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Hermenêutica - A Fundação da Norma - Ruth M Chittó Gauer

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Ruth M. Ghittó Gauer
A FUNDAÇÃO DA NORMA
para além da racionalidade histórica
e
edÍPUCRS
A FUNDAÇÃO DA NORMA 
para além da racionalidade histórica
rncis
Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul 
Chanceler:
Dom Dadeus Grings
Reitor:
Joaquim Clotet
Vice-Reitor:
Evilázio Teixeira
Conselho Editorial:
Antônio Carlos Hohlfeldt 
Elaine Turk Faria 
Gilberto Keller de Andrade 
Helenita Rosa Franco 
Jaderson Costa da Costa 
Jane Rita Caetano da Silveira 
Jerônimo Carlos Santos Braga 
Jorge Campos da Costa 
Jorge Luis Nicolas Audy (Presidente)
José Antônio Poli de Figueiredo 
Jussara Maria Rosa Mendes 
Lauro Kopper Filho 
Maria Eunice Moreira 
Maria Lúcia Tiellet Nunes 
Marília Costa Morosini 
Ney Laert Vilar Calazans 
René Ernaini Gertz 
Ricardo Timm de Souza 
Ruth Maria Chittó Gauer
EDIPUCRS:
Jerônimo Carlos Santos Braga - Diretor 
Jorge Campos da Costa - Editor-chefe
Ruth M. Chittó Gauer
A FUNDAÇÃO DA NORMA 
para além da racionalidade histórica
ediPUCRS
Porto Alegre 
2009
© EDIPUCRS, 2009
Capa: Vinícius de Almeida Xavier
Ilustração da capa: Universidade de Coimbra. Arquivo. Diploma da Fundação da 
Universidade, 1290.
Diagramação: Stephanie Schmidt Skuratowski 
Revisão linguística: do autor
Dados internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
G267f Gauer, Ruth Maria Chittó
A fundação da norma : para além da racionalidade histórica 
[recurso eletrônico] / Ruth M. Chittó Gauer. - Dados eletrônicos. - 
Porto Alegre : EDIPUCRS, 2009.
175 p.
ISBN: 978-85-7430-926-2 (On-line)
Publicação Eletrônica
Sistema requerido: Adobe Acrobat Reader
Modo de Acesso: <http://www.pucrs.br/orgaos/edipucrs/>
1. Direito. 2. Filosofia do Direito. 3. Normas Jurídicas.
4. Lévi-Strauss, Claude - Crítica e Interpretação. I. Título.
CDD 340.1
Ficha Catalográfica elaborada pelo 
Setor de Tratamento da Informação da BC-PUCRS
ediPUCRS
Av. Ipiranga, 6681 - Prédio 33 
Caixa Postal 1429 
90619-900 Porto Alegre, RS - BRASIL 
Fone/Fax: (51) 3320-3711 
E-mail: edipucrs@pucrs.br 
http://www.edipucrs.com.br
Ruth M. Chittó Gauer
chitto@pucrs.br
Doutora em História Moderna e Contemporânea pela 
Universidade de Coimbra, Professora do Programa de Pós- 
Graduação em Ciências Criminais, Faculdade de Direito e do 
Programa de Pós-Graduação em História, Faculdade de 
Filosofia e Ciências Humanas, PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE 
CATÓLICA DO RIO GRANDE DO SUL BRASIL.
Para meus filhos Gabriel, Alexandre e 
Rosane e para Viviane e Vanessa, minhas netas.
AGRADECIMENTOS
A ajuda recebida para a escrita deste livro aconteceu de forma casual ela 
chegou por meio de muitas pessoas em momentos diversos, de encontros e 
debates, assim como de atividades acadêmicas desenvolvidas por conta de 
disciplinas que ministrei em Programas de Pós-Graduação da PUCRS, nos quais 
a contribuição dos alunos foi inestimável. Quero aqui mencionar, com ênfase, a 
importância de meus colegas do Programa de Pós-Graduação em Ciências 
Criminais por terem fornecido um terreno exemplar e generoso, o qual ajudou 
enormemente o diálogo com o direito, a psiquiatria e a filosofia. O registro de 
gratidão certamente não dimensiona a importância que esse grupo de 
pesquisadores e amigos representa para minha vida acadêmica. A todos devo o 
entendimento de que a ansiedade da incompletude acompanha a vontade de 
compreender a complexidade do ato de escrever.
O projeto deste livro surgiu de reflexões iniciadas nos finais dos anos 
oitenta, início dos noventa, durante o período em que escrevi minha tese, no 
Instituto de História e Teoria das Ideias da Universidade de Coimbra, meu “lar” 
acadêmico em Portugal. Tenho a satisfação particular em reconhecer a influência 
crucial de ideias vindas de longas conversas e debates acadêmicos na outra 
margem do Atlântico, especialmente com os Professores Doutores Fernando 
Catroga e Rui Cunha Vide Martins. O mais relevante, no entanto, fruto de uma 
longa convivência, foi o de terem-me proporcionado a condição para perceber que 
a erudição deve receber o tempero do estilo.
