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O Direito como elemento retificador do Sistema de Mercado Desenvolvido

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O Direito como elemento retificador do sistema de
mercado desenvolvido
Edpo Macedo
1 de Março de 2016
Resumo
O presente trabalho vislumbra a visão economicista do Direito,
desde suas origens, causas e circunstâncias, até o processo paulatino de
implantação, conjuntamente com a constatação de suas falhas e medidas
de correção, advindas com o Direito. Este baseia-se fundamentalmente
no Curso de Economia, de Fábio Nusdeo, em especial seu capítulo sobre
as falhas do mercado, amplamente citado neste artigo.
Palavras-chaves: direito econômico. neoliberalismo. economia.
Introdução
A Economia positiva1, isto é, economia em sentido estrito, é aquela que
analisa, explica e prevê a realidade posta diante do observador. Pragmática
por excelência, não atribui valores axiológicos aos seus resultados. O tráfico de
drogas, por exemplo, condenável socialmente, é apreciado por esta ciência que
aplica-lhe modelos de oferta e procura, tanto quanto ao comércio de artigos
religiosos. Por outro lado, a Economia normativa, que direciona, prescreve e
determina, busca normatizar a vida econômica, alterando-lhe o quadro nor-
mativo junto ao seu respectivo conjunto institucional. Esta atividade deve-se à
subjetividade do homem, que não se transige ao exercício estéril e sem sentido
de resignar-se à pura análise e explicação de fatos.
Advém da normatividade a doutrina econômica. Elaborar linhas de
pensamento voltadas para a necessidade de enfrentar a escassez; expender juí-
zos, prescrições, melhores maneiras de organização social é o seu papel. A
dedicação exclusiva de acomodar a atividade do homem em um conjunto de
1 Positum: lat. prep. posto, colocado.
1
instituições e mecanismos desenvolvidos é uma prática que, muito possivel-
mente, precede a elaboração científica. Desde a forja do termo Oeconomicus,
por Xenofonte, no diálogo socrático versando sobre a administração da casa
e agricultura, esta veio traduzindo suas crenças e visões através de prismas
ideológicos. Assim, pois, doutrinas econômicas detêm o fito de definir os fun-
damentos da organização social de acordo com seus “ismos” —capitalismo,
socialismo, comunismo, e assim por diante.
Em seguida, tomado um sistema econômico definido e aceito, vem a
ocorrer a chamada política econômica. Seu escopo de recomendações estabe-
lece objetivos e meios para serem atingidos, revestindo-se de maior tecnicismo
e especificidade. Deste modo, convencer-se-ia da prioridade dada a um pro-
grama de distribuição de renda, menos relevante do que aplicar os recursos
na modernização do parque industrial, por exemplo. Tal opção é essencial-
mente política. A economia sugere as medidas técnicas, e, ao mesmo tempo,
dispensa-se de rediscutir ou reavaliar os sistemas econômicos. Suas medidas
—medidas de política econômica —, consistem na alteração e controle dos
detalhes e parcelas do sistema, variando desde uma pequena mudança na alí-
quota de um tributo até a reforma geral do sistema previdenciário. Tanto é
verdadeiro, que o conhecimento científico conviveu com regimes e ideologias
diversas ao longo da história. Seus postulados atingiram resultados sempre
que houve o desejo de verdade e mútuo respeito. Aquilo que podemos chamar
de conflito político-doutrinário deixou seu maior exemplo prático com os diag-
nósticos e recomendações do mundo ocidental, chamado capitalista e liberal,
para o sistema da Europa oriental, de cunho coletivista.
A positivação das medidas, traduzidas em normas, como nos ensina Fá-
bio Nusdeo, “de maneira ampla, toda a legislação de conteúdo econômico —e
ela representa sempre algo superior a 95% do ordenamento jurídico de qualquer
país ocidental —está imbuída de algum sentido de política econômica, por esti-
mular ou condicionar comportamentos tidos como mais favoráveis à colimação
de determinados objetivos, ainda quando vagamente intuídos”2. Destarte, a
partir destas premissas, iniciaremos nosso estudo.
1 Aceno histórico
Idade contemporânea, século XVIII, todas as linhas de pensamento
convergiam à consagração de dois valores: liberdade e racionalidade. No ano
de 1776, na França, edita-se o Décret d’Allarde3, extinguindo as corporações
de ofício e instaurando a liberdade de comércio e indústria. Este constitui
um marco jurídico no campo da ordenação da economia. Uma década depois,
2 NUSDEO, cit., pg. 102.
3 Posteriormente revogado, foi restabelecido no início da Revolução Francesa, em 1791,
pela Lei de Le Chapelier. Esta, por sua vez, proibia os sindicatos, as greves e as manifes-
tações dos trabalhadores, em defesa da “livre empresa” e da iniciativa privada, apenando
transgressões com avultuadas quantias em dinheiro e privação de direitos de cidadania
até a pena de morte.
2
ocorrem dois grandes processos que se tornaram epifenômenos desta continui-
dade assegurada: a Constituição Americana em 1787, e a Revolução Francesa
de 1789. Ambos eventos implantaram concretamente um conjunto de institui-
ções consistentes, que burilou em detalhes os fundamentos jurídicos do sistema
econômico liberal.
1.1 Movimento Constitucionalista
A sobrevivência e coesão do todo social dependia da alienação de de-
terminadas faculdades. Ao passo que se organiza o Estado, tem-se, de mesmo
modo, os cidadãos. Moldar e assegurar-lhes uma série de direitos tidos como
fundamentais e inerentes à sua condição humana —os direitos do homem e
do cidadão —, foi a primeira preocupação dos liberais. Ao estabelecer este
pacto fundamental, surgem as constituições clássicas ou liberais, americana e
francesa, respectivamente, também denominadas constituições garantia. Elas
corporificaram e consolidaram o modelo teórico do contrato social desenvol-
vido por Rousseau.
Recebem a alcunha de constituições garantia pois são “destinadas a
garantir os direitos e prerrogativas dos cidadãos frente ao Estado”4, de modo a
conter o grande Leviatã. A clássica trinomia de Montesquieu, ou, a divisão dos
poderes em Legislativo, Executivo e Judiciário, seria o grilhão que procuraria
impedir a grande besta de “apresentar-se perante os cidadãos como um bloco
monolítico encarnando um poder concentrado, a ponto de lhe permitir fazer
as leis, aplicá-las e julgar as alegadas transgressões a elas”5. Surge neste to-
cante a esfera privada de cada cidadão. O Estado via-se impedido de invadi-la,
enfraquecido por aquela divisão, transponível apenas em ocasiões muito espe-
ciais, de seus direitos e garantias individuais. Essa ordenação trouxe ampla
distinção entre o plano político e o plano econômico.
Estabeleceu-se, então, a marcha dos mercados. As prerrogativas de
propriedade, liberdade de profissão e contrato, em termos virtualmente absolu-
tos, era o que se entendia por iniciativa econômica. Sabe-se que as constituições
clássicas foram omissas na esfera do econômico, sem estabelecer diretrizes ou
condições de funcionamento. Por outro lado, a própria omissão é uma maneira
oblíqua de interferência, pois, esta concede todas as condições para a movi-
mentação dos bens, de produção e de consumo, a bel prazer dos particulares.
