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Pro-posições,v. 12,n. 2-3(35-36).jul.-nov.2001 Seisperguntassobrea questãoda inclusãoou de como acabar de umavezportodascom as velhas- e novas- fronteirasemeducação! Cor/os Sk/íar2 Resumo: O presenteartigotemcomoobjetivocolocarsobsuspeitaos conceitos de"inclusão"ede"escolainclusiva",atravésdeumaanáliseepistemológica,polí- tica e pedagógica.Com esseobjetivo, se discutemos váriossentidosem que podemser lidas as mudançasem educaçãoe se colocam algumasperguntas relacionadascom a promessaintegradorado neoliberalismo,o problema de formaçãodeprofessoreseasrepresentaçõesimplícitassobreaalteridadedeficiente naspráticase nos discursos"inclusivos". Palavras-chave: Exclusão/inclusão;Escolainclusiva;Mudançaseducacionais; Alteridade. Summary: The presentwork focus on the problemof inclusion through an epistemological,political and pedagogicalview. I discussedthe differentsenses in which changesin educationare intendedand makea few questionsabout integrationpromise, teachingformation processand implicit representations about the other disabledin practicesand discoursesabout inclusion. Key-words: Exclusion/inclusion; Mainstreamschool; Educational changes; Otheress. Asperguntasque incluonesteartigomeforamfeitaspelaequipecoordenadaporSarai Schmidtparao JornalNHna escolaemabrilde 2000.Nessemomentoo professorClaudio Baptistae eurespondemosasperguntasparaumaediçãoespecialdenominadaInclusão ouExclusão?Agradeçoao jornalmencionadopelaautorizaçãoparareproduziralgumas dessasperguntas.Esclareço,porém.queostextosdas respostasnão sãoosmesmosque utilizadosnaquelemomento. Professordo Programade Pós-graduaçãoemEducaçãoda UniversidadeFederalde Rio Grandedo Sul.Coordenadordo Núcleode PesquisasemPolíticasEducacionaisparaSur- dos.CoordenadordeEducaçãoEspecialdaSecretariadeEducaçãoda Prefeiturade Porto Alegre. 11 Pro-posições,v. 12,n.2-3(35-36),jul.-nov.2001 o problemadossentidosdasmudançasemeducação Gostarianesteartigoapresentarumconjuntodequestões,dúvidas,incertezas e discussões,sobreo problemaepistemológico,político e pedagógicodaquilo que têm sido chamadode "inclusão" ou "escolainclusiva". O conjunto de problemasaqui levantadonão pretendeesgotarasváriasdimensõesimplicadas na discussãocultural, lingüística,sociale educativadois significadolsde uma educaçãopara todos. Parece-meque uma primeiraabordagemdestaquestãodeveriaconsiderar ols sentidolsdo quesecompreendecomomudançasemeducação.Seo queestá em jogo hoje, sobretudo, é a compreensãode que a "inclusão",a "escolain- clusiva"constituiu-secomomudança,énecessárioentãocomeçaranossareflexão acercadois sentidols implicadosna idéia mesmade mudança/sem educação. É possívelpensarquena atualidadetemos,centralmente,quatrodimensões de entendimentosobre o que significam as mudançasem educação.Ainda sabendoque essadescriçãopoderiaserlida c,omoum didaticismo,as mudanças educativasdevemser traduzidas/interpretadas/lidasem termosde a) Mudançastextuaise/ou legais.Existea idéiamaisou menosgeneralizada de quetodamudançaemeducaçãodevetercomoponto de partidauma mudançanos textosoficiaise nasleis e decretosque regulamos acon- tecimentoseducativosinstitucionais.Neste sentido,quandose fala da mudançada escolaexcludenteparaumaescolainclusiva,considera-sea declaraçãode Salamancaou a Lei de DiretrizesBásicasou, segundoo país em questão,todo documentooficial que deveser consideradoo fundamentoprincipalparaais mudanças.Semquererignorara impor- tânciada