SUMÁRIO
I A norma totalizadora frente à diferença....................................................... 9
II A fundação da norma: a metáfora sexual e a condição humana............16
III A sedução da norma: fato social total.........................................................28
IV Os deslocamentos da norma: reinvenção de termos...............................36
V A impessoalidade funda a categoria do indivíduo e redimensiona a
norma...........................................................................................................................42
VI A crise do racionalismo e o retorno ao mito: cumplicidade com a
psicanálise...................................................................................................................51
VII Crítica à razão totalizadora: um exemplo de época.................................. 60
VIII A racionalidade moderna frente à diferença: os pioneiros da
etnopsiquiatra do Brasil...........................................................................................65
IX Da diferença perigosa ao perigo da igualdade totalizadora.................... 84
X A fixidez da norma frente ao fluxo contemporâneo.................................. 99
XI O fundamento do sistema de comunicação: a crença como norma ....114
XII A sedução da objetividade: natureza & cultura...................................... 129
XIII A Ilusão Totalizadora e a Violência da Fragmentação............................138
XIV Norma, ciência e autenticidade.................................................................. 148
XV Juridicidade, violência, mito e memória................................................... 154
BIBLIOGRAFIA.........................................................................................................169
I A norma totalizadora frente à diferença
Lévi-Strauss articulou várias técnicas oriundas da ciência moderna para 
demarcar o limite entre natureza e cultura como fundamento de suas 
investigações sobre as relações sociais. Buscou compreender o obscuro, o não 
aparente na aparência de uma “realidade” que se manifesta como significante de 
toda ordem social. A interpretação decorrente desse esforço pode ser 
denominada como uma espécie de jogo abstrato que se relaciona com a 
“realidade”, pois se articula com oposições binárias ligadas a estruturas mentais 
que revelam os processos cerebrais inerentes à lógica racional. Essa lógica é 
percebida não apenas quando se manifesta por meio da racionalidade científica, 
mas também quando analisamos os mitos e os ritos.
O estruturalismo inaugurado pela escola sociológica francesa tem como 
representante mais conhecido Lévi-Strauss e propõe recuperar os processos que 
estavam latentes entre corpo e espírito: reconciliar o paradoxo significou afastar- 
se de Descartes e de seu dualismo, sem negar a racionalidade e a posição que o 
autor tomou ao tratar o fato social como coisa. Não se pode desenvolver uma 
análise satisfatória do estruturalismo sem levar em consideração que não apenas 
a atividade intelectual é importante para uma interpretação da sociedade, mas 
também a prática como um plano da percepção do sensível. Desse modo, Lévi- 
Strauss pôs fim ao divórcio entre inteligibilidade e sensibilidade, conciliando, de 
forma harmônica, a interminável busca de sentido do homem e o mundo 
construído por ele: um mundo configurado por formas, cores, sabores, texturas, 
odores, sentidos, sendo continuamente reinterpretado. A negação da natureza 
pode ser pensada como a inesgotável significação que torna sua presença uma 
totalidade material representificada na linguagem e demarcada,em certo sentido, 
em um jogo que não diz respeito ao confronto com o passado, como tradição 
histórica, mas a um desafio crítico relacionado ao campo da história e das 
ciências sociais.
A Fundação da Norma: para além da racionalidade histórica 9
Aceitando, com Merleau-Ponty,1 que, em antropologia, a experiencia 
equivale a nossa inserção como sujeitos sociais em um todo cuja síntese já está 
feita e é laboriosamente procurada por nossa inteligência, pois vivemos na 
unidade de uma só vida, é necessário, então, reconhecer-se que a diferença que 
configura esse pensamento é circunscrita pela comprovação da ausência de 
totalidade da racionalidade. Poder-se-ia dizer que há muitas lições a se tirar desta 
posição do autor; no entanto, a síntese à que ele se refere somos nós, o aparelho 
de nosso ser social, que pode ser desfeito e refeito da mesma forma que 
podemos aprender a falar outras línguas.
Na análise das estruturas elementares de parentesco, Lévi-Strauss abre a 
possibilidade de se pensar a fundação da norma quando busca não mais o 
universal de sobrevôo de um método estritamente objetivo, mas um universal 
lateral, cuja aquisição é possível por meio da experiência etnológica, incessante 
prova de si pelo outro e do outro por si. Essa experiência alargada referida pelo 
autor2 é construída por um sistema de referencia que inclui todas as diferenças. 
Tais diferenças não se constituem necessariamente em outros, trata-se de 
aprender a ver o que é nosso como se fôssemos estrangeiros, e como se fosse 
nosso o que é estrangeiro. Sob esse aspecto é possível marcar a distância entre 
Merleau-Ponty e Foucault. Para o primeiro, a etnologia levava ao alargamento da 
racionalidade porque desembocava na ontologia. Com efeito, superando a
1
1
MERLEAU-PONTY, Maurice. De Mauss à Claude Levi-Strauss, Os Pensadores, Sao Paulo, Abril 
Cultural, 1975, p. 383-396.
2 MERLEAU-PONTY, op. cit., p. 363-365. A metafísica (e a metafísica nas ciências humanas) 
emerge quando se põe o problema da alteridade. No entanto, ao contrário do pensamento francês 
contemporâneo, que é herdeiro de uma problemática nitidamente merleaupontyana, a questão do 
Outro e do Mesmo, da diferença e da identidade, levam a uma interrogação radical da 
racionalidade estreita apresentada pelo saber ocidental. Para Merleau-Ponty, a antropologia, 
tomando a alteridade como objeto, fornece à filosofia um instrumento para o alargamento da 
razão, para a convivência dos incompatíveis, para um universal constituído por relações de 
complementaridade. Sabemos que, contrariamente a essa tentativa, o pensamento francês 
contemporâneo exacerbou a alteridade, rumou para as diferenças absolutas, cortes e rupturas que 
dominam as práticas e teorias humanas, reagindo contra um certo hegelianismo presente em 
Merleau-Ponty, e usando como arma o elogio da esquizofrenia derivada do mundo esquizofrênico. 
No ensaio Em toda e em nenhuma parte, Merleau-Ponty se refere à China vista em uma fotografia 
e à China vivida pelos Chineses - a primeira é exótica, pitoresca, distante, porque diferente; a 
segunda é uma outra maneira de alcançar uma relação com o ser, um projeto social e político que 
também nos diz respeito e por intermédio do qual nos comunicamos com o que é diferente de nós 
e que, conosco, forma a unidade de uma “universalidade oblíqua”. A abertura de Les Mots e les 
Choses mantém a China vista em sua distância fotográfica: a enciclopédia borgiana, rompendo o 
que é familiar ao nosso pensamento, determina a impossibilidade definitiva de alcançar o outro.
