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CENTRO UNIVERSITÁRIO FAVENI METODOLOGIA E PRÁTICA DO ENSINO DA FILOSOFIA GUARULHOS - SP 2 SUMÁRIO 1 O ESTUDO DA FILOSOFIA .................................................................................... 3 1.1 A Filosofia ............................................................................................................. 4 1.2 O que é Filosofia ................................................................................................... 6 1.3 Surgimento ............................................................................................................ 7 1.4 A Filosofia para alguns filósofos ........................................................................... 9 2 NASCIMENTO DA FILOSOFIA ............................................................................. 10 3 HISTÓRIA DA FILOSOFIA.................................................................................... 16 3.1 A Filosofia Antiga ................................................................................................ 22 3.2 As principais características da Filosofia ............................................................ 23 3.3 A importância de ensinar Filosofia ...................................................................... 25 4 FILOSOFIA DA CIÊNCIA ...................................................................................... 26 4.1 Questões de estudo da Filosofia ......................................................................... 29 5 FILOSOFIA NO BRASIL ....................................................................................... 31 5.1 História da Filosofia no Brasil .............................................................................. 33 6 O ENSINO DA FILOSOFIA ................................................................................... 34 6.1 Não se ensina filosofia, mas a filosofar ............................................................... 38 6.2 Histórico da Filosofia como disciplina no Brasil .................................................. 41 6.3 Rumos do Ensino da Filosofia ............................................................................ 48 7 EDUCAÇÃO AMBIENTAL..................................................................................... 52 7.1 O que é educação ambiental .............................................................................. 53 7.2 Ensino da Filosofia e educação ambiental .......................................................... 54 8 A FILOSOFIA COMO INSTRUMENTALIZAÇÃO REFLEXIVA NA FORMAÇÃO DO EDUCANDO .............................................................................................................. 59 8.1 A importância da filosofia na formação do educador .......................................... 61 8.2 A Educação a partir da experiência .................................................................... 62 8.3 A Educação que conduz à reflexão .................................................................... 64 REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 67 3 1 O ESTUDO DA FILOSOFIA "A Filosofia contribui para o estudo da Ética e Moral, demanda social negligenciada na formação do cidadão brasileiro" - Arthur Meucci. Para muitos, perda de tempo, pois exige maturidade intelectual que a maioria dos alunos não tem. Mas há defensores fervorosos de sua inclusão no currículo, caso do filósofo e psicanalista Arthur Meucci. "É a única disciplina da grade escolar que faz a ponte entre o português, a sociologia, a história e a matemática, além de contribuir para o estudo da Ética e Moral, demanda social negligenciada na formação do cidadão brasileiro", destaca. Filosofia é uma palavra grega que significa “amor à sabedoria” e consiste no estudo de problemas fundamentais relacionados à existência, ao conhecimento, à verdade, aos valores morais e estéticos, à mente e à linguagem. Filósofo é um indivíduo que busca o conhecimento de si mesmo, sem uma visão pragmática, movido pela curiosidade e sobre os fundamentos da realidade. Além do desenvolvimento da filosofia como uma disciplina, a filosofia é intrínseca à condição humana, não é um conhecimento, mas uma atitude natural do homem em relação ao universo e seu próprio ser. Fonte: filosofiacienciaevida.com.br 4 A filosofia foca questões da existência humana, mas diferentemente da religião, não é baseada na revelação divina ou na fé, e sim na razão. Desta forma, a filosofia pode ser definida como a análise racional do significado da existência humana, individual e coletivamente, com base na compreensão do ser. Apesar de ter algumas semelhanças com a ciência, muitas das perguntas da filosofia não podem ser respondidas pelo empirismo experimental. A filosofia pode ser dividida em vários ramos. A “filosofia do ser”, por exemplo, inclui a metafísica, ontologia e cosmologia, entre outras disciplinas. A filosofia do conhecimento inclui a lógica e a epistemologia, enquanto filosofia do trabalho está relacionada a questões da ética. Diversos filósofos deixaram seu nome gravado na história mundial, com suas teorias que são debatidas, aceitas e condenadas até os dias de hoje. Alguns desses filósofos são Aristóteles, Pitágoras, Platão, Sócrates, Descartes, Locke, Kant, Freud, Habermas e muitos outros. Cada um desses filósofos fez suas teorias baseadas nas diversas disciplinas da filosofia, lógica, metafísica, ética, filosofia política, estética e outras. De acordo com Platão, um filósofo tenta chegar ao conhecimento das ideias, do verdadeiro conhecimento caracterizado como episteme, que se opõe à doxa, que é baseado somente na aparência. Segundo Aristóteles, o conhecimento pode ser divido em três categorias, de acordo com a conduta do ser humano: conhecimento teórico (matemática, metafísica, psicologia), conhecimento prático (política e ética) e conhecimento poético (poética e economia). Nos dias de hoje a palavra "filosofia" é muitas vezes usada para descrever um conjunto de ideias ou atitudes, como por exemplo: "filosofia de vida", "filosofia política", "filosofia da educação", "filosofia do reggae" e etc.1. 1.1 A Filosofia A filosofia não é um conjunto de conhecimentos prontos, um sistema acabado, fechado em si mesmo. A filosofia é uma maneira de pensar e é também uma postura diante do mundo. Antes de mais nada, ela é uma forma de observar a realidade que 1 Texto extraído de: www.significados.com.br 5 procura pensar os acontecimentos além da sua aparência imediata. Ela pode se voltar para qualquer objeto: pode pensar sobre a ciência, seus valores e seus métodos; pode pensar sobre a religião, a arte; o seu cotidiano, o próprio homem em sua cultura e imagem. A filosofia em síntese não é tão somente uma interpretação do já vivido, daquilo que você possa estar objetivando, mais também a interpretação das aspirações e desejos do que ainda está por vir e do que está para chegar. Para iniciar o exercício de filosofa, a primeira coisa a fazer é admitir que vivemos e vivenciamos valores e que é preciso saber quais são eles. Filosofia é inventariar os valores que explicam e orientam nossa vida e a vida da sociedade, e que dimensionam as finalidades da prática humana. O segundo momento é o momento da crítica que é um modo de penetrar dentro desses valores, descobrindo -lhe a sua existência. A filosofia e educação estão vinculadas no tempo e no espaço. A pedagogia inclui mais elementos do que o pressuposto filosófico da educação, tais como os processos socioculturais, a concepção psicológica do educando e a forma do processo educacional. Para que possamos compreender ainda mais essa filosofiae como ela é parte de uma educação inteiramente possuída pela realidade e construção cultural, segundo o filósofo e educador Demerval Saviani, a reflexão filosófica deve possuir as seguintes características: 6 1.2 O que é Filosofia A pergunta pelo que é a Filosofia é, em si, uma investigação filosófica cujas tentativas de resposta ocorrem desde Pitágoras, que cunhou o termo. O que é isto: a Filosofia? Se essa pergunta continua a ser feita é porque é um desafio a tentativa de respondê-la. Não há uma definição simples que consiga resolver a questão, pela própria extensão do conteúdo produzido que se convencionou chamar de “filosofia” e pelas diferentes respostas que os filósofos deram a ela no decorrer da história, muitas vezes refutando as interpretações de outros. Ou seja, a própria questão “O que é Filosofia” é aquilo que chamamos de “problema filosófico”: problemas que só podem ser resolvidos por meio da investigação racional, pois não podem ser constatados por meio de uma experimentação, como faz a Matemática, através de cálculos, ou de análise de documentos, como faz a História, por exemplo. Vamos tomar a palavra “Justiça” como exemplo, pelo método histórico, nós podemos fazer uma investigação de quando essa noção aparece, em qual contexto, quais foram seus antecedentes, qual o sentido essa palavra teve em determinada época. Se dois sócios querem dividir os lucros da empresa de forma justa, ou seja, dividindo igualmente o lucro e os custos, a Matemática pode nos ajudar a partir de 7 cálculos. No entanto, se tentarmos responder “O que é a justiça?” ou: “Faz parte da condição humana a noção de justiça?”, o único recurso que teremos será a nossa razão, a nossa capacidade de pensar. Desde a invenção da palavra “filosofia”, por Pitágoras, temos diversos problemas filosóficos e diversas respostas a cada um deles. Para os pré- socráticos: a physis; para a Filosofia Antiga: a atividade política, técnicas e ética do homem; para a Filosofia Medieval, o conflito entre fé e razão, os Universais, a existência de Deus, a conciliação entre Presciência divina e Livre-arbítrio; para a Filosofia Moderna, o empirismo e o racionalismo, para a Filosofia Contemporânea,diversos problemas a respeito da existência, da linguagem, da arte, da ciência, entre outros. Temos também uma diversidade de formas literárias da filosofia: Parmênides escreveu em forma de poema; Platão escreveu diálogos; Epicuro escreveu cartas; Tomás de Aquinodesenvolveu o método “questio disputatio” em suas aulas que foram transcritas por seus alunos;Nietzsche escreveu em forma de aforismos. Por esses exemplos, que não esgotam a pluralidade da escrita e da atividade filosófica, podemos compreender que as formas de se fazer filosofia vão muito além dos tratados e das dissertações. A compreensão que temos por vezes da Filosofia como uma atividade reservada a gênios e que, portanto, não precisa se preocupar em se fazer entendida aos demais humanos é baseada em uma compreensão da atividade do pensamento sendo superior à atividade da linguagem, como se elas estivessem dissociadas. Ora, não podemos ainda, por mais desenvolvidas que estejam as nossas tecnologias, expressar o pensamento sem linguagem e nem exercitar a linguagem sem que ela seja, antes, elaborada pelo pensamento. 