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1 Topoi (2006) 25:91–95 DOI 10.1007/s11245-006-0014-1 Uma Centena de Flores Graham Priest1 © Springer Science+Business Media B.V. 2006 Resumo: este artigo discute para onde a Filosofia está indo atualmente. Ele destaca várias tendências atuais. A partir disso, direciona-se para a pergunta qual o rumo que ela deveria tomar. Após uma breve discussão a respeito do significado dessa pergunta, conclui-se que nenhuma orientação pode ser dada à filosofia, mas sim que cada filósofo deve procurar por aquilo que pensa ser importante. Palavras chaves: filosofia de mente; ética aplicada; pós-modernismo; lógica não-clássica; Filosofia Asiática; importância filosófica; Wittgenstein; Heidegger; coruja de Minerva. Deixar que uma centena de flores floresçam e deixar que uma centena de escolas do pensamento se defrontem é a política para promover o progresso das artes e das ciências. Mao Zedong A maioria dos filósofos mantém os olhos firmemente fixos no seguinte: como terminar o artigo, o livro, ou a conferência na qual estão trabalhando. O mal está no fato de, até então, isso ser o suficiente. Não obstante, a maior parte dos filósofos que conheço rumina ocasionalmente sobre o futuro da Filosofia — normalmente, com uma garrafa de vinho — e perguntam-se para onde ela está indo ou deveria estar indo. Seguem-se algumas reflexões atinentes a essa questão — entretanto o leitor terá que providenciar a sua própria garrafa de vinho. Na realidade há duas perguntas aqui. A primeira é puramente descritiva: para onde, enquanto uma questão de fato, a filosofia está indo? – O que permanecerá igual daqui a 10 anos, 100 anos, 1000 anos? A segunda é uma pergunta normativa: para onde a Filosofia deve caminhar? Acima de tudo, filósofos são tão humanos quanto qualquer ser humano, e, portanto, como qualquer um, eles também fazem coisas estúpidas. É possível que eles guiem a Filosofia para o caminho errado. Nenhuma das duas perguntas é fácil ou simples. Deixe-me começar com a primeira, a descritiva. Voltarei à normativa mais tarde. Para o futuro Não há modo de se predizer o futuro da Filosofia com base no presente da mesma, nem sequer pode-se fazê-lo a partir da análise conjunta de seu presente e passado. O motivo disso é porque, em termos dinâmicos, a Filosofia é um sistema aberto. Certamente, existem tendências filosóficas atuais, mas essas podem ser interrompidas, e freqüentemente o são, pelos mais diferentes tipos de eventos. Os eventos podem ser internos à Filosofia, tais como a inserção de uma posição filosófica maior e mais nova. Ou eles podem ser externos, como importantes e atuais eventos políticos ou científicos com implicações filosóficas. Mas o que quer que sejam esses eventos, eles são, sobretudo, imprevisíveis. E quanto mais nós penetramos no futuro, mais haverá eventos, e mais as suas conseqüências irão se ramificar. Tome-se, por exemplo, a Filosofia no século XX. Alguém que olhou para a conjuntura da Filosofia em 1900 não poderia ter qualquer idéia dos eventos que perturbariam as trajetórias que ela apresentava naquela época. Primeiro, havia eventos internos à Filosofia, como a publicação do Tractatus e de Sein und Zeit (Ser e Tempo), ou o desenvolvimento da 1 G. Priest University of Melbourne, Melbourne, Victoria, Australia, e-mail: g.priest@unimelb.edu.au G. Priest University of St Andrews, St Andrews, Fife KY16 9AJ, Scotland 2 semântica para lógicas modais, com seu maquinário de mundos e essências. Houve também eventos não-filosóficos que tiveram impacto na Filosofia. Os principais incluem o advento do computador (na filosofia de mente), a teoria quântica (na metafísica e na filosofia da ciência), a ascensão e a queda da União Soviética (na filosofia política), o desenvolvimento de toda a área da engenharia biomédica (na ética). Nenhum desses eventos poderia ter sido previsto em 1900. Sem dúvida, a Filosofia no século XXI será afetada de modo similar. A natureza aberta do desenvolvimento filosófico significa que predizer como será a Filosofia dentro de 1000 anos — se, em verdade, houver qualquer pessoa envolvida com o fazer Filosofia daqui a 1000 anos — é uma completa especulação. Talvez alguém possa afirmar um pouco mais sobre a Filosofia em um período de 100 anos (assumindo que nenhum grande desastre ecológico, econômico, ou militar ceife a raça humana nesse período, o que é uma suposição não muito segura). Essas observações são extremamente banais, mas