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MEI - A guerra de Machiavelli a Clausewitz

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5º Encontro Nacional da ABRI 
Redefinindo a Diplomacia num Mundo em 
Transformação 
29 a 31 de julho de 2015 
PUC Minas 
Belo Horizonte – MG 
Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa 
A TEORIA DA GUERRA DE CLAUSEWITZ: 
ELEMENTOS PARA O ESTUDO DA SEGURANÇA INTERNACIONAL 
Eduardo Mei 
UNESP
1 
 
 
 
Resumo: Embora o general prussiano Carl von Clausewitz seja uma 
referência importante no estudo das relações internacionais, sua obra é 
mais conhecida dos estudiosos dos assuntos militares e dos chamados 
“estudos estratégicos”, sendo ainda pouco conhecida pelos demais 
estudiosos da área. Com a notável exceção de Raymond Aron, poucos 
autores identificados com as Relações Internacionais desenvolveram 
estudos sistemáticos sobre a obra de Clausewitz. Nosso objetivo é 
apresentar alguns elementos da teoria clausewitziana da guerra que 
julgamos essenciais para a melhor compreensão da Segurança 
Internacional. Clausewitz define a guerra como a continuação da 
política com a entremistura de meios violentos. A guerra é, portanto, 
um evento político e isto determina o que Aron denominou “primado 
da política”. Trata-se, é claro, da violência perpetrada por um grupo e 
não por um indivíduo, pois, nesse caso, a definição de guerra seria 
demasiado ampla e inoperante. Como toda guerra opõe vontades em 
conflito, cuja solução pode ser imposta ou negociada, a compreensão 
da guerra depende necessariamente da compreensão da política. Além 
disso, como a guerra ocorre muitas vezes em situações de crise 
política, a compreensão da guerra esclarece a política. Isto ocorre 
porque, como prova de força, a guerra testa as relações políticas em 
geral e os diversos fins e interesses em jogo. A guerra — mormente a 
“grande” guerra — põe em xeque a “dominação” e a “disciplina”. 
(Weber, Economia e Sociedade) Não obstante, interpretações 
reducionistas limitam a definição de política àquela que emana da 
“inteligência personificada do Estado”. As revoluções, entretanto, 
exibem o que as “pequenas” guerras ocultam: que as guerras são a 
continuação da totalidade das relações políticas. Além disso, a 
pluralidade de vontades em jogo projeta-se numa complexa dialética 
de meios e fins que se estende no tempo, de modo que raramente há 
uma convergência duradoura de fins políticos. 
Palavras-Chaves: Segurança Internacional; Clausewitz; Weber; 
Aron; Guerra; Estado; 
2 
 
Os Estudos de Segurança Internacional (ESI) sempre envolveram muita 
polêmica. Como todas as áreas de estudo das Relações Internacionais (RI), os 
ESI estão amplamente influenciados pela hegemonia acadêmica anglo-saxônica. 
Embora tenha havido uma notável evolução na área, o debate ainda é muitas 
vezes desalentador. A “evolução dos estudos de segurança internacional”, por 
exemplo, submetida a um exame atento apresenta um grande avanço cujo ponto 
de partida, entretanto, é bastante recuado. De modo que, no ponto culminante da 
reflexão anglo-saxônica e hegemônica, o debate é pouco inspirador e os 
resultados insatisfatórios.1 A trajetória sinuosa da Escola de Copenhague é 
exemplar a esse respeito (BUZAN e HANSEN, 2012; VILLA e SANTOS, 2010). 
Parte de um “paradigma” realista, propõe um conceito multidimensional de 
segurança que transcende o Estado, aproximando-se do construtivismo de 
Wendt, mas não supera a perspectiva estadocêntrica. O próprio construtivismo 
de Wendt é bastante limitado pela perspectiva realista, com a qual parece emular 
para credenciar-se no chamado “mainstream”. Ao que parece, as limitações 
desse debate encontram-se em equívocos nos fundamentos metodológicos 
dessas teorias. Por conseguinte, antes de discorrermos sobre alguns elementos da 
teoria clausewitziana da guerra que podem contribuir para a compreensão da 
“segurança internacional”, algumas considerações teóricas se fazem necessárias. 
As teorias de RI, desde seus primórdios, sempre tiveram evidentes 
preocupações práticas. “Paz”, “segurança”, “interesse nacional” recorrentemente 
aparecem, ora como objetivo, ora como conceito. A inserção política de 
acadêmicos de RI no aparelho de Estado contribuiu para a promiscuidade entre 
teoria e prática, pois, para uma perspectiva positiva que se considera neutra, a 
prática é inequívoca. Por isso, tais teorias, tendo preocupações práticas 
determinadas, sempre almejaram a confirmação pelos fatos. Um caso exemplar 
 