1.3 Surgimento A Filosofia, como conhecemos hoje, ou seja, no sentido de um conhecimento racional e sistemático, foi uma atividade que, segundo se defende na história da filosofia, iniciou na Grécia Antiga formada por um conjunto de cidades-Estado (pólis) independentes. Isso significa que a sociedade grega reunia características 8 favoráveis a essa forma de expressão pautada por uma investigação racional. Essas características eram: poesia, religião e condições sociopolíticas. A partir do século VII a.C., os homens e as mulheres não se satisfazem mais com uma explicação mítica da realidade. O pensamento mítico explica a realidade a partir de uma realidade exterior, de ordem sobrenatural, que governa a natureza. O mito não necessita de explicação racional e, por isso, está associado à aceitação dos indivíduos e não há espaço para questionamentos ou críticas. É em Mileto, situado na Jônia (atual Turquia), no século VI a.C. que nasce Tales que, para a Aristóteles é o iniciador do pensamento filosófico que se distingue do mito. No entanto, o pensamento mítico, embora sem a função de explicar a realidade, ainda ecoa em obras filosóficas, como as de Platão, dos neoplatônicos e dos pitagóricos. A autoria da palavra “filosofia” foi atribuída pela tradição a Pitágoras. As duas principais fontes sobre isso são Cícero e Diógenes Laércio. Vejamos o que escreve Cícero: “O doutíssimo discípulo de Platão, Heráclides Pontico, narra que levaram a Fliunte alguém que discorreu douta e extensamente com Leonte, príncipe dos fliúncios. Como seu engenho e eloquência tivessem sido apreciados por Leonte, este lhe perguntou que arte professasse, ao que ele respondeu que não conhecia nenhuma arte especial, mas que era filósofo. Admirado Leonte diante da novidade daquele termo, perguntou que tipo de pessoas eram os filósofos e o que os distinguia dos outros homens. (...) [Pitágoras respondeu] Outrossim, os homens (…) comparam-se com os que vão da cidade a uma festa popular: alguns vão em busca de glória enquanto outros de ganho, restando, todavia, alguns poucos que desconsiderando completamente as outras atividades, investigam com afinco a natureza das coisas: estes se dizem investigadores da sabedoria - quer dizer filósofos - e como é bem mais nobre ser espectador desinteressado, também na vida a investigação e o conhecimento da natureza das coisas estão acima de qualquer outra atividade”. Percebe-se que por meio desse fragmento de Cícero que: 9 1) A fonte na qual ele se baseia para escrever sobre Pitágoras é Heráclides Pontico, discípulo de Platão, mas que era também influenciado pelos pitagóricos. No entanto, não se sabe da veracidade a respeito dessa informação, como nota Ferrater Mora que também observa que não é possível saber se “filósofo” para Pitágoras significa o mesmo que significaria para Platão ou Aristóteles. 2) Pitágoras em vez de se denominar como “sábio”, prefere se denominar “filósofo”, ou seja, aquele que tem amor pela sabedoria. Também percebemos que aparece nome “filósofo” e não “Filosofia” que, como atividade, tem origem posterior. Como se pode ver no fragmento, não havia na época uma “arte especial”. 1.4 A Filosofia para alguns filósofos Aristóteles (384 a.C. - 322 a.C.): “A admiração sempre foi, antes como agora, a causa pela qual os homens começaram a filosofar: a princípio, surpreendiam-se com as dificuldades mais comuns; depois, avançando passo a passo, tentavam explicar fenômenos maiores, como, por exemplo, as fases da lua, o curso do sol e dos astros e, finalmente, a formação do universo. Procurar uma explicação e admirar-se é reconhecer-se ignorante." Epicuro (341 a . C. - 270 a . C.): "Nunca se protele o filosofar quando se é jovem, nem o canse fazê-lo quando se é velho, pois que ninguém é jamais pouco maduro nem demasiado maduro para conquistar a saúde da alma. E quem diz que a hora de filosofar ainda não chegou ou já passou assemelha-se ao que diz que ainda não chegou ou já passou a hora de ser feliz." Edmund Husserl (1859-1938): "O que pretendo sob o título de filosofia, como fim e campo de minhas elaborações, sei-o naturalmente. E contudo não o sei... Qual o pensador para quem, na sua vida de filósofo, a filosofia deixou de ser um enigma?" Friedrich Nietzsche (1844-1900): “Um filósofo: é um homem que experimenta, vê, ouve, suspeita, espera e sonha constantemente coisas extraordinárias; que é atingido pelos próprios pensamentos como se eles viessem de fora, de cima e de baixo, como por uma espéciede acontecimentos e de faíscas de que só ele pode ser alvo; que é talvez, ele próprio, uma trovoada prenhe de relâmpagos novos; um homem 10 fatal, em torno do qual sempre tomba e rola e rebenta e se passam coisas inquietantes”. (Para além do bem e do mal, p. 207) Kant (1724-1804): “Não se ensina filosofia, ensina-se a filosofar”. Ludwig Wittgenstein (1889-1951): "Qual o seu objetivo em filosofia? - Mostrar à mosca a saída do vidro." Maurice Merleau-Ponty (1908-1961): "A verdadeira filosofia é reaprender a ver o mundo." Gilles Deleuze (1925-1996) e Félix Guattari (1930-1993): "A filosofia é a arte de formar, de inventar, de fabricar conceitos... O filósofo é o amigo do conceito, ele é conceito em potência... Criar conceitos sempre novos é o objeto da filosofia." Karl Jaspers (1883-1969): “As perguntas em filosofia são mais essenciais que as respostas e cada resposta transforma-se numa nova pergunta” (Introdução ao pensamento filosófico, p. 140). García Morente (1886-1942): “Para abordar a filosofia, para entrar no território da filosofia, é absolutamente indispensável uma primeira disposição de ânimo. É absolutamente indispensável que o aspirante a filósofo sinta a necessidade de levar seu estudo com uma disposição infantil. (…) Aquele para quem tudo resulta muito natural, para quem tudo resulta muito fácil de entender, para quem tudo resulta muito óbvio, nunca poderá ser filósofo”. (Fundamentos de filosofia, p. 33-34). Fonte: clinicasaobento.com 2 NASCIMENTO DA FILOSOFIA 11 Os historiadores da Filosofia situam o seu nascimento no final do século VII e início do século VI antes de Cristo, nas colônias gregas da Ásia Menor, na cidade de Mileto. E aquele a quem primeiro atribuiu-se esse título foi Tales de Mileto. Em seu nascimento a filosofia caracteriza-se como uma cosmologia. A palavra cosmologia é composta de duas outras: cosmos, que significa mundo ordenado e organizado, e logia, que vem da palavra logos, que significa pensamento racional, discurso racional, conhecimento. Assim, a Filosofia nasce como conhecimento racional da ordem do mundo ou da Natureza, de onde: cosmologia. Ainda dentro deste contexto podemos dizer que a Filosofia nasceu realizando uma transformação gradual sobre os mitos gregos, embora alguns autores defendam uma ruptura radical com os mitos. [...] o advento da filosofia, na Grécia, marca o declínio do pensamento mítico e o começo de um saber de tipo racional [...] homens como Tales, Anaximandro, Anaxímenes inauguram um novo modelo de reflexão concernente à natureza [...] da origem do mundo, de sua composição, de sua ordem, dos fenômenos metereológicos, propõem explicações livres de toda a imaginária dramática das teogonias e cosmogonias antigas (VERNANT, 2006, p. 109). O que é um mito? Um mito é uma narrativa sobre a origem de algo, como a origem dos deuses, dos astros, da Terra, dos homens, da água, do bem e do mal etc. e se opõe ao logos que é um tipo de raciocínio que “[...] procura convencer, acarretando no ouvinte a necessidade de julgar” (BRANDÃO, 1986, p. 13). A palavra mito vem do grego, mythos, e deriva de dois verbos: do verbo mytheyo (contar, narrar, falar alguma coisa para outros) e do verbo mytheo (conversar, contar, anunciar, nomear, designar). Para os gregos, mito é um discurso diferente do logos pois é pronunciado ou proferido para ouvintes que recebem como verdadeira a narrativa, porque confiam naquele que narra: “Acredita- se nele ou não, à vontade, por um ato de fé, se o mesmo parece "belo" ou verossímil, ou simplesmente porque se deseja dar-lhe crédito” (BRANDÃO, 1986, p. 14). As narrativas míticas gregas nos foram relatadas sobretudo por Homero e Hesíodo, o primeiro, segundo a tradição, é autor de a Ilíada e a Odisséia, enquanto que o segundo é autor de Teogonia e Os trabalhos e os dias. Quem narra o mito? O poeta-rapsodo. Quem é ele? Por que tem autoridade? Acredita-se que o poeta é um escolhido dos deuses, que lhes mostram os acontecimentos passados e permitem que ele veja a origem de