podemos muito bem começar com elas. Por centenas de anos os filósofos têm discutido lógica, metafísica, epistemologia, estética, ética e filosofia política. Esse fato é improvável que mude repentinamente — entretanto, o que estará sendo discutido nessas áreas em cerca de 100 anos é outra questão. Outra coisa que os filósofos têm feito há um longo tempo é discutir a história da Filosofia: as interpretações dos seus antecessores. Isso, penso eu, também é improvável que venha a mudar repentinamente2. Porém, as interpretações discutidas daqui a 100 anos serão sobre quem? Isso é menos claro. Filósofos tendem a entrar e sair de moda. Os antigos que, sem nos abandonar, têm resistido ao teste do tempo — Platão, Aristóteles, Leibniz, Hume, Kant — são no mínimo apostas bem seguras. Quais filósofos do século XX serão discutidos daqui a 100 anos? Aqui deixamos qualquer solo firme. Se eu tivesse que apostar, colocaria as minhas fichas em dois: Wittgenstein e Heidegger. Aquilo que os filósofos que resistiram ao teste do tempo têm em comum são duas coisas. Primeiro, a visão de mundo deles é fascinante, apesar do fato — ou talvez em virtude do fato — dela poder ser bem estranha. Segundo, tal visão tem uma profundidade, ou talvez, obscuridade que permite a gerações sucessivas de filósofos poder sempre retornar uma vez mais às obras daqueles, encontrando coisas novas aí. Na medida em que isso é válido, considero que Wittgenstein e Heidegger são os dois filósofos do século XX cujo trabalho melhor satisfaz estas condições. Tendências atuais Permitam-me retornar da especulação para um solo ligeiramente mais firme. Certas projeções limitadas para o futuro em curto prazo da Filosofia podem ser feitas, caso sejam compreendidas as tendências atuais e a força de cada uma dessas tendências da Filosofia. Parece-me que a Filosofia está atualmente em um estado relativamente fragmentado e diversificado (certamente, comparado com o modo como era há 50 anos). Existem muitos paradigmas diferentes, programas de pesquisa, áreas "quentes” 3. Esses paradigmas têm um impulso que os impelirá durante algum tempo, entretanto não necessariamente por um longo- tempo. É impossível discutir todos eles aqui, mas permitam-me destacar quatro deles, bastante diferenciados, mesmo que para um comentário muito frágil. 1. Durante a última década, a filosofia da mente tem sido dominada por metáforas computacionais (independente do fato de se estar a favor ou contra elas): funcionalismo, modularidade, cognição como computação. Não há sinal de que 2 Por que a história da Filosofia parece tão mais importante para a Filosofia do que a história da ciência é para a ciência, é uma pergunta interessante, mas não me dedicarei a essa questão neste texto. 3 Eu discuti isso em Priest (2003). Portanto, não repetirei as considerações aqui. 3 essa dominação venha a ter fim, mas eu não seria pego de surpresa por ver estas metáforas substituídas por outras mais biológicas, como, por exemplo, baseadas nos avanços bio-tecnológicos, visto que começamos a ter sucesso em desenvolver e montar dispositivos inteligentes.2. Na ética, aproximadamente 15 anos atrás, os filósofos redescobriram o fato de que, na verdade, eles têm coisas importantes para dizer sobre assuntos éticos (ao contrário dos assuntos meta-éticos)—daí o germinar da inapropriadamente nomeada “ética aplicada”. Não há dúvidas de que ela é o prato da moda—assim como a paradoxal ética empresarial. Todavia, penso que esse tópico nos acompanhará por um longo percurso e, sem dúvida, será particularmente impulsionado para os desenvolvimentos na tecnologia biomédica. 3. Indubitavelmente, idéias que caem sob o epíteto do "pós-modernismo" tiveram um grande impacto na Filosofia durante os últimos 20 anos, especialmente em relação a filósofos com inclinações mais literárias. Em último caso, isso pode ir um pouco mais longe, mas eu acredito que o trabalho referente a esse tipo de inclinação já alcançou o seu limite. Até mesmo em departamentos de literatura está ficando claro que esse filão da Filosofia com a literatura está fraquejando, e está próximo de ser esgotado — se é que, na realidade, já não está esgotado (isso não é, apresso- me em adicionar, um julgamento sobre a "Filosofia Continental", como minhas observações atinentes a Heidegger devem, eu espero, deixar claro). 