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TUTELA DOS INTERESSES E DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS – Prof. Antonio Rodrigues do Nascimento 1. LEGITIMIDADE PARA AGIR (legitimidade ad causam) A jurisdição é inerte e o Estado, que detém a função jurisdicional, somente irá movimentar o aparelho judiciário se preenchidas, previamente, as condições da ação. O Estado, antes de pronunciar-se sobre o mérito da questão, verificará, em tese, se é possível essa manifestação. Dentre as condições exigidas, a ação deverá apresentar, como requisito para sua validade, a legitimidade para agir. Isto significa que a parte faz a afirmação de que é titular de um direito que merece ser tutelado, posto que lesionado ou sob ameaça de lesão e o juiz verificará se o autor é titular do direito. A legitimidade para agir investiga o elemento subjetivo da demanda – os sujeitos da ação ou a titularidade ativa e passiva. Dentro da extensa classificação da legitimidade ad causam, distingue-se, dentre outras, duas situações: - legitimação ordinária: ocorre quando alguém ingressa em juízo procurando obter tutela para um direito próprio, neste caso, há coincidência entre as figuras das partes do processo com os sujeitos da relação jurídica levada a juízo; - legitimação extraordinária: ocorre quando alguém defende em nome próprio direito alheio, neste caso, as partes do processo não são, exatamente, os titulares da relação jurídica, por isto, diz-se legitimação anômala ou substituição processual. A legitimação extraordinária possui requisitos que devem ser preenchidos para seu exercício: - deve ter caráter excepcional e deve estar autorizada por lei, conforme o art.6° do Código de Processo Civil; - o legitimado extraordinário ou substituto processual é parte no processo e fica submetido ao regime jurídico do sujeito processual; - a substituição processual pode ocorrer em qualquer dos polos (ativo/passivo); - a coisa julgada alcança apenas o patrimônio do substituído, embora o substituto fique submetido ao que foi decidido; - o substituto processual não tem poderes de disposição do direito material discutido. 2. INTERESSE NECESSIDADE: USO DA VIA JURISDICIONAL Ao provocar o Estado por meio de uma ação coletiva lato sensu, o legitimado acredita que a proteção ao interesse transindividual em jogo somente será obtida através do ajuizamento da demanda. Assim, o Poder Judiciário é chamado a intervir para solucionar uma questão que diz respeito a interesses de uma pluralidade de titulares e que exige uma intervenção estatal pronta e efetiva. TUTELA DOS INTERESSES E DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS – Prof. Antonio Rodrigues do Nascimento Em ações coletivas para defesa de interesses transindividuais, há duas classes de interessados: aquele cujo interesse de agir é presumido e os demais, que devem demonstrar em concreto essa condição. Quantos aos demais legitimados para o polo ativo da ação civil pública, é necessário demonstrar que têm interesse de agir, que há interesse público emanado de questão social de relevância reconhecida, que justifique suas atuações. 3. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL NOS INTERESSES E DIREITOS TRANSINDIVIDUAIS O texto da Lei 7.347/85 (Lei da Ação Civil Pública), que disciplina a ação coletiva para tornar efetiva a responsabilidade por danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, dispõe que: “Art. 5º. Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007 - Vide Lei nº 13.105, de 2015 – Novo CPC) I - o Ministério Público; (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007). II - a Defensoria Pública; (Redação dada pela Lei nº 11.448, de 2007). III - a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios; (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007). IV - a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista; (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007). V - a associação que, concomitantemente: (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007). a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil; (Incluído pela Lei nº 11.448, de 2007). b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. (Redação dada pela Lei nº 13.004, de 2014) § 1º O Ministério Público, se não intervier no processo como parte, atuará obrigatoriamente como fiscal da lei. § 2º Fica facultado ao Poder Público e a outras associações legitimadas nos termos deste artigo habilitar-se como litisconsortes de qualquer das partes. § 3° Em caso de desistência infundada ou abandono da ação por associação legitimada, o Ministério Público ou outro legitimado assumirá a titularidade ativa. (Redação dada pela Lei nº 8.078, de 1990) § 4.° O requisito da pré-constituição poderá ser dispensado pelo juiz, quando haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido. (Incluído pela Lei nª 8.078, de 11.9.1990) § 5.