todos os seres e de 12 todas as coisas para que possa transmiti-la aos ouvintes. Sua palavra - o mito - é sagrada porque vem de uma revelação divina. O mito é, pois, incontestável e inquestionável. Como exemplo dessas narrativas temos o titã Prometeu, que roubou uma centelha de fogo e a trouxe de presente para os humanos. Prometeu foi castigado (amarrado num rochedo para que as aves de rapina, eternamente, devorassem seu fígado) e os homens também. Qual foi o castigo dos homens? Os deuses fizeram uma mulher encantadora, Pandora, a quem foi entregue uma caixa que conteria coisas maravilhosas, mas nunca deveria ser aberta. Pandora foi enviada aos humanos e, cheia de curiosidade e querendo dar a eles as maravilhas, abriu a caixa. Dela saíram todas as desgraças, doenças, pestes, guerras e, sobretudo, a morte. Explica-se, assim, a origem dos males no mundo. Já foi há muito tempo observado que o antecedente da cosmologia filosófica é constituído pelas teogonias e cosmogonias mítico-poéticas, das quais é muito rica a literatura grega, e cujo protótipo paradigmático é a Teogonia de Hesíodo, a qual, explorando o patrimônio da precedente tradição mitológica, traça uma imponente síntese de todo o material, reelaborando-o e sistematizando-o organicamente. A Teogonia de Hesíodo narra o nascimento de todos os deuses; e, dado que alguns deuses coincidem com partes do universo e com fenômenos do cosmo, além de teogonia ela se torna também cosmogonia, ou seja, explicação da gênese do universo e dos fenômenos cósmicos. Hesíodo imagina ter tido, aos pés do Hélicon, na Beócia, uma visão das Musas, e ter recebido delas a revelação da verdade. Em primeiro lugar, diz ele, gerou-se o Caos, em seguida gerou-se Gaia (a Terra), em cujo seio amplo estão todas as coisas, e das profundidades da Terra gerou-se o Tártaro escuro, e, por fim, Eros (o Amor) que, depois, deu origem a todas as outras coisas. Do Caos nasceram Erebo e Noite, dos quais se geraram o Eter (o Céu superior) e Emera (o Dia). E da Terra sozinha se geraram Urano (o Céu estrelado), assim como o mar e os montes; depois, juntando- se com o Céu, a Terra gerou Oceano e os rios (cf. REALE, G. História da Filosofia, vol. I.) O mito narra, assim, a origem das coisas por meio de lutas, alianças e relações entre forças sobrenaturais que governam o mundo e o destino dos homens. Como os mitos sobre a origem do mundo são genealogias, diz-se que são cosmogonias e teogonias. 13 Considera-se, portanto, que a Filosofia, percebendo as contradições e limitações dos mitos, foi reformulando e racionalizando as narrativas míticas, transformando-as numa outra coisa, numa explicação inteiramente nova e diferente. O pensamento filosófico em seu nascimento tinha como traços principais: Tendência à racionalidade: a razão é o critério de explicação da realidade; A Natureza: que opera obedecendo leis e princípios racionais e, portanto, pode ser conhecida pelo nosso pensamento e pela nossa razão; O Cosmo: entendido como ordem, é uma ordem racional; é a racionalidade deste mundo que o torna compreensível ao entendimento humano; daí, Cosmologia. A Filosofia: entendida como aspiração ao conhecimento racional, lógico e sistemático da realidade natural e humana, da origem e causas do mundo e de suas transformações, da origem e causas das ações humanas e do próprio pensamento, é um fato tipicamente grego. Evidentemente, isso não quer dizer, de modo algum, que outros povos, tão antigos quanto os gregos, como os chineses, os hindus, os japoneses, os árabes, os persas, os hebreus, os africanos ou os índios da América não possuam sabedoria, pois possuíam e possuem. Também não quer dizer que todos esses povos não tivessem desenvolvido o pensamento e formas de conhecimento da Natureza e dos seres humanos, poisdesenvolveram e desenvolvem. Quando se diz que a Filosofia é um fato grego, o que se quer dizer é que ela possui certas características, apresenta certas formas de pensar e de exprimir o pensamento, estabelece certas concepções sobre o que sejam a realidade, o pensamento, a ação, as técnicas, que são completamente diferentes das características desenvolvidas por outros povos e outras culturas. Em outras palavras, Filosofia é um modo de pensar e exprimir o pensamento que surgiu especificamente com os gregos e que, por razões históricas e políticas, tornou-se, depois, o modo de pensar e de se exprimir predominante da chamada cultura europeia ocidental da qual, em decorrência da colonização portuguesa do Brasil, nós também participamos. Através da Filosofia, os gregos instituíram para o Ocidente europeu as bases e os princípios fundamentais do que chamamos razão, racionalidade, ciência, ética, política, técnica, arte. Portanto, a Filosofia surge quando alguns pensadores gregos, admirados e espantados com a realidade, insatisfeitos com as explicações que a tradição lhes dera, 14 começaram a fazer perguntas e buscar respostas para elas, demonstrando que o mundo e os seres humanos, os acontecimentos e as coisas da Natureza, os acontecimentos e as ações humanas podem ser conhecidos pela razão humana, e que a própria razão é capaz de conhecer-se a si mesma. A filosofia, enfim: [...] vai encontrar-se, pois, ao nascer, numa posição ambígua: em seus métodos, em sua inspiração, aparentar-se-á ao mesmo tempo às iniciações dos mistérios e às controvérsias da ágora; flutuará entre o espírito de segredo próprio das seitas e a publicidade do debate contraditório que caracterizava a atividade política [...] O filósofo não deixará de oscilar entre duas atitudes, de hesitar entre duas tentações contrárias. Ora afirmará ser o único qualificado para dirigir o Estado, e, tomando orgulhosamente a posição do rei-divino, pretenderá, em nome desse ‘saber’ que o eleva acima dos homens, reformar toda a vida social e ordenar soberanamente a cidade. Ora ele se retirará do mundo para recolher-se numa sabedoria puramente privada; agrupando em torno de si alguns discípulos, desejará com eles instaurar, na cidade, uma cidade diferente, à margem da primeira e, renunciando à vida pública, buscará sua salvação no conhecimento e na contemplação” (VERNANT, 2006, p. 64) Mas a cosmologia não é a única característica principal da filosofia grega. Se num primeiro momento a filosofia surge como compreensão racional do cosmos, não é menos exato dizer que com a emergência da polis grega (as cidades-Estado), a filosofia irá mudar a sua ênfase de pesquisa, no sentido de que a problemática agora será o próprio homem, enquanto ser individual, ético e cidadão da polis. Nesse momento, diz Jean Pierre Vernant, a Grécia está centralizada na ágora, espaço comum, espaço público, onde são debatidos os problemas de interesse geral. “Esse quadro urbano define efetivamente um espaço mental; descobre um novo horizonte espiritual. Desde que se centraliza na praça pública, a cidade já é, no sentido pleno do termo, uma polis” (2006, p. 51) E mais adiante: O aparecimento da polis constitui, na história do pensamento grego, um acontecimento decisivo. Certamente, no plano intelectual como no domínio das instituições, só no fim alcançará todas as suas consequências; a polis conhecerá etapas múltiplas e formas variadas. Entretanto, desde seu advento, que se pode situar entre os séculos VIII e VII, marca um começo, uma verdadeira invenção; por ela, a vida social e as relações entre os homens tomam uma forma nova, cuja originalidade será plenamente sentida pelos gregos (id., ibidem, p. 53). Nesse novo contexto, Sócrates e os Sofistas inauguram um novo momento na filosofia grega. O pensamento de Sócrates é um marco na constituição da tradição filosófica ocidental. E pode-se dizer que inaugura a filosofia clássica dando maior https://www.sabedoriapolitica.com.br/filosofia-politica/filosofia-antiga/socrates/ https://www.sabedoriapolitica.com.br/filosofia-politica/filosofia-antiga/socrates/ 15 ênfase a problemática ético-política e existencial, ao invés de uma maior preocupação centrada sobre a realidade natural, tal como encontramos nos filósofos pré-socráticos do período cosmológico. Essa mesma denominação, “pré-socráticos”, já reflete a importância da filosofia de Sócrates como um divisor de águas. Neste período da filosofia grega (séc. V e IV a.C.), o interesse dos filósofos gira não tanto em torno da natureza, como nos pré-socráticos, mas em torno do homem e do espírito; da cosmologia passa-se para a antropologia, a política e a moral. Daí ser dado a esse segundo período do pensamento grego também o nome de antropológico, pela importância e o lugar central destinado ao homem e ao espírito no sistema do mundo, até então limitado à natureza exterior. Por outro lado, os Sofistas, contemporâneos de Sócrates, embora com visões diferentes, compartilham o interesse pela problemática ético-política, pela questão do homem enquanto cidadão da polis, que passa a se organizar politicamente no sistema que conhecemos como democracia. Os Sofistas surgem no contexto da democracia grega e do apogeu das cidades- estados, onde as deliberações serão tomadas em reunião de cidadãos: as assembleias. Tais decisões devem ser tomadas por consenso, o que significa explicar, justificar, discutir, convencer, persuadir, além disso, o uso da linguagem, o modo de falar, do discurso, deve ser racional. Na medida em que a palavra passa a ser livre, ela se torna instrumento através do qual os indivíduos podem defender seus interesses, seus direitos e suas propostas. “O filósofo é alguém que usa a palavra. Então, o indivíduo que não se interessa pela palavra, que a utiliza de um modo apenas pragmático, do tipo ‘me passe o sal’, que se pode fazer com ele?” (CHÂTELET, 1994, p. 29). Surge a arte do discurso, a retórica e a oratória, e