Acreditava-se, portanto, em uma ordem natural presidindo o desenvolvimento
das relações econômicas. O cientificismo do século transpôs, por analogia, os
axiomas do mundo físico —fonte de onde emanou o Direito Natural —, ins-
taurando no mundo jurídico este pressuposto de universalidade. Surgem, deste
modo, as leis da Economia, fiando-se imutáveis e inexoráveis: daí a sua posi-
tivação jurídica. No entanto, esta é uma visão muito mais ideológica do que
científica. O conjunto dos dispositivos constitucionais optam, acolhem e con-
4 NUSDEO, Ibid.
5 NUSDEO, cit., pg. 150.
3
sagram um dado sistema, não podendo se falar numa constituição neutra em
matéria econômica.
Durante os primeiros embates judiciais do New Deal de Roosevelt,
ainda que obtiveram nova orientação jurisprudencial após a contraposição
das medidas governamentais, a Suprema Cortedispôs do entendimento das
mesmas encontrarem-se não atentatórias à liberdade assegurada pela mesma
constituição, isto é, pelo sistema de mercado livre. A este respeito, nos ensina
Nusdeo:
“No caso americano, o que se deu foi mais um exemplo do pecu-
liar sistema constitucional daquele país, no qual, mesmo quando se
trata de julgar da aplicabilidade dos statutes, os princípios da com-
mom law entram em jogo para lhe determinar a razoável extensão.
Aí entendeu-se que as medidas sub judice não representavam uma
derrogação desarrazoada do princípio de livre mercado, tendo em
vista a nova realidade do país que havia se tornado uma nação
eminentemente industrial. Portanto, a passagem da jurisprudência
da rejeição para a da aceitação da legitimidade de medidas de po-
lítica econômica não é um sinal de neutralidade da Constituição
quanto ao tema, mas uma corroboração do fato de ela ter adotado
implicitamente um dado sistema econômico para o qual —veio a
se entender —as questionadas medidas não representavam, afinal,
ofensa irreparável” (NUSDEO, 1997, p. 153).
À vista disso, as constituições garantia, na edição de suas competên-
cias constitucionais, nada tinham de neutralidade ou de absenteísmo quanto a
vida econômica. A opção pela presença ou ausência de previsão para a ativi-
dade estatal no campo econômico foi uma antelação racional e conscientemente
adotada. Desde a corrente política dos montagnards, que propuseram a adição
de direitos sociais em oposição ao liberalismo excessivamente individualista
dos textos aventados na época, denota a conturbada aparição e reforma da
Declaração dos Direitos do Homem em 1789. No mesmo âmbito, em 1793, na
França, perante o clube dos girondinos, Robespierre propôs inclusões para a
futura Declaração de Direitos, que viria a ser a primeira Constituição Republi-
cana, “o direito ao trabalho—e não o simples direito de trabalhar —, e o direito
à assistência, despojando o direito de propriedade de seu caráter sagrado e
inviolável”6. Esta foi a concepção do embrião de responsabilidade do empre-
gador em face de seus empregados. Em 1848, com a adoção da Constituição
Republicana, logo após a abdicação de Luís Felipe, os dispositivos programáti-
cos de conteúdo social foram sensivelmente ampliados: “no Preâmbulo fala-se
numa repartição cada vez mais equitativa dos encargos e dos benefícios sociais.
[...] Ao Estado reserva-se um papel mais ativo. [...] Inclui-se o trabalho entre
as bases da República e arrolam-se direitos sociais diversos, sobretudo ligados
6 NUSDEO, cit., pg. 154.
4
ao trabalho, inclusive com previsão para a absorção de braços ociosos pelo
desemprego em obras públicas (artigo 113). [...] A carta igualmente tocava
nas instituições previdenciárias e nas de crédito”7.
1.2 Codificação do Direito Privado
Por inspiração dos dois grandes códigos napoleônicos, Code Civil, de
1804, e Code Commercial, de 1807, foi construído o segundo grande espeque
do sistema de mercado. Os dispositivos econômicos fiaram uma malha lógica e
coerente. A segurança e liberdade jurídicas nas atividades econômicas, nome-
adamente, no uso de seus bens, fatores e produtos finais, veio a ser propiciada
e garantida para todos os agentes. Mormente, e essencial para a operaciona-
lização do mercado, destaca-se a definição precisa e adequada dos direitos de
propriedade. Como nos informa Nusdeo:
“É de se ter presente que como um dos resquícios da era feudal
ainda havia a sobreposição e confusão de diversos direitos, de di-
ferentes origens, sobre um mesmo bem. Na propriedade agrícola,
por exemplo, coexistiram, junto com os do proprietário, direitos
de terceiros, tais como o de passagem, o de servir-se de águas, o
de pastagem para animais e vários outros que tolhiam a disposição
plena do imóvel pelo seu titular” (NUSDEO, 1997, p. 154).
A definição e defesa deste direito advieram com o instrumento contra-
tual: uma estrutura compacta e racional de normas à disposição. Deste período
em diante, desenvolveu-se a produção de códigos monumentais e extraordiná-
rias obras de doutrina jurídica. Coube, assim, ao Judiciário imiscuir na vida
privada para decidir e compor conflitos nela surgidos. No que tange ao setor
público, o Direito Administrativo veio para tratar da ação e da organização do
Estado em nível infraconstitucional. Notadamente, o poder de polícia, como
grande sustentáculo, impunha um conjunto limitado de restrições aos particu-
lares com intuito de impedir a interferência recíproca das esferas com eventuais
prejuízos ou custos. Consolidaram, deste modo, a estrutura jurídica própria
do liberalismo. O sossego público, a ordem e a incolumidade dos cidadãos,
todos garantidos por meio das normas excepcionais, sujeitas a interpretação
restritiva pelos tribunais.
Sólida e inaudita estrutura, condensando todo o progresso e aprimora-
mento da legislação, conglobando o constitucionalismo e os Códigos de Direito
privado, a Constituição de Weimar, de 1919, concebeu o sistema descentra-
lizado e manteve-se como uma das grandes conquistas da civilização e da
humanidade. No entanto, vale dizer, a separação entre o Direito público e
privado, na concepção do jurista romano Ulpiano, definia por “objeto o es-
tado das coisas de Roma —dir-se-ia depois do Estado —, enquanto o segundo
7 NUSDEO, cit., 154-155.
5
preocupava-se com a utilidade, o interesse, de cada cidadão”8, deu contor-
nos de um verdadeiro dogma ao liberalismo. As dificuldades posteriores em
matéria administrativa, cometidas a tarefa de resolvê-las, foram atribuídas a
criação dos Conselhos de Estado, sistema que, com alterações, se mantém até
hoje. No Brasil, as Constituições Imperial, de 1824, e a primeira Republicana,
de 1891, seguiram o mesmo diapasão das constituições garantia.
2 Sistema de Mercado Desenvolvido e os Ramos do Direito
“Tripé” —Constituição, codificação do Direito privado, e poder de
polícia —, “sem dúvida portentoso pela dutibilidade, lógica e ra-
cionalidade com que forneceu a forma e as garantias legais para
captar e disciplinar todo o emaranhado das relações econômicas
internas e mesmo internacionais, mas incapaz de lidar com a vida
econômica real em toda a sua complexidade. Foi a época em que,
no dizer de Max Weber, a lei apresentava uma racionalidade pura-
mente formal, não lhe interessando as condições pessoais ou sociais
dos por ela abrangidos, nem a maior ou menor desejabilidade dos
resultados das relações estabelecidas sob a sua égide” (NUSDEO,
1997, p. 161-162).