10 Ruth M. Chittó Gauer
dicotomia sujeito-objeto, a estrutura revelada pelo etnólogo e generalizada pelas 
outras ciências deixava claro que não há dados nem essências (pontos fixos e 
completos a serem marcados e explicitados), mas que o real (vínculo sujeito- 
objeto) se configura em um processo contínuo de reestruturação, contendo em si 
a possibilidade de transformação e um devir apenas sentido, isto é, uma história.
Na busca pela compreensão da verdade, os modernos3 tentaram impor a 
violência da visão totalitária construída com a precisão da ciência. Nesta visão 
surge a lei, no sentido dado pelo direito natural moderno, que englobou a norma 
e, para além desta, o fato e o valor. Fato, valor e a norma passam a ser 
compreendidos como lei no pensamento iluminista. No entanto, na nova visão de 
mundo que os ocidentais ajudaram a consolidar como força dominante4 e que, 
conforme Bergson, "desta forma possibilitou que o pensamento moderno se 
firmasse em larga medida, como diferença”, ainda, segundo ele, "deve então 
reconhecer-se que a diferença que configura esse pensamento está circunscrita 
pela comprovação de uma "nova verdade”,5 precisamente a que é ditada pela
3
BAUMER, Franklin L Baumer, O Pensamento Europeu Moderno, v. I, Vila Nova de Gaia, Edições 
70, 1990, p. 39.
4 BAUMER, Franklin L. O Pensamento Europeu Moderno, v. I, Vila Nova de Gaia, Edições 70, 
1990, p. 39; Maurice Merleau-Ponty, Elogio da Filosofia, p. 38. O pensamento ocidental tem-se 
caracterizado por desvalorizar ontologicamente a imagem e psicologicamente a função da 
imaginação. Em muitos momentos a imaginação é vista como responsável por erros e falsidades. 
Bergson, ao abrir novas dimensões para um continuun da consciência, ensaia uma ruptura, mas 
esta, segundo Gilbert Durand (As Estruturas Antropológicas do Imaginário, São Paulo, Martins 
Fontes, 1997), não se estabelece, pois ele ainda reduz a imagem à memória, uma espécie de 
contador da existência, que funciona mal no abandono do sonho, mas que volta a organizar-se 
pela atenção perceptiva da vida. Tanto a tendência de miniaturização da imagem quanto a 
recordação dela comentem o erro de “coisificar” a imagem e seu dinamismo, alienando a sua 
função principal que é conhecer, mais do que ser. Durand acredita que, em Bergson, a imagem 
sempre aparece como sombra do objeto, ou ainda como um objeto fantasma, sem consequências. 
Sendo assim, os objetos imaginários sempre foram tomados como duvidosos, como fomentadores 
do erro. A desvalorização da imagem não corresponde, de modo algum, ao papel que ela 
desempenha no campo das motivações culturais. As teorias que falam sobre a imagem, para 
Durand, destroem-na, pois são uma teoria da imaginação sem imagens.
5 BERGSON, Henri, Matéria e Memória, São Paulo, Martins Fontes, 1999, p. 290. No entanto, é 
preciso lembrar que Bergson postulou a existência de uma misteriosa intuição e assim permitiu 
transferir o espírito ao coração das coisas a fim de fundar a sua unidade. Para Arthur Miller, 
Bergson convidou todo mundo a transpor o objetivismo e o tédio do reino enigmático, o ‘balanço 
vital’. Eis o motivo que levou Miller a afirmar que o autor foi o filósofo dos artistas do início do 
século XX. No entanto, a gênese traçada pelas obras de Bergson revela que “é a nossa própria 
história que contamos a nós mesmos, um mito (grifo nosso), natural através do qual exprimimos o 
nosso acordo com todas as formas de ser. Não somos a pedra mas ela entra na nossa vida, se 
mexe, desenvolve seu íntimo, se revela a si própria através de nós. O que julgamos ser 
coincidência é coexistência” (Intuitions de Génie: images et crétivité dans les sciences et les arts, 
Paris, Flammarion, 1996, pp. 369-370).
A Fundação da Norma: para além da racionalidade histórica 11
ciência. Isso que significa que os cientistas dessa época, ao tentarem 
compreender os fenômenos cósmicos desvinculando-os da crença religiosa, não 
impediram que se sacralizasse uma nova crença, justamente a crença na 
“verdade” científica. Compõe a verdade científica o conjunto de leis elaborado 
pelos modernos e contemporâneos, com a função primordial de normatizar as 
sociedades. Há nesta racionalização a pretensão de eliminar a fé, o mito e as 
crenças em todosos eventos que não pudessem ser explicados pela 
racionalidade científica.
No campo das humanidades, a problemática da comprovação científica se 
fez presente a partir do século XIX, criando muitos espaços de debate. O mundo 
acadêmico caracterizou de diversas formas as diferenças entre o que se 
convencionou chamar de humanidades e de ciências humanas. Partimos da 
premissa, ainda que para fins de melhor compreensão, de que a diferença entre 
humanidades e ciências humanas é complexa. O enfoque da diferença é, 
portanto, apenas visto como uma questão de especificidade. Ao corpus antigo, 
que circunscreve as humanidades desde os gregos e que foi revigorado na 
Renascença, corresponde, grosso modo, o que denomino humanidades. O papel 
pedagógico dessa concepção estruturou a formação cultural no Ocidente, 
juntamente com uma visão fundamentalista. Acreditava-se que o conhecimento 
produzido pelos clássicos construiria um “novo” homem.