os Sofistas são, precisamente, os mestres de retórica e oratória. “O que implica o sistema da polis é primeiramente uma extraordinária preeminência da palavra sobre todos os outros instrumentos de poder. Torna-se o instrumento político por excelência, a chave de toda autoridade no Estado, o meio de comento e de domínio sobre outrem” (VERNANT, 2006, p. 53). E mais adiante: “Doravante, a discussão, a argumentação, a polêmica tornam-se as regras do jogo intelectual, assim como do jogo político” (id., ibidem, p. 56). Na democracia ateniense, a função pública dos oradores torna-se fundamental e a palavra um instrumento utilizado não mais apenas por pensadores, mas também por políticos. É necessário preparar os indivíduos para a vida pública, torná-los capacitados para a virtude (aretê) política e para tal, é preciso adestrá-los na https://www.sabedoriapolitica.com.br/filosofia-politica/filosofia-antiga/socrates/ https://www.sabedoriapolitica.com.br/filosofia-politica/filosofia-antiga/socrates/ 16 arte da persuasão através da palavra. “Na democracia, a palavra vai impor-se, e quem dominar a palavra dominará a cidade” (CHÂTELET, 1994, p. 16). Nesse período o pensamento filosófico terá como traços principais: As práticas humanas, a moral, a política, dependem da vontade livre e da escolha racional segundo valores estabelecidos pelos próprios seres humanos e não por imposição divina ou sobrenatural; A ideia de lei como expressão da vontade humana ordenada pela razão; “A lei da polis [...] já não se impõe pela força de um prestígio pessoal ou religioso; devem mostrar sua retidão por processos de ordem dialética [do diálogo, em sentido amplo]” (VERNANT, 2006, p. 56), e, mesmo que ainda concebida como sagrada, a lei se torna uma ordem racional, sujeita à discussão e modificável por decreto O discurso político – a vida política grega –, ao valorizar o pensamentoracional, cria condições para valorizar o discurso filosófico, enquanto arte retórica, oratória e objeto de debate público – um combate de argumentos cuja arena é a ágora, praça pública, lugar de reunião entre os cidadãos. 3 HISTÓRIA DA FILOSOFIA Sob vários aspectos pode a história da filosofia suscitar interesse. Quem quiser descortinar o ponto central, deve buscá-lo no nexo essencial que liga os tempos aparentemente passados com o grau atualmente alcançado pela filosofia. Tal nexo não é um fato exterior suscetível de ser descurado na história desta ciência; exprime, pelo contrário, o caráter íntimo da filosofia; e as vicissitudes desta história, perpetuando-se nos seus efeitos, como qualquer outro acontecimento, são produtivas de maneira que lhes é peculiar: outra coisa não pretendemos senão ilustrar isto mesmo o mais claramente que nos seja possível. A história da filosofia representa a série dos espíritos nobres, a galeria dos heróis da razão pensante, os quais, graças a essa razão, lograram penetrar na essência das coisas, da natureza e do espírito, na essência de Deus, conquistando assim com o próprio trabalho o mais precioso tesouro: o do conhecimento racional. Na história política, o indivíduo, na singularidade da sua índole, do seu gênio, das suas paixões, da energia ou da fraqueza de caráter, em suma, em tudo o que caracteriza a sua individualidade, é o sujeito das ações e dos acontecimentos. 17 Na história da filosofia, estas ações e acontecimentos, ao que parece, não têm o cunho da personalidade nem do caráter individual; deste modo, as obras são tanto mais insignes quanto menos a responsabilidade e o mérito recaem no indivíduo singular, quanto mais este pensamento liberto de peculiaridade individual é, ele próprio, o sujeito criador. Primeiramente, estes atos do pensamento, enquanto pertencentes à história, surgem como fatos do passado e para além da nossa existência real. Na realidade, porém, tudo o que somos, somo-lo por obra da história; ou, para falar com maior exatidão, do mesmo modo que na história do pensamento o passado é apenas uma parte, assim no presente, o que possuímos de modo permanente está inseparavelmente ligado com o fato da nossa existência histórica. O patrimônio da razão autoconsciente que nos pertence não surgiu sem preparação, nem cresceu só do solo atual, mas é característica de tal patrimônio o ser herança e, mais propriamente, resultado do trabalho de todas as gerações precedentes do gênero humano. Como as artes da vida externa, o complexo de meios, de habilidades, de insti- tuições e de hábitos no convívio social e na vida política são o resultado da meditação e da invenção, das privações, ou de acidentes da sorte, da necessidade e da perícia, do querer e do poder da história na sua evolução até o presente atual. Se alguma coisa somos no domínio da ciência e da filosofia, devemo-lo à tradição, a qual, através do que é caduco, e por isso mesmo passado, forma, segundo a expressão de Herder, uma corrente sagrada que conserva e transmite tudo quanto o mundo produziu antes de nós. Mas esta tradição não é apenas uma ama que conserva fielmente o patrimônio recebido para o manter e transmitir invariável aos vindouros, como o curso da natureza que, através de infinitas variações e atividades de formas e funções, sempre se conserva fiel às suas leis originais sem progredir; não é estátua de pedra, mas é viva, e continuamente se vai enriquecendo com novas contribuições, à maneira de rio que engrossa o caudal à medida que se afasta da nascente. O conteúdo desta tradição é formado por tudo quanto o mundo espiritual produziu, e o espírito universal nunca permanece estacionário. Ora, é do espírito universal que nos devemos ocupar aqui. É possível que em determinada nação se dê uma pausa na cultura, na arte, na ciência, nas capacidades intelectuaisem geral. Pareceter sido o que sucedeu com os chineses que, vai para dois mil anos, teriam 18 estacionado no atual grau de desenvolvimento. Mas o espírito do mundo não pode cair neste repouso indiferente, como se deduz do simples conceito essencial do espírito, pois que o seu viver é o seu agir. Ora, a ação pressupõe uma matéria preexistente sobre a qual se exerça, não só a fim de a aumentar com o acréscimo de novos materiais, senão principalmente para a elevar e transformar. Deste modo, aquilo que todas as gerações produziram como ciência, como patrimônio espiritual, constitui uma herança acumulada pelo trabalho de todos os homens que nos precederam, um templo onde todas as gerações humanas, gratas e alegres, depuse- ram o que as ajudou a viver e o que elas conseguiram extrair da profundidade da natureza e do espírito. A recepção desta herança equivale ao exercício da posse dela. Ela forma a alma das sucessivas gerações, a sua substância espiritual e como que um hábito transmitido, os seus princípios, prejuízos e riquezas; e, ao mesmo tempo, tal herança degradou-se ao ponto de servir de matéria para ser transformada e elaborada pelo espírito. Desta maneira se vai modificando o patrimônio herdado, e simultaneamente se enriquece e conserva o material elaborado. É esta, precisamente, a posição e a função da nossa idade, como aliás de todas as idades: compreender a ciência existente, modelar por ela a nossa inteligência, e desse modo desenvolvê-la, elevá-la a um grau superior; no ato de a convertermos em propriedade nossa e individual, juntamos-lhe algo de que até então carecera. Desta característica da produção espiritual, que supõe um mundo espiritual preexistente e o transforma no ato de se apossar dele, segue-se que a nossa filosofia só pode existir enquanto ligada à precedente, da qual é necessário produto; e o curso da história mostra, não o devir de coisas a nós estranhas, mas sim o nosso devir, o devir do nosso saber. Da natureza da relação que expusemos dependem as ideias e os problemas que podemos propor, relativos ao âmbito da história da filosofia. Compreender devidamente esta relação permite alcançar como pelo estudo da história desta ciência somos iniciados no conhecimento da própria ciência. As indicações que demos acerca do processo de tratar esta história são tomadas de tal relação, e a elucidação delas constitui uma das finalidades desta Introdução. Nesta altura, intervém o conceito do fim da filosofia, que deveria ser estabelecido como fundamento. Mas, visto não podermos fazer aqui uma exposição científica deste conceito, em vez de provar e 19 fazer compreender a natureza do devir da filosofia, contentamo-nos com dar dele uma ideia preliminar. Este devir não é simplesmente um movimento passivo como imaginamos que seja o nascer do sol e da lua, movimento que se efetua sem contrariedade no espaço e no tempo. O que devemos representar ao espírito é a atividade do pensamento livre; devemos representar a história do mundo no pensamento, o processo do seu nascimento e produção. Segundo uma antiga opinião, a faculdade de pensar é o que separa os homens dos brutos. Aceitamo-la como verdadeira. O que o homem possui de mais nobre do que o animal, possui-o graças ao pensamento: tudo quanto é humano, de qualquer forma que se manifeste, é-o na medida em que o pensamento age ou agiu. Mas sendo o pensamento o essencial, o substancial, o efeitual, dirige-se a objetos muito variados; pelo que importa considerar como mais perfeito o pensamento voltado sobre si mesmo, ou seja, sobre o objeto mais nobre que pode buscar e encontrar. A história que nos propomos fazer é a história do pensamento que a si próprio se encontra; e por meio do pensamento acontece que ele se encontra na medida em que se produz; por isso só existe e é real na medida em que se encontra. As manifestações deste processo são as filosofias, e as séries das descobertas, de que o pensamento se vale para se descobrir, constituem o trabalhode dois mil e quinhentos anos. Se o pensamento, enquanto essencialmente pensamento, é em si e por si estante e eterno, e se o vero está contido só no pensamento — como é que este mundo intelectual consegue ter uma história? Na história apresenta-se o que é mutável, o que mergulha na noite do passado, o que já não existe; pelo contrário, o pensamento vero e necessário — e, aqui, só deste nos ocuparemos — não é suscetível de mudança. A questão, que surge aqui, é uma das primeiras sobre que deve incidir a nossa atenção. Em segundo lugar, apresentam-se à mente, além da filosofia, muitos outros objetos de importância, os quais, sejam embora produto do pensamento, ficam excluídos da nossa investigação, tais como a religião, a história política, as constituições dos Estados, as artes e as ciências. Ocorre perguntar: como distinguir estes produtos daqueles que formam o objeto do nosso estudo? Mais. Que relação medeia entre eles e a história? Sobre estas duas questões precisamos dizer alguma coisa, o bastante para elucidar a maneira como entendemos tratar a história da filosofia. 