O desenvolvimento da tecnologia e da atividade econômica, por mais
de um século, engendrou considerável progresso. Não obstante, um quadro
conturbado política e socialmente instaurou-se nos desafios de implantação do
mercado, embora tenha provado viabilidade e operacionalidade. Tal agitação
foi proveniente de “diversos pressupostos que a estrutura legal própria do li-
beralismo não havia logrado captar, muito menos tratar. Como evidente, à
ausência daqueles pressupostos, a mecânica operacional do sistema passava a
rodar em falso, produzindo resultados também falhos, distanciados do espe-
rado e, em muitos casos, francamente inaceitáveis”9.
2.1 Rigidez dos Fatores e Intervenção Estatal
A mobilidade dos fatores de produção é uma presunção básica para a
funcionalidade dos mercados. Tão somente, os preços, que configuram os sinais
indicativos que promovem as reações de mercado, cevariam os deslocamentos
necessários, de modo que certas situações indesejáveis seriam automaticamente
revertidas. Empresários-produtores, denominados autômatos10, guiados pelo
pressuposto psicológico-comportamental hedonista, responderiam ágil e fiel-
mente às decisões soberanas do consumidor-rei, via impulsos do sistema de
preços. Porém, em termos práticos, isto não ocorre. O deslocamento célere e
8 NUSDEO, cit., pg. 157.
9 NUSDEO, cit., pg. 162.
10 Automatismo: s.m. capacidade de autocorreção do mercado.
6
oportuno não ocorreautomaticamente. Professor Nusdeo nos ilustra a situ-
ação com o seguinte exemplo, quanto a rigidez física: “Altos preços do café
podem levar —e normalmente levam —à plantação de extensos cafezais em
terras favoráveis a este cultivo. No entanto, cada cafezal, para entrar em fase
de produção comercial, leva cerca de quatro ou cinco anos e, quando isto
acontece, é muito possível verificar-se uma pletora do produto, ou seja, uma
superprodução a abarrotar os mercados, provocando uma baixa de preços”.
Mais adiante, decorrente disto, a rigidez operacional: “Mas, mesmo não ha-
vendo superprodução, poderá ter ocorrido no meio tempo entre o plantio e
as primeiras colheitas, uma recessão nos países consumidores, levando a uma
queda da procura, o que vem a dar no mesmo: acumulam-se estoques invendá-
veis, os cafeicultores se arruínam, o desemprego cresce”. E, consequentemente,
a rigidez institucional: “Além do mais, o café é uma cultura permanente e, seja
qual for o preço, a cada ano ele produz uma nova safra —um ano maior, outro
ano menor —, mas sempre novas quantidades periodicamente se adicionam
aos estoques, deprimindo ainda mais os preços. Essa situação já foi vivida
diversas vezes nas zonas cafeeiras do Brasil. E quando ela se mantém, não
há outro remédio senão erradicar as plantações, substituindo-as por outras.
Mas isto não se faz sem altíssimos custos. Além do mais, durante os cinco,
seis ou mais anos em que a crise ocorreu os fatores escassos empregados na
cultura cafeeira se quedaram ociosos ou foram literalmente perdidos”. A rigi-
dez institucional produz graves implicações na macroeconomia: “Há também
as mais sérias, as macroeconômicas, pois naquelas regiões o desemprego e o
prejuízo dos fazendeiros certamente provocaram recessão e mesmo crise em ou-
tras atividades correlatas, como na indústria de bens de consumo que seriam
adquiridos pelos trabalhadores desempregados, ou mesmo pelos cafeicultores,
e na indústria de beneficiamento do café e dos insumos agrícolas utilizados
pelo setor: arados, tratores, máquinas agrícolas, fertilizantes etc.”. Não menos
importante, a rigidez psicológica também exerce influência: “A rigidez pode
existir, inclusive, nos hábitos de consumo da população. Assim, o brasileiro
come feijão e, ainda quando o seu preço suba, recusa-se a trocá-lo por soja,
um produto sucedâneo. O russo prefere pagar um preço exorbitante pelo chá
do que passar para o café. E assim por diante”11.
Qualquer produto, inclusive industrial, está suscetível de experimen-
tar o quadro acima descrito. Situação análoga deu-se com outros produtos
agrícolas, como o cacau, o arroz, as madeiras e também o petróleo. Havendo
a conversão ou erradicação, as substituições são prevalentemente estimuladas
ou facilitadas pelos governos, mediante financiamento ou assistência técnica.
No caso do café, as medidas adotadas foram a compra dos excedentes pelo
governo, a regularização dos embarques exportadores, a instituição de preços
mínimos e preços de registro. Tais regulamentações da atividade foram centra-
lizadas pelo Departamento Nacional do Café, e posteriormente pelo Instituto
Brasileiro do Café (IBC), hoje extinto.
11 NUSDEO, cit., pg. 163-165.
7
Os desequilíbrios causados pela rigidez dos fatores foram analisados
pelo economista inglês, Lord Keynes. Em tese, sua teoria revolucionária, a do
déficit sistemático das contas públicas12, trouxe o discernimento de que, “o
governo deve lançar na economia mais recursos do que arrecada, pois esses
recursos adicionais estimularão a atividade econômica, fazendo-a sair grada-
tivamente do fundo do vale recessivo. Nas épocas de euforia, pelo contrário,
o governo deveria, por várias formas, retirar recursos, para evitar excesso de
atividade, prejudicial à estabilidade monetária”13.
“Keynes ilustrava a sua ideia com um exemplo aparentemente esta-
pafúrdio. Dizia ele: se o governo numa época de depressão contratar
duas equipes de operários, incumbindo a primeira de abrir bura-
cos e a segunda de fechá-los, isto parecerá inócuo e absurdo sob o
ponto de vista físico, mas terá um sentindo altamente salutar sob
o ponto de vista econômico (macroeconômico). Por quê? Pela sim-
ples razão de tanto os trabalhadores do primeiro grupo, quanto
os do segundo passarem a receber algum salário a ser gasto em
compras. Estas, por sua vez, estimularão o comércio, que voltará a
colocar encomendas junto a indústria, a qual contratará emprega-
dos (ou deixará de despedi-los) para atendê-las e, ainda, comprará
matérias-primas a serem transportadas e assim, sucessivamente, as
engrenagens da produção e do emprego irão se reativando” (NUS-
DEO, 1997, p. 166).
Keynes demonstrou, também, com este raciocínio, a possibilidade de
haver equilíbrio em subemprego. O corolário desta hipótese foi convertido em
legislações de seguro social, inclusive o seguro-desemprego. Manifestamente, o
exemplo não foi exercido à letra, mas verteve em iniciativas governamentais
na ampliação de obras públicas. Designou-se, assim, a modalidade de ações
goveramentais denominada ação anti-recessiva, que, em princípio, veio a ser
a negação do sistema liberal descentralizado. Com a intervenção do Estado
no domínio econômico, a fim de regular alguns mercados e debelar este mau
funcionamento, “implicou a edição de copiosa legislação, aplicável aos mais
diversos setores, como aquela destinada a regular a produção e comercialização
de produtos primários, as normas relativas a subsídios ou estímulos do Estado,
com vista ao fomento de algumas atividades-chave, inclusive espécie, sempre
corporificadas em normas jurídicas extravagantes para o sistema liberal em
vigor”. A posição do Estado como agente indutor ou refreador da atividade
econômica não veio a eliminar o mercado, sobretudo devido aos notáveis êxitos
dos governos e seus assessores, no périodo do segundo pós-guerra.