4. O desenvolvimento da lógica moderna teve um impacto enorme na Filosofia do século XX. Isso ainda continua, mas a natureza do impacto sofreu uma metamorfose durante os últimos 30 anos. As técnicas de lógica que se tornaram cada vez mais importantes na metafísica e na filosofia da linguagem são aquelas pertencentes à chamada lógica não-clássica: mundos (possível e impossível), lacunas e fusões de valores de verdade, lógica para predicados vagos, e assim por diante. De qualquer modo, as técnicas filosoficamente pertinentes da lógica moderna parecem ser um filão que está longe de ser esgotado. Espero que isso seja trabalhado em um futuro próximo. Filosofias Asiáticas Contudo, se eu tivesse que escolher qual tendência será mais significativa na Filosofia Ocidental nos anos vindouros, não seria nenhuma dessas. O estudo de Filosofias Asiáticas está atualmente sendo levado a sério em departamentos de Filosofia Ocidental, de um modo que seria inconcebível há apenas 15 anos atrás. Para mim, essa tendência será mais importante do que tudo o que mencionei até então. São duas as razões para se pensar assim. A primeira é externa. Até dois séculos atrás, o Ocidente (base européia) e o Oriente (base indiana ou chinesa) com suas sociedades e culturas desenvolveram-se de forma que permaneciam relativamente isolados um do outro. Suas tradições filosóficas, em particular, desenvolveram-se com pouca influência de uma sobre a outra. Isso mudou com a expansão capitalista do Ocidente e com o imperialismo. Grandes parcelas do Oriente foram colonizadas, e o restante teve que lidar com essa situação em virtude do poder militar e econômico do Ocidente. O impacto do Ocidente no Oriente foi significativo. Em particular, filósofos em países orientais tornaram-se familiarizados com o pensamento ocidental e começaram a lidar com ele. Assim, em muitas universidades na Ásia Oriental se pode, hoje, encontrar departamentos de Filosofia Ocidental. Na medida em que o Ocidente tornou-se o poder dominante, a influência de outra cultura estava relativamente limitada. Os filósofos ocidentais precisavam saber pouco sobre a Filosofia do Oriente. Atualmente, a situação está mudada—na verdade, inverteu-se. O Japão 4 já está capitalizado; rapidamente a China também está fazendo o mesmo; e a Índia pode não estar muito atrás da China. Isso dará ao Oriente um poder econômico que será impactante para o Ocidente. De fato, isso já ocorre. Sociedades ocidentais se familiarizarão, e começarão a acolher os costumes orientais. Em particular, filósofos ocidentais terão que se envolver com Filosofias Orientais. A segunda é interna. No passado, não era incomum ouvir os filósofos ocidentais expressarem a opinião de que a Filosofia Oriental não era realmente Filosofia: era religião, algo oracular, misticismo (Deve ser dito que provavelmente a maioria dos filósofos que sustentaram tal ponto de vista não leu qualquer filósofo oriental; nem teriam feito os mesmos comentários sobre a Filosofia Cristã medieval.). Nada, porém, poderia estar mais distante da verdade. Filosofias do Oriente contêm ricas tradições de metafísica, ética, epistemologia, filosofia de mente, filosofia política. Há idéias, argumentos e debates de uma sofisticação similar as do Ocidente. Evidentemente, apresentam-se em idiomas e tradições que são pouco conhecidos pelos filósofos ocidentais. Contudo, o mesmo pode ser dito (e deveria ser mostrado) a respeito da Filosofia Grega antiga para um filósofo moderno que leu apenas Filosofia do século XX. Quando os filósofos ocidentais aprenderem a operar com esses idiomas e tradições, eles acharão que muitos dos problemas com os quais a Filosofia Oriental luta são problemas com os quais eles mesmos estavam completamente familiarizados: a natureza da mente; Deus; como funciona o estado; a natureza de conhecimento; assuntos éticos. Não obstante, a Filosofia Oriental não é nenhuma mera sósia da Filosofia Ocidental. Há muitas perspectivas e argumentos dentro dessas áreas genericamente familiares que não serão achados em tradições ocidentais. Eu penso que aceitar essas perspectivas e argumentos será enormemente estimulante para filósofos ocidentais em um futuro próximo. Deixe-me dar um par de exemplos para ilustrar as semelhanças e diferenças entre Filosofias do Oriente e do Ocidente. Da mesma forma que as tendências filosóficas ocidentais, as Filosofias Orientais atentaram para a natureza do ego. A opinião clássica sobre esse assunto na Filosofia Budista é que não há nenhum ego duradouro. Uma pessoa é simplesmente um conjunto de agregados (alguns mentais e alguns físicos) que são convencionalmente