As ciências humanas datam do século XIX. Mesmo no período iluminista, 
não se descolaram do conhecimento antigo, no entanto nascem com forte vínculo 
com a “realidade”, que permite a sua “evolução”. É fundamental lembrar que os 
critérios epistemológicos das ciências humanas variam muito. A ideia de que as 
humanidades trariam lições de vida, tal como pensam muitos historiadores e 
pedagogos, pode se constituir em um problema. Há que se pensar em incluir 
tanto as disciplinas voltadas ao conhecimento quanto as artes, a literatura e 
outras. A ideia de que nessas disciplinas se modifica o sujeito, no ato de 
conhecer, constitui-se como o traço mais visível nas humanidades, e também se 
constata nas ciências humanas. As dicotomias criadas tanto pelos adeptos do 
empirismo como pelos da metafísica não salvaram o homem de ser mutilado,
12 Ruth M. Chittó Gauer
dando margem ao inumano. Para Merleau-Ponty6, a metafísica nas ciências 
humanas emerge quando se coloca o problema da alteridade. A antropologia, 
tomando a alteridade como objeto, fornece à filosofia um instrumento para o 
alargamento da razão, para a convivência dos incompatíveis, para um universal 
constituído por relações de complementaridade. A divisão tradicional entre as 
ciências humanas, empírico-formais e exatas, passou a sofrer vários abalos. A 
teoria da relatividade e a física, desde os finais do século XIX, alteraram tanto a 
posição do observado quanto a do observador, diminuindo, assim, a distância 
entre as ciências humanas e algumas outras ciências. Podemos citar quatro 
autores que consideramos exemplos emblemáticos e contundentes desse fato:
a) Durkheim, quando tratou os fenômenos sociais como coisa;
b) Freud, ao tentar chegar às condições físico-químicas da psique;
c) Lévi-Strauss, formalizando as relações sociais mediante o uso da teoria 
dos conjuntos;
d) Foucault, deslocando a análise do macro para o micro; logo, deslocando 
simultaneamente o lugar do observador e do objeto a ser observado.
Essas experiências se constituíram em grande sucesso. Certamente os 
resultados das interpretações dos autores acima citados revelaram-se mais 
importantes do que a quebra de normas científicas que permitiu a ampliação da 
análise. O esforço em preservar as fronteiras do conhecimento é um dos grandes 
problemas enfrentados pelas Universidades quando buscam a inovação. A base 
do pensamento das pesquisas conhecidas como “de ponta” reside no fato de que 
a linguagem técnica de uma área permite a ampliação de outra área. Esse 
exemplo pode ser constatado historicamente. Para tanto, basta pensarmos no 
século XVII, no qual se construiu a matriz das atuais ciências denominadas 
“exatas” ou “duras”. A geometria alcançou o papel de fornecedor de paradigmas 
para todo o conhecimento que se pretendesse científico. Nos finais do século XIX, 
a biologia passou a explicar, para alguns darwinistas, como Tylor, Spencer e 
Webb, que a sociedade evoluía em fases sucessivas, ou seja, a história das 
sociedades também estava sujeita às leis da natureza, tendendo a seguir linhas
6 MERLEAU-PONTY, Maurice. De Mauss à Claude Lévi-Strauss. In: Os Pensadores. São Paulo: 
Abril Cultural, 1975. P. 368
A Fundação da Norma: para além da racionalidade histórica 13
de desenvolvimento semelhantes, independentemente da localização espaço- 
temporal. Logo, necessariamente, a sociedade passaria da selvageria à barbárie, 
e, enfim, à civilização. Há, no entanto, que se ter presente que as linguagens - 
palavras, conceitos - não têm transparência suficiente para expressar o próprio 
ato criativo; portanto, a arte é imprescindível.
No século XX, os linguistas, no apogeu do estruturalismo, incluíram o rigor 
das demais ciências. A importância do estruturalismo reside na nova possibilidade 
que oferece: a linguagem de uma área permite revolucionar outras áreas. Ao lado 
desse enfoque a antropologia, ao transmitir a preocupação com as significações e 
com a maneira como poderiam ser vistas pelos diferentes agentes sociais, abriu a 
possibilidade de revolucionar a percepção das relações humanas. Os exemplos 
nos levam a pensar que a possibilidade de inovação está associada à abertura de 
espaços experimentais para que se testem linguagens fora de seus lugares de 
origem, buscando, desse modo, o afrouxamento do método e, assim, a ampliação 
das perspectivas de surgimento de novas hipóteses - o ato criativo.
Um dos exemplos mais significativos da utilização de conceitos de 
diferentes campos de saber aplicados a um saber específico pode ser encontrado 
na obra de Marcel Mauss. Na visão de Mauss7, o fato social não é uma 
regularidade compacta, mas um sistema eficaz de signos ou uma rede de valores 
simbólicos que se insere no individual mais profundo. Contudo, a regulação 
pensada como norma que circunscreve o indivíduo não o suprime. O “verdadeiro” , 
escreve o autor, não é a prece nem o direito, mas o homem como cimento afetivo. 
Esse homem pode ser “apreendido” pela palavra - a norma, a negação, o Não, é 
expresso pela palavra. A análise de Merleau-Ponty8 é fundamental quando 
lembra, em A linguagem indireta e as vozes do silêncio, que “por mais que a 
palavra, como explica Saussure, receba de outros seu sentido, no momento, 
porém, de produzir-se, o que há de exprimir não é mais diferido, contraído de 
suas relações; imprimi-se e atinamos com alguma coisa” . Há ainda que lembrar 
que o próprio Merleau-Ponty afirma, logo em seguida, que “devemos, pois, dizer 
da linguagem em sua relação com o sentido o que Simone Beauvoir diz do corpo
7 MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia, v. I, São Paulo, E.P.U./EDUSP, 1974.
8 MAUSS, Marcel, op. cit., p. 363-365.
14 Ruth M. Chittó Gauer
em sua relação com o espírito: que não é primeiro nem segundo”. Nessa 
perspectiva as estruturas sociais representadas pelas diferentes normas 
instituídas devem ser analisadas de forma que se abandone a ideia de que 
tenham surgido “naturalmente”, tal como acreditavam alguns pensadores do 
século XIX.