12 Cabe, aqui, sinalizar que Marx identificou uma série de mazelas no funcionamento do
mercado. A gravidade do problema dos ciclos econômicos, em parte, corrobora esta noção.
O movimento senoidal da atividade econômica —prosperidade e depressão —, para Marx,
deveria ser eliminado. No entanto, tal posição radical não se revelou necessária.
13 NUSDEO, cit., pg. 165.
8
2.2 Acesso à Informação e Consumo
O acesso às informações relevantes a todos os operadores de um mer-
cado, de modo que estejam aptos a exercer influência, é outro pressuposto
básico para o sistema descentralizado. “Uma legislação inteiramente estra-
nha para os cânones liberais vem sendo paulatinamente introduzida, à ilharga
daquela puramente destinada a fazer funcionar o mercado. Note-se não ser
ela endereçada aos agentes econômicos em suas relações bilaterais [...] O seu
escopo é outro: defender a chamada economia popular, ou seja, o conjunto
indistinto e não identificável diretamente de poupadores, consumidores, in-
vestidores e acionistas, consorciados segurados e tantos outros que como um
grupo nem sempre bem delimitado —porque pode incluir até mesmo mem-
bros potenciais —estão à mercê da informação ou da desinformação que lhes
queiram transmitir”14.
O preço, como já dilucidado, conteria em si a informação relevante
essencial para os agentes interessados, sendo este o sinal inconfundível da es-
cassez ou da abundância, conforme altas ou baixas. A disseminação da notícia,
conquanto não se dissemine ou apenas alguns poucos a tenham, estimulará he-
donisticamente a expansão das compras do produto para locupletarem-se com
a futura alta, à custa dos demais que, inadvertidamente, se desfizeram do
mesmo. Tendem a passar despercebidos um grande número de fatos, à falta
de alguma regulamentação oficial, quando não ocultado deliberadamente. Re-
sulta desta falha o escamoteamento de diversas informações ao mercado.
“Os exemplos podem se multiplicar, pois os produtos tendem com
a moderna tecnologia a diversificar-se acentuadamente, de sorte a
deixar o consumidor confusoe atarantado quanto à qualidade ou
às propriedades dos artigos oferecidos. [...] Em grande número de
países, vêm-se adotando normas de proteção ao consumo” (NUS-
DEO, 1997, p. 168).
Atenção substancial deve-se dar aos riscos, pois, por vezes, o consumi-
dor é levado a adquirir produtos perigosos ou prejudiciais. Exempli gratia, o
chamado recall, quando compradores de bens duráveis com defeitos são cha-
mados para a correção dos mesmos pelas próprias indústrias produtoras, que
os informam a respeito, causou uma verdadeira revolução nestes padrões. O
Brasil, com a Lei 8.058/90, o “Código do Consumidor”, defere um corpo de
leis bastante avançado acerca disto. Grande parte do seu conteúdo consiste
na obrigatoriedade, por parte de produtores e vendedores, de informar ade-
quadamente os consumidores potenciais ou atuais quanto aos perigos, efeitos
e propriedades dos bens oferecidos ou anunciados. “Há mesmo uma seção da
lei dedicada à propaganda enganosa e abusiva, pois, como é claro, ela pode
levar os seus destinatários a adquirirem algo de que não necessitem ou, pura e
simplesmente, provocar danos de cunho psíquico ou moral nos mesmos, como
14 NUSDEO, cit., pg. 170.
9
é o caso da propaganda dirigida às crianças. Há ainda a obrigação em casos
especiais da chamada contrapropaganda: o dever de informar claramente os
riscos trazidos por um dado produto, como no caso do fumo”15.
O dever de informar, fora do campo do consumo, agrupa dispositivos
para valer-se a regulamentação, desde operações de Bolsa, até a própria lei
das sociedades anônimas. O chamado insider trading, tipifica o caso:
“Em uma empresa dedicada a empreitadas públicas, os diretores e
principais assessores podem ficar sabendo a respeito de um grande
contrato a ser por ela celebrado, por exemplo, para a construção de
um trecho do metrô de uma grande cidade. Estes personagens po-
derão ir à Bolsa de Valores e adquirir grande quantidade de ações
daquela companhia, para revendê-las com substancial lucro, logo
depois, quando a notícia do contrato chegar ao mercado bursátil,
elevando os preços daqueles papéis. O mesmo poderá se dar, em
sentido inverso, se o contrato vier a ser cancelado. A isso chama-se
“informação privilegiada” ou em inglês insider trading, isto é, ne-
gociação por aqueles de dentro —em muitas legislações capitulado
como crime —, caso não feita ao mercado a competente comuni-
cação” (NUSDEO, 1997, p. 169).
2.3 Concentração Econômica e Poder Econômico
O êxito do mercado advém da composição de um número razoavel-
mente elevado de compradores e vendedores em interação recíproca. É crucial
que nenhum deles seja muito grande ou muito importante. Assim, o preten-
dido automatismo e adaptabilidade a condições mutantes é assegurado, pois,
a concentração, seja qual for a sua origem, o impede, representando uma falha
de estrutura do sistema de mercado. A capacidade ou não de influir sobre as
condições do mercado onde opera define a posição relativa de dada unidade
econômica. O tamanho, volume de produção ou número de empregados não
precisa, necessariamente, se uma empresa é grande ou pequena. Esta caracte-
rização se dá com a valência de determinar os preços praticados no mercado.
Tal como Nusdeo nos esclarece, a ausência de um vendedor, certo dia, em uma
feira livre, não levará qualquer alta dos preços dos produtos por ele oferecidos,
pelo simples fato de a sua parcela no conjunto total da oferta ser negligen-
ciável. Os artigos não vendidos por ele serão supridos facilmente pelos seus
concorrentes. Já não se pode dizer o mesmo de uma empresa automobilística
que venha a abandonar o parque produtor de veículos. Claramente, o im-
pacto dessa decisão sobre os preços será sensível e sentido até com a simples
notícia da sua decisão. Nota-se, assim, que a criação de normas estritas de
funcionamento, correspondentes a arranjos especialíssimos, não se comportam
uniformemente.
15 NUSDEO, cit., pg. 169.
10
A passagem do capital fixo16 para a economia de escala, marcada pela
Revolução Industrial, figurou o processo pelo qual foi reduzido acentuada-
mente o custo unitário de produção de um bem. À medida que aumenta
o volume produzido, reduz-se o custo unitário. Este fenômeno manifesta-se
incipientemente em quase todas as atividades, inclusive o consumo. A indi-
visibilidade técnica17, mostrou a experiência, que quando uma unidade não
dispõe dos recursos suficientes para instalá-los, ela acaba juntando-se a outra,
para ganhar a dimensão adequada ou é por ela absolvida. Este processo de fu-
são demanda grande mobilização de capital financeiro18, isto é, recursos para
investimento, o qual passou a ser o fator preponderante da produção.
“Com o acelerar-se da revolução industrial, em um número cres-
cente de setores algumas unidades lograram antecipar-se às outras
em obter as vantagens de redução de custos pelo aproveitamento
das economias de escala. Mas isto implicou a elevação substancial
de seu volume de produção e de vendas e, consequentemente, a
redução do volume produzido pela demais. Estas últimas viam-se
gradualmente expelidas do mercados por não poderem concorrer
com os preços e mesmo a qualidade das primeiras, que acabaram
por se ver sozinhas no mercado, tornando insubsistente o pressu-
posto da atomização, base da concorrência. Estava, assim, insta-
lado o processo de oligopolização de inúmeros setores da economia”
(NUSDEO, 1997, p. 173).