20 Além disso, em terceiro lugar, é oportuno, antes de baixar aos pormenores, abarcar num relance o conjunto, sob risco de deixar o todo pelos pormenores, a floresta pelas árvores, a filosofia pelas filosofias. O espírito exige a posse de uma representação geral do escopo e da finalidade do conjunto para saber a que deva consagrar-se. Do mesmo modo que se abarca num relance uma paisagem que se vai estreitando à medida que demoramos o olhar em cada uma das partes que a constituem, assim também o espírito deseja compreender a relação entre as filosofias particulares e a filosofia geral, porque o valor das partes singulares deriva principalmente da relação entre elas e o todo. Isto obtém-se, acima de tudo, por meio da filosofia e da história da filosofia. A necessidade desta visão de conjunto pode, com rigor, parecer menor para a história do que para uma ciência própria e verdadeira. De fato, à primeira vista, a história parece ser uma sucessão de fenômenos contingentes, isolados, e que só do tempo recebem o nexo que os prende. Todavia, já na história política não nos contentamos com esta maneira de ver: compreendemos, ou pelo menos pressentimos, uma conexão necessária que marca, a cada um dos fatos, a sua posição especial e a relação com uma finalidade, e com isso lhes marca também um significado. Tudo, na história, tem significado só pela sua relação com algum fato geral e em virtude da sua ligação com ele; descobrir este fato geral chama-se compreender o seu significado. Restam ainda os seguintes pontos que me proponho esclarecer nesta Introdu- ção. Primeiramente, a que se destina a história da filosofia? Qual o seu significado, o seu conceito, o seu escopo? Da resposta a estas perguntas se deduzirá o modo de tratar o assunto. Resultará daí, como particularidade mais interessante, a relação entre a história da filosofia e a própria ciência da filosofia; ver-se-á que a história da filosofia não se limita a expor os fatos externos, os acontecimentos acidentais que formam o seu conteúdo, mas procura demonstrar como este mesmo conteúdo, embora pareça desenvolver-se historicamente, na realidade pertence à ciência da filosofia: a história da filosofia é, também ela, científica, e converte-se, pelo que lhe é essencial, em ciência da filosofia. Em segundo lugar, precisamos fixar com maior exatidão o conceito da filosofia, a fim de determinar, sobre a base de tal conceito, tudo quanto do infinito material e dos múltiplos aspectos oferecidos pela cultura espiritual dos povos se deva excluir da história da filosofia. A religião e as ideias nela e acerca dela expressas, especialmente 21 sob forma de mitologia, apresentam-se, pelo seu conteúdo, tão aparentadas com a filosofia, que os confins de uma e de outra se confundem. Outro tanto se pode afirmar das demais ciências: as ideias de cada uma delas sobre o Estado, sobre os deveres e sobre as leis, são tão parentes da filosofia pela forma, como a religião o é pela substância. Poder-se-ia supor que se deveriam tomar em consideração todas estas ideias na história da filosofia. Que coisa há que se não tenha chamado filosofia e filosofar? Por um lado, convirá considerar atentamente a íntima ligação da filosofia com as disciplinas afins, religião, arte, com as demais ciências, como também com a história política. Por outro lado, depois de bem delimitado o campo da filosofia, mediante a determinação do que é a filosofia e do que lhe pertence, teremos obtido um princípio para a sua história muito distinto dos inícios de ideias religiosas e de conjecturas mais ou menos ricas em ideias. Do conceito do âmbito e da finalidade, como resulta destes primeiros pontos de vista, importará passar à consideração de um terceiro ponto, isto é, ao exame geral e à divisão do curso da história da filosofia em momentos necessários. Esta divisão permitirá mostrar essa história como um todo orgânico em via de progresso, como um nexo racional. Só deste modo alcançará a dignidade de ciência. Não me demorarei noutras reflexões sobre a utilidade da história da filosofia e dos vários modos de a tratar: a utilidade é por si evidente. Por último, para me não afastar do costume tradicional, tratarei também das fontes da história da filosofia. Fonte: resumoescolar.com.br 22 3.1 A Filosofia Antiga A Grécia (Hélade) nada mais foi do que um conjunto de cidades-Estados (Pólis) que se desenvolveram na Península Balcânica no sul da Europa. Por ser seu relevo montanhoso, permitiu que grupos de pessoas (Demos) fossem formados isoladamente no interior do qual cada Pólis desenvolveu sua autonomia. Constituída de uma porção de terras continental e outra de várias ilhas, bem como também em virtude da pouca fertilidade dos seus solos, a Grécia teve de desenvolver o comércio como principal atividade econômica. Assim, e aproveitando- se do seu litoral bastante recortado e com portos naturais, desenvolveu também a navegação para expandir os negócios, bem como mais tarde sua influência política nas chamadas colônias. A sociedade grega era organizada segundo o modelo tradicional aristocrático, baseado nos mitos(narrativas fabulosas sobre a origem e ordem do universo), em que a filiação à terra natal (proprietários) determinava o poder (rei). Esse modo de estruturar a sociedade e pensar o mundo é comumente classificado como período Homérico (devido a Homero, poeta que narra o surgimento da Grécia a partir da guerra de Troia). Mas com o tempo, algumas contradições foram sendo percebidas e exigiram novas explicações. Surge, então, a Filosofia. Eis os principais fatores que contribuíram para o seu aparecimento: As viagens marítimas, pois o impulso expansionista obrigou os comerciantes a enfrentarem as lendas e daí constatarem a fantasia do discurso mítico, proporcionando a desmitificação do mundo (como exemplo, os monstros que os poetas contavam existir em determinados lugares onde, visitados pelos navegadores, nada ali encontravam); A construção do calendário que permitiu a medição do tempo segundo as estações do ano e da alternância entre dia e noite. Isso favoreceu a capacidade dos gregos de abstrair o tempo naturalmente e não como potência divina; O uso da moeda para as trocas comerciais que antes eram realizadas entre produtos. Isso também favoreceu o pensamento abstrato, já que o valor agregado aos produtos dependia de uma certa análise sobre a valoração; 23 A invenção do alfabeto e o uso da palavra é também um acontecimento peculiar. Numa sociedade acostumada à oralidade dos poetas, aos poucos cai em desuso o recurso às imagens para representar o real e surge, como substituto, a escrita alfabética/fonética, propiciando, como os itens acima, um maior poder de abstração. A palavra nãomais é usada como nos rituais esotéricos (fechados para os iniciados nos mistérios sagrados e que desvendavam os oráculos dos deuses), nem pelos poetas inspirados pelos deuses, mas na praça pública (Ágora), no confronto cotidiano entre os cidadãos; O crescimento urbano é também registrado em virtude de todo esse movimento, assim como o fomento das técnicas artesanais e o comércio interno, as artes e outros serviços, características típicas das cidades; A criação da Política que faz uso da palavra para as deliberações do povo (Demo) em cada Pólis (por isso, Democracia ou o governo do povo), bem como exige que sejam publicadas as leis para o conhecimento de todos, para que reflitam, critiquem e a modifiquem segundo os seus interesses. As discussões em assembleias (que era onde o povo se reunia para votar) estimulava o pensamento crítico-reflexivo, a expressão da vontade coletiva e evidencia a capacidade do homem em se reconhecer capaz de vislumbrar a ordem e a organização do mundo a partir da sua própria racionalidade e não mais nas palavras mágico-religiosas baseadas na autoridade dos poeta inspirados. Com isso, foi possível, a partir da investigação sistemática, das contradições, da exigência de rigor lógico, surgir a Filosofia. 