A Fundação da Norma: para além da racionalidade histórica 15
II A fundação da norma: a metáfora sexual e a condição humana
Na tradição ocidental contemporânea, o casamento é assumido como um 
ato individual, uma escolha psicológica, marcada pela liberdade de escolha, que 
revela preferências, interesses, sentimentos, entre outros fatores. Sob essa 
estrutura, marcada pelo individualismo criado pelo direito natural moderno, 
encontramos o sistema de parentesco atual, que, além de ser marcado pela 
ausência de laços de consanguinidade - pais, irmãos, tios, entre outros -, 
constitui a estrutura no sistema da família nuclear. Toda e qualquer escolha dá- 
se, portanto, com base na exclusão do outro consanguíneo. A ser assim, a 
liberdade de escolhanão excluiu o átomo inicial fundante da sociedade, a 
proibição do incesto, norma estrutural do vínculo familiar. O poder da norma vista 
pela interpretação de Lévi-Strauss é um fator estrutural sem o qual não se 
compreende a lógica e o sentido da sociedade.
Otávio Paz9 defende a tese de que os escritos de Lévi-Strauss são 
importantes em dimensões como a antropológica, por exemplo, ao analisarem a 
estrutura de parentesco, os mitos, o pensamento selvagem e a filosófica, uma vez 
que a concepção antropológica como parte de uma futura semiologia e suas 
reflexões sobre o pensamento (selvagem e civilizado) revelam, de certo modo, 
uma desconfiança em relação à filosofia. Toda a obra de Lévi-Strauss, porém, 
dialoga com o pensamento filosófico, em especial com a fenomenologia e se 
inspira, em grande parte, nos autores clássicos; podemos notar, contudo, uma 
predileção por Bergson, Proust, Mauss, Saussure e Breton, presentes de forma 
significativa no conjunto da obra. As influências de tais pensadores são 
especialmente perceptíveis quando Lévi-Strauss apresenta seu diálogo contínuo 
entre o concreto e o abstrato.
A afirmativa de que a sociedade constitui-se em um sistema total de 
relações, que engloba tanto os aspectos materiais quanto o jurídico, o religioso e 
o artístico, está baseada no “fato social total”, desenvolvido por Mauss. O tema 
central dos trabalhos de Lévi-Strauss centra-se na busca do entendimento sobre
9 PAZ, Otávio. Claude Lévi-Strauss ou o Novo Festim de Esopo, São Paulo, Perspectiva, 1977, p. 
8 .
16 Ruth M. Chittó Gauer
a passagem da natureza para a cultura, passagem que ocorre com a fundação da 
norma. Podemos pensar o sistema de relações instituído pela norma. Segundo 
alguns de seus intérpretes, a fundação da norma se dá como um processo de 
violência. O autor busca compreender o lugar do homem no sistema da natureza. 
No campo da estética, particularmente, estudos sobre a arte indo-americana e as 
ideias indígenas sobre a música, a pintura, a poesia e o mito, refutam o 
pensamento sobre barbárie ou selvageria utilizado pela civilização ocidental para 
denominar as diferenças.
A contribuição de Lévi-Strauss, em uma obra que pretende ser apenas 
antropológica, é ainda extremamente significativa em vários campos de saber 
cujas bases se encontram na premissa da unidade do pensamento (da filosofia), 
embora se trate de uma filosofia antifilosófica. Poderíamos, metaforicamente, 
aproximar o pensamento de Lévi-Strauss daquele do geólogo que busca a 
explicação dos conteúdos aparentes no que está encoberto. Os exemplos mais 
significativos disso são a linguagem e a paisagem, esta última vista pelo autor 
como sendo diacrônica e sincrônica ao mesmo tempo. A história condensada nas 
idades geológicas da terra é também um entrelaçado de relações. Um corte 
vertical, que revela o oculto, as capas invisíveis, é uma estrutura que determina e 
dá sentido às aparências superficiais. Lévi-Strauss busca inspiração no marxismo 
e em Freud para compreender as estruturas não aparentes da sociedade e da 
psique humana. A compreensão do visível é dada pelo oculto, isto é, pela busca 
da relação entre o sensível e o racional, (um monismo) em si mesma uma busca 
da racionalidade do inconsciente, um super-racionalismo.
Podemos identificar, na obra de Lévi-Strauss, além de Marcel Mauss,10 a 
presença marcante de Saussure,11 no qual busca a compreensão sobre a
linguística. A obra de Lévi-Strauss revela ainda coincidências e discrepâncias com
12relação à posição culturalista de Franz Boas e ao funcionalismo de Malinowski12 e 
Radcliffe-Brown.13 Os primeiros trabalhos de Lévi-Strauss foram concebidos
10 MAUSS, Marcel. Sociologia e Antropologia, v. I, São Paulo, E.P.U./EDUSP, 1974.
11 SAUSSURE, Ferdinand. Curso de linguística geral, Lisboa, Dom Quixote, 1995.
12 MALINOWSKI, Bronislaw. Journal d ’ethnographe, Paris, Editions Du Seuil, 1985.
13 RADCLIFFE-BROWN, Alfred. El método de la antropologia social, Barcelona, Anagrama, 1975.
A Fundação da Norma: para além da racionalidade histórica 17
conforme a antropologia anglo-americana. Foram as ideias de Mauss, no entanto, 
que o prepararam para saltar do funcionalismo ao estruturalismo.