produçãotécnicadassecretariasde educaçãoe/ou dos orga- nismosinternacionais,soudaopiniãoqueasmudançastextuaispoderiam ser mais bem entendidascomo pontosde chegadadas transformações pedagógicase não como pontosde partida.Como pontosde chegada, elasnecessariamentedeverãoincluir no seudiscursoas traduçõesque realizamos professores,sindicatos,pais e todosos sujeitosenvolvidos. Assim, os sujeitos da educação- professores,alunos, pais, funcionários, etc. - não são simplesmenteoperáriosdasmudançase sim produtores delas. Em outras palavras,a mudançatextualgeralmenteexclui aos movimentossociaiseducativosquedãovida à vidada escola. b) Mudançasde código. É tambémhabitualnasconcepçõespedagógicas atuais,considerarque ais mudança/sdevemnão apenasiniciar através de umamudançatextual,senãomedianteumatransformaçãodecódigos pedagógicostaiscomoo currículoescolar,os programasna formaçãode 12 Pro-poslções.v. 12.n. 2-3(35-36).jul.-nov.2001 professores,a mudançadesdea horizontalidadeparaa transversalidade didática,entreoutrosc6digos.Ao igualque no itemanteriorparece-me quea questãoda/smudança/sassimentendidas,subordinao significado da Educaçãoao de laborat6riopedag6gico,aondeprofessores,alunos, paise comunidadeseconstituemapenaseminstrumentosao serviçodas mudançase aondesurgecom particularênfaseo papeldo especialista como agenteessencialda/smudanças. c) Mudançasdasrepresentações3.Seo queresultaparticularmentecrucialna mudançade um paradigmaé a críticae a implosãodosparadigmascon- temporâneos,o queestáverdadeiramenteemjogo nãoéo textoou oscó- digosda educaçãoe sim, por um lado,os mecanismosde representação que circulam ao redor de um modelode sujeitos,de uma perspectiva sobrea funçãoda escolae de um significadoqueprevalecesobrequais sãoasfunçõesdosprofessoresnoprocessoeducativo.As mudanças,então, devem-seorientar a colocarsob suspeitatais representações,a criticá- Ias, a fazerdelaso princípio do questionamentodos paradigmascon- testados;em outros termos,se as mudançasnão revelamcom cruezao statuquo das representaçõese significadospolíticos em educação,as dimensõestextuaise de códigopermanecemnum plano superficial,na ordem dos discursos técnicos, numa direção que não mexe com os discursose aspráticashegemônicasem educação. d) Mudanças das identidades.Por outro lado, toda/s ais mudança/sem educaçãodeve/m envolver a questãoda/s identidade/s. Refiro-me, especificamente,às identidadesdos professores,dasescolase, ao mesmo tempo,às identidadesdos sujeitosque sãoobjetoda/s mudança/s. É claroqueconsideroqueestasdimensõesquetenhoapresentadosãoinsu- ficientese que se requerum maior aprofundamento.Mas resultaevidenteque o quadro deveriaser invertido, quer dizer, que ais mudança/sem educação começa/mcom ais mudança/snasidentidadese nasrepresentaçõese podem,ou não,alterarprofundamenteo textoe os c6digoseducativos.Pensaro contrário, querdizer, esperarque mudançastextuaise de código mudarãonaturalmente as representaçõese as identidadeseducacionais,é negarou esquecera obscura históriadas reformaseducativasna AméricaLatina nasúltimasdécadas. Utilizorepresentaçõesnãocomoinformaçõesou como "aquiloque realmentepensamos sobreumfato.umacontecimentoouumsujeito'.Trabalhoo problemadasrepresentações a partirdo sentidoque dão a estetermoosEstudosCulturais.porexemploK.Woodward (1997):sãopráticasde significaçãoe sistemassimbólicosatravésdosquaisseproduzem sentidose nosposicionamcomosujeitos. 13 Pro-posições.v. 12.n. 2-3(35-36).jul.