O oligopólio, mais uma vez nos alerta Nusdeo, cria uma certa barreira
à entrada de novas unidades e quanto mais ele for chegando ao monopólio,
maior o seu poder de impor preços altos pelos seus produtos, apropriando-se
de uma parcela da renda do consumidor. Ademais, o monopolista pode contro-
lar não apenas o preço mas também a quantidade oferecida e, por esta forma,
distorcer todos os mecanismos de autocontrole do mercado, além de adquirir,
em alguns casos, dimensões tais que tornam politicamente perigoso. O acesso
a uma fonte de matéria-prima rara, ou uma condição tecnológica exclusiva
como uma patente de invenção, caracteriza o monopólio derivado de situações
de fato, naturais. Do mesmo modo, a prestação de alguns serviços públicos,
16 Unidades produtoras de dimensões reduzidas. “Máquinas, equipamentos e utensílios, o
que, na prática, tornava muito mais fácil a entrada de novos produtores em um dado
mercado, quando este se revelasse promissor, e a saída dele em caso contrário, pois aquele
capital fixo, representado por equipamento não muito sofisticado, poderia, com algumas
adaptações, ser aproveitado em outros ramos da indústria”. (NUSDEO, cit., pg. 171).
17 “As economias de escala decorrem das chamadas indivisibilidades técnicas, ou seja, a
impossibilidade ou inviabilidade econômica de se produzirem equipamentospara serem
aplicados apenas a número reduzido de peças ou unidades. E assim, ou eles comportam
uma produção em grande série ou, pura e simplesmente, não são adotados”. (NUSDEO,
cit., pg. 172)
18 “Daí vem a denominação de Capitalismo, também associada ao sistema de mercado
ou de autonomia, inclusive em decorrência da principal obra de Marx: Das Kapital”.
(NUSDEO, cit., pg. 173).
11
como o fornecimento de água, pois ser-se-ia inconcebível dezenas de empresas,
cada qual com sua tubulação direcionada para a mesma localidade. Outrossim,
o monopólio legal, estabelecido por lei em situações especiais, como o caso das
concessões de radiofusão no Brasil. Quando as decisões de mercado deixam
de ser impessoais e objetivas, para decorrerem da vontade e do planejamento
de algumas poucas unidades aptas a imporem seus preços e seus interesses,
pormenoriza o prejuízo que torna a forma de coordenação das decisões econô-
micas e seu controle inoperantes. Tal-qualmente, o fenômeno das economias
de escala não constituem um mal em si. Na medida em que permite a redução
de custos e o maior acesso ao mercado pelas faixas de menor renda, passa a
representar um bem.Há, de natureza igual, o monopólio da procura, os oli-
gopólios de compra, tecnicamente chamados de monospônios ou oligospônios,
que vêm a exercer influência sobre os preços. Estes elementos caracterizam a
concorrência imperfeita.
A falha de estrutura sobrevinda da concentração econômica trás con-
sigo práticas abusivas, como o conluio19, o cartel20, e a venda casada21, para
citar alguns exemplos. Quanto à tutela, “virtualmente em todos os países do
Ocidente existem leis destinadas a combater ou a atenuar o poder de controle
dos oligopólios, monopólios ou formas diversas de concentração econômica so-
bre os mercados”.22. Na ilustração de Nusdeo, de acordo com a concepção
liberal, os agentes econômicos foram vistos mais como Davis do que como Go-
lias, ignorando-se, assim, a possibilidade de um poder econômico, ou, truste,
utilizado como veículo ou forma de concentração. Não obstante, este tornou-se
o fulcro dos diplomas legais de refinado nível técnico e com sofisticados me-
canismos jurídicos, exigindo alta especialização dos que se dedicam ao ramo
antitruste23.
2.4 Externalidades e Interesses Difusos
Um dos grandes calcanhares de Aquiles do sistema de autonomia ou
de mercado, nos dizeres de Fábio Nusdeo, decorre do fato de, numa atividade
19 “Em um mercado concentrado, a alta de preços proveniente de um aumento da procura
não necessariamente levará a um aumento da oferta, pelo simples fato de ser mais fácil
para as poucas unidades nele atuantes conluiarem-se e elevarem mais os preços. Por
outro lado, estes poderão também subir, por iniciativa dos vendedores conluiados sem
qualquer relação com uma possível elevação da procura”. (NUSDEO, cit., pg. 175).
20 Acordos entre vendedores para a fixação de preços comuns.
21 Venda acoplada de produtos diversos, impedindo a livre escolha dos compradores.
22 NUSDEO, cit., pg. 175
23 “A de maior repercussão foi a americana conhecida como Sherman Act, por levar o nome
do senador que a propôs [...] aquela lei e as demais que se lhe seguiram, mesmo em outros
países, passaram a ser conhecidas como legislação antitruste. [...] No Brasil, afora dois
decretos-lei promulgados entre os anos 30 e 40, mas que não chegaram a ser aplicados,
existem desde 1962 leis destinadas a esse fim. Naquele ano editou-se a Lei 4.137, a qual
teve uma tímida aplicação. A lei atualmente em vigor é a 8.884 de 1994, bastante técnica
e atualizada. Sua aplicação incumbe a uma autarquia federal o Conselho Administrativo
de Defesa Econômica - CADE, órgão vinculado ao Ministério da Justiça”. (NUSDEO,
cit., pgs. 175-176).
12
econômica, nem sempre, ou raramente, todos os custos e os respectivos benefí-
cios recaem sobre a unidade responsável pela sua condução. As externalidades
representam uma nocente falha de sinal. Com efeito, todo o cálculo econômico
realizado pelos centros decisórios descentralizados passa a ser viciado. Por
certo, a incapacidade de incorporar todas as informações relevantes reproduz
um sério entrave ao funcionamento do sistema: a gratuidade.
“É como se houvesse uma estática causando um viés no sistema
de comunicação do mercado. Este baseia-se no pressuposto de que
sempre os custos e os benefícios de qualquer atividade serão apro-
priados pelas unidades responsáveis, quer produtoras, quer consu-
midoras. Quando tal pressuposto deixa de ocorrer, alguns fatores
escassos passam a ser utilizados gratuitamente, sem ter a sua es-
cassez devidamente sinalizada” (NUSDEO, 1997, p. 177).
Concomitante com os custos e benefícios circulando externamente ao
mercado, estes quedam-se incompensados, isto é, sem o devido auferimento de
preços. Malogrados os exemplos dos efeitos externos, que permeiam o tecido
social a cada instante, não podem ser tratados como exceção. Estes não são
fatos ocorridos fora das unidades econômicas, mas sim fatos ou efeitos ocorri-
dos fora do mercado, externos ou paralelos a ele, de modo geral vistos como
efeitos parasitas. Nusdeo comenta:
“Numa imagem muito simples, e imperfeita, o mercado pode ser
assimilado a uma barreira de pedágio das estradas. Para passar por
ela, é preciso pagar o preço. No entanto, se a barreira não for bem
construída e instalada, poderão alguns carros se valer de um atalho
e elidi-la, safando-se sem o correspondente tributo. Claramente
eles estarão em situação favorecida frente aos demais. [...] Mas,
além disso, os responsáveis pela estrada estarão recebendo uma
informação incorreta sobre o exato número dos seus usuários. Daí
a falha de sinal” (NUSDEO, 1997, p. 177).