3.2 As principais características da Filosofia A reflexão filosófica surge no século VI a. C., na Grécia, em contraposição à narrativa mítica. Um novo conceito de verdade sobre a realidade substitui, assim, o modelo baseado na tradição oral dos poetas, autoridades portadoras da vontade dos deuses. A Filosofia surge como espanto diante da possibilidade de estranhar o mundo e concebê-lo de forma racional. Esse espanto impulsiona a busca da compreensão do ser enquanto algo natural e capaz de ser apreendido pelo Lógos (razão, discurso, 24 palavra) humano. Após esse primeiro passo, a Filosofia também nos aparece como admiração, isto é, a contemplação da verdade de modo absoluto e universal, válida para todos, independente de raça, nação, cultura, mito, etc. Assim, a Filosofia liberta o homem da insegurança e do temor proporcionados pelo Mito de que o destino dos homens era um joguete dos deuses. Fone: image.slidesharecdn.com Para conhecer essa verdade, os filósofos se esforçaram para conhecer as causas e os princípios (arqué) de toda a realidade, descobrindo na multiplicidade de coisas e opiniões um princípio único. Vejamos quais são as principais características deste processo de compreensão: Tendência racional, em que somente a Razão é o critério de explicação sobre o mundo, segundo seus próprios princípios; Submissão dos problemas à análise, à crítica, à discussão, à demonstração, procurando oferecer respostas seguras e definitivas; O pensamento é a fonte do conhecimento e deve apresentar as regras de seu funcionamento para justificar suas bases lógicas (por exemplo: os princípios de Identidade, da Não Contradição e do Terceiro Excluído); Não aceitar as noções pré-concebidas, as opiniões já pré-estabelecidas, os pré-conceitos imediatos, mas investigar o real com o rigor exigido pelo pensamento e suas leis, não sendo passivo, mas sim ativo no processo do conhecer; 25 Descobrir, a partir da análise das semelhanças e dessemelhanças entre as coisas, o princípio que promove a generalização, isto é, o que permite agrupar os vários casos particulares em uma classe geral de objetos. 3.3 A importância de ensinar Filosofia A Filosofia em especial, leva o aluno à oportunidade de desenvolver um pensamento independente e crítico, ou seja, permite a ele experimentar um pensar individual. Sabe-se que cada disciplina apresenta suas próprias características, bem como auxilia a desenvolver habilidades específicas do pensamento que é abordado. No caso da Filosofia, essa permite e dá oportunidade de realizar o pensamento de maneira bastante pessoal. O Ensino Médio é geralmente considerado pelos educadores como uma fase de consolidação do aluno jovem, de sua personalidade e seus desejos, a Filosofia apresenta um papel importante e fundamental no sentido de colaboração. A Filosofia é bastante questionada enquanto disciplina, é necessário que os educadores se conscientizem de que o ensino não deve ser considerado como uma disciplina a mais a ser ensinada. O ideal é que o professor que tem a responsabilidade de aplicar tal disciplina tenha em mente o quanto é necessário fazer com que seus alunos não fiquem dependentes de livros didáticos, não desmerecendo, mas no sentido de não tender para os tão famosos “decorebas” de ideias e autores. Aos educadores que se preocupam com a melhor forma de aplicar a Filosofia, não existe receita pronta. Recomenda-se a priorização de práticas que favoreça a formação de jovens capazes de desenvolver seu próprio pensamento e crítica, formando cidadãos capacitados para enfrentar as diversas situações que poderão surgir em suas vidas. A Filosofia é fundamental na vida de todo ser humano, visto que proporciona a prática de análise, reflexão e crítica em benefício do encontro do conhecimento do mundo e do homem. 2Em abril de 2018, o MEC entregou a nova versão da Base Nacional Curricular (BNCC) ao Conselho Nacional de Educação (CNE). A base funciona como uma 2 Extraído de https://www.gazetadopovo.com.br/ https://www.gazetadopovo.com.br/ 26 “referência nacional comum e obrigatória para a elaboração dos currículos e propostas pedagógicas” das escolas. Na nova BNCC, apenas Matemática e Língua Portuguesa permanecem como disciplinas obrigatórias nos três anos de ensino médio. Filosofia, Sociologia, História e Geografia terão os conteúdos aplicados diretamente em Ciências Humanas, não separadamente como antes. 4 FILOSOFIA DA CIÊNCIA Filosofia da ciência é a área da filosofia que pergunta sobre a ciência, de quais ideias parte, qual método usa, sobre qual fundamento e acerca de suas implicações. Apesar destes problemas gerais, muitos filósofos escreveram sobre algumas ciências particulares, como a física e a biologia. Não apenas se utiliza a filosofia para pensar sobre a ciência, como se utiliza resultados científicos para pensar a filosofia. Não existe determinada ciência que faça parte dos estudos da filosofia da ciência. As ciências naturais (ex.: biologia, química e física), formais (ex.: matemática, lógica e teoria dos sistemas), sociais (ex.: sociologia, antropologia e economia) e aplicadas (agronomia, arquitetura e engenharia) já foram objetos de estudos filosóficos. Historicamente, já na Grécia Antiga se pensava sobre a ciência. Aristóteles (384 a.C.-322 a.C.), por exemplo, escreveu sobre a origem da vida, afirmando a possibilidade de existir vida a partir de algo inanimado. A teoria da abiogênese (geração espontânea) que ele defendia perdurou por diversos séculos. Além da origem da vida, Aristóteles também se preocupou em elaborar um meio de estudar as espécies, sendo ele o primeiro a propor uma divisão do reino animal em categorias. No decorrer da história, a figura mais importante para a filosofia da ciência é Francis Bacon (1561-1626), filósofo inglês responsável pela base da ciência moderna, o método indutivo. A indução, método de a partir de fatos particulares chegar a conclusões universais, já existia, mas é Bacon o responsável por seu aprimoramento e divulgação. Após Bacon, muito se pensou e escreveu sobre a ciência, especialmente devido aos avanços e descobertas dos séculos seguintes. René Descartes desenvolveu seu método, houve as contribuições e discussões de Galileu Galilei, 27 Isaac Newton, Gottfried Leibniz e outros. Deste aumento considerável de pensadores que detiveram tempo acerca do campo da filosofia da ciência pode-se escolher alguns para comentar suas importantes ideias. Entre eles, David Hume e Karl Popper. DavidHume (1711-1776), filósofo escocês, criticou fortemente as bases da ciência e da filosofia. A partir do pensamento de John Locke (1632-1704), Hume levou o empirismo, isto é, a ideia de que todo o nosso conhecimento tem origem na experiência (nos cinco sentidos), até as últimas consequências. Para ele, se nosso conhecimento ocorre após a experiência significa que não podemos deduzir eventos futuros. Significa dizer que não há nada no mundo que garanta que as leis que regem o universo hoje serão as mesmas amanhã. Por mais que o homem observe há milênios o sol aparecer todos os dias, nada garante o seu aparecimento amanhã, e por isso a ciência não pode tomar suas conclusões como verdades absolutas. No século XX, o filósofo austríaco, Karl Popper (1902-1994) criticou a forma de fazer ciência a partir da indução, o método defendido por Bacon. Para Popper, o método indutivo não garante a validade de suas conclusões. Afirmou isso, pois não é possível ter acesso a todos os fatos particulares para ser possível chegar a conclusões. Um cientista pode observar cisnes durante 20 anos e perceber que todos os cisnes observados são brancos, mas ele não pode concluir que “todos” os cisnes são brancos. Se ele concluir isto, bastará a existência de apenas um cisne negro para invalidar sua tese. Com isto, Popper defenderá que o papel da ciência é falsear as suas conclusões a partir do método dedutivo, partindo de conclusões universais para a verificação particular. O papel da ciência é verificar se suas conclusões são verdadeiras, tentando falseá-las com a experimentação. Aproximando questões de metafísica, epistemologia e ontologia, quando estas tratam da relação entre ciência e verdade, a filosofia da ciência é o ramo da filosofia que trata das questões relativas a confiabilidade, previsibilidade e métodos da ciência. Questões acerca da ciência sempre estiveram presentes em filosofia, por muito tempo não houve distinção entre questões da filosofia e da ciência. No entanto, uma área da filosofia dedicada exclusivamente a compreensão das ciências só veio a surgir na metade do século XX, particularmente sob influência do positivismo lógico, que buscava desenvolver critérios para garantir o significado de afirmações filosóficas, mas também pela obra de Thomas Kuhn, A Estrutura das Revoluções Científicas, de 28 1962, na qual o autor procurou apresentar uma nova visão de como se dá o progresso científico. Atualmente, existem ramos dentro da filosofia da ciência para todas as ciências existentes, desde a filosofia da física, que irá analisar, entre outros tópicos, questões relativas a natureza do espaço-tempo, até a filosofia da psicologia e ciência cognitiva. A filosofia da ciência, como área ampla, neste contexto, analisará ainda questões relativas a possibilidade de se reduzir uma ciência a outra (reducionismo), a validade do raciocínio científico e mesmo questões próximas a ética, como a morte na filosofia da medicina. Os principais tópicos de investigação para a filosofia da ciência são três: 1. O que se qualifica como ciência? 2. Qual o propósito da ciência? 