1 Certamente, as honrosas exceções daqueles que confrontam o pensamento hegemônico e as 
dificuldades de inserção que eles enfrentam corroboram a tendência geral. 
3 
 
dessa tendência é o debate em torno do pós guerra fria: os eventos confirmariam 
ou rechaçariam a hipótese waltziana de que a unipolaridade não poderia 
perdurar? Além disso, a perspectiva positivista embasa a condução política e 
projeta a si mesma no futuro indeterminado, arvorando-se em ciência profética 
ou divinatória, e tornando-se autora do próprio destino (KANT, 1798). Não 
obstante, as bases epistemológicas das quais partem essas teorias incorrem em 
vários problemas. De fato, durante séculos, a trajetória do Sol na abóbada 
celeste corroborava a teoria geocêntrica ptolomaica, sem que essa fosse correta 
em seus fundamentos. Ao que parece, pesam sobre as teorias hegemônicas de 
Relações Internacionais a influência da filosofia analítica e a concepção 
positivista de ciência. De fato, ambas consideram que “há um único modelo de 
ciência, o modelo das ciências da natureza” (ARON, 1973, p. 24; SCHUTZ, 1953, 
p. 71).2 De um modo geral tais abordagens abstraem o elemento humano ou 
subjetivo da análise, crendo que assim serão mais objetivas e científicas. Como 
observa Schutz, 
Isto não modifica o fato de que este tipo de ciência social não 
enfoca de maneira direta e imediata o mundo social da vida, 
comum a todos nós, senão idealizações e formalizações do 
mundo social, hábil e convenientemente escolhidas, que não 
contradigam seus dados. (SCHUTZ, 1960, p. 22)3 
Em decorrência desse pressuposto positivista, omitem-se, portanto, na produção 
acadêmica hegemônica, algumas questões epistemológicas fundamentais. 
Sinteticamente, são as seguintes: Qual a relação entre teoria e realidade? O que é 
possível conhecer? Em que medida o conhecimento é relativo à perspectiva do 
cientista? Quais os limites da “objetividade” do conhecimento almejado? Uma 
“ciência” que não examina seus próprios fundamentos é científica? Tais 
 
2 O ano refere-se não à data da edição utilizada, mas à data da publicação, pois essa é mais 
relevante para o argumento. 
3 Schutz fincou, em 1932, as bases de uma teoria social “construtivista” na obra A construção 
significativa do mundo social. 
4 
 
questões remetem à “disputa dos métodos” travada na Alemanha no último 
quartel do século XIX e primeiras décadas do século XX, às obras de Weber e 
de Aron (WEBER, 1904; ARON, 1938a, 1938b e 1973; MEI, 2009) e 
fundamentam-se na obra crítica de Kant. 
Essas questões envolvem o fato de que a realidade tal como a 
apreendemos é infinita tanto intensiva quanto extensivamente. A perspectiva do 
cientista é, necessariamente, limitada e fragmentária. Como registrou Max 
Weber (1904), 
Todo conhecimento reflexivo da realidade infinita por um 
espírito finito tem por base a pressuposição implícita que apenas 
um fragmento limitado da realidade pode constituir a cada vez o 
objeto de uma apreensão científica e apenas ele é essencial. 
(WEBER, 1904, p. 126) 
Perante a realidade infinita, nossa ciência é, pois, limitada. Na impossibilidade 
de examinar toda a realidade, as ciências histórico-sociais selecionam e 
“recortam” um “objeto” que é fundamentalmente artificial(FREUND, 1965, p. 
58). Todavia, tal procedimento não é de modo algum neutro: a apreensão da 
realidade é sempre influenciada pela perspectiva do observador, leigo ou 
acadêmico, e o recurso a uma teoria qualquer traz consigo os valores e interesses 
subjacentes a ela. Inexistindo pesquisa e divulgação científica sem algum tipo de 
financiamento, grupos de interesse se constituem e concorrem pela hegemonia 
acadêmica. Ao examinar um objeto qualquer, o cientista coloca-se 
inevitavelmente numa perspectiva “interessada”, seja ele consciente disso ou 
não. Disso decorrem duas tendências antagônicas: de um lado, a ineludível 
pluralidade de perspectivas perante a realidade; de outro, o empenho dos 
defensores da ordem em rechaçar ou ocultar essa pluralidade, apresentando-se 
como a única perspectiva correta, isenta, objetiva, científica. Ao apoiar-se no 
modelo das ciências naturais, o positivismo incorre justamente no equívoco de 
5 
 