-nov.2001 o problemadarelaçãoentreexclusão/inclusão Existea tendênciaa entenderos processosde inclusão/exclusãoa partir das relaçõesexclusivamenteeconômicase sociais.Explica-seque atravésdas trans- formaçõesno mundo do trabalhoe do surgimentoda automação,por exemplo, estariamocorrendomudançasnasrelaçõesde produção,nasquaisasrelaçõesde dominaçãoe exploraçãonãoseriammaisaspredominantes,massim, aspessoas estariamsendoexcluídasdo trabalhoe da produção. Podemosperceberqueaperspectivaapartirdaqualessastendênciasanalisam a exclusãoé preponderantementehistórica-econômica,levandoa entendera exclusãoa partir do fato de não ter trabalho- estardesempregado,e assim, ligandoa exclusãoà pobreza. Uma dasproblematizaçõesdestaformade entendimentoseriaperceber,na atualidade,exclusõesqueestãofora destaformadeanalise.A exclusãode grupos étnicos,de gruposhomossexuais,da alteridadedeficiente4,entreoutros,não se sustentaa partir destaanáliseeconômica,enfatizando-se,então,aspectospsico- sociaisda exclusão. Quandonos referimosà relação,ou às relaçõesentre inclusão/exclusão, facilmentenos vem à mentea idéia de um espaço,e de estardentro ou fora desteespaço,de estar de um lado ou de outro de uma suposta fronteira. Estabeleceros limites destafronteira é, no mínimo, uma tarefacomplicada, pois as fronteirasda exclusãoaparecem,desapareceme voltam a aparecer,se multiplicam,se disfarçam;seuslimitesse ampliam,mudamde cor, de corpo, de nomee de linguagem. Em todasasdefiniçõese indefiniçõessobreinclusão/exclusãoaparecesempre a idéia de que se trata de uma propriedadeou carênciado indivíduo, de ser possuidorou nãodealgunsdosatributosfundamentaisconsideradosnecessários paraa escolarização,a profissionalização,a inserçãono mercadode trabalho, etc.Os documentosoficiaistraduzemmuitasvezesas relaçõesentreinclusãoe exclusãoem termosde irresponsabilidade/responsabilidadeindividual e não como um processocultural, sociale relacional. Quando se pensaem inclusão/exclusãoem sociedadescontemporâneas complexascomo as nossas,as múltiplasinserçõesde cadaindivíduo no corpo A formade denominaçãoqueassumonestetrabalho(alterldadedeficiente)podesercon- sideradacomopoliticamenteincorreta.porémformapartedo problemadossignificados políticos.Ao mencionardeficientes.deficiência.outrosdeficientes.alteridadedeficiente. etc.nãoestoumereferindoaossujeitosindividuais.concretos.senãoa umarepresentação bastantedifundidae hegemônica:o modelobiológicoda deficiência(Franklin.1997).As sucessivasmudançasde nomesnesteterritórioeducacionaisnãosãonovase muitomenos ingênuas:supOemumapretendidaposiçãopoliticamentecorreta.queconsisteemsugeriro usode eufemismosparanomeara estese outrosgrupos. 14 Pro-posiçOes,v. 12,n.2-3(35-36),jul.-nov.2001 socialfazemcom queeleou elapossaser incluído por algumascondiçõese, ao mesmotempo,excluídospor outras. As perguntas... Querelaçõespoderiamserfeitasentreosdiscursossobrea inclusão, presentesnaspolíticaspúblicaspara a educação brasileira,e dis- cursosde naturezaeconômica? Emoutrostermos,quaisseriamos nexosentreinclusãoe neoliberalismo? Em nossoséculo,o neoliberalismotemsubsidiadoo discursointegracionista A lógicaneoliberalpodesercaracterizada,comoumanovapedagogiadeexclusão e de inclusão(Gentili, 1996)que instalamaisumaveza perversãoda idéiade existênciade uma fronteira, que separahipotético excluído de hipotéticos incluídos, de acordo com sua capacidadeou incapacidade individual de permanecerdentroou fora das instituições,de seusaber,poder,ter,ser,etc. O neoliberalismotem