Lévi-Strauss concebe a sociedade como um conjunto de signos, como uma 
estrutura. Passa da ideia de sociedade como uma totalidade de funções à de um 
sistema de comunicações, sistema sempre normatizado. As posições de Lévi- 
Strauss confrontam o funcionalismo, o historicismo e a fenomenologia. 
Compreende a estrutura não só como um fenômeno resultante da associação dos 
homens, mas como um sistema marcado por coesão interna. Cada sistema 
(parentesco, mitologias, classificação, entre outros) é como uma linguagem que 
pode ser traduzida à linguagem de outro sistema. Lévi-Strauss, dito de outro 
modo, pensa a estrutura como um sistema, e cada sistema é regido por um 
código que permite (caso decifrado) sua tradução a outro sistema. Para ele as 
categorias inconscientes não são irracionais ou funcionais, mas apresentam uma 
racionalidade imanente.
A linguagem é um sistema de relações, seus elementos (oração, palavra, 
fonema) são valorizados ao serem considerados em relação com os outros. O 
signo tem um caráter dual: significante (som), significado (sentido), o significante 
que precede e excede o significado. O fonema não tem significado próprio, mas 
participa da significação; sua função significativa consiste na designação de uma 
relação de alteridade ou oposição em relação aos outros fonemas. Sua relação e 
sua posição junto aos outros fonemas no interior do vocábulo tornam possível a 
significação. O fonema é um campo de relações, uma estrutura. Lévi-Strauss se 
propôs aplicar a linguística à antropologia. Assim como os fonemas, as relações 
de parentesco são elementos de significação, logo, apenas adquirem significação 
participando de um sistema. Tanto os fonemas quanto as relações de parentesco 
são elaborações do espírito no nível do pensamento inconsciente.
No que se refere à fundação da norma, Lévi-Strauss a associa à estrutura
de parentesco e afirma que é atemporal, portanto, ahistórica; desse modo, a
repetição das formas das regras de matrimônio em todas as sociedades faz 
pensar, como no caso da fonologia, que os fenômenos visíveis são o produto do 
jogo de leis gerais, ainda que tais leis estejam ocultas.
O método utilizado pelo autor se funda mais em analogia do que em
identidade. Se a linguagem (e a sociedade inteira: ritos, arte, economia, leis,
18 Ruth M. Chittó Gauer
religião) é um sistema de signos, o que significam os signos? Um símbolo nos 
remete a outro símbolo. Esta concepção da linguagem termina em uma disjuntiva: 
se apenas a linguagem tem sentido, o universo não-linguístico carece de sentido 
e de realidade, ou então tudo é linguagem (dos átomos até os astros).
Essa crítica, de acordo Otavio Paz, não se aplica inteiramente a Lévi- 
Strauss, cujo tema central é o das relações entre o universo do discurso e a 
realidade não-verbal, o pensamento e as coisas, a significação e a não- 
significação.14 Ao contrário de seus predecessores, Lévi-Strauss, em seus 
estudos sobre o parentesco, não pretende explicar a proibição do incesto a partir 
das regras matrimoniais, mas serve-se da primeira para tornar inteligíveis as 
segundas.
É possível fazer muitas analogias: por exemplo, a universalidade da 
proibição em suas várias modalidades é análoga à universalidade da linguagem 
(diferente de idiomas). A proibição também não aparece entre os animais, não 
tendo, portanto, uma origem biológica ou instintiva. Trata-se de uma complexa 
estrutura inconsciente, como a linguagem. Apesar das inúmeras interpretações 
míticas, religiosas e filosóficasnão temos uma teoria racional que explique a 
origem e a vigência da proibição. Lévi-Strauss rechaça todas as teorias que 
pretendem explicar o enigma do tabu do incesto, desde as finalistas e 
eugenéticas até a de Freud.
A proibição do desejo pela mãe e o assassinato do pai - poder e punição - 
não correspondem a nenhuma realidade histórica ou antropológica, são um sonho 
simbólico, não origem, mas consequência da proibição. A metamorfose do som 
bruto em fonema se reproduz na metamorfose da sexualidade animal em sistema 
de matrimônio. Em ambas, a regra, binária (isto sim, aquilo não), seleciona e 
combina (signos verbais e mulheres). As normas do matrimônio e os sistemas de 
parentesco constituem-se em uma espécie de linguagem, um conjunto de 
operações que transmitem mensagens. Para Lévi-Strauss, as mulheres (como as 
palavras) são signos (e não só valor), elementos desse sistema de significações 
que é o sistema de parentesco. Partindo da premissa de que todas as sociedades 
conhecem e praticam a norma, carregada de interpretações filosóficas, jurídicas,
14 PAZ, Otávio. op. cit., p. 17.
A Fundação da Norma: para além da racionalidade histórica 19
religiosas e míticas, por outro lado não temos uma teoria racional que dê conta de 
sua vigência. A questão fundamental relacionada à norma é a tentativa de 
compreensão da norma primordial, a norma proibitiva, inflexível, considerada a 
fonte de todas as normas sociais, de toda moral e de toda punição. Há que se ter 
presente a posição de Lévi-Strauss: para o autor, a fundação da norma se deu 
com a negação.
A proibição do incesto, uma norma inflexível, fonte de todo limite, portanto, 
de todas as leis, segundo o autor,15 foi o primeiro Não que o homem opôs à 
natureza. Esse tabu, embora pareça não ter justificação biológica, nem razão de 
ser, é a raiz de toda proibição, constitui-se ao mesmo tempo na norma, no fato e 
no valor.
Esse Não contém um Sim: a proibição não apenas separa a sexualidade 
animal da sexualidade social, mas, como na linguagem, este Sim funda o homem, 
constitui a sociedade. Para Lévi-Strauss, estamos diante de uma operação 
inconsciente do espírito humano que, em si mesma, carece de sentido ou de 
fundamento, mas não de utilidade: graças a ela, à linguagem, ao trabalho e ao 
mito os homens são homens.
