporal nesta face. Na face inferior podemos ver os lobos frontal, temporal e occipital quando o tronco encefálico e cerebelo são removidos. Quando estão presentes, limitam a visualização do lobo occipital. Existem vários giros e sulcos em cada lobo. Os mais importantes serão citados nas seções a seguir. O lobo da ínsula não será aqui estudado como os demais. Sua função ainda não está inteiramente esclarecida. Sabe-se que o córtex insular recebe estímulos nociceptivos e viscerossensoriais, integrando-os às demais regiões corticais. Acredita-se que suas funções estejam relacionadas principalmente com a regulação das atividades viscerais do corpo. Figura 12.4 – Lobos do telencéfalo. Recentemente foi aceito e oficializado internacionalmente a existência de um sexto lobo, o lobo límbico, que compreende basicamente o giro do cíngulo e o giro para-hipocampal, juntamente com as demais estruturas internas do antigo “lobo temporal medial”. O córtex cerebral É importante entender que existem três tipos fundamentais de regiões no córtex cerebral: as áreas primárias (motoras de efetuação e sensitivas de recepção), secundárias (motoras de coordenação e sensitivas de interpretação) Capítulo 12 – O Telencéfalo 4 e terciárias. A parte histológica das camadas celulares do córtex cerebral não será aqui discutida. As áreas motoras, tanto primárias quanto secundárias, tendem a se localizar no lobo frontal. Existe essencialmente uma área motora primária, localizada no giro pré-central, como já foi estudado. Ela é comumente chamada de M1. Sua função é efetora, isto é, ela dá início aos impulsos que levarão ao movimento de alguma estrutura muscular esquelética do corpo. A palavra-chave para as áreas motoras secundárias é coordenação. A lesão de uma área motora secundária causa uma apraxia, que nada mais é que a perda de uma dada coordenação. Exemplos de áreas motoras secundárias são a área motora suplementar, responsável pela concepção ou planejamento de sequências complexas de movimentos; a área pré-motora, formadora da via córtico-retículo-espinhal; e a área de Broca, responsável pela programação da atividade motora relacionada com a expressão da linguagem. A área de Broca será estudada mais a fundo na seção do lobo frontal. As áreas sensitivas encontram-se principalmente nos lobos parietal, temporal e occipital. Diferentemente da motricidade, existe mais de uma área sensitiva primária: uma para cada sentido. Elas são áreas receptoras. A área somestésica primária (S1) fica no giro pós-central, no lobo parietal. É onde chegam os impulsos da união das vias epicrítica e protopática (ou seja, os sentidos do tato fino, sensibilidade vibratória, propriocepção consciente, tato grosso, dor e sensibilidade térmica). Tal qual acontece em M1, há um mapa de todo o corpo em S1 – cada área do corpo possui sua área correspondente no mapa cortical. A área visual primária fica nas bordas do sulco calcarino do lobo occipital. A área auditiva primária fica no giro temporal superior, em uma região chamada por alguns autores de giro temporal transverso anterior. A área vestibular fica no lobo parietal, perto da área somestésica da face. A área olfatória primária fica em uma proeminência interna do lobo temporal chamada de unco (ou uncus). A área gustativa primária fica na porção inferior do giro pós-central, em uma região adjacente à área somestésica da língua. A palavra-chave para as áreas sensitivas secundárias é interpretação. Elas irão interpretar, de acordo com os conhecimentos do indivíduo, cada impressão recebida pelas áreas sensitivas primárias. A lesão de uma dessas áreas causa agnosia, uma incapacidade de interpretar algum sentido. Um paciente com agnosia visual, por exemplo, pode enxergar um objeto cilíndrico de vidro sem entender que aquilo é um copo e que serve para beber alguma coisa. Exemplos de áreas sensitivas secundárias são: a área somestésica secundária, no lobo temporal superior logo atrás de S1 (a área somestésica secundária não é a "S2", sendo esta uma região primária na base de S1 com funções receptoras específicas); a área visual