Os efeitos das externalidades recaem bilateralmente: “Imagine-se uma
lavanderia que estenda a roupa lavada em um gramado a fim de secá-la ao
sol. Após algum tempo, uma usina metalúrgica instala-se nas vizinhanças e
de sua chaminé é expelida fumaça preta, bojada de partículas de fuligem que
se depositarão sobre a roupa estendida. Haverá aí um custo adicional para
a lavanderia, imposto pela usina. Ou, o que dá na mesma, ela lhe transferiu
um custo que seria seu, pois ela é responsável pela combustão imperfeita de
onde provém a fuligem. Logo, a lavanderia passou a ter um custo a mais:
o reenxaguar a roupa ou construir um abrigo para ela”; e plurilateralmente:
“Tentará repassar aquele custo adicional aos seus clientes. Em caso positivo,
estes arcarão, no fim das contas, com o custo da usina, ao pagarem mais caro
pela roupa lavada. Caso não haja a possibilidade de transferência dos custos
13
(em virtude da concorrência de outra lavanderia imune à fuligem), ela arcará
com o excesso de custo e possivelmente perderá o incentivo de ampliar os
seus serviços. Ainda na primeira hipótese, a da possibilidade de repasse, os
usuários poderão reduzir a frequência da lavagem de roupa. Em ambos os
casos, a comunidade talvez acabem ficando com roupas menos limpas do que
desejava, antes de surgir o custo parasita gerado pela usina. O exemplo pode
ser levado adiante. A fumaça preta, certamente, afetará as vias respiratórias
dos moradores locais —clientes ou não da lavanderia —, os quais terão custos
adicionais com a compra de remédios, consultas médicas ou temporadas para
mudança de ar”24.
Depreende do cenário acima descrito, no que concerne à externalidade,
o generante de problemas mundiais. Estes provêm de unidades produtoras e
consumidoras, equitativamente. Ao discorrer sobre a poluição, por exemplo,
em ambos os casos, tanto a usina metalúrgica quanto os carros produzidos
pela indústria automobilística contribuem com a emissão de elementos polu-
entes. Quando as externalidades sobejam em algum custo para alguém são
chamadas de negativas, ou deseconomias externas. Verifica-se o fenômeno em
ocasiões que o arcabouço legal se mostra incapacitado a identificar e a atribuir
tais custos adequadamente. Isto posto, o sinal dos preços (custos) continua fa-
lhando. “Mas eles, custos, não deixam de existir por causa disto e recaem sobre
terceiros determinados ou indeterminados. Por essa razão, esse tipo de exter-
nalidade é chamado de custo externo ou custo social, conforme identificáveis
ou não aqueles que lhe sofrem os efeitos”25.
Existem igualmente benefícios transferidos a terceiros26, ou seja, ex-
ternalidades ou efeitos externos positivos. A tendência provinda do espírito
hedonista será sempre de lançar para fora os seus custos e, pelo contrário,
granjear a internalização dos benefícios gerados externamente ao mercado.
“Neste último caso, tentarão obter uma compensação dos benefici-
ados —o que é difícil —ou do governo, mediante subsídios, redução
de impostos, fornecimento gratuito de serviços públicos e outras
formas. Veja-se, a respeito, o caso dos incentivos oferecidos pelos
municípios, em geral, para empreendimentos que se instalem em
seus territórios. Pondo de lado o notório exagero das chamadas
guerras fiscais entre municípios, a justificativa para aqueles incen-
tivos são exatamente as externalidades positivas trazidas por tais
empreendimentos”(NUSDEO, 1997, p. 181).
Apenas uma decidida ação do poder público no sentido da internaliza-
ção dos custos do produtor hedonista pode reverter esta situação, pois, como
já dito, a tendência é de mantê-las como tais. A redução dos custos terá sem-
pre todo o impulso em tomar ou manter externos aqueles que não conseguir
24 NUSDEO, cit., pgs. 177-178.
25 NUSDEO, cit., pg. 179.
26 Os beneficiários podem ser não identificáveis; não formar um grupo definido de pessoas.
14
reduzir. Ao perquirir sobre a natureza e as causas básicas da existência da
externalidade, o Brasil, “à semelhança de outros países, conta com uma lei
expressamente destinada à proteção dos interesses difusos27. É a Lei 7.347/85,
a qual disciplina a ação civil pública de responsabilidade por danos causados
ao meio ambiente, ao consumidor, a bens e direitos de valor artístico, estético,
histórico e paisagístico”28.
2.4.1 Disfunção do Sistema
“Na realidade, ela decorre de um divórcio entre escassez e propri-
edade” (NUSDEO, 1997, p. 182).
O fundamento institucional básico do sistema descentralizado é a pro-
priedade privada. Ela engendra toda a cadeia de trocas com a imputação de
preços respectivos. Uma vez que os custos ou benefícios não são compensa-
dos pecuniariamente, a comunidade serve-se de bens escassos como se fossem
livres, exaurindo-os ou deteriorando-os em sua qualidade. A escassez é o que
impõe uma contenção no uso do bem escasso. Ora, como já salientado, fenôme-
nos diversos como a poluição, o congestionamento das estradas e vias públicas
e o esgotamento de recursos naturais, inclusive de espécies animais, são cau-
sados pelos “bens que se tornam escassos sem atribuição de propriedade ou
sem o seu efetivo exercício pela imposição de preços. Um terreno esquecido
pelo seu proprietário acaba se transformando em um depósito de lixo. Nesse
caso, existe a propriedade mas ela não é exercida”29.
“Mas o que haveria de comum entre congestionamento, poluição e
exaustão de recursos? Exatamente a ausência ou o não exercício
mercantil (próprio do mercado) da propriedade. As estradas se con-
gestionam porque apesar de escassas não se cobra um preço pelo
seu uso ou então esse preço é muito pequeno. O rio é poluído por-
que não se cobra um preço pelo uso de suas águas como elemento
reciclador de resíduos ou resfriador de aparelhos. O mesmo quanto
à atmosfera. Se bem pensarmos, a poluição não passa de um caso
especial de congestionamento, o congestionamento dos bens ambi-
entais, oferecidos gratuitamente. Os recursos naturais ou espécies
animais exaurem-se, por não terem seus direitos de propriedade
firmados. Por essa razão, as espécies bravias —não apropriáveis
27 “Os exemplos de interesses difusos prendem-se, em sua maioria, à figura das externali-
dades. São os residentes de uma estância hidromineral ou de um balneário, mas também
os seus frequentadores, turistas, interessados na sua preservação. São os moradores de
um bairro residencial, mas também os demais habitantes de uma cidade, interessados
em não vê-lo desfigurado. Os consumidores ou espectadores de televisão, interessados em
não ser ludibriados pela propaganda enganosa ou massacrados pelo excesso de anúncios”.
(NUSDEO, cit., pgs. 181-182).
28 NUSDEO, cit. pg. Ibid.
29 NUSDEO, cit., Ibid.
15
—não. No preço de um frango já está computado o custo da sua
reposição, isto é, do ovo fecundado; mas não o custo de prear uma
espécie selvagem ou pescar um peixe antes da piracema. Há, em
suma, um divórcio entre escassez e propriedade” (NUSDEO, 1997,
p. 183).