ignorar tal pluralidade e, ignorando-a, não problematizá-la (MESURE, 1986)4. 
Destarte, podemos considerar que qualquer perspectiva positivista das relações 
internacionais é parcial e ideológica, isto é, tende a considerar-se neutra e a 
filtrar a realidade acriticamente. Paradoxalmente, não é o que a “ciência” 
procura explicar ou compreender que deve exigir mais atenção do cientista, mas 
o que ela oculta e o porquê dessa ocultação. Trata-se, portanto, de desvelar a 
realidade que certo tipo de ciência oculta. A pluralidade de perspectivas 
apresenta, contudo, outro problema: se cada cientista estuda a realidade imbuído 
de seus valores e interesses, como não incorrer no relativismo e mesmo no 
niilismo? (MEI, 2009) 
Diante dessas considerações, podemos traçar uma síntese do surgimento 
dos “estudos de segurança internacional”. Depois de duas guerras mundiais e no 
ambiente bastante belicoso da guerra fria, a “segurança” apresenta-se 
primeiramente como uma preocupação política e, posteriormente, como objeto 
de estudos. Durante a guerra, desenvolve-se o complexo industrial-militar 
estadunidenses — a guerra e a “segurança” era, afinal, um ótimo negócio. Como 
assunto de Estado, a “segurança” envolvia os proclamados “interesses 
nacionais” e era pautada principalmente por militares.5 Como objeto de estudos, 
acompanhava pari passu a agenda política. Além disso, as características do 
ambiente “acadêmico” em que ocorre o debate limitam-lhe os fundamentos e o 
escopo.6 O grupo hegemônico na “academia” atua como um feudo, restringindo 
os parâmetros do debate e impondo uma agenda política e teórica.7 Destarte, 
 
4 Cf. Sylvie MESURE, “De l’antipositivisme à l’antirelativisme. Raymond Aron et le problème 
de la relativité historique”. Paris: Julliard, Commentaire, Automne 1986, volume 9/numéro 
35. pp. 471-478. 
5 O uso das aspas se impõe pelo caráter equívoco de amas expressões. 
6 É eloquente a esse respeito o recente surgimento das teorias feministas de RI. A violência 
sofrida por mulheres e crianças era um tema oculto na área, como se inexistisse ou fosse 
irrelevante. Não obstante, ela é tão antiga quanto disseminada. 
7 Conviria um estudo sociológico dos feudos “acadêmicos”, da sua influência na definição da 
pauta dos periódicos científicos e da sua atuação política. Jean-Louis Martres substitui a 
6 
 