secundária, que circunda a área visual primária e se estende também pelos giros temporais médio e inferior; e a área auditiva secundária, que circunda a área auditiva Capítulo 12 – O Telencéfalo 5 primária e no hemisfério dominante é chamada de área de Wernicke (mais sobre isso na seção do lobo temporal). Como se pode ver, quase todas as áreas sensitivas secundárias ficam nas proximidades da área primária correspondente (com a exceção da somestésica secundária, a maioria fica de fato em volta da área primária). Figura 12.5 – Área de Broca (B), M1 (traços), S1 (ondulações), área auditiva primária (A1), área de Wernicke (W) e área visual primária (olhos). As áreas terciárias são estruturas nobres que promovem a integração do córtex cerebral. A área pré-frontal, o sistema límbico e a área temporoparietal são as principais áreas terciárias conhecidas hoje. A área pré-frontal é responsável pelas modulações da razão e da atenção, além de ser o sítio de armazenamento da memória operacional (a memória que retemos apenas por um algum tempo).O sistema límbico é o responsável pela consolidação da memória de longo prazo e pelas emoções subjetivas. A área temporoparietal integra as informações sensoriais de todas as áreas sensitivas secundárias, promovendo uma compreensão universal da associação de todos os sentidos (podemos associar com perfeição o que vemos e o que ouvimos enquanto assistimos a um filme, por exemplo). Capítulo 12 – O Telencéfalo 6 O lobo frontal O lobo frontal tem importância especial para os movimentos, desde os mais simples até os mais complexos, por abrigar a área motora primária e as áreas motoras secundárias (como a área de Broca). Outra estrutura fundamental deste lobo é a área pré-frontal. Visto pela face súpero-lateral, o lobo frontal possui dois sulcos ântero- posteriores (sulco frontal superior e sulco frontal inferior) formando três giros (giro frontal superior, giro frontal médio e giro frontal inferior) e um sulco látero-lateral (sulco pré-central) formando o giro pré-central, que é delimitado posteriormente com o sulco central (sulco que separa o lobo frontal do parietal). O giro frontal inferior possui três divisões, de frente para trás: parte orbital, parte triangular e parte opercular. A importância dessas três partes é poder localizar a área de Broca. Área de Broca é o nome dado à estrutura motora secundária responsável pela coordenação da musculatura da fala, localizada nas partes opercular e triangular do giro frontal inferior. Existe no córtex cerebral um fenômeno conhecido como lateralização: algumas áreas de cada hemisfério exercem funções lateralizadas, isto é, apenas a estrutura de um dos hemisférios cumpre aquela função. Isto acontece com a área de Broca, que está localizada apenas no hemisfério esquerdo de virtualmente todos os destros e da maioria dos canhotos. Mas isso não significa que o hemisfério direito não faça nada quanto a isso: existe também uma área motora secundária na mesma região do hemisfério direito. No caso da articulação da linguagem, é uma área responsável pela prosódia, a forma como uma pessoa fala alterando suas acentuações para adicionar uma carga emocional e subjetiva (isto é, sua entonação) ao conteúdo da linguagem articulada pelo hemisfério esquerdo. A área pré-frontal é representada pela porção anterior do lobo frontal, como se fosse sua ponta. Como o lobo frontal é o mais anterior dos lobos, a área pré-frontal é como "a ponta da ponta". Da mesma forma que veremos no estudo do sistema límbico, no próximo capítulo, não é muito fácil especificar as funções de uma área terciária complexa como a área pré-frontal. Não que seja errado dizer que ela está ligada com a razão, com a formação da personalidade e com a objetividade do raciocínio, mas não é só isso. Cada vez mais neurocientistas têm apoiado a tese de que o encéfalo funciona como uma rede intrincada até os mínimos detalhes. Uma rede onde cada "pensamento" pode ser formado como uma associação de diferentes neurônios com funções diversas. A área pré-frontal, neste caso, seria uma excelente candidata