identificados durante certo tempo. Há, aqui, semelhanças óbvias com o conceito de "ego" proposto por Hume. Para Hume, uma pessoa é apenas um conjunto de pensamentos: não há nenhum "self" subjacente que os mantenha reunidos. O que daria suporte aos pensamentos é muito mais uma similaridade. Agora, vejamos uma diferença. A visão Budista atinente ao ego está encravada em uma perspectiva muito mais radical. Não é apenas o fato de que não há nenhum ego substancial; não há nenhum tipo de substância. Toda e qualquer coisa está vazia de ser, e é o que é somente em relação a outras coisas. Essa era uma opinião provocante e controversa na Filosofia Oriental. Acredito que filósofos ocidentais não conheciam nada igual a isso antes. E é exatamente como provocante e controverso que isso soará para eles. Deixe-me retornar da metafísica para a filosofia política, e, particularmente, para a perspectiva de estado encontrada na filosofia confuciana e neo-confuciana. Para começar, vejamos a família no pensamento confuciano. Dentro de uma família há várias relações hierárquicas: marido para com esposa, pai para criança, irmão mais velho para irmão mais jovem. O membro subordinado de cada par deve ao outro respeito, obediência e dever. O membro dominante de cada par, por outro lado, recebe a incumbência de garantir o bem estar da parte mais fraca e mais ingênua. A família é constituída por esses laços de relações recíprocas. De acordo com o pensamento confuciano, o estado é a família na mais ampla magnitude. No estado, há, novamente, uma rede de relações hierárquicas de poder, com o imperador ao topo. A sociedade funcionando corretamente é a sociedade onde as pessoas cumprem suavemente e obedientemente os próprios deveres e exigências dos papéis sociais. 5 Evidentemente, essa perspectivaé radicalmente diferente da perspectiva relativamente igualitária e atomística encontrada na filosofia política "liberal e democrática" da contemporaneidade. Ela é, inclusive, um tanto detestável à visão contemporânea. Além disso, ela foi, por coincidência, detestável também a muitos filósofos chineses—especialmente aos Taoistas, que criticoram impiedosamente a perspectiva confuciana. Porém, certamente, pontos de vistas semelhantes serão encontrados na história de filosofia política ocidental. Para Aristóteles e Bradley, por exemplo, a sociedade forma papéis hierarquicamente ordenados, e as pessoas têm deveres em virtude de ocuparem tais papéis. Mas novamente há diferenças profundas. O que tem importância central para o pensamento confuciano é a idéia de que as pessoas e suas sociedades estão encravadas em um mundo natural, o qual funciona por causa dos opostos e das relações recíprocas entre eles (yin e yang). A harmonia natural é alcançada quando esses opostos estiverem em equilíbrio. O funcionamento do estado é apenas um caso especial dessas relações. Portanto, alguém pode tentar justificar a filosofia política confuciana não somente com argumentos políticos, mas também com argumentos metafísicos. Ver a ordem social como uma parte de uma ordem natural desse tipo é uma perspectiva que não é familiar a filósofos políticos ocidentais (mas que poderia interessar para a consciência ecológica emergente no Ocidente?). O que deveríamos estar fazendo? Até então isso é o que se pode dizer a respeito da questão: para onde a Filosofia está indo? Passemos, agora, a pergunta: para onde a Filosofia deveria estar indo? Aqui nos deparamos com um problema filosófico. O que significa exatamente tal pergunta? Obrigações são aplicáveis a pessoas, ou pelo menos a agentes — os quais podem incluir organizações e também pessoas. As obrigações não são aplicáveis a tópicos relativos à investigação acadêmica ou às disciplinas acadêmicas. Suponho que pode ser sugerido que a filosofia acadêmica é, no mínimo, uma organização, e, com isso, pode ser questionado quais obrigações ela tem. Mas, na verdade, a filosofia acadêmica não é uma organização. Ela não tem nenhuma autoridade central ou estrutura gerenciadora. Ela simplesmente é um grupo de pessoas fragilmente conectadas com diferentes afiliações institucionais e uma familiar semelhança de interesses. Talvez, então, tenhamos que interpretar a questão na forma da pergunta o que cada filósofo em particular deveria estar fazendo? Ora, todas as pessoas têm obrigações — morais, legais, políticas. Nesse sentido, os filósofos não são diferentes de qualquer outra pessoa. E não está claro que ser um filósofo