produzido um tipo de subjetividade,entre outras, quefazcom queos sujeitossevejampermanentementelocalizadosemdiscursos e práticasde exclusão/inclusão.Estasubjetividadegeraa idéiade que ninguém temdireitodedesistirdaaldeiaglobal,ninguémpodeviveremsupostasmargens ou periferias.Em outras palavras:ninguémpode negar-sea estardentro do mundo globalizado,ainda que sejade uma forma incompleta,ineficienteou deficiente. O neoliberalismotem criado uma hipotéticaoposição,senãouma estreita relação,que coloca a exclusãoe a inclusãodentroda mesmalógicaperversa. Assim, a inclusão- tal como ela tem sido colocadacomo condiçãoquaseque existencialparatodosas ordensda vida - constituiuma estratégiade controle dosexcluídos(Foucault,1999);a inclusãoé uma formade disciplinamentoda alteridade,dos outros,dessesoutrosque sãoparao neoliberalismo,sempre,os mesmosoutros. Como é queisto serelacionacomo discursoe aspráticaseducacionais?Por um lado, traçandonovasfronteirasde exclusão/inclusão,atravésdo privilégio dadoà escolacomoúnico contextopossívelde educaçãoe reduzindoo processo educacionalà criaçãode futuros reprodutoresde domínio de conhecimentos tecnológicos;por outro lado, medianteuma estratégiade fragmentaçãoe de desautorizaçãosobredeterminadascomunidades,paraqueelasnão possamde- batere/ouconstruirassuasprópriasdimensõespedagógicas.Em outraspalavras: é a ideologiada atribuiçãodas responsabilidadesde exclusão/inclusãoao indi- víduo, é ele quempossuinaturalmenteo caráterdo excluído/incluídoe quem 15 Pro-posiçoes.v. 12.n. 2-3(35-36).jul.-nov.2001 deveresolveremqual local da fronteiradesejaviver.Esteprocessoacontecesem que as diferençase as identidadesdescentradasda hegemonia,constituídas histórica,sociale culturalmente,sejamreconhecidaspoliticamente.Não sepode deixarde mencionar,alémdo já comentado,quea educaçãotemsido pensada, a partir do neoliberalismo,desdeuma perspectivaempresariale, em função disto,no casoespecíficoda educaçãoespecial,pode-seentenderqueexistauma estratégia,não muito bem raciocinada,de reduçãodos custosem relaçãoaos benefícios.Assim pens~do,é óbvio que a educaçãoespecial,ao manterum paradigmadominantedadeficiênciaedamedicalização,requerde investimentos que,na lógicado capitalhumano,não retomamem termosde ganâncias. Que tipo de racionalidadesustentaas políticasde inclusão? As práticas, os discursos e as políticas de inclusão têm como tipo de racionalidadesubjacenteo quesepoderiachamarostrêsmitossobreadiversidade (Dutchazkye Skliar,2000):o mito dois outro/s comofonte de todosos males - nestecasoos deficientescomoculpáveisda suadeficiência,ou os professores que nãosabem,não querematendé-Ios-, o mito dos sujeitoscomo membros plenos de uma cultura - a idéia da igualdade,em que todosos membrosde umaculturaavivemdamesmaforma- e o mito datolerânciacomochavepara solucionar todos os conflitos culturais, e portantoeducacionais- temosque respeitar,aceitar,incluir aos outros. A utilização maisdo que reiterativado termo diversidadenestaspolíticas aparecejunto com a noção da igualdade, mascarandoou obscurecendoas diferençasculturais.Desdeumaperspectivase assumeque o que existesãoindivíduoscom deficiências,e não, como no caso dossurdos,sujeitoscomidentidadecomunitária.Poroutroladoestaracionalidade conduza pensarque se tratasimplesmentesobreos melhoresou pioreslugares de escolarizaçãoda alteridadedeficientesemquese percebaum olhar crítico a ambossistemas- regulare/ou especialque seja. Quaissãoasdiferençasentreeducaçãoespeciale