para o papel de orquestrar os pensamentos, o que não quer dizer que ela seja a única envolvida no processo. No final do capítulo falaremos sobre o caso Phineas Gage, relacionado à lesão da área pré-frontal. Capítulo 12 – O Telencéfalo 7 Outras regiões de importância no lobo frontal são a área motora primária, a área pré-motora e a área motora suplementar, todas ligadas aos movimentos da musculatura esquelética. O lobo parietal Antigamente se acreditava que existiam muitas "áreas silenciosas" no lobo parietal, o que contribuía para o (falso) mito de que usamos apenas 10% da capacidade cerebral. Hoje se sabe que essas áreas nada mais são que áreas de associação. O lobo parietal possui um sulco látero-lateral, o sulco pós-central, que delimita juntamente com o sulco central o giro pós-central, onde fica a área somestésica primária (S1). Possui também um sulco ântero-posterior, chamado sulco intraparietal, que divide o lóbulo parietal superior do lóbulo parietal inferior. No lóbulo parietal inferior existem dois giros especiais: o giro supramarginal, que envolve o fim do sulco lateral (sulco que separa o lobo temporal dos lobos frontal e parietal), e o giro angular, que envolve o fim do sulco temporal superior (visto adiante). Além de possuir as áreas somestésicas (primária e secundária), o lobo parietal abriga também uma parte da área temporoparietal, o que, somado às suas características de lobo de associação, o torna um lobo de grande importância para as análises sensoriais. O lobo temporal O lobo temporal tem papel central no sistema límbico, por abrigar algumas das principais estruturas deste sistema, como veremos no próximo capítulo. Neste capítulo nos limitaremos a estudar as estruturas corticais (as estruturas do sistema límbico ficam situadas profundamente neste lobo). Separado dos lobos frontal e parietal pelo sulco lateral, o lobo temporal possui ainda dois outros sulcos ântero-posteriores: o sulco temporal superior e o sulco temporal inferior. Eles formam obviamente três divisões no lobo, chamadas de giro temporal superior, giro temporal médio e giro temporal inferior. O unco, estrutura primária de recepção do olfato, pode ser visto apenas na face inferior do telencéfalo ou em um corte da face medial em que se tenha removido o diencéfalo. Área de Wernicke é o nome dado à área auditiva secundária que segue padrões de lateralização semelhantes àqueles explicados sobre a área de Broca. A área auditiva secundária envolve a área auditiva primária, no giro temporal transverso anterior (uma região parcialmente interna do giro temporal superior, melhor visualizada se separarmos os lábios do sulco lateral). Em um Capítulo 12 – O Telencéfalo 8 dos hemisférios, geralmente o esquerdo, a área auditiva secundária é especializada em interpretar as informações auditivas relacionadas a um código oral, isto é, a reconhecer o significado dos padrões de uma língua falada. No hemisfério em que isso acontecer, a área auditiva secundária é também chamada de área de Wernicke. A área auditiva secundária do outro hemisfério geralmente se especializa em reconhecer questões subjetivas da fala, como a expressão passada em uma frase (tons de ironia e sarcasmo, por exemplo). De uma forma geral (embora isso não possa ser generalizado), o hemisfério esquerdo se especializa no micro, nos detalhes (entender o significado de cada palavra – área de Wernicke – ou saber a articulação necessária para formar cada palavra – área de Broca), enquanto o hemisfério direito se especializa no macro, no geral (entender o significado de um contexto ou saber criar um contexto com significado). O lobo occipital A palavra-chave para o lobo occipital é visão. O lobo occipital é melhor visualizado pela face medial do telencéfalo (mais detalhes sobre a face medial em relação aos outros lobos serão vistos na próxima seção), ou pela face inferior quando são removidos o tronco encefálico e cerebelo. O sulco parieto-occipital o separa do lobo parietal e delimita o cúneo (no lobo occipital) do pré-cúneo (no lobo parietal). Essas estruturas, entretanto, serão de