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Universidade Federal do Paraná 				
Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes
Departamento de Linguística, Letras Clássicas e Vernáculas
Curso de Graduação em Letras
Linguística II – HL223 
COMPOSIÇÃO
É o processo de formação de palavras no qual duas bases se associam para formar uma palavra nova: amor-próprio; ganha-pão, vira-lata. 
Na composição, são necessárias duas bases, que perdem a significação própria em benefício de uma nova significação, única. Por exemplo, não se pode interpretar o nome composto, quebra-nozes como qualquer objeto que sirva para quebrar nozes; quebra-nozes é um objeto com características específicas. Em outros casos, como em pé-de-meia, o sentido dos elementos que compõem o nome composto não nos permite deduzir a significação do todo. 
Basílio (2002) especifica que, no processo de composição, os elementos não são fixos e não possuem funções predeterminadas (ao contrário do processo de derivação, em que o afixo é um elemento estável, com função sintática ou semântica predeterminada). A principal característica do processo de composição é o fato de que cada base que participa da formação da nova palavra tem seu papel definido pela estrutura: 
substantivo + substantivo: sofá-cama, peixe-espada, couve-flor
( o primeiro é o núcleo e o segundo, um modificador do núcleo
substantivo + adjetivo: obra-prima, livre-arbítrio, belas-artes
( o núcleo é o substantivo e o modificador é o adjetivo, independente da ordem da composição
verbo + substantivo: guarda-roupa, mata-mosquito, porta-bandeira
( o substantivo tem função análoga à de objeto direto
O objetivo do processo de composição é “a função de nomeação e/ou caracterização de seres, eventos, etc. em combinações particulares de significações de itens lexicais” (Basílio, 2002). A nomeação de seres pode ser tanto descritiva como metafórica.
Nomeação descritiva: sofá-cama, papel-alumínio, navio-escola, livre-arbítrio, água-de-cheiro.
( um ser é nomeado de forma descritiva quando é denominado a partir de suas características objetivas mais relevantes. Na composição, o núcleo corresponde ao elemento que carrega as características mais gerais do “ser” ou “evento” nomeado, e o especificador ou modificador (elemento que acompanha o núcleo) tem a função de particularizá-lo. 
Nomeação metafórica: olho-de-sogra, louva-a-deus
( um ser é nomeado metaforicamente quando é denominado “em termos de propriedades transferidas em termos associativos”. “Nas denominações metafóricas por composição, podemos reconhecer a metáfora, uma vez conhecido o significado. Mas não podemos inferir o significado através da simples observação das formas” (Basílio, 2002). Por exemplo: couve-flor – pode-se dizer, a partir da observação das formas que compõem a palavra, que é um tipo de couve que se caracteriza por ter alguma coisa de flor; no caso da palavra louva-a-deus, no entanto, não se pode realizar a inferência de que se trata de um inseto a partir da observação das formas que compõem a palavra.
2.1 Tipos de composição
2.1.1 Justaposição
Os vocábulos combinados conservam sua individualidade, isto é, mantém o acento e todos os fonemas que os constituem. 
São grafados ora unidos, ora separados (com ou sem hífen): passatempo, girassol, pé-de-vento, amor-perfeito, sempre-viva, auxílio-moradia, bate-boca, tira-gosto, células-tronco, hidroterapia, Mato Grosso, Porto Alegre.
2.1.2 Aglutinação
Os vocábulos se fundem num todo fonético, com um único acento. O primeiro vocábulo perde alguns elementos fonéticos (acento tônico, vogais, consoantes): planalto, pontiagudo, aguardente, boquiaberto, pernilongo. 
De acordo com Silva e Koch (2001), “do ponto de vista sincrônico, só se leva em conta a aglutinação quando, através da análise mórfica, for possível a depreensão de dois morfemas lexicais. Nos casos em que o falante nativo não tem consciência da existência desses dois morfemas, não se pode falar em composição. É o que acontece com palavras como fidalgo (filho de algo ( filho d’algo ( fi-dalgo ( fidalgo), agrícola (habitante do campo), aqueduto (condutor de água). O que representam hoje, por exemplo, os morfemas lexicais agri e cola? Quem, senão o estudioso da história da língua, pode descobrir aglutinação nessas palavras?”. Assim, do ponto de vista sincrônico, deve-se considerar esses vocábulos como primitivos.
2.1.3 Truncamento (palavra-valise, amálgama)
“É o resultado de um processo de composição no qual duas palavras são sobrepostas ou concatenadas, com eventual perda de material segmental (elementos fonológicos ou silábicos) resultando na formação de uma nova palavra” (Antunes de Araujo, 2000). As características prosódicas de um dos elementos componentes são mantidas. 
Exemplos: paitrocínio (pai + patrocínio), aborrescente (aborrecer + adolescente), apertamento (aperto + apartamento), namorido (namorado + marido).