compreende-se a militarização da temática da segurança, a crítica a essa 
militarização, a “multidimencionalização” e posterior restrição do conceito de 
segurança (VILLA e SANTOS, 2010). Todavia, como essa trajetória é percorrida 
com um impulso positivista, o problema crucial da pluralidade de perspectivas 
nem sequer é tematizado, como se um ajuste na teoria permitisse apreender 
fidedignamente a realidade. Substitui-se então o estudo da realidade por um 
debate conceitual, como se os conceitos traduzissem essa realidade, esquecendo-
se que estes são um mero instrumento para a compreensão de um fragmento 
artificialmente construído daquela. Os conceitos não são, pois, tratados como 
tipos-ideais e acabam hipostasiando a realidade, isto é, tornam-se o leito de 
Procrusto em que se incomodam as relações internacionais e “engessam” e 
“esclerosam” aquilo que deveria ser compreendido (WEBER, 1904, p. 144). Ao 
que parece, ainda é válida a consideração que Berger e Luckmann faziam em 
1968, ao observarem que a Sociologia estadunidense tendia a omitir que a 
sociedade é um produto humano: 
Sua perspectiva da sociedade tende, pois, a ser o que Marx 
chamou reificação (Verdinglichung), isto é, uma distorção não 
dialética da realidade social que obscurece o caráter desta última 
como produção humana contínua, considerando-a, ao contrário, 
em categorias coisificadas, apropriadas apenas para o mundo da 
natureza. (BERGER & LUCKMANN, 2003, p. 82, n. 29) 
Daí decorre o bizantino debate conceitual acerca da “Segurança Internacional”.8 
De fato, se não é tematizada a pluralidade de perspectivas existentes no mundo 
social, e com ela a pluralidade de valores e interesses em jogo, a formulação 
teórico-conceitual e as análises empíricas tendem ao dogmatismo, a não 
 
metáfora “feudal” pela religiosa, ao considerar que os teóricos de RI “… ont tendance à agir 
de façon quasi religieuse, comme pourrait le faire un clergé laïc, mettant dans les paradigmes 
la même volonté d’explication ultime que celle procurée par des dogmes religieux.” 
(MARTRES, 2008, pp. 42 e ss., itálicos no original). 
8 Note-se a propósito que as palavras “bipolar” e “multipolar” datam apenas do século XIX e 
pertenciam ao léxico da Biologia. É a guerra fria que propiciará sua aplicação às relações 
internacionais. É duvidoso, além disso, que elas pudessem enriquecer as obras de Tucídides 
ou Maquiavel. 
7 
 
confrontar os interesses hegemônicos. Afinal, quando falamos de “segurança”, o 
que está em jogo? o que deve ser “assegurado”? Por outro lado, a pluralidade de 
perspectivas, por si só, levaria a um inconveniente relativismo. Claro está que o 
problema da pluralidade de perspectivas e de sua possível superação é 
fundamental ao debate. Note-se que nem mesmo teóricos construtivistas 
examinam o tema a cotento.9 
O que se propõe neste artigo é examinar a contribuição de Clausewitz à 
compreensão da “Segurança Internacional” em uma perspectiva crítica. Note-se 
desde já que o conceito de “segurança” e os seus derivados são vagos e, em 
geral, ocultam a pluralidade de interesses no jogo político. O conceito de 
“constelações de segurança” por exemplo, serve para trazer um pouco de luz à 
realidade que o conceito positivo de “segurança” e o seu uso tratavam de 
ocultar. Ocorre o mesmo com o conceito positivo de “segurança 
multidimensional”. A própria origem do debate — o complexo militar-industrial 
estadunidense — restringia os parâmetros dos ESI: restringiam-se as relações 
internacionais a relações interestatais e atribuía-se ao Estado — mormente ao 
Pentágono e o Departamento de Defesa dos Estados Unidos — o papel de 
definir exclusivamente o que devia ser assegurado10, conferindo-lhe o honroso 
título de “interesse nacional”. Entretanto, essa restrição não é teoricamente 
indiferente ou isenta. Mesmo que atribuamos ao Estado um papel decisivo nas 
relações internacionais,11 subjazem aí os múltiplos interesses em jogo e atribuir 
ao Estado o papel exclusivo na definição da “segurança internacional” equivale 
a anular interesses realmente existentes. A bipolaridade ideológica fazia suas 
 