2.4.2 Responsabilização dos Agentes e Correção
A ausência mercantil e o exaurimento de recursos proveniente da gra-
tuidade são dificuldades extremamente sérias. Elas projetam a internalização
ou privatização dos efeitos negativos representados pelos custos sociais. Deste
modo, as normas jurídicas vêm com a finalidade de promover a internaliza-
ção destes pelas suas unidades geradoras; ou então, simplesmente, impedir
a própria geração dos mesmos. O Direito Urbanístico e o Direito Ambiental
encontram no fenômeno em análise a sua base e a sua justificativa: “o zonea-
mento urbano, por exemplo, representa a tentativa de organizar as atividades
citadinas de maneira a reduzir a interferência de umas sobre as outras, com
a consequente imposição de custos”30. Estas também alcançam dispositivos
típicos de poder de polícia em vários setores, junto às normas proibitivas: “os
aplicáveis a condições, também, de segurança e higiene de estabelecimento
abertos ao público, como casas de espetáculos, restaurantes, escolas, com o
fim ostensivo de evitar o custo externo ou social, representado pelo risco à
incolumidade dos espectadores ou clientes pela falta de higiene ou de ade-
quado sistema de saídas em caso de emergência. Igualmente quanto a normas
aplicáveis a toda sorte de atividades, inclusive as de publicidade ou de entre-
tenimento”31. Juntamente, esquemas tributários são estruturados quando as
externalidades implicam em altos custos para a sociedade —como é o caso do
tabagismo —, em especial, para a Previdência Social, de modo a arcarem com
eles os seus agentes causadores transferindo recursos dos fabricantes para os
centros hospitalares, como ocorre em alguns países. A implantação de tarifas,
de mesmo modo, para o uso do meio ambiente32, está presente na legislação
ambiental de países mais avançados.
“Dessa forma, corrige-se esta disfunção do mercado, pois, como
deve ter ficado claro, o custo transferido é custo inexistente para
o seu gerador, uma indústria, por exemplo, a qual, assim, torna-se
artificialmente mais lucrativa do que o seria se obrigada a absorvê-
lo, permitindo-lhe destarte vender os seus produtos a um preço
artificialmente mais baixo. Há aí um viés do sistema de preços,
30 NUSDEO, cit., pg. 184
31 NUSDEO, cit., Ibid.
32 “Na Alemanha, no caso de bacias hidrográficas, é feito através de organizações especiais,
um tipo de cooperativa, chamadas Genossenschaften, as quais cobram um preço por
unidade de poluente lançado ao rio e usam os recursos para obras destinadas a facilitar a
sua despoluição. É o chamado princípio do poluidor-pagador, exemplo típico do processo
de internalização dos custos sociais”. (NUSDEO, cit., pg. 185)
16
levando a sociedade a consumir mais meio ambiente do que o faria
ou do que quereria caso existisse um preço associado ao seu uso”
(NUSDEO, 1997, p. 185).
As regras de bom tom, ou boa educação, ainda que não legais, ou
simplesmente morais, representam uma forma de atenuar os custos que a nossa
existência impõe aos demais membros da sociedade, no que tange aos interesses
difusos33.
2.5 Bens Coletivos
O suprimento de bens coletivos revela-se não operacional no sistema
de mercado. O princípio da racionalidade hedonista e moralidade utilitarista,
molas mestras do liberalismo, são incompatíveis com o princípio de inclusão
dos bens coletivos. Ao contrário dos bens exclusivos, os coletivos são aqueles
aptos ao atendimento simultâneo das necessidades de um grupo ou coletivi-
dade —para os quais não vigora o princípio da exclusão no ato de seu uso ou
do seu consumo. Ao disputar no mercado de bens exclusivos, os consumido-
res, através da preferência revelada, estão dispostos a sacrificar uma parcela
de suas rendas para obtê-los. Essa dinâmica não ocorre com os bens coletivos,
justamente pelo fato de não poderem ser excluídos de sua utilização, caso tais
bens venham a ser produzidos —como é o caso da defesa nacional, exemplo
mais absoluto de um bem coletivo, pois a proteção que ela traz a um cidadão é
exatamente igual àquela proporcionada a qualquer outro membro da coletivi-
dade. O princípio da soberania do consumidor determina o voto preferencial,
isto é, “a comunidade vota nos artigos que deseja ver produzidos, manifes-
tando as suas preferências por aqueles bens cujos preços se dispõe a pagar”34.
Nusdeo nos exemplifica, em termos práticos,a preferência discriminada:
“Seria o caso de uma ponte, do ensino público, de uma campanha
de vacinação, da melhora do aparato policial? Em princípio não,
porque o consumidor ou usuário sabe que se vier a colaborar fi-
nanceiramente para a realização de qualquer iniciativa desse tipo
sua participação individual será insignificante e dela não depen-
derá a materialização daquela iniciativa. Além do mais, uma vez
disponíveis aqueles bens, quaisquer terceiros que não contribuíram
receberão idênticos benefícios. Serão os free riders, ou seja, os be-
neficiários gratuitos da obra ou do serviço. A consequência dessa
33 “Uma notável reação do Direito aos generalizados efeitos externos das atividades econô-
micas veio a ser a elaboração do conceito de Interesse Difuso. Ele quer significar um
interesse comum a um grupo não delimitado de pessoas, contrapondo-se, assim, a outras
categorias de interesses contempladas pelo Direito: os interesses individuais, os interes-
ses coletivos, os interesses individuais homogêneos. Interessante observar que, no Direito
Processual Civil clássico, de índole liberal, era basicamente construído para a defesa dos
interesses individuais, subjacentes a qualquer demanda”. (NUSDEO, pgs. 185-186).
34 NUSDEO, cit, pgs. 186-187
17
situação é evidente. Uma economia fundada apenas no mercado
tenderá a discriminar fortemente os bens coletivos e a exagerar
a produção de bens exclusivos. Terá, assim, muitos carros, mas
poucas linhas de metrô ou um deficiente transporte coletivo: terá
muitas fábricas, mas poucos aparelhos antipoluentes —o ar puro
é um bem coletivo: maior pureza para uns, não significa menor
pureza para outros —; terá médicos particulares mas uma defici-
ente higiene pública e assim por diante. E, em muitos desses casos,
verifica-se ainda um fenômeno de causação circular: quanto pior
o transporte coletivo, mais se exacerba a procura por automóveis
particulares. Este, aliás, tem sido um dos pontos mais ressaltados
por diversos autores: a deficiente provisão de bens coletivos é uma
das distorções mais sérias de uma economia cujo processo decisório
se baseie essencialmente no mercado, pois o fato de as necessida-
des por bens coletivos não serem veiculadas adequadamente pelos
canais do mercado não significa que elas não existam ou não sejam
importantes. Há aí uma falha de incentivo, a inibir, pelo menos
parcialmente, o processo de encaminhamento de recursos aos seus
pontos ótimos de aplicação. Falha de incentivo em a população
manifestar a sua preferência, o que implica igualmente uma falha
de sinal para os supridores desses bens.” (NUSDEO, 1997, p. 187).
A rigor, esta percepção sempre existiu. O Estado, desde as eras mais
remotas, cobra tributos para fazer face, entre outros fins, às necessidades de
caráter coletivo, inclusive a sua própria manutenção. O serviço público, hoje
tratado pelo Direito Administrativo, com o crescimento da população e seu
adensamento nas áreas urbanas, veio normatizar estas necessidades, antes pura
e simplesmente desconsideradas, agora expandidas enormemente.