educaçãoin- clusiva?Dequesujeitocadaumadelasnosfala? A alteridade deficiente é um exemplo de como o mundo dos outros deficientestem sido permanentementerelacionadoe confundidocom seulugar institucional,e seu lugar institucionalfoi freqüentementepensadoapenasnos termosde inclusão/exclusão(Skliar,1999).A listada alteridadeexcluídaé cada vezmaisextensa,inacabável.A alteridaderesultade uma produçãohistóricae lingüística,da invençãodessesoutrosquenãosomos,emaparência,nósmesmos (Larrosae Perezde Lara, 1999). 16 Pro-posições,v. 12,n. 2-3(35-36),jul.-nov.2001 o sujeitotípicodaeducaçãoespecialéaquelesujeitoincompleto,quedeveser medicalizado,corrigido,disciplinado,curado.O sujeitodaescolainclusivapode ter outrosnomes,podemserutilizadosoutroseufemismosparasernomeado- cornoporexemplo,comnecessidadeseducativasespeciais- porémexistemasmesmas dúvidassepordetrásdasdiferentesformasdenomearaalteridade,existerealmente urnamudançadeconcepçãooudelocaldoissujeito/s.O problemanãoéoconsenso dosespecialistas,ou a faltade consenso,sobreasnecessidadesdosoutros,senão qualéo significadodessasnecessidadesparaaprópriaalteridadedeficiente. É claroqueaescolainclusivafaladosdeficientescornosujeitosdaescolaregu- lar,dentrodeurnaperspectivanãoigualmenteclarado significadodaescolapara todos.Porém,sea escolaregularcolocacornorequisitodaescolarizaçãoo sujeito deixardeserdeficienteparasercornoosoutros,essessujeitosvoltammaisurnavez aserincluídosnalógicadadeficiência.O casodossurdosparece-mecrucialneste sentido:tantoem boa partedasescolasespeciaisquantonasescolasregulareso surdotemqueabandonarasuaexperiênciavisual,a sualínguadesinais,paraser cornoosoutros.Assim,o sujeitocontinuasendopercebidodamesmaforma.Con- tinuasendoum outrodeficienteauditivo. Entretanto,secontinuamreproduzindodois problemasmuito sérios:deum lado,a alteridade,naescolainclusiva,permanecequasesempreno planotextual! curricular:fala-sedeele,eleérespeitado,eleéurnatemáticaaserabordada;porémnãoé sujeitodapedagogia.Os professorese alunosaprendemdele,sobreele,ao redordele;fazem-semaissolidários,maissensíveise maistolerantesaoproblema daalteridade.De outro lado,a escolainclusiva,parecemaisum novoenfoqueda educaçãoespecialenãodaeducaçãonogeral.O movimentoaconteceparaaescola regulare nãodesdea escolaregular.Assimsendo,aindanãopodeserconsiderado umarevoluçãoou um câmbiode paradigmapois elanãoconseguerealizarurna avaliaçãosuficientementecríticadosseusdiscursosedassuaspráticasinstitucionais. A alteridadedeficientecontinuasendorepresentadacornobonecose não corno sujeitosdecarneeosso:éo exótico,éo outro,eportanto,sãosujeitosà invenção eàtraduçãodesde/pelaanormalidade. 17 Pro-posições.v. 12.n.2-3(35-36).jul.-nov.2001 Comoficariaa capacitaçãodos/asprofessores/asdentrode umapo- líticade educação inclusiva?Quelequede competênciase saberes deveriasustentara práticade professores/asem umasalade aula com,porexemplocegos/as,surdos/as,portadores/asdesíndromede Down,autistas;cada umdelesnãosupõecompetênciasespecíficas porpartedos/asprofessores/as? "Osprofessoresfrustram-se,preocupam-se,acomodam-seouresistemdevariadas formas.Em relaçãoa eles,os meiosde comunicaçãocomojornal e televisãosão bastanteatentos,masalternamos ângulosde análise:ora denunciamos baixos saláriose a faltade recursosmateriaisparao trabalhona escola;ora focalizamo despreparoe a incompetênciadosprofessores,sem,no entanto,estabelecerentre elese os condicionantesmaisfortesda realidadeeducacionala menorrelação." (SouzaeGóes, 1999,p. 166) Devemos"aqui considerarqueo professoré o produto,ele mesmo,de um ritual de escolarizaçãosemqualidade".Assim, análisesfeitassemum aprofun- damentonos condicionanteseconômicose políticos, "transformamo professor emalvofácile confortável"paraascríticas,"isentandoderesponsabilidadeo sis- tema,e colaborandoparasuaperpetuação".