9 Nem mesmo na obra de Alfred SCHUTZ,origem remota do construtivismo, o tema da 
pluralidade de perspectivas é examinado. Com efeito, as preocupações gnosiológicas aí 
predominam e o problema filosófico-prático da pluralidade perspectivas é desconsiderado. 
10 O anglicismo “securitizado” é ironicamente apropriado para definir, ao reverso, aquilo que 
se propõe: os títulos subprime eram securitizados; a “guerra ao terror” securitizou o Oriente 
Médio, etc. 
11 E a relevância causal, em sentido weberiano (ARON, 1973, pp. 221-242), não é um critério 
único e exclusivo para a escolha de um objeto de estudos. 
8 
 
vítimas. A restrição analítica — “rigorosa e elegante” — do número de 
jogadores impõe a redução dos interesses em jogo e a definição da agenda de 
“segurança” restrita aos interesses hegemônicos. Multidimensionalizar a 
“segurança”, portanto, nada mais é do que romper a redução analítica sem 
questioná-la efetivamente. Os interesses hegemônicos são, destarte, preservados. 
A perspectiva analítica que se propõe aqui inspira-se na filosofia crítica 
da história de Kant, Weber e Aron. Trata-se de uma posição antidogmática cujas 
premissas fundamentais são as seguintes: 1) Embora considere a história um 
“entretecido de tolice, capricho pueril e frequentemente também de maldade 
infantil e vandalismo” (KANT, 1784), também considera possível esperar a 
realização de fins que contemplem a emancipação e dignidade humanas, a 
“máxima liberdade sob leis” e a paz duradoura entre os povos. Tais fins não 
prescrevem uma fatalidade, um futuro inesquivável. Antes são fins 
“problemáticos”, tarefas a realizar, um futuro possível entre tantos outros. 2) 
Como tarefas a realizar, são fins da razão — fins que superam qualquer 
determinação a partir de uma suposta “natureza humana”, conflitando, inclusive, 
com tal “natureza”. 3) Tais fins são realizáveis e compreensíveis apenas na 
“espécie” humana. Uma conduta ou visão de mundo que exclua do curso da 
história qualquer etnia ou identidade cultural só pode inspirar-se numa filosofia 
dogmática da história. (Essa conduta dogmática assume hoje a forma totalitária 
de ditadura “legislativa” do mercado, com impactos não desprezíveis na 
“segurança internacional”). 4) É possível considerar que o curso da história 
humana é impelido pela “sociável insociabilidade”, o antagonismo que opõe 
indivíduos e grupos, levando-os a constituir sociedades políticas (ora 
denominados Estados) e opõe também essas sociedades políticas, levando-as a 
constituir regulamentos e instituições “supraestatais”. Dessa “sociável 
insociabilidade” derivamos os conceitos de vontade, conflito, guerra, paz, 
diálogo, cooperação, consenso, aliança, etc. É impossível determinar a priori o 
9 
 
curso da história humana e a ação política visa à realização de variados fins. 
Qualquer visão de mundo que determine fins “inelutáveis” ou inscritos na 
natureza humana constitui-se numa filosofia dogmática da história.12 5) Como 
considera a realidade sensível infinita — intensiva e extensivamente (WEBER, 
1904) — e a realidade social significativamente construída, fundamenta-se em 
conceitos idealtípicos e no encadeamento contingente de eventos, que se 
desdobram em probabilidades retrospectivas e num futuro aberto (ARON, 1938a, 
1938b, 1962, MEI, 2009). 6) Considera as ciências construções culturais 
socialmente significativas, axiologicamente interessadas e, portanto, não 
neutras. Fazendo uso de uma terminologia bakhtiniana, a produção científica 
está, pois, sujeita ao embate entre “forças centrípetas” — que procuram impor o 
discurso único e hegemônico — e “forças centrífugas” — que enfrentam e 
corroem esse discurso. 
Na sua teoria da guerra absoluta, Clausewitz define a guerra como “um 
duelo em vastas proporções”, isto é, envolvendo duas coletividades.13 E 
considera que “a guerra é um ato de violência destinado a forçar o adversário a 
submeter-se à nossa vontade”. Essas duas definições — cujo valor intrínseco é 
meramente teórico, não se aplicando às guerras reais — não nos permite 
estabelecer bases consistentes para uma reflexão sobre a “segurança 
internacional”. De fato, a guerra absoluta — que só existe nos delírios das 
“argúcias lógicas” — leva a guerra ao paroxismo: a máxima mobilização de 
meios (humanos e materiais); o aniquilamento (desarmamento) do inimigo; e o 
uso ilimitado da violência. A teoria da guerra absoluta implica, portanto, a 
 