3. A confiabilidade das teorias científicas. O primeiro tópico, que trata do que se qualifica como ciência, é conhecido como "problema da demarcação". De acordo com Karl Popper, a qualidade fundamental da ciência é a falseabilidade. Sabemos que estamos diante de uma pseudo-ciência quando esta não comporta mecanismos para mostrar que suas teses podem ser falsas. Ainda segundo Popper, esta seria a questão primordial da filosofia da ciência. Embora muitos filósofos concordem com Popper, um consenso ainda não foi estabelecido, chegando alguns filósofos a afirmar que devemos usar o padrão Potter Stewart, segundo o qual "eu sei o que é quando vejo". Quanto ao propósito da ciência, existem duas correntes mais proeminentes, realistas e instrumentalistas. Realistas irão defender que o mundo descrito pelas ciências é o mundo real, que o objetivo último da ciência é a verdade, e defenderão que entidades inobserváveis possuem o mesmo status ontológico que as entidades observáveis. Nesta corrente encontramos nomes como Ernan McMullin e Richard Boyd. Instrumentalistas, por outro lado, defenderão que as teorias científicas são ferramentas para identificar relações entre meio e finalidade úteis e confiáveis na experiência, mas sem afirmar a revelação de entidades para além da experiência. Entre os instrumentalistas os principais nomes são Karl Popper e John Dewey. https://www.infoescola.com/filosofia/reducionismo/ 29 Quanto à questão da confiabilidade das teorias científicas, trata-se de investigar como e por qual razão devemos confiar em uma teoria científica. Entre as possíveis respostas encontramos a tese do poder de predição de fenômenos, segundo a qual uma teoria é confiável quando ela é eficaz em prever fenômenos que se dispõe a prever. Outra abordagem, intimamente ligada a primeira, é a de que a teoria confiável oferece uma boa explicação para os eventos que ocorrem com regularidade, ou que já ocorreram. O critério pelo qual se poderia dizer que uma teoria explicou bem um evento, assim como o que significa dizer que uma teoria tem poder explicatório, ainda permanece sob discussão. Entre as questões importantes para a filosofia da ciência encontramos ainda, o reducionismo, que trata não apenas da possibilidade de se reduzir uma ciência a outra, mas também da possibilidade de reduzir todos os campos de estudo a explicações científicas; e a neutralidade política e social da ciência. 4.1 Questões de estudo da Filosofia Apesar do seu nome simples, o campo é complexo e continua a ser uma área de investigação atual. Filósofos da ciência estudam ativamente questões como: O que é uma lei da natureza? Há alguma em ciências não-físicas, como a biologia e a psicologia? Que tipo de dados pode ser usado para distinguir entre as verdadeiras causas e regularidades acidentais? Quanta evidência e que tipos de evidência precisamos ter antes de aceitar hipóteses? Por que é que os cientistas continuam a confiar em modelos e teorias que sabem ser pelo menos parcialmente incorretos (como a física de Newton)? Embora possam parecer elementares, estas questões são na realidade muito difíceis de responder de forma satisfatória. As opiniões variam muito dentro do campo (e, ocasionalmente, vão contra as opiniões dos próprios cientistas — que usam o seu tempo mais a fazer ciência do que a analisá-la abstratamente). Apesar dessa diversidade de opinião, os filósofos da ciência em grande parte concordam num ponto: não há uma maneira única e simples de definir a ciência! http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-lei.php http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-dados.php http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-evidencia.php http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-hipotese.php http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-modelo.php http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-teoria.php 30 Fonte: saberciencia.tecnico.ulisboa.pt Embora o campo seja altamente especializado, algumas ideias chave generalizaram-se. Aqui temos uma explicação curta de apenas alguns conceitos associados à filosofia da ciência, que você pode (ou não) já ter ouvido. Epistemologia — ramo da filosofia que lida com o que é o conhecimento, como aceitamos algumas coisas como verdadeiras, e como podemos justificar essa aceitação. Empiricismo — conjunto de abordagens filosóficas para a construção do conhecimento que enfatizam a importância da evidência observável provinda do mundo natural. Indução — método de raciocínio em que uma generalização é defendida como verdadeira com base em exemplos individuais que parecem estar conformes à generalização. Por exemplo, depois de observarque as árvores, bactérias, anémonas do mar, moscas, e os seres humanos possuem células, pode-se inferir por indução que todos os organismos possuem células. Dedução — método de raciocínio em que a conclusão é alcançada logicamente a partir de dadas premissas. Por exemplo, se conhecemos as posições relativas atuais da lua, do sol e da Terra, e se sabemos exatamente como se movem uns em relação aos outros, podemos deduzira data e o local do próximo eclipse solar. Parcimónia/ navalha de Occam — ideia de que, sendo todas as outras condições iguais, devemos preferir uma explicação mais simples a uma mais complexa. http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-aceitar.php http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-observar.php http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-mundo-natural.php http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-inferencia.php http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-deduzir.php 31 Problema da demarcação — o problema de distinguir com segurança a ciência da não-ciência. Filósofos modernos da ciência concordam em termos gerais que não existe um critério único e simples que possa ser usado para demarcar as fronteiras da ciência. Falsificação — o ponto de vista, associado com o filósofo Karl Popper, que a evidência só pode ser usada para descartar ideias, e não para as apoiar. Popper propôs que as ideias científicas só podem ser testadas através de falsificação, nunca através da procura de evidência corroborante. Mudanças de paradigma e revoluções científicas — uma visão da ciência, associada com o filósofo Thomas Kuhn, que sugere que a história da ciência pode ser dividida em períodos de ciência normal (quando os cientistas incrementam, elaboram e trabalham com uma teoria científica central, geralmente aceite) e breves períodos de ciência revolucionária. Kuhn afirmou que durante os períodos de ciência revolucionária, anomalias refutando a teoria aceite acumularam-se a tal ponto que a teoria anterior é rejeitada e uma nova é construída para tomar o seu lugar, numa assim chamada "mudança de paradigma". 5 FILOSOFIA NO BRASIL Após um primeiro contato com o universo filosófico é inevitável perguntar se existe ou existiu algum filósofo brasileiro. Fala-se muito dos pensadores gregos antigos, do eixo europeu Alemanha-França-Inglaterra e, recentemente, de pensadores da América do Norte, mas há a visão de que nada novo e original é produzido por aqui. É certo que a história da filosofia não está finalizada. A todo instante, novas ideias surgem e no Brasil não poderia ser diferente. A existência de intelectuais no Brasil não é algo recente. Dentre as diversas mentes brasileiras é possível destacar alguns nomes. Mário Ferreira dos Santos (1907-1968), paulista, tem uma grande obra publicada em mais de cem volumes. Em seu pensamento, formado pela pluralidade de influências, destaca-se o que chamou de Filosofia Concreta, em um livro com o mesmo nome. Para ele, é preciso superar a abstração filosófica que resultou da fragmentação do conhecimento. Após a análise dos diversos pedaços do http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-teste.php http://saberciencia.tecnico.ulisboa.pt/glossario/glossario-falsificar.php 32 conhecimento, como matemática, ética, política, economia, ciência, metafísica, existência, etc. era preciso reunir este conhecimento num conjunto. Assim, é preciso através do método dialético concreto observar os objetos de perto e depois se afastar para chegar a uma ideia do todo concreto. Miguel Reale (1910-2006), paulista, inovou o pensamento acerca da Filosofia do Direito com a Teoria tridimensional do direito. Após séculos de discussões no campo do Direito, com argumentos retóricos e pouca profundidade na discussão, a obra de Reale delimita a discussão e apresenta uma nova forma de pensar. Para ele, é preciso pensar o direito a partir de três dimensões: a do fato, a do valor e a da norma. Com isso, o fato visa pensar a partir do aspecto histórico e social, o valor se relaciona com o que se pretende defender e a norma é o que faz a relação entre fato e valor. Para construir um plano organizacional, precisa-se de estar em sintonia com o seguinte diagrama da equipe transdisciplinar: Henrique Cláudio de Lima Vaz (1921- 2002), padre mineiro, pensou sobre questões humanistas. Influenciado por Tomás de Aquino (1225-1274) e Hegel (1770-1831), Lima Vaz pensa a antropologia moderna como uma síntese da visão cosmocêntrica grega e teocêntrica medieval, isto é, deixa- se de pensar a partir da ideia de que o universo (kósmos) é o centro, como também Deus (theos) deixa de ser o centro, para um novo momento de colocar o homem (anthropos) no centro, pensar o mundo a partir do homem. Gerd Bornheim (1929-2002), gaúcho, foi um dos que ajudaram na introdução e disseminação da filosofia de Martin Heidegger (1889-1976) no Brasil. Escreveu sobre diversos temas e entre eles acerca do que é filosofar, defendendo que filosofar é algo que pertence ao interior do sujeito e não a estar presente em determinado meio ou cultura. Sobre uma “filosofia à brasileira”, era crítico com relação à ideia de uma filosofia nacional. No livro A filosofia contemporânea no Brasil (1997), de Antônio Joaquim Severino, outros nomes recebem destaque como: Fernando de Arruda Campos (1930-atual), José Arthur Giannotti (1930-atual), Rubem Alves (1933-atual), Sérgio Paulo Rouanet (1934-atual) e Hilton Ferreira Japiassu (1934-atual). Outros nomes da filosofia brasileira podem ser lembrados, como: Marilena Chauí (1941-atual), Roberto Romano, Olavo de Carvalho (1947-atual) e Paulo Ghiraldelli Jr. (1957-atual). 33 A filosofia conheceu certa popularização no Brasil, pois canais de televisão veicularam programas de filosofia, como o quadro Ser ou Não Ser, com Viviane Mosé, no Fantástico, da Rede Globo. O canal GNT manteve a filósofa Márcia Tiburi (1970- atual) por cinco anos em seu programa Saia Justa. 