A pergunta sobre o fundamento do tabu do incesto se resolve na pergunta 
sobre a significação do homem, e esta, na significação do espírito, que não se 
defronta consigo mesmo. Faz-se necessário compreender, agora, símbolos, 
metáfora, equações, a posição, o significante e o significado, o espírito: algo que 
é nada.
Frente à análise sobre a fundação da norma, Lévi-Strauss busca responder 
a negação da natureza. Neste aspecto se percebe o fundamento mais importante 
de suas reflexões, ou seja, alcançar uma generalidade universal. Se for possível 
encontrar essa generalização, é na própria diferença que a encontramos. Neste 
aspecto faz-se necessário admitir que as diferenças não constituem dado natural, 
mas uma organização sistemática que se compreende por meio de uma análise 
estrutural. Logo, deve-se formular a seguinte pergunta: é possível elaborar uma 
estrutura geral das estruturas? Se há um sistema de diferenças, pode-se dizer 
que não há uma oposição, pelo menos lógica, entre a ordem natural e a ordem
15 PAZ, Otávio, op. cit., p. 19
2 0 Ruth M. Chittó Gauer
cultural. Esta oposição entre natureza e cultura pode ser negada. Faz-se 
necessário ressaltar, ainda, que esta é a oposição entre lei e universalidade, 
obrigação e necessidade. Se a explicação dos fenômenos sociais deve ser 
procurada em leis universais que regem as atividades do inconsciente, corre-se o 
risco de perder a compreensão do individual. Para Lévi-Strauss, o inconsciente 
seria o mediador entre o eu e o outro. Em ambos os casos, o mesmo problema se 
apresenta, o da comunicação procurada, algumas vezes entre um eu subjetivo e 
um eu objetivante, outras vezes entre um eu objetivo e um outro subjetivizado. 
Nos dois casos também a procura positiva dos itinerários inconscientes deste 
encontro, traçado na estrutura inata do espírito humano, na história das diferentes 
sociedades e na irreversibilidade dos indivíduos, é a sua condição para o êxito.
Lévi-Strauss16 define o êxito da seguinte forma: “se, como o cremos, a 
atividade inconsciente do espírito consiste em impor formas que são 
fundamentalmente as mesmas para todos os espíritos, antigos e modernos, 
‘primitivos’ e ‘civilizados’, é necessário e suficiente atingir a estrutura inconsciente, 
subjacente a cada instituição e outros costumes, sob a condição, naturalmente, 
de levar a análise bastante longe”. O objetivo do autor parece ligado à busca de 
um inventário de possibilidades inconscientes de cada relação, no qual a 
compatibilidade e a incompatibilidade que cada uma dessas relações mantêm 
com todas as outras fornecem uma arquitetura lógica para desenvolvimentos 
históricos que podem ser imprevisíveis, sem nunca se caracterizarem como 
arbitrários. O paradoxo apresentado pelo autor é querer reconciliar a etnologia e a 
história, no próprio momento em que a concepção que ele possui da primeira leva 
à desvalorização da segunda. O fato de querer conciliar uma tal situação 
demonstra a sua consciência sobre o limite de tal proposta.
Retomemos o tema da norma primordial sob outro ângulo: seguindo a 
preocupação da busca das estruturas de parentesco por meio da lógica dos 
sistemas científicos, Lévi-Strauss, em Estruturas Elementares de Parentesco 
(1949), enfrentando o mesmo enigma que Freud se propusera resolver em 1913, 
em Totem e Tabu, afirma a existência de um evento originário, fundador da 
sociedade humana. Tal evento originário, para Lévi-Strauss, seria o da proibição
16 LÉVI-STRAUSS, Claude. Raça e história, Lisboa, Presença, 1952, p. 133.
A Fundação da Norma: para além da racionalidade histórica 21
do incesto, com a consequente regulamentação da troca de mulheres, necessária 
e imposta pela exogamia, adotada com vistas ao estabelecimento de alianças 
entre os grupos humanos. Essa troca constitui-se, para o autor, além de uma 
estrutura subjacente a todo sistema de parentesco e a todo sistema social 
primitivo, o momento da passagem da natureza à cultura. Ao nível das estruturas 
elementares, de resto, esse universal, que sintetiza a proibição do incesto e a 
exogamia, representa o lugar onde se articula o modelo sincrônico, estrutural, de 
caráter trans-eventual. E é a partir daqui que se organizam as proposições 
teóricas que servem como suporte para o método de análise estrutural em 
antropologia. Para Lévi-Strauss, o tabu do incesto constitui o vínculo originário 
que une a esfera biológica à social, estando situado entre ambas, sem pertencer 
integralmente a uma ou outra. Ponto de encontro e articulação, portanto, entre 
natureza e cultura, ponto no qual se assenta a ordem social construída pelo 
homem.
Assim, essa proibição “não é de origem puramente cultural, nem de origem 
puramente natural, nem tampouco é uma combinação de elementos compósitos: 
constitui, ao contrário, o passo fundamental graças ao qual - e, sobretudo no qual 
- realiza-se a passagem natureza-cultura. Tudo o que é universal no homem 
pertence à ordem da natureza e é caracterizado pela espontaneidade (...). Tudo o 
que está submetido a uma norma pertence à cultura e apresenta os atributos do 
relativo e do particular” .17 Por meio dos mecanismos de trocas, que obedecem a 
uma rigorosa e complexa lógica instituída em nível inconsciente (aqui é 
conceituado de modo radicalmente diverso do freudiano), e nos quais as 
mulheres constituem o objeto de troca por excelência, todo o sistema socialfunda-se em um complexo sistema de comunicação cuja estrutura, dada desde o 
inconsciente, ocorre em pelo menos três níveis: comunicação através das
mulheres, comunicação através dos bens e dos serviços, comunicação por meio
18das mensagens.18 Na verdade, todo sistema cultural seria um sistema de 
comunicação, comunicação normatizada, que deve ser decodificado para a 
compreensão de seus elementos básicos e estruturantes. Embora Lévi-Strauss
17 LÉVI-STRAUSS, Claude. As Estruturas Elementares do Parentesco (1949), Petrópolis, Vozes, 
1982, p p .70-71.