Esse processo de formação de palavras não obedece a uma gramática “específica”, ou seja, o truncamento das palavras não segue uma regra geral. Mas esse processo tende a se comportar de forma previsível e deve poder ser explicado. Senão, por que teríamos namorido e não namarido ou namomarido? Esse processo é chamado não-concatenativo (não contíguo). Nas gramáticas, no entanto, esse processo é geralmente definido como “tipo de composição em que se misturam de forma arbitrária e imprevista dois ou mais lexemas” (Azeredo, 2000).
3. Traços lingüísticos dos compostos
Como vimos acima, os nomes compostos formam uma unidade semântica. Eles formam também uma unidade morfossintática, apresentando as seguintes propriedades:
a) a ordem dos elementos do composto é rígida, e entre eles não se pode introduzir nenhum outro elemento
( amor-perfeito não pode sofrer inversão – perfeito-amor
( os adjetivos que modificam o composto não podem ser colocados no interior: delicado amor-perfeito; amor-perfeito delicado; *amor-delicado-perfeito
É essa propriedade que indica que sintagmas como cartão de crédito e estrada de ferro formam nomes compostos: 
( cartão de crédito individual, mas *cartão individual de crédito
( estrada de ferro abandonada, mas *estrada abandonada de ferro
Compare com um sintagma livre como rapaz bom:
( bom rapaz – rapaz muito bom
Observe ainda: 
�
O Mato Grosso ainda crescerá muito. 
*O Grosso Mato ainda crescerá muito.
*O Mato verde Grosso ainda crescerá muito.
O mato grosso ainda crescerá muito. 
O grosso mato ainda crescerá muito.
O mato verde e grosso ainda crescerá muito.
�
b) os elementos do composto não podem, isoladamente, ser substituídos ou suprimidos:
( amor-perfeito não admite a substituição de um de seus termos: *amor-imperfeito
( a expressão colher amores-perfeitos não admite a supressão de nenhum dos elementos do composto: *colher amores, *colher perfeitos
( 	*O Mato ainda crescerá muito.	/ O mato ainda crescerá muito.
c) o composto funciona como uma só palavra, podendo ser substituído por um único vocábulo: 
( Admiro a estrada de ferro / Admiro a pista
4. A estrutura dos nomes compostos
a) substantivo + substantivo: papel-moeda, escola-modelo, peixe-espada
b) substantivo + preposição + substantivo: pé-de-vento, pé-de-moleque
c) substantivo + adjetivo (ou vice-versa): amor-perfeito, belas-artes, mesa-redonda, pé-frio
d) adjetivo + adjetivo: surdo-mudo, tragicômico
e) pronome + substantivo: Nosso Senhor, seu-vizinho (“dedo anular”)
f) numeral + substantivo: três-marias, segunda-feira, zero-quilômetro (“carro novo”)
g) advérbio + substantivo / adjetivo / verbo: sempre-viva, bem-querer
h) verbo + substantivo: lança-perfume, saca-rolhas
i) verbo + (conjunção) + verbo: leva-e-traz, corre-corre
j) verbo + advérbio: pisa-mansinho, ganha-pouco
k) um grupo de palavras ou uma frase inteira: um deus-nos-acuda
5. Tipos especiais de formação de palavras
5.1 Abreviação (truncamento)
Consiste no emprego de uma parte da palavra pelo todo, até limites que não prejudiquem a compreensão: foto (fotografia), moto(motocicleta), pneu (pneumático), cine (cinema), cerva (cerveja), Floripa (Florianópolis), japa (japonês). 
O vocábulo reduzido permanece na mesma classe gramatical. 
“A forma abreviada pode coexistir com a forma da qual foi extraída; nesse caso, estabelece-se entre elas uma diferença de sentido ou de distribuição”. Considere, por exemplo, o par cine / cinema: a forma abreviada é utilizada quando se acrescenta o nome do cinema – cine Plaza – e a forma primitiva, quando o nome do cinema não aparece – vou ao cinema (*vou ao cine).
5.2 Siglas / derivação siglada / acronímia
Tipo de abreviação em que as sílabas ou letras iniciais dos principais elementos são tomadas para formar uma palavra: IBGE (Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística), ONU (Organização das Nações Unidas), PT (Partido dos trabalhadores), Varig (Viação aérea Rio-Grandense), Ovni. 
“Na leitura, as letras podem ser pronunciadas isoladamente – USA (u-esse-a) – ou como vocábulo, segundo as regras usuais de leitura da língua – ONU (ônu)”. 
As siglas são atualmente sentidas como palavras primitivas, porque:
as instituições são raramente conhecidas por suas denominações completas: os falantes desconhecem muitas vezes o vocábulo composto original – CPF, PASEP
podem servir de base para palavras derivadas: petismo e petista (de PT)
possuem caráter polissêmico: A aula do professor Fulano dá ibope.
a sigla pode ter existência autônoma independente da base que a gerou, ou seja, a base pode mudar e a sigla continuar: MEC (Ministério da Educação e do Desporto); CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico).
ocupam a mesma posição que um substantivo
É comum a sigla ser produzida em outra língua, principalmente o inglês, e passar para o português como um vocábulo simples: laser (Light amplification by stimulated emission of radiation); aids (Acquired Immunological Deficiency Syndrome). 
É importante distinguir as palavras “siglas” de simples abreviaturas: Paraná – PR, quilômetro – Km, dr. , prof.
Na formação da sigla, existe preocupação com o aspecto sonoro: Embrafilme.
5.3 Onomatopéias
Vocábulos criados com a preocupação de imitar o som de coisas ou de animais: tique-taque, frufru, zunzum, cocoricó, blablablá.
5.4 Reduplicação (ou Redobro, ou duplicação)
Repetição de uma sílaba na formação de novas palavras. É geralmente utilizada na estruturação das onomatopéias e nos nomes de parentesco na linguagem infantil (a reduplicação apresenta conotação de carinho) e está ligada às exigências da linguagem enfática : papai, mamãe, Zezé, lenga-lenga, reco-reco.
�
5.5 Recomposição
A recomposição constitui uma espécie de composição: é um processo de formação de palavras em que apenas uma parte do composto passa a valer pelo todo e depois se liga a outra base, produzindo uma nova composição.
1) 	automóvel ( auto ( autódromo (que não se relaciona com auto-retrato, auto-sugestão, autógrafo) 
auto também é chamado de pseudoprefixo
2) 	em telefone/televisão/teleguiar ( não há recomposição
	mas em telenovela, sim: tele significa televisão
5.6 Empréstimos
forma direta: contato das línguas
forma indireta: meios de comunicação
derivam de uma língua de prestígio
os bárbaros adotaram termos latinos
português
muitos galicismos (empréstimos do francês): abajur, bijuteria, chofer, buquê, bibelô
empréstimos do inglês
input, chip, software, mouse, modem
deletar
futebol (football), nocaute (knock-out)
xampu, xerife
show
___________________________________________________________________________________________________________________
Exercícios
1) Identifique os processos usados na formação das seguintes palavras:
�
portunhol	
unha-de-fome 	
portuga 	
aidético 	
sambódromo
bovespa 	
sampa 		
embarque	
gibiteca	
cesta básica	
tititi		
semana santa
bangue-bangue
Atletiba 	
bebemorar	
vestiba	
girassol	
quebra-quebra
vinagre		
analfa	
hidrelétrica	
Banespa	
ziriguidum	
telespectador	
fotonovela		
		�
2) Determine se os sintagmas que seguem formam ou não um nome composto:
a) saco plástico	b) casa de praia	c) meio ambiente 	d) conta corrente	
e) salada de frutas 	f) salada de beterraba 	g) casa de detenção 	h) gol contra
3) Comprove que Porto Rico e Belo Horizonte são morfologicamente nomes compostos.
4) De dedo duro (delator) fez-se o verbo dedurar. Analise os elementos desse verbo e identifique o seu processo de formação.
5) Considere as frases que seguem e identifique quais das seqüências grifadas formam palavras em português? Justifique sua resposta.
a) Eu moro em BH.	b) Eu moro em RJ.	c) Eu moro em Floripa.
6) Comente a formação da palavra xis-queijo.
7) O compositor Itamar Assumpção lançou há alguns anos um disco com o título de PRETOBRAS (que também é título de uma canção). 
a) Itamar Assumpção, claramente, inspirou-se na palavra PETROBRAS para dar nome ao seu disco. Qual o processo de formação da palavra PETROBRAS?
b) Na sua opinião, o processo de formação da palavra que dá nome ao disco (PRETOBRAS) é o mesmo processo de formação da palavra que inspirou o título (PETROBRAS)? Explique.
Bibliografia
ANTUNES DE ARAUJO, Gabriel. “Morfologia não-concatenativa em Português: os Portmanteaux”. Cadernos de Estudos Lingüísticos, vol. 39, p. 5-21, 2000.
AZEREDO, José Carlos de. Fundamentos de gramática do português. Rio de Janeiro: Zahar, 2000.
BASILIO, Margarida. Teoria lexical. 7 ed. São Paulo: Ática, 2002.
KEHDI, Valter. Formação de palavras em português. 3. ed. São Paulo: Ática, 1990. 
LAROCA, Maria Nazaré de Carvalho. Manual de morfologia do português. Campinas: Pontes, 2003.
MONTEIRO, José Lemos. Morfologia Portuguesa. Campinas: Pontes, 2002.
PETTER, Margarida M. Taddoni. “Morfologia”. In Fiorin, José Luiz (org.), Introdução à Lingüística. São Paulo: Contexto, p. 59-79, 2003.
ROCHA, Luiz Carlos de Assis. Estruturas morfológicas do português. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998.
SILVA, M. Cecília Souza.; KOCH, I. Lingüística Aplicada ao Português: Morfologia. São Paulo: Cortez, 2001.

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