pouca importância prática para nós neste momento. O principal do lobo occipital é o sulco calcarino, cujas bordas abrigam a área visual primária. A área visual secundária ocupa o restante do lobo occipital, além de se projetar para uma parte dos giros temporal médio e inferior, como mencionado. A face medial do telencéfalo Na face medial, abaixo das áreasde massa neuronal do telencéfalo, vemos três estruturas (de cima para baixo): o corpo caloso, principal ponte de passagem de fibras que comunicam um hemisfério com o outro, o septo pelúcido, uma região que separa as bordas anteriores de cada ventrículo lateral, e o fórnix, um canal de passagem de fibras fundamental para o sistema límbico, como veremos no próximo capítulo. Logo acima do corpo caloso, separado deste pelo sulco do corpo caloso, vemos o giro do cíngulo, uma estrutura que vai do lobo frontal até o parietal. Ela é parte do sistema límbico, e por isso será vista no próximo capítulo. Algo de grande importância na face medial é a presença do lóbulo paracentral. Este lóbulo é delimitado anteriormente pelo sulco paracentral (um sulco visível Capítulo 12 – O Telencéfalo 9 apenas na face medial) e posteriormente pelo ramo marginal do sulco do cíngulo (a projeção superior final do sulco que percorre a parte de cima do giro do cíngulo). O lóbulo paracentral compreende tanto M1 quanto S1 da face medial (o sulco central o estaria cortando pela metade, se pudéssemos erguer a imagem para comparar a face medial com a súpero-lateral). Isso corresponde à área motora primária e área somestésica primária dos membros inferiores. Lembra-se do "mapa corporal" em M1 e S1? Pois bem, nos dois casos os membros inferiores ficam na face medial. No estudo da vascularização do encéfalo, veremos que a artéria cerebral anterior irriga a face medial do telencéfalo, e daí teremos a compreensão de que uma obstrução desta artéria causa perda dos movimentos e da sensibilidade somestésica nos membros inferiores. Figura 12.6 – Face medial do telencéfalo com o tronco e cerebelo removidos. A face inferior do telencéfalo Com algumas características anatômicas distintas, a face inferior é vista por muitos como confusa. É bom que tenhamos alguns pontos de referência sobre esta face, antes de estudar seus sulcos e giros. As pontas das ―antenas‖ que vemos abaixo do lobo frontal são os bulbos olfatórios, como estudamos acerca do nervo olfatório dentro do Capítulo 12 – O Telencéfalo 10 capítulo de nervos cranianos. Suas projeções para trás são os tratos olfatórios. Medialmente a esses tratos está o giro reto do lobo frontal, um de cada lado. A estrutura em forma de X abaixo dos tratos olfatórios é o quiasma óptico, onde se cruzam as fibras do nervo óptico. Suas projeções anteriores são os nervos ópticos, enquanto suas projeções posteriores são os tratos ópticos. Logo abaixo do quiasma óptico vemos o hipotálamo. As duas pequenas bolas são os corpos mamilares. Embora a face inferior seja pouco discutida em relação às outras duas faces, tome um pouco de seu tempo para conhecer seus giros e sulcos. Lembre-se que podemos ver os lobos frontal e temporal e, quando removemos o tronco e cerebelo, o occipital. Figura 12.7 – Face inferior com tronco e cerebelo removidos. Capítulo 12 – O Telencéfalo 11 Afasias Afasias são falhas na expressão da linguagem por um déficit do sistema nervoso. Existem três afasias clássicas: afasia de expressão, afasia de compreensão e afasia de condução. A afasia de Broca (ou afasia motora ou afasia de expressão) acontece pela lesão da área de Broca. O doente possui uma fala não-fluente, restrita a poucas sílabas ou palavras curtas sem verbos – um sinal conhecido como fala telegráfica (exemplo: "eu... não... hoje... eu... mesa... quando..."). O doente compreende o que lhe falam, mas não consegue articular suas próprias palavras – ele sabe o que quer dizer, mas não "encontra" as palavras na hora de falar. Afasia de Wernicke (ou afasia de compreensão) é quando há lesão da área de Wernicke. O doente não compreende nada que ouve, nem mesmo suas próprias palavras. Mas ele não está