Encontrar-se-ia os bens coletivos, assim, como uma modalidade posi-
tiva de externalidade, sendo aquele dotado apenas de externalidades e produzi-
das para tal fim de geração ou produção de benefícios externos extramercado.
“É o caso de praças, parques e outros bens tipicamente coletivos. A estrada,
por exemplo, reduz os custos do transporte na região por ela atravessada. Mas
não é só. Há outros bens ou serviços que, muito embora exclusivos, geram um
tal montante de externalidades positivas a ponto de serem cada vez mais vis-
tos, eles próprios, como bens coletivos. É o caso da vacina35 [...], do ensino e
do saneamento”36.
A diversificação e desenvolvimento destas modalidades destinadas ao
Estado suprir, quer diretamente, quer mediante concessão de serviços públicos
35 “Aparentemente trata-se de um bem exclusivo, pois protege a quem foi com ela ino-
culado. Mas, à medida que uma parcela razoável da população a receba, aumentam as
probabilidades de todo o conjunto de habitantes ver-se livre de uma possível epidemia.
As altas externalidades fazem a vacina ser encarada muito mais como um bem coletivo
do que exclusivo”. (NUSDEO, cit, pg. 188).
36 NUSDEO, cit., pg. 188.
18
ou contratação de terceiros, quer via incentivos à produção pelo setor privado,
sempre deve-se ater e ser dotado de alto coeficiente de externalidades positivas.
Por esta razão, a falta de sinal decorrente da ausência de incentivo não ocorre
pelos canais de mercado, mas pelos canais da representação política, segundo
a escolha de legisladores e governantes, cujos programas contemplem o forneci-
mento deste ou daquele conjunto de bens coletivos, conforme a preferência dos
eleitores. Somente assim, de acordo com o economista francês, Henri Storch,
em 1823, no tratado Cours d’économie politique, “as bases da lei não seriam
princípios vagos como o direito divino ou natural, mas o princípio fecundo da
utilidade coletiva, plausível ao bom senso e passível de verificação”37
O Direito incorporou, nos ramos supracitados, o conceito de bem co-
letivo, cuja essência consiste, exatamente, em torná-los disponíveis à comu-
nidade. O financeiro: “fixando critérios e diretrizes para a movimentação dos
recursos estatais e, em particular, para a aplicação dos mesmos em serviços,
obras e contratações”; o administrativo: “implementando-os e disponibilizando-
os à população ainda quando sob formas de caráter privatizante, como as
concessões, parcerias e outras que tais”; e o tributário: empenhando-se “em
estabelecer os princípios e normas para a obtenção daqueles recursos, via tri-
butação, tendo subjacente a tais princípios as necessidades coletivas a serem
atendidas sob a égide estatal”38.
Considerações finais
A mecânica operacional de mercado, tal qual imaginada pelos clássi-
cos, não estava irrestrita a falhas. Previa-se, a cada caso concreto, um modelo
simplificado de concorrência perfeita —critério fundamental para o seu fun-
cionamento —, numeradamente: (I) ampla mobilidade dos fatores; (II) pleno
acesso a informações; (III) ausência de economias de escala, assegurando a ato-
mização; (IV) ausência de economias externas, quer positivas, quer negativas;
(V) exclusividade de todos os bens; e (IV) homogeneidade dos produtos. Como
constatado, o progresso do sistema de mercado revelou, ao mesmo tempo, o
apontamento dos seus problemas, cujo horizonte diferencia-se do acima elen-
cado, e, cada um deles, passou a corresponder a várias ações corretivas por
parte do Estado, traduzidas em normas legais e regulamentares de toda espé-
cie. Contíguo ao processo decisório do mercado veio emaranhado um aparelho
controlador de caráter burocrático, visando o impedimento das consequências
indesejáveis, e, para esta nova configuração, denominou-se o capitalismo re-
gulamentar ou de regime de mercado controlado ou ainda de neoliberalismo,
indicando a permanência dos postulados liberais, mas —nos dizeres do Pro-
fessor Fábio Nusdeo —, modificados para poderem levar em consideração os
novos reclamos provocados pelo imperfeito funcionamento dos mercados, o
qual, em última análise, implicava tolher a liberdade daqueles sobre quem
37 NUSDEO, cit., pg. 189.
38 NUSDEO, cit., pg. 190.
19
recaíssem as mesmas imperfeições.
“Este é um aspecto importante, pois veio deixar nítido as amea-
ças à liberdade podem provir de outras fontes que não apenas o
Estado. À liberdade do poluidor de poluir correspondem a falta de
liberdade da população de respirar ar puro ou de adquirir alimentos
não contaminados. O poder do monopolista de provocar a escassez
e fixar preços significa a compulsória entrega a ele de parcela ex-
tra da renda do consumidor. A defesa intransigente da liberdade
do indivíduo frente ao poder político poderia levá-lo à perda dessa
liberdade frente ao poder econômico, por alguma forma manifes-
tado” (NUSDEO,1997, p. 191).
Enceta-se, assim, a inauguração da intervenção do Estado na econo-
mia, ou no domínio econômico, e, este em vez de visto como mero interventor,
passa a ter a sua presença reclamada como um agente habitual, pois, em tese,
cerca-se das indispensáveis cautelas para limitá-la ao estritamente necessá-
rio, a fim de suprir as disfunções maiores do sistema, dando-lhe condições de
operacionalidade e viabilidade, legitimando-o. Logo, os setores da economia
insuscetíveis de equacionamento pelo mercado deverão, necessariamente, ser
atendidos pela ação coletiva. Parafraseando, uma vez mais, Professor Nusdeo,
isto não significa agir contra o mercado, mas, pelo contrário, em harmonia
com ele, suprindo-lhes as deficiências, sem lhe tolher as condições de funci-
onamento. Sem embargo, uma segunda motivação e extremamente poderosa
acoplou-se à esta, decorrente de preferências políticas, levando o Estado não
apenas a complementá-lo mas a direcioná-lo deliberadamente em função de
fins específicos. Consequentemente, a presença do poder político na economia
deixa de ter apenas por justificação as falhas do mercado e, este é um objeto
para ulterior dissertação.
Referências
NUSDEO, F. Curso de Economia: Introdução ao Direito Econômico. São
Paulo, SP, BR: Revista dos Tribunais, 1997. Citado 14 vezes nas páginas 4,
5, 6, 8, 9, 10, 11, 13, 14, 15, 16, 17, 18 e 20.
20
The Law as a rectifier element of the developed
market system
Edpo Macedo
1 de Março de 2016
Abstract
The present work presents the economic view of the law, from
its origins, causes and circumstances, to the gradual process of imple-
mentation, together with the realization of their faults and corrective
measures, stemming from the law. This is mainly based on "Curso de
Economia", by Fábio Nusdeo, especially his chapter on market failures,
widely cited in this article.
Key-words: economic law. neoliberalism. economy.
21
	Resumo
	Aceno histórico
	Movimento Constitucionalista
	Codificação do Direito Privado
	Sistema de Mercado Desenvolvido e os Ramos do Direito
	Rigidez dos Fatores e Intervenção Estatal
	Acesso à Informação e Consumo
	Concentração Econômica e Poder Econômico
	Externalidades e Interesses Difusos
	Disfunção do Sistema
	Responsabilização dos Agentes e Correção
	Bens Coletivos
	Considerações finais
	Referências
	Abstract