12 Como observam Berger & Luckmann (1968), “A humanidade é variável do ponto de vista 
sócio-cultural. Em outras palavras, não há natureza humana no sentido de um substrato 
estabelecido biologicamente que determine a variabilidade das formações sócio-culturais.” 
(BERGER & LUCKMANN, 2003, p. 67) 
13 Como já trabalhei mais detalhadamente a obra de Clausewitz em outros lugares (MEI, 1996, 
2013 e 2014), remeto o leitor a essas obras e restrinjo-me nesse trabalho aos aspectos 
fundamentais à argumentação. 
10 
 
escalada da violência, a batalha decisiva, a guerra de aniquilamento e a paz 
imposta. Ela exclui a diplomacia e a negociação. 
Nas guerras reais, o duelo inexiste. Por um lado, uma coletividade jamais 
se transforma num corpo único, cindindo-se em indivíduos e grupos; por outro, 
raramente não se apresenta um terceiro interessado, pendendo para um ou outro 
lado. Se considerarmos a existência de vontades distintas, podemos ponderar 
diversas relações entre elas: além do conflito e da guerra, diálogo, cooperação, 
consenso, união, etc. A vontade coletiva envolve também possibilidade de fusão 
ou integração, fragmentação ou mesmo desintegração. Se a teoria da guerra 
absoluta contempla apenas o duelo, as guerras reais envolvem uma infinita gama 
de possibilidades: dois ou vários atores lutando individualmente ou em alianças, 
além de negociações e atuação diplomática. Além disso, a fricção — isto é, “os 
inúmeros e imprevisíveis incidentes de pequena importância” — e o acaso 
fazem das guerras reais um jogo que varia segundo as circunstâncias, Toda 
guerra é uma experiência única, singular, original. 
Nas guerras reais, o empenho das vontades é diretamente proporcional 
aos motivos em jogo, reduzindo-se à sua insignificância ou podendo chegar a 
extremos, quando há interesses vitais ameaçados. Há uma relação dialética entre 
motivo e empenho e outra entre fins (políticos) e meios (militares: humanos e 
materiais). A relação entre política e estratégia e entre estratégia e tática é 
dialética. Os fins da política determinam e são limitados pelos meios 
estratégicos (atinentes à guerra ou conjunto de batalhas); os objetivos 
estratégicos determinam e são limitados pelos meios táticos (atinentes à cada 
batalha isoladamente). Contudo, se pensarmos estrategicamente as relações 
internacionais ou a “segurança internacional”, projetamos no tempo a 
pluralidades de fins (interesses e motivações) e a dialética que envolve a 
política, a estratégia e a tática. Fins que pressupõem a possibilidade da guerra 
podem contemplar interesses alcançados durante a paz. Na era da economia 
11 
 
financeirizada, as despesas militares destinadas a enfrentar inimigos — reais ou 
imaginários, concebidos em gabinetes e encubados no exterior — permitem a 
realização de lucros produtivos e financeiros. O discurso segurancizante serve 
muito bem como propaganda para a realização de tais lucros. Em um mundo 
cada vez menos interessado e mais desiludido com a política, a fabricação de 
guerras é um lucrativo e escuso negócio. Por isso, técnicos e cientistas da 
vanguarda da ordem vigente buscam manter o monopólio sobre o tema. 
Deve-se frisar, portanto, que as guerras reais não são fenômenos 
exclusivamente ou mesmo prioritariamentemilitares, mas sim fenômenos 
histórico-sociais, cujo desenlace pode muitas vezes não depender dos resultados 
das várias batalhas. A guerra deve ser compreendida como um conflito violento 
de vontades que envolve fatores étnicos, culturais, econômicos, ideológicos, 
técnicos, populacionais, geográficos, jurídicos, etc. É equivocada e nociva a 
definição dos estudos estratégicos como eminentemente militares e não se 
justifica a predominância de militares nessa área acadêmica. Mais ainda a guerra 
é um assunto público seqüestrado por atores privados de quem nem suspeitamos. 
Da perspectiva acima enunciada, impõe-se a tarefa de resgatá-lo e democratizá-
lo. 
Além disso, não é possível estabelecer de antemão e de uma vez por 
todas o âmbito dos conflitos e das guerras. E as “regras” não são as mesmas para 
os vários atores que podem entrar em “jogo”. Se há atores que podem ser 
definidos, inclusive juridicamente, e cujo papel pode ser considerado mais 
previsível por ser minimamente regulamentado, tais como o Estado e o 
Conselho de Segurança da ONU, a existência e atuação de outros interessados 
não pode ser determinada de antemão. É indeterminável a priori a influência de 
atores regionais ou sub-estatais num conflito qualquer. Cada situação histórica 
deve ser analisada em sua originalidade e pouca valia têm conceitos forjados e 
hipostasiados no debate acadêmico. 
12 
 