surdo. Mesmo que perca também sua área auditiva primária, como vimos no capítulo dos nervos cranianos, as vias auditivas são bilaterais: é preciso lesar as áreas auditivas primárias dos dois hemisférios para que o doente fique surdo por uma lesão encefálica. Basta lesar a área de Wernicke, entretanto, para que ele deixe de entender qualquer coisa. O problema aqui não é conseguir ouvir, mas sim conseguir interpretar o que é ouvido. O doente passa a emitir respostas verbais sem sentido, não dando o menor indício de estar entendendo o que lhe falam. Se a lesão for unilateral, a área auditiva secundária do hemisfério não-verbal ainda estará mantida: o doente vai entender a prosódia das frases, e por isso entenderá quando lhe foi feita uma pergunta, por exemplo. Só não saberá respondê-la, pois não entenderá seu sentido. É como um cachorro, que não entende o que lhe é dito mas entende a acentuação do que foi falado (como uma bronca). Como a área de Broca não está comprometida, o doente articula palavras corretas, mas sem contexto nenhum. Se lhe perguntarem sobre o dia da semana, por exemplo, ele poderá responder "adoro baleias golfinhos e tubarões mordem o dia da neve", achando que respondeu corretamente a pergunta que lhe foi feita. A afasia de condução acontece pela lesão no feixe de fibras que comunica a área de Wernicke, no lobo temporal, com a área de Broca, no lobo frontal. Este feixe é chamado de feixe arqueado. Os sinais dessa afasia são extremamente sutis: na maioria das vezes o paciente nem se dá conta que a possui. O único problema é a incapacidade de repetir qualquer coisa que lhe seja informado pela via auditiva. O doente pode falar espontaneamente, mas comete erros de repetição e de resposta a comandos verbais (exemplo: se lhe pedem para repetir o que acabou de ser dito em um filme, ele não conseguirá, mesmo que se lembre o que foi). O impacto disso é mínimo, a não ser que a pessoa viva como ator ou algo em que a repetição precisa seja algo importante. Capítulo 12 – O Telencéfalo 12 O Caso Phineas Gage A área pré-frontal, ao que parece, tem um controle inibitório sobre o comportamento, atuando na personalidade da mesma forma que os núcleos da base atuam inibindo os movimentos desnecessários. Essa constatação foi feita a partir do famoso caso Phineas Gage. Phineas Gage foi um doente atendido no século XIX com um quadro de trauma grave: uma barra de metal projetada através de sua cabeça após uma explosão, entrando pela reborda ocular (abaixo do olho) e emergindo pelo osso frontal do crânio. Phineas sobreviveu ao acidente, mas sua personalidade foi completamente alterada. Antes um homem calmo e constante, um "operário- padrão", passou a ser completamente desinibido, tornando-se impaciente, rude e irreverente, tendo crises de descontrole e raiva. Após o caso de Phineas Gage, vários estudos foram feitos com a constatação de que a área pré-frontal tem influência direta sobre a personalidade de um indivíduo, sobre a forma como se insere em seu meio, seu contexto social e cultural, sua época. É provavelmente o principal "inibidor de impulsos", como se fosse o gerador do superego descrito por Freud. Todas essas conclusões, entretanto, são ainda incertas. Há muito a se estudar sobre o funcionamento das áreas primárias e secundárias do córtex cerebral – o que dirá o das áreas terciárias! "Se 5 bilhões de pessoas acreditam em uma coisa estúpida, essa coisa continua sendo estúpida." — Anatole France, escritor francês do século XIX. Referências 1. Kandel ER, Schwartz JH, Jessel TM. Princípios da Neurociência. 4th ed. Barueri: Manole; 2003. 2. Lent R. Cem Bilhões de Neurônios. 1st ed. São Paulo: Atheneu; 2005 3. Machado ABM. Neuroanatomia Funcional. 2nd ed. São Paulo:Atheneu; 2006. 4. Rubin M, Safdieh JE. Netter Neuroanatomia Essencial. 1st ed. Rio de Janeiro: Elsevier; 2008. 5. Bear MF, Connors BW, Paradiso MA. Neurociências: Desvendando o Sistema Nervoso. 3rd ed. Porto Alegre: Artmed; 2008. 6. Haines DE. Neurociência Fundamental. 3rd ed. São Paulo: Elsevier; 2006.
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