° Admitir-se-á o litisconsórcio facultativo entre os Ministérios Públicos da União, do Distrito Federal e dos Estados na defesa dos interesses e direitos de que cuida esta lei. (Incluído pela Lei nª 8.078, de 11.9.1990) (Vide Mensagem de veto) § 6° Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial. (Incluído pela Lei nª 8.078, de 11.9.1990) (Vide Mensagem de veto) Art. 6º Qualquer pessoa poderá e o servidor público deverá provocar a iniciativa do Ministério Público, ministrando-lhe informações sobre fatos que constituam objeto da ação civil e indicando-lhe os elementos de convicção. TUTELA DOS INTERESSES E DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS – Prof. Antonio Rodrigues do Nascimento Art. 7º Se, no exercício de suas funções, os juízes e tribunais tiverem conhecimento de fatos que possam ensejar a propositura da ação civil, remeterão peças ao Ministério Público para as providências cabíveis. a) Legitimidade concorrrente A legitimidade para a defesa dos interesses transindividuais (difusos, coletivos e individuais homogêneos) é concorrente e cada legitimado tem autonomia para atuar, sem a participação dos outros co-legitimados. Essa condição é importante para a efetividade da defesa dos interesses transindividuais, pois, a legitimação ordinária seria impraticável, uma vez que deixaria a cada lesado o ônus de provocar o Estado e, ainda que se admita essa improvável hipótese, haveria risco de ocorrerem decisões contraditórias para aqueles que fossem a juízo, gerando insegurança, insatisfação e prejuízos. b) Legitimação ordinária, extraordinária ou autônoma Como o direito material discutido nos autos de ação civil pública é indivisível, implica que a decisão é única ou homogênea para os litisconsortes, embora a formação do litisconsórcio seja facultativo pelo texto legal, assim, em ação civil pública, o litisconsórcio é unitário e facultativo. Essa classificação não é usual, pois, em obediência ao princípio do contraditório, se o direito material é indivisível, todos os titulares devem estar na relação jurídica processual. A propósito deste assunto, o litisconsórcio poderá ser inicial ou ulterior, apenas o litisconsorte receberá o processo “no estado em que se encontra”, não podendo realizar as etapas já alcançadas pela preclusão. A partir do texto da Lei deAção Civil Pública, a natureza jurídica da legitimidade ativa para a propositura de ações coletivas tem sido debatida por vários doutrinadores, sendo três os posicionamentos, relativamente ao art. 5º: - A legitimidade ativa seria de natureza ordinária, pois, todos os legitimados atuam em nome de interesses de sociedade ou grupo, categoria ou classe de pessoas e também, em nome próprio, em cumprimento de função institucional; por ex. o Ministério Público ao tutelar o meio ambiente. - A legitimidade ativa seria de natureza extraordinária, pois, os interesses transindividuais têm como titular toda a coletividade, e os legitimados não seriam os titulares do interesse em juízo; por ex. o Ministério Público em ação de regularização de parcelamento irregular do solo. - A legitimidade ativa não seria nem ordinária, nem extraordinária e sim, autônoma e, portanto, diferente da classificação tradicional, pois, tutela interesses indivisíveis e de titularidade indeterminada, daí porque exige legislação específica, como a Lei 7.347/85. Apesar do debate doutrinário, a questão parece se enquadrar na previsão do CPC, assim, os legitimados para a ação coletiva são substitutos processuais e defendem em nome próprio, em juízo, por expressa autorização legal, direito alheio. c) Representatividade adequada e pertinência temática O caput do art. 5º da Lei de Ação Civil Pública lista o rol de legitimados para ajuizamento de ação coletiva em defesa de interesses transindividuais e verifica-se que houve uma ampliação na lista dos legitimados. Alguns dos TUTELA DOS INTERESSES E DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS – Prof. Antonio Rodrigues do Nascimento legitimados precisam demonstrar que possuem a condição de “representatividade adequada”: as associações civis e os órgãos públicos. Para as associações exige-se sua “pré-constituição há mais de um ano” e para os órgãos públicos exige-se a “pertinência temática”. A partir do art. 129 da Constituição Federal, fica explicito que o Ministério Público tem como função institucional promover a “proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos”, além disso, o art. 499, § 2º do Código de Processo Civil, determina que cabe recurso do Ministério Público nos processos em que atuou como parte e nos processos em que oficiou como fiscal da lei. Diante dessa total previsão constitucional e legal, é de se presumir que o Ministério Público sempre tem interesse de agir quando estão em juízo interesses difusos e coletivos. O interesse do Ministério Público é balizado pela indisponibilidade do interesse ou do direito que exige proteção, considerando que este órgão está voltado, desde sua gênese, para a defesa da coletividade. O reconhecimento do interesse público ou social está na lei e obriga a atuação do Ministério Público, assim, a única hipótese em que seria admissível a recusa da atuação ministerial, ainda que exigida por