Embora a referência e o objeto de Clausewitz sejam, principalmente, as 
guerras interestatais européias, a definição da guerra como “ato de violência” e 
como “continuação da política por outros meios” não envolve necessariamente o 
Estado, adequando-se à definição mais ampla de guerra proposta por Cícero e 
adotada por Grotius: “status per vim certantium, qua tales sunt”.14 Ao que 
parece, com essa definição Grotius pretendia justamente contemplar “múltiplas 
formas de lutas armadas, de modo algum limitadas aos conflitos de potências 
independentes” (HAGGENMACHER, 1968, P. 111). Seguramente, a guerra de 
independência dos Países Baixos relativamente ao império Habsburgo é 
contemplada nessa definição. Embora afronte o direito internacional público — 
que contempla apenas o bellum publicum solenne, guerra declarada entre 
Estados soberanos —, esta definição ampla da guerra permite-nos contemplar 
analiticamente as guerras protagonizadas por atores não-estatais, clãs, senhores 
da guerra e empresas militares privadas. 
O Estado é certamente um ator-chave nas relações internacionais em 
geral e nas questões de segurança em particular. A definição de Estado, todavia, 
é muitas vezes equivocada. A definição positivista de “Estado territorial 
soberano”, de cunho jurídico, é insatisfatória analiticamente, pois substitui 
aquilo que visa compreender, hispostasiando, engessando e esclerosando a 
realidade. A definição idealtípica proposta por Weber, visa justamente superar 
essas limitações, mas ela é muitas vezes deturpada e o “monopólio da violência 
legítima” ou mesmo o mero “monopólio da violência” é transformado em 
hipóstase e passa a esclerosar a realidade da qual deveria ser mero instrumento 
analítico. Segundo Weber, o Estado racional moderno era, no início do século 
XX, uma instituição exclusiva da Europa ocidental, onde o ofício das armas 
tornou-se economicamente proibitivo para os atores privados devido aos 
elevados custos das fortificações e da artilharia. O Estado moderno é, portanto, o 
 
14 “Situação daqueles que disputam pela força, enquanto tais.” 
13 
 
resultado de uma lenta evolução histórica. É nesse sentido que o "Estado é 
aquela comunidade humana que, dentro de determinado território — este, o 
‘território’, faz parte da qualidade característica —, reclama para si (com êxito) 
o monopólio da coação física legítima" (WEBER, 1921, p. 1056). Ou mais 
precisamente: 
[…] o Estado moderno é uma associação de dominação 
institucional, que dentro de determinado território pretendeu com 
êxito monopolizar a coação física legítima como meio da 
dominação e reuniu com este objetivo, nas mãos de seus 
dirigentes, os meios materiais de organização, depois de 
desapropriar todos os funcionários estamentais autônomos que 
antes dispunham, por direito próprio, destes meios e de colocar-
se, ele próprio, em seu lugar, representado por seus dirigentes 
supremos. (WEBER, 1921, p. 1060) 
Essa definição idealtípica relaciona-se às definições de “poder”, “dominação” e 
disciplina”. Weber define poder como “a probabilidade de impor a própria 
vontade numa relação social, mesmo contra toda resistência e qualquer que seja 
o fundamento dessa probabilidade”.15 O poder stricto sensu distingue-se da 
dominação e da disciplina, pois prescinde da obediência, característica distintiva 
destas. A dominação é um tipo de poder definido como “a probabilidade de 
encontrar obediência a um mandato de determinado conteúdo”.16 A disciplina é 
“a probabilidade de encontrar por parte de um conjunto de pessoas obediência a 
um mandato que, em virtude de atitudes arraigadas, seja pronta, simples e 
automática”.17 Todavia, essa instituição ocidental é exportada pelas metrópoles 
européias e adquire características novas nos lugares em que é enxertada. Como 
há, segundo Weber, três tipos “puros” de dominação legítima, são variadas as 
formas como o Estado se estrutura efetivamente. 
 