(Souzae Góes, 1999,p. 167) Como já tenhocomentadoantesnão existereformaeducacionalnenhuma semmediar uma mudançaradical no processode formaçãode professorese junto aosprofessores.Porém,nãosetratade umaformaçãona quala alteridade deficienteé descrita,mais uma vez,em termosdo exótico,do patológico,de umacaracterizaçãoe delimitaçãodassupostasperturbaçõese/ou limitaçõesque elespossuem. Nestesentido,consideroquea formaçãodosprofessores- tantodeeducação especial,como de educaçãoregular- deveser feitana direçãode uma imersão do professore da comunidadeescolarno mundoda alteridadee umamudança radical,já apontadaanteriormente,nasrepresentaçõespolíticase culturaissobre essessujeitos.Seissonãoacontecerpodeocorrer,comodefatojá ocorre,queos mesmosdiscursose asmesmasrepresentaçõescriticadase atribuídasà educação especialatravessemlivrementeparao mundo da escolaregular;isto é: que a deficiência,como retóricasocial,continuesendodeficiênciana retóricaescolar. Em funçãodisto, não concordoemque o professordeve-seprepararmaisuma vez,comoum especialistaparacadaumadasdeficiências,e sim quesetemque formarcomo um agenteculturalque estáalertaa nãoserele/elamesmo/aum reprodutor"inocente"e "ingênuo"de fronteirasde exclusão/inclusão. 18 Pro-posiçôes,v. 12,n. 2-3(35-36).jul.-nov.2001 Quaissãoosefeitosdestaspolíticaseducacionaisditasinclusivasso- breos/asalunos/as? Na AméricaLatina, a partir da Declaraçãode Salamanca,é cadavez mais freqüentea idéia da inclusãoda alteridadedeficientena escolaregular.Através dosdocumentosoficiais,o discursodaescolainclusivapareceoperar,pelomenos, emdois níveisdiferenciados:por um lado,um nível supostamenteprogressista, a partirdo qual sedenunciamasformasterríveise temíveisde discriminaçãoe exclusãodasescolasespeciais;descrevem-seas práticaspedagógicasabsurdas- ao menos agora assim consideradas-; menciona-seo direito dos sujeitos deficientesde assistiràsaulasnasescolaspúblicasjunto comasdemaiscrianças; fala-seda obrigação da escolapública de aceitar,conter e trabalharcom a diversidade,etc.Estamos,em aparência,frentea um discursoprogressista,pois a escolainclusivapoderiasertambémumadenúnciasobreaspráticasaberrantes, beneficentese caridosasda educaçãoespecialmais tradicional e retrógrada. Porém,tambémestamosfrentea um discursototalitário,pois muitasvezesse propõeumainclusãosemcondições,paratodose cadaum dossujeitos,sempre deficientes,semperceberos efeitosespecíficosem cadacasoe, sobretudo,sem debatera éticado processojunto com asassociaçõese gruposque compõema alteridadedeficientee suasfamílias. Além disso,os valorese as normaspraticadassobreas deficiênciasformam partede um discursohistoricamenteconstruídoatravésde diferentessaberese excluindo-seoutros, na qual a deficiêncianão é simplesmenteum objeto, um fatonatural,umafatalidade.Essediscurso,assimconstruído,nãoafetasomente as pessoascom deficiência:regulatambémas vidas daspessoasconsideradas normais.Deficiência e normalidade,em conseqüência,formam parte de um sistemade representaçõese de significaçõespolíticas; formam parte de uma mesmamatrizde poder (Tadeuda Silva, 1998). Por outro lado, é de sepensarquemuitasvezesa inclusãoé compreendida, simplesmente,comoum processoquesirvaàsocializaçãodaalteridadedeficiente - que é supostacomo excluída,separada,guetizada,etc.