imponha qualquer obrigação adicional. Talvez faça mais sentido interpretar as obrigações como hipotéticas em lugar de categóricas. Se alguém é um filósofo, o que ele deveria estar fazendo? Em outras palavras, o que deveria um filósofo qua filósofo estar fazendo? Se alguém quer ser um filósofo, esse alguém deveria voltar a atenção para assuntos filosóficos, teorizar sobre eles, analisar possíveis respostas, e assim por diante. Mas isso é muito fácil. Evidentemente, não é o caso de que todos os assuntos filosóficos são de igual importância. Assim, nós podemos reformular nossa pergunta: quais são os tópicos importantes que os filósofos deveriam estar tentando resolver4? Estamos nos aproximando de algum lugar com a questão, mas ainda não chegamos lá. Os filósofos deveriam tentar resolver questões importantes. Mas importante para quem? O que é importante para uma pessoa pode não ter a mínima importância para outra. Podemos encontrar uma noção de "importância" que não seja subjetiva? A resposta, eu penso, é “sim”. Considere os seguintes pares: 4 Também poderíamos perguntar: quais temas são temas filosóficos? Essa é uma pergunta que coloco em discussão apenas para destacá-la. 6 1. A invenção/descoberta da teoria das formas versus a análise platônica da percepção encontrada no Teeteto; 2. A invenção/descoberta do idealismo transcendental versus a idéia de que a mecânica newtoniana é sintética a priori; 3. A invenção/descoberta do quantificador versus a notação do Begriffsschrift. Pareceria facilmente perceptível que, em cada caso, o primeiro membro do par foi mais importante que o segundo. Em cada caso, o anterior veio a ter um impacto sistemático em amplas áreas da Filosofia, o que o posterior não o fez5. Essa não é nenhuma distinção entre idéias "muito amplas" e pequenos "detalhes técnicos". Certamente, idéias muito amplas podem ter um impacto central, mas elas podem ser igualmente improdutivas. Assuntos técnicos pequenos podem inicialmente não aparentar o grande impacto que eles terão, mas eles podem revelar-se e desenvolverem-se do modo mais inesperado. Assim, nossa pergunta revelou ser da seguinte forma: quais das idéias atualmente circundantes serão aquelas que terão um impacto profundo na disciplina? Se soubéssemos isso, poderíamos muito bem aconselhar os filósofos a trabalhar nelas. Supor que a pergunta tem exatamente uma resposta é certamente um absurdo. Idéias do tipo em questão — se é que atualmente existe alguma idéia por aí— são provavelmente muitas: na ética, na lógica, na filosofia da mente. Mais importante que isso, é o fato de ser completamente impossível responder a questão em voga. Aqui, a coruja de Minerva certamente voa ao entardecer. Quando uma idéia aparece, é impossível dizer o quanto ela é forte, que implicações ela eventualmente terá. Portanto, de tudo que poderia ser dito sobre as idéias no momento de seu aparecimento, cada uma das três idéias mais importantes que mencionei há pouco poderia ter sido uma idéia sem profundidade ou desagradavelmente defeituosa, e, dessa forma, teria tido uma morte rápida. As idéias menos prósperas, contrastivamente, poderiam ter alcançado implicações profundas em todas as direções. A história das idéias é entulhada com coisas que apareceram como sendo relevantes durante um tempo, mas que desfaleceram; e com coisas que pareciam ser de pouca significação na época, mas que cresceram em significação para além de toda razoável expectativa. Em outras palavras, se nós voltarmos nossa atenção para uma orientação filosófica a respeito do que fazer agora, não há nada a ser encontrado. A única advertência que alguém poderia dar para os filósofos é “deixem mil flores florescerem”. Deixem que os filósofos sigam aquilo que para eles é importante. Algum deles pode perfeitamente estar certo. Referência Priest G (2003) Where is philosophy at the start of the twenty-first century? Proceedings of Aristotelian Society 103: 85–96. 5 Isso põe em discussão a questão sobre o que diz respeito a essas idéias importantes que lhes permitem ter o impacto que elas têm. Possivelmente alguém poderia atribuir isso a algum tipo de profundidade intrínseca — caso em que é completamente possível que uma idéia possa ter tal profundidade, mas pode não ter impacto (talvez porque nunca recebeu impulso público suficiente). Penso que isso é um assunto particularmente denso, e, felizmente, é um assunto que nós podemos evitar aqui.
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