5.1 História da Filosofia no Brasil A Filosofia no Brasil não é um assunto muito falado fora dos círculos acadêmicos (e muitas vezes nem dentro). Quando se fala em Filosofia se lembra de Sócrates, Kant, Nietzsche e Sartre, mas nunca de nenhum filósofo brasileiro. Não creio que isso se dê por conta de algum preconceito ou por que filósofos Brasileiros não possuem trabalhos relevantes. Acho, sim, que o que acontece é que a Filosofia sempre foi predominantemente europeia e, salvo exemplo dos EUA, raros foram os países do Ocidente que tiveram Filósofos que ficaram para a posteridade. Isso não significa que os filósofos brasileiros ou a história da Filosofia no Brasil seja desprezada; o que acontece é que, quando se fala de Filosofia, existem inúmeros Filósofos, e é preciso estabelecer prioridades, ou seria impossível ensinar e aprender Filosofia. Eu não posso me considerar um nacionalista; acho que reconhecimento deve ser dado a quem merece, sem distinção geográfica. Não fico perdendo tempo para analisar se um pensador é francês, alemão, americano, português ou brasileiro, se não para efeitos didáticos. Mas acredito que escrever, ainda que um pouco, sobre a trajetória da Filosofia no país é um bom serviço para aqueles que se interessam por Filosofia, por História ou simplesmente são curiosos a respeito do Brasil. Então achei que seria uma boa ideia discorrer um pouco sobre isso, até por que estudar Filosofia é sempre, de certa forma estudar história: E estudar a história da Filosofia no Brasil abre caminho para muitas percepções que nos permitem entender os rumos que país tomou, da época do descobrimento até os dias de hoje (e até por que não se fala tanto em Filosofia no Brasil). Antes de mais nada, eu preciso deixar bem claro que não sou profundo conhecedor da história da Filosofia no Brasil e de seus pensadores, eminha pesquisa sobre o assunto foi relativamente superficial. No entanto, creio que para efeitos de conhecimento geral, o que estará nesta matéria poderá servir pelo menos para despertar o interesse ou saciar a curiosidade. 34 6 O ENSINO DA FILOSOFIA34 O primeiro questionamento feito pelos estudantes quando se deparam com a novidade da disciplina de filosofia ao ingressarem no ensino médio brasileiro é “para que serve a filosofia? ” Essa pergunta não é exclusividade dos estudantes, mas de qualquer pessoa que se disponha a fazer esse caminho. Os Parâmetros Curriculares Nacionais procuram oferecer uma resposta para a pergunta acerca da importância da filosofia no Ensino Médio ao afirmar que: Há com certeza, uma contribuição decisiva da Filosofia para o alcance dessas finalidades: ela nasceu com a declarada intenção de buscar o Verdadeiro, o Belo, o Bom. A despeito de uma transformação histórica no âmbito de sua competência explicativa – em parte devida a sua enorme fertilidade em gerar novos saberes – o pensamento filosófico resiste precisamente porque não abandona seu motivo originário (MEC, 1999 p.45) Disso se desprende a fertilidade da filosofia, que podemos verificar especificamente ao observarmos as suas principais características de acordo com Aspis e Gallo (2009): O caráter dialógico – ou seja, a capacidade de provocar o diálogo com as mais diversas áreas do conhecimento e mesmo com a realidade que nos cerca. O desenvolvimento de uma crítica radical - ou seja, uma leitura crítica dos elementos que estejam por trás da realidade, a busca por meio de uma crítica racional e radical dos elementos que compõem a realidade mesma. E a característica exclusiva da filosofia – que é o pensamento conceitual, aquilo mesmo que justifica a presença da filosofia na escola, que é a estruturação do pensamento a partir da produção racional de conceitos da própria realidade. Desses elementos, a única característica que é exclusividade da filosofia é o pensamento conceitual à medida que podemos encontrar nas ciências e mesmo nas outras disciplinas escolares a presença da necessidade de diálogo entre as ciências e com a realidade para a produção de conhecimento, já o elemento do pensamento 3 Extraído do artigo http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/intuitio/article/download/13709/10438 4 Extraído do artigo https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/50865/R%20-%20E%20- %20JOSE%20FRANCISCO%20WOEHL.pdf?sequence=1&isAllowed=y http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/intuitio/article/download/13709/10438 https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/50865/R%20-%20E%20-%20JOSE%20FRANCISCO%20WOEHL.pdf?sequence=1&isAllowed=y https://acervodigital.ufpr.br/bitstream/handle/1884/50865/R%20-%20E%20-%20JOSE%20FRANCISCO%20WOEHL.pdf?sequence=1&isAllowed=y 35 crítico pode e deve ser desenvolvido não só pela filosofia no ambiente escolar, mas por todas as disciplinas, seja na leitura de textos de literatura e ciências, seja por meio do elemento de contextualização do processo de produção destes textos, objetivando o desenvolvimento do educando como ser humano e para que seja capaz de continuar aprendendo de forma autônoma e se adaptando com flexibilidade as novas condições de trabalho e de vida em sociedade. Porém a característica essencial da filosofia é a produção conceitual que gira em torno da releitura dos conceitos da tradição para atualização de acordo com a própria realidade que vivenciamos em nosso tempo e pela produção mesma de novos conceitos de forma autônoma, este sim, que sem a filosofia, o estudante não terá acesso por meio de outra disciplina escolar. Fonte: sfdkrecords.es As habilidades que devem ser desenvolvidas no ensino de filosofia estão divididas em três blocos de competências, estes que por sua vez se subdividem em diversas habilidades especificas: 1. Representação e comunicação: Ler textos filosóficos de modo significativo; ler, de modo filosófico, textos de diferentes estruturas e registros; elaborar por escrito o que foi apropriado de modo reflexivo; debater, tomando uma posição, defendendo- a argumentativamente e mudando de posição face a argumentos mais consistentes. 2. Investigação e Compreensão: Articular conhecimentos filosóficos e diferentes conteúdos e modos discursivos nas Ciências Naturais e Humanas, nas Artes e em outras produções culturais. 36 3. Contextualização Sociocultural: Contextualizar conhecimentos filosóficos, tanto no plano de sua origem específica, quanto em outros planos: o pessoal- biográfico; o entorno sociopolítico, histórico e cultural; o horizonte da sociedade científico-tecnológica. Diante da primeira das competências, ao observarmos cuidadosamente as habilidades a ela referidas, temos a atitude de leitura de textos de origem filosófica ou não com uma atitude filosófica, subtenda-se ai como atitude filosófica, aquela atitude que não se contenta em apenas realizar uma leitura descomprometida dos textos, mas uma leitura que passe por uma reflexão crítica dos próprios conteúdos expressos nos textos, nesse sentido é importante ressaltar que não se pode falar em habilidade de desenvolvimento da leitura com textos “simplificados” e curtos, embora no contexto atual grande parte de nossos estudantes sejam atingidos pela “síndrome do twitter”, mas passar por um conjunto de conteúdos e textos que sejam capazes de desafiar os estudantes a desenvolverem as respectivas habilidades. Se tivermos um indivíduo que tem dificuldade de alcançar os textos filosófico com sua linguagem um tanto quanto distante da realidade de muitos de nossos estudantes, teremos obviamente um indivíduo que não construirá uma argumentação ampla própria apoiando-se de forma clara em textos da tradição filosófica. O que temos é na verdade um fio novelo de problemas que se desenrolam um após outro, pois alguém que lê pouco, argumenta menos e escreve menos, portanto o que se aponta como caminho para o ensino de filosofia na competência de representação e comunicação é a necessidade de uma passagem desafiadora pela história da filosofia, e mais que isso por autores que possibilitem, muito mais que repetição de suas teorias, reflexões que procurem responder aos problemas da atualidade exatamente como observamos no princípio deste trabalho, pois devemos nos apoiar nos ombros dos mestres para olhar mais longe o horizonte. A investigação na competência surge como o elemento chave, e cabe destacar que não podemos falar de modo algum em investigação sem falarmos em curiosidade humana, curiosidade filosófica essa que pode ser pensada sob diversos ângulos. Schujman (2007.p.14) observa que muitos professores defendem posturas diversas quanto ao ensino de filosofia: Para alguns docentes, na escola secundaria a filosofia tem que se pôr a serviço dos alunos, relacionando-a com seus interesses, vivencias e 37 necessidades [...] deve se aproveitar do fato de que a filosofia tem suficiente flexibilidade para adaptar-se aos mais variados temas[...] os mais consequentes afirmam que o programa não pode ser prévio ao encontro com cada grupo de estudantes, senão que deva surgir de um revelamento de seus interesses e problemáticas. Para esse grupo de professores a filosofia não é pensada como uma disciplina necessariamente, mas apenas como uma forma de construção de conhecimentos que parte do pressuposto de que não há a necessidade de um planejamento prévio para seu ensino, mas partir exclusivamente das necessidades dos estudantes, aproveitando-se para tanto de todas as possibilidades que somente a filosofia oferece para a escola, à medida que não há um grupo exclusivo de conhecimentos considerados imprescindíveis para seu ensino-aprendizagem. Contudo há também grupos que defendem o ensino de
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