- na escolaregular.É nestesentido que freqüentementeaconteceaquilo que pode ser chamadode inclusãoexcludenteou de integraçãosocialperversa,isto é,a ilusãodesercomo os demais,o parecercomo os demais,o que resultanumapressãoetnocêntrica de ter queser,forçosamente,como os demais. 19 Pro-posiçOes,v. 12,n. 2-3 (35-36).jul.-nov.2001 Muitascampanhasde educação inclusivajustificam-sepeloviésda tolerância.Nestaperspectiva,o profissionalismoouasreaise específi- casnecessidadesdestes/asalunos/asestãocolocadasemsegundo plano? A escolainclusivatemabusadodasnoçõesderespeitoaceitação,solidariedade e tolerânciaparacomos outros,chamadosos diversos,a diversidade.Temosque nos interrogarprincipalmentesobrea políticada tolerância,colocandoa ênfase nasambigüidadesdos diferentesregimesde tolerânciaque a humanidadetem construído. Numa espéciede sumase restas,a história da tolerânciatem-se deslocadodesdeo privilégio do indivíduo em detrimentodo reconhecimento dos gruposou, inversamente,aquilo que é de toleraré o grupo, deixandosem resolvera questãoda/s liberdade/sindividuais. A EscolaInclusivaé entendidacomoum espaçode consenso,de tolerância paracomosdiferentes.A experiênciaescolarcotidiana,aoladodoscolegasnor- maisseriaassim,vistacomoelementointegrador.É comoseparaessesalunosfosse maisimportantea convivênciacomoscolegasnormaisdo queaprópriaaquisição do conhecimentomínimo necessárioparasuapossibilidadede inserçãosocial. Oferece-seo mesmoespaçoescolar,a mesmaescolaparatodasascriançascomose issofossesuficienteou o mesmoqueoferecerigualdadede condiçõesde acesso aossaberes.Não há um reconhecimentopolítico dasdiferenças,massim uma meraaceitaçãodapluralidade,semquesepercadevistaa normaideal. Um dosargumentosquefundamaspropostasde inclusãodo sujeitocom a alteridadedeficienteno ensinocomum"éo maiorcomprometimentodo sistema oficial com a educaçãode todos(quandoo quesenota,naverdade,é um recuo do Estadoemrelaçãoàssuasobrigações)(...).A idéiadeescolapara todoscomeça a ser concretizadacom a aberturade suasportas para receberos excluídos, mantendo-se,porém, em essência,as mesmase precáriascondiçõesoferecidas aosquejá estavamsupostamenteincluídos."(SouzaeGóes,1999,163-164) A escolainclusivaparecefocalizaro respeitoe a tolerânciasobreaquilo que estáfOrasemespecificarascondiçõesexistenciaisde aquiloqueseráestardentro. Dessemodo,consideroquea escolainclusivaé outradasinvençõesfeitasdesde a normalidade,émaisumavezum falar,julgar,sentir,perceberpelosoutros,sem que essesoutrostenham,alémdo local da suaescolarização,uma/snarrativa/s própria/s.Paramaisalémdasdivergênciasem relaçãoao significadoque possa ter a inclusão/exclusãodestessujeitos,é importanteestarmosatentossobrea intençãode reduziressecomplexoe multifacetárioprocessoa uma experiência escolar,aocontatoe proximidadefísica dasdiferençascom aqueleschamados normais,no contextoda salade aula.A inclusão/exclusãoé assimcaracterizada como maisuma fronteira institucional. 20 Pro-posições,v. 12,n. 2-3(35-36),jul.-nov.2001 Referênciasbibliográficas Dutchazky,S.; Skliar,C. La diversidadbajosospecha.Reflexionessobrelosdiscursos deIadiversidady susimplicanciaseducativas.CuadernodePedagogía,Rosario: afio4, n. 7, p. 33-54,2000. Foucault,M. LesAnormaux.Paris:Seuil/Gallimard,1999. Franklin,B. 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