lei, seria se a norma infraconstitucional atribuísse ao órgão ministerial algo que estivesse em desacordo com as suas finalidades institucionais determinadas pela Constituição Federal. Desse modo, o interesse de agir do Ministério Público é presumido, posto que, está expresso no ordenamento jurídico. A associação terá legitimidade se a questão lhe for pertinente. Não é possível que uma entidade associativa que tenha por finalidade, segundo seus estatutos, por exemplo, a proteção ao meio ambiente ponha-se a tutelar interesse atinente à esfera do consumidor, de deficientes, etc. Da mesma forma, a pertinência e os limites da ofensa é que nortearão a legitimidade das fundações, empresas públicas e sociedades de economia mista, em cada caso, diante do que dispuser seus atos constitutivos quanto à finalidade institucional ou seu objeto social.” Hugo Nigro Mazzilli aponta para o caso dos sindicatos e fundações privadas, como também sujeitas à comprovação de mais de um ano de constituídos. Verificando-se que, como o art. 5º da lei de Ação Civil Pública não distinguiu se fundação pública ou privada, a interpretação mais conforme é admitir que as fundações privadas têm legitimidade para propositura de ação civil pública, desde que pré-constituídas há mais de um ano. Também importante é o que dispõe o Art. 5º, § 4º da Lei 7.347/85, que permite ao juiz dispensar o requisito da pré- constituição, desde que “haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou característica do dano, ou pela relevância do bem jurídico a ser protegido.” Já o requisito da pertinência temática não pode ser dispensado pelo juiz e aplica-se: a) às entidades e órgãos da administração pública direta e indireta que deverão demonstrar que estão especificamente destinados à defesa dos interesses transindividuais que são tratados na ação civil pública por eles ajuizada; b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. Cabe ao juiz a verificação da representatividade adequada do legitimado no caso concreto, pois, embora o legislador já tenha decidido, quando enumerou os legitimados no texto da lei, é necessária a existência de um controle específico, posterior e voltado às circunstâncias do caso concreto. TUTELA DOS INTERESSES E DIREITOS DIFUSOS E COLETIVOS – Prof. Antonio Rodrigues do Nascimento A lei não exige representatividade adequada do Ministério Público e das pessoas jurídicas de direito público interno – União, Estado, Municípios e Distrito Federal. Já quanto às autarquias, empresas públicas, fundações ou sociedades de economia mista, haverá controle da pertinência temática quanto a Administração Indireta. Quanto aos órgãos públicos, mesmo que não possuam personalidade jurídica, foram legitimados pelo art. 82, III do CDC para a defesa dos interesses transindividuais e, também estes, à semelhança das associações, somente podem ser representantes adequados para a defesa de interesses para os quais tem destinação específica. Neste caso, essa pertinência não pode ser dispensada pelo juiz, por ser exigência legal, sendo uma forma de associar a vocação do órgão com a representação satisfatória. d) Representatividade adequada da Defensoria Pública Com a introdução da Defensoria Pública no rol de legitimados para a ação civil pública, surgiu a questão de quais requisitos seriam exigidos, ou se este órgão estaria nas mesmas condições do Ministério Público, cuja legitimidade para defesa dos interesses difusos e coletivos é incondicionada. Assim, a atuação da Defensoria Pública nas ações civis públicas orienta-se pelo fundamento de sua missão, ou seja, apenas na defesa dos necessitados. Portanto, não possui a Defensoria Pública legitimação ativa universal para todas as ações civis públicas, mas apenas para aquelas em que esteja evidente a proteção e defesa de direitos dos necessitados. e) Representatividade adequada e pertinência temática das Associações A associação que, concomitantemente, esteja constituída há pelo menos 01 (um) ano, nos termos da lei civil e que inclua, entre suas finalidades institucionais a proteção ao patrimônio público e social, ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência, aos direitos de grupos raciais, étnicos ou religiosos ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico. f) Requisitos de representatividade e pertinência temática como pressupostos processuais Qual é a natureza desses requisitos exigidos, uma vez que não são condições da ação? Trata-se de pressupostos processuais, entendidos como requisitos deexistência ou de validade do processo, segundo Hugo Nigro Mazilli: “Os requisitos de representatividade adequada e pertinência temática são verdadeiros pressupostos processuais, não se confundindo com condições da ação. Uma associação pode estar constituída a menos de um ano e ter interesse processual (o juiz pode dispensar um pressuposto, não uma condição da ação) ou, ao contrário, pode ter finalidade institucional para defender o meio ambiente, mas, em concreto, não ter interesse processual.”
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