15 Max WEBER, Economía y sociedad. Op. cit., p. 43. 
16 Idem, ibidem, p. 43. 
17 Ibidem, p. 43. 
14 
 
Entretanto, Weber define Estado pelo seu “meio específico”: o 
monopólio da violência legítima. Não obstante, se desconsideramos os fins do 
Estado — que podem ser múltiplos e dependem da luta política doméstica e 
internacional —, o meio erige-se em fim. O “monopólio da violência legítima” 
passa a ser um fim em si mesmo, meio e fim do Estado. Além disso, são 
extrínsecos à definição de Estado os limites em que a violência é exercida. Tais 
limites também são um resultado da luta política doméstica e internacional. 
Destarte, a indefinição de fins transcendentes à violência e a eleição do 
“monopólio da violência legítima” como meio-fim cumpre, então, o mesmo 
papel da inversão da “fórmula” clausewitziana segundo a qual a “guerra é a 
continuação da política por meios violentos” (ARON, 1976, p. 169-77). Com 
efeito, ao considerar a guerra absoluta (que, insistimos, para Clausewitz só 
existia no mundo das “argúcias lógicas”) a forma por excelência da relação 
interestatal, no presente ou projetada no futuro, os belicistas passam a considerar 
a política uma continuação da guerra no tempo de paz. O duelo, a “imposição da 
vontade ao inimigo”, a estratégia de aniquilamento e a imposição da paz, 
tornam-se o fim obstinado da política e, em tempos de paz, vive-se 
exclusivamente da e para a preparação para a guerra. As guerras reais, 
entretanto, envolvem necessariamente a diplomacia, a possibilidade da 
negociação e a paz negociada. 
A definição dos fins da política é, portanto, intrínseca à consecução da 
“segurança internacional”. Analiticamente, podemos considerar que em uma 
situação histórica específica os fins buscados por este ou aquele Estado se 
sobrepõem aos demais. Porém, isso não quer dizer que os Estados determinam 
exclusivamente os fins a atingir. Embora na definição trinitária da guerra 
Clausewitz atribua um peso preponderante ao Estado, essa consideração deve 
ser relativizada. Não podemos relacionar simplesmente a razão ao soberano e ao 
Estado, a inteligência ao comandante e ao aparelho militar e a paixão ao povo. 
15 
 
Depois da morte de Clausewitz, aumentou significativamente a participação dopovo nos rumos da política. Destarte, devemos considerar que a guerra pode 
envolver o conjunto da coletividade e que a “razão” (motivos ou fins visados), a 
“inteligência” (os meios) e a “paixão” (motivação irracional) se distribuem 
virtualmente entre todos os atores e em variegadas proporções. Os fins visados 
pelo Estado são, portanto, resultantes de uma luta política e a guerra pode mudar 
os rumos do jogo. 
 
A compreensão da guerra e a conquista da paz deve em cada 
circunstância examinar o complexo de relações sociais que está em jogo. 
Enfim, a “segurança internacional” envolve uma pluralidade de 
perspectivas e, em cada conjuntura, pode assumir características distintas. As 
visões de mundo socialmente construídas e os valores e interesses em jogo 
devem ser examinados em toda sua complexidade e sem preconceitos. A 
perspectiva analítica não pode ser estreitada por concepções dogmáticas da 
realidade social. 
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	Segurança Internacional, Estudos Estratégicos e Política de Defesa
	Referências Bibliográficas: