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1059107 A arte e a estética medievais românico

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A ARTE E A ESTÉTICA MEDIEVAIS 
 
Profª. Mônica Eustáquio Fonseca 
Departamento de Arquitetura e Urbanismo – PUC-MG 
 
 
Introdução 
 
 
 A Idade Média tirou da Antigüidade Clássica grande parte de seus problemas estéticos, 
mas conferiu a tais temas um novo significado, inserindo-o no sentimento do homem, do mundo 
e da divindade típicos da visão cristã. 
 
 A Antigüidade Clássica tinha o olhar voltado para a natureza, enquanto os medievais, ao 
tratar dos mesmos temas, tinham o olhar voltado para a Antigüidade Clássica. Toda a cultura 
medieval é, por um lado, mais do que uma reflexão sobre a realidade, um comentário da tradição 
cultural. 
 Esse aspecto não exaure a atitude crítica do homem medieval: ao lado do culto dos 
conceitos transmitidos como depósito de verdade e sabedoria, ao lado de ver a natureza como 
reflexo da transcendência, obstáculo e dilação*, está viva na sensibilidade da época uma fresca 
solicitude para com a realidade sensível em todos os seus aspectos. 
 Temos a garantia de que quando o filósofo medieval fala de beleza, não entende somente 
um conceito abstrato, mas se remete a experiências concretas. 
 Na Idade Media existe uma concepção de beleza puramente inteligível, da harmonia 
moral, do esplendor metafísico, e que nós só podemos entender se penetrarmos com muito 
amor na mentalidade e na sensibilidade daquela época. 
 
Quando a Escolástica fala da beleza, ela a entende como um atributo de Deus. 
(Curtius, apud ECO, 1989:16) 
 
A experiência da beleza inteligível constituía, antes de tudo, uma realidade moral e psicológica 
para o homem da Idade Media. Os Medievais elaboravam ao mesmo tempo, por analogia, 
opiniões a respeito do belo sensível, da beleza das coisas da natureza e da arte. 
 Seu campo de interesse estético era mais dilatado que o nosso. Existia o gosto do homem 
comum, do artista e do amante das coisas da arte, vigorosamente voltado para os aspectos 
sensíveis. Os sistemas doutrinais procuravam justificar e dirigir este gosto, documentado de 
 
* demora, adiamento, prorrogação. Usei o termo, empregado por Eco, op. cit. Uma vez que 
os sinônimos não apresentam a mesma sugestão de força. 
várias maneiras, de modo que a tensão para o sensível não sobrepujasse jamais a tensão para o 
espiritual. 
 
É mais fácil amar os objetos de belo aspecto, os doces sabores, os sons suaves, e 
assim, por diante, do que amar a Deus. (Alcuíno, apud. ECO, 1989: 16) 
 
 Mas se saborearmos estas coisas com a finalidade de melhor amar a Deus, então 
poderemos também secundar a inclinação para o amor ornamenti, para as igrejas suntuosas, 
para o bel canto e para a bela música. 
 Pensar a Idade Media como época da negação moralista do belo sensível indica, além de 
um conhecimento superficial dos textos, uma incompreensão básica da mentalidade medieval. 
Os moralistas e os ascetas percebem o atrativo das alegrias terrenas; aliás, sentem tais 
solicitações em grau mais intenso que os outros e precisamente neste contraste entre a 
reatividade ao terrestre e a tensão para o sobrenatural funda-se o drama da disciplina ascética. 
Se esta disciplina atingir seu objetivo, o místico e o asceta encontrarão na paz dos sentidos sob 
controle, a possibilidade de contemplar com olhos serenos as coisas do mundo; e poderão avaliá-
las com uma indulgência que a febre da luta ascética lhes proibia. 
Mas a Idade Média mística desconfia da beleza exterior, refugia-se na contemplação das 
Escrituras ou no gozo dos ritmos interiores da alma em estado de graça. A este propósito falou-se 
de uma estética socrática dos cistercienses, fundada na contemplação da beleza da alma: os 
corpos dos mártires, horríveis à visão depois dos horrores do suplício, resplandecem de uma 
vívida beleza interior. 
 A contraposição entre beleza exterior e beleza interior é, efetivamente, tema recorrente 
em toda a época. A fugacidade da beleza terrena é sempre percebida com um sentimento de 
melancolia. 
 Quando se abandona o território dos místicos e se entra do campo da cultura medieval 
restante, tanto laica quanto escolástica, a sensibilidade ao belo natural e artístico é, então, um 
fato concreto. No entanto os medievais convertiam rápido o sentimento do belo em um 
sentimento de comunhão com o divino ou com a pura e simples alegria de viver. Eles não tinham 
uma religião da beleza separada da religião da vida. Se o belo era um valor, devia coincidir com o 
bom, com o verdadeiro e com todos os outros atributos do ser e da divindade. 
 A Idade Média não podia, não sabia pensar em uma beleza “maldita” ou, como fará o 
século XVII, na beleza de satanás. 
 
A BELEZA E A FORMA 
O que é a beleza do corpo? É a proporção das partes acompanhada por uma certa 
doçura do colorido. (Santo Agostinho, apud ECO) 
 
 No campo das artes plásticas e figurativas, desenvolve-se o conceito e a norma da 
simetria . Associado a ele surge então a concepção da beleza relacionada à ordem. 
 O princípio da simetria, mesmo em suas expressões mais elementares, era um critério 
instintivo tão radicado no ânimo medieval que determinava a própria evolução do repertório 
icnográfico. 
 Uma outra lei de ordem à qual a arte medieval submete-se é a do quadro: a figura deve 
adequar-se ao espaço, às vezes a figura inscrita recebe uma nova graça, às vezes a adequação 
confere força expressiva. Outras vezes o quadro exige figuras grotescas, vigorosamente 
abreviadas, com forca inteiramente românica. 
 
 
O SÉCULO XI - O RENASCIMENTO OCIDENTAL 
 
 Se há um século, na civilização ocidental, que merece levar o nome de Renascimento este 
é o século XI. Sinal de uma renascente organização das cidades, a arquitetura conhece aí um 
grande desenvolvimento. Da forma basilical, de aspecto inacabado que parece coberto com um 
telhado provisório, nasce a igreja românica, cuja abóbada assegura a unidade de todas as partes. 
Como o templo grego, a igreja românica é um organismo articulado, cujas partes estão 
associadas por um conjunto de funções e proporções. Harmonizado pelas colunas-pilares, os 
arcos e o piso, o olho sugere ao espírito o acordo perfeito de todos os órgãos do edifício, acordo 
ritmado pelos tempos fortes das partes sólidas e os tempos débeis dos intervalos. 
 Todas as características da arte românica procedem dessa noção de ordem. A decoração 
concentra-se nas partes principais do edifício e para dar-lhes maior realce em relevo: a escultura 
ressurge, filha da arquitetura. 
 A arquitetura românica é sempre uma composição sóbria e comedida. A escultura, pelo 
contrário, nos raros espaços que a arquitetura lhe concede, contida pela estreiteza do marco, 
serpenteia, retorce e prolifera sem medida em um dinamismo insensato. A sedução que exerce 
sobre nós provém dessa vida transbordante: trata-se de uma multitude de formas que se 
atropelam e se compenetram nas arquivoltas, tímpanos e pilares. 
 O homem do ocidente depois de séculos dispõe-se de novo a criar e com isso nasce um 
maravilhoso vocabulário onde é evocado seu passado milenar: mitos pagãos e cenas cristãs, 
vestígios da Antigüidade, ornamentos bárbaros, formas bizarras, monstros e seres compósitos 
que o artista fabrica com a herança legada de todas as civilizações. 
 Todo este bestiário fabuloso é o testemunho de uma embriaguês orgiástica na criação de 
formas, que se apoderam da imaginação. 
 
 
AS LINGUAGENS DA ARTE 
a) A Forma Arquitetônica 
 
 O edifício típico da arquitetura românica é a igreja. O problema central em torno do qual 
gira todo o problema construtivo é a cobertura do espaço com abóbada, ou seja, com estruturas 
curvas em pedra. Na definição da forma construtivasentimos o estabelecimento de uma 
concepção estética favorável a construções articuladas e maciças, com fortes efeitos de claro-
escuro e luz rasante que penetram por escassas aberturas. 
 O fato de a igreja ser o edifício principal da época é inevitável e advém do fato de ser a 
Igreja a mais absorvente e sólida organização; rica e culta, modernamente equipada e sempre 
onipresente. 
 O uso do arco perfeito transforma-se no principal argumento do princípio arquitetônico: 
a abóbada não passa assim de sucessivos arcos. O arco funciona não apenas como elemento 
funcional, mas também decorativo. Na quase totalidade dos casos é semicircular, ou seja, de 
volta perfeita. Muitas vezes o arco é acompanhado por uma moldura mais ou menos elaborada 
que lhe realça o perfil. Quase com a mesma freqüência, tal moldura ou a própria parte inferior do 
arco, é decorada com uma alternância de pedras claras e escuras, ou então de pedra e tijolo: 
surge uma bicromia, isto é, um jogo de claro-escuro - um dos mais freqüentes elementos 
decorativos da arte românica. 
 Outro motivo a meio caminho entre o funcional e o decorativo é a rosácea: uma grande 
abertura circular, perfurada e preenchida de vitrais, que surge como principal ornamento da 
fachada. A rosácea é, na maior parte dos casos, a maior fonte de iluminação do edifício ou, pelo 
menos, da nave central. E isto porque estava em moda, na época do românico, um tipo particular 
de janela, que correspondia, simultaneamente, às exigências da segurança e da estética, 
enquanto garantia uma determinada iluminação, difusa e discreta, com uma abertura mínima: a 
janela de voamento, isto é, de fresta estreita, rasgada a meio de uma parede, que se vai 
alargando progressivamente para o interior ou então tanto para o interior como para o exterior. 
Se isto é habitual nas janelas, nas portas nos surge um outro elemento típico: o mainel, ou parte-
luz, um pilar esculpido que divide ao meio o vão do portal que adentra a nave. 
 Contamos ainda com diversos outros elementos decorativos: as arcarias cegas que 
consistem em faixas de pequenos arcos, muito usada como cornija decorativa sob o telhado ou 
como moldura a separar partes da construção. A loggia: uma pequena e elegante galeria com 
arcos sobreposta à fachada. O pórtico, como que um átrio a preceder os portais de algumas 
igrejas, cujo arco de entrada está geralmente apoiado sobre duas colunas assentes em animais 
deitados (quase sempre leões). 
 
 
B) a Forma Escultórica 
C) a Forma Pictórica 
 
 A escultura românica esteve quase sempre a serviço da arquitetura, ela surge-nos usada 
principalmente para decorar os elementos principais do edifício: portais de acesso, capitéis, 
púlpitos, portas, etc. 
 A escultura, assim como a pintura, não é entendida como um fim em sí mesma, mas é 
usada com objetivos didáticos, para instruir os que a vêem. Sendo assim, surgem como parte 
integrante do edifício românico. 
 
 Os elementos escultóricos: 
 Os Portais - podem ser únicos, dando acesso à nave central, ou pode ser mais que um, 
dando acessos às colaterais e aos transeptos. A sua forma é quase sempre a de um retângulo 
sobrepujado por um semicírculo. A parte superior é sempre preenchida por um tímpano 
esculpido em pedra. No tímpano interno domina a figura do Cristo entronizado, de maior 
proporção relativa às outras figuras e envolvido pela típica mandorla, ou seja, numa oval em 
amêndoa que simboliza seu esplendor divino. 
 Ao escultor românico não interessa tanto o indivíduo isolado, ou as suas características 
físicas, o que lhe interessa é antes o relato de um episódio ou fato, daí os frisos realmente 
distribuídos entre duas linhas marcadamente paralelas e dispostos numa seqüência serial. 
 O Capitel – não existe na época românica, contrariamente ao que sucedia na Antigüidade 
e conforme vai suceder no Renascimento, uma forma padronizada para este elemento 
arquitetônico-decorativo. Mas existe uma tendência para os capitéis campaniformes e cúbicos. 
Cada face do cubo é utilizada como painel sobre o qual se esculpem pequenas histórias do 
evangelho, figuras de artesãos, da vida cotidiana, lutas de homens ou de monstros, ou figuras 
alegóricas e fruto do imaginário. 
 A pintura românica: frescos, painéis, ilustrações de livros e pergaminhos, foi, em sua 
maioria destruída, mas ainda restaram exemplos que nos demonstram ter atuado em todas as 
escalas. 
 A pintura românica tal como toda a arte desse período cuida mais do efeito que da 
elegância e presta maior atenção a relatar que a decorar. Usa muito as cores vivas, por vezes 
violentas, e figuras desajeitas, mas sempre de uma eficaz expressividade. Os artistas não se 
esforçavam por dar o fundo de maneira realística, sobre o qual se moviam os personagens, 
quando o faziam era sempre de uma maneira simbólica: uma planta para significar o Paraíso, 
séries de riscas para simbolizar o mar, etc. Não se preocupavam com a manifesta irrealidade 
daquilo que pintavam. Não só deformavam as figuras, como utilizavam essas deformações de 
modo a acentuarem a expressividade do conjunto. 
 Assim, a pintura apresenta-se, quase sempre, como uma composição estilizada, ritmada 
segundo esquemas repetitivos - umas quantas figuras sempre dispostas da mesma maneira, regra 
geral numa seqüência horizontal, ou então simetricamente dispostas em torno de um ponto de 
interesse. 
 O esquema formal da composição serve-se das linhas, das angulosidades e das figuras 
geométricas (triângulos, pirâmides, quadrados ou círculos) conduzindo a um esquematismo 
generalizado. 
 
Bibliografia de referência : 
ARGAN, Giulio Carlo. A arte românica. p. 283-304. In: História da Arte Italiana. Vol 1. Da 
Antiguidade a Duccio. São Paulo: Cosac e Naify, 2003. 
CONTI, Flávio. Como reconhecer a Arte Românica. São Paulo: Martins Fontes, 1984. 
ECO, Umberto. A sensibilidade estética medieval. p. 15-29. In: Arte e Beleza na Estética 
Medieval. Rio de Janeiro: Globo, 1989. 
GOMBRICH, Ernst H. A Igreja militante. Século XII. p. 125-136. In: A História da Arte. Rio de 
Janeiro: Guanabara, 1993. 
HAUSER, Arnold. O Feudalismo e o estilo Românico. p. 249-268. In: História social da Literatura e 
da Arte. Vol. 1, São Paulo: Meste Jou, 1982. 
RAMALHO, Germán. Saber ver a Arte Românica. São Paulo: Martins Fontes, 1992.

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