18 MICELA, Rosaria. Antropologia e Psicanálise, São Paulo, Brasiliense, 1984.
2 2 Ruth M. Chittó Gauer
tenha afirmado, em suas conclusões sobre identidade, que esta "é uma entidade 
abstrata sem existência real, muito embora seja indispensável como ponto de
19referência",19 não é exagero dizer que, para a maior parte dos homens, a 
humanidade, como ponto de referência coletivo, é um espaço em branco no mapa 
das emoções. Este aspecto leva a considerar, necessariamente, o fato de que o 
planejamento de organizações, que contemple apenas a racionalidade e os 
elementos racionais, pode-se revelar altamente inoperante. Há, no entanto, uma 
variável a levar em conta: assim como as transformações de relações 
profissionais são substituíveis nas sociedades complexas, é possível enquadrar 
nesse modelo, ao menos “idealmente”, a permuta da própria nacionalidade. Mas, 
para isso, é fundamental que se trate de sociedades na quais o indivíduo é, pelos 
mais variados fatores, muito atomizado. Nesses casos, sua singularidade, 
elevada a um plano de destaque, faz com que a decisão sobre suas relações se 
encontre ao nível do eu. Tal atomização criou situações sociais nas quais se 
detecta a revolta dos fatos contra os códigos e um sistema de justiça que não 
satisfaz. A atomização das decisões quebra a lógica da reciprocidade, pois o nível 
de “harmonia” estruturante na conduta fundada pelo Não foi deslocado para a 
impessoalidade totalizadora em que a reciprocidade não encontra espaço.
A norma, pensada como estrutura, seguindo a reflexão do autor, encontra-se 
fora de nós, nos sistemas naturais e sociais, e em nós como função simbólica. As 
observações realizadas por Lévi-Strauss permitiram que fossem decodificados os 
sistemas contemporâneos de parentesco. Nestes sistemas a determinação do 
cônjuge fica a cargo de condicionamentos diversos e complexos a exemplo da 
demografia, da economia, ou, ainda, de posturas psicológicas. A passagem às 
estruturas complexas do parentesco, ou seja, àquelas de onde provêm, em 
particular, nossos sistemas de parentesco, deve ser definida em perspectivas com 
variantes complexas que envolvem as trocas e as normas. Frente a essa 
complexidade Lévi-Strauss encaminha uma abordagem histórica das instituições da 
Idade Média e das instituições indo-européias e semíticas: a análise histórica 
imporá a distinção entre uma cultura que proíbe absolutamente o incesto, sendo a 
negação simples, direta ou imediata da natureza, e uma cultura - aquela que está
19 LÉVI-STRAUSS, Claude. (Org.), La Identidad, Paris, Grasset, 1977, pp. 11-39.
A Fundação da Norma: para além da racionalidade histórica 23
na origem dos sistemas de parentesco contemporâneos - que joga ardilosamente
com a natureza e algumas vezes rodeiam a proibição do incesto. Segundo
20Merleau-Ponty,20 “precisamente este tipo de cultura mostrou-se capaz de enfrentar 
um corpo a corpo com a natureza e criar a ciência, a dominação técnica e a história 
acumulativa”. Podemos complementar lembrando que tal cultura passou a 
normatizar essas relações com a mesma complexidade com que as trocas 
continuam a se realizar. Considerando que, com o surgimento do indivíduo 
moderno, a normatização sofreu alterações significativas, não se pode negar a 
grande contribuição que essa “nova” categoria social trouxe à sociedade moderna,
que se caracteriza pelo rompimento de “amarras que o prendiam à sociedade
21tradicional” .21 Essa contribuição se refere aos princípios de organização, aos 
valores, ao surgimento do direito natural, ao direito subjetivo, vinculado à qualidade 
única do ser humano, agora separado do ser social e político. O indivíduo passa a 
aparecer no plano das representações filosóficas como sujeito autônomo, em todas 
as instâncias da vida. Caracteriza-se pelo surgimento de uma intimidade, que irá se 
diferenciar nas diversas formas de habitar, nas escolhas de vida, bem como em 
novos hábitos determinados por atitudes individuais, tais como a leitura silenciosa 
(textos de edificação moral, sonhos românticos), nas relações sociais, na 
autonomia apontada pelo anonimato das multidões, na libertação representada 
pelo acesso ao mercado através das trocas econômicas. A autonomia constitui 
uma marca da modernidade, caracterizada pela emancipação do indivíduo. Logo, a 
autonomia aparece para o indivíduo livre. Se, com Descartes, há a apresentação 
da figura do sujeito cognoscente, consciente de si mesmo, que coloca a natureza 
perante si, como objeto de conhecimento, com Hobbes e Rousseau se reconstitui a 
realidade social partindo-se da ideia de que todos os indivíduos são livres e se 
associam de forma voluntária mediante contratos sociais que paulatinamente 
estabelecem, mesmo que não estejam convencidos das circunstâncias. Esta ideia 
demarca as instituições, principalmente o direito, na medida em que percebe o todo 
social como produto da associação voluntária e livre dos indivíduos.
MERLEAU-PONTY Maurice. De Mauss à Claude Lévi-Strauss, op. cit. p. 365-366.
21 MERLEAU-PONTY Maurice. De Mauss à Claude Lévi-Strauss, op cit.
24 Ruth M. Chittó Gauer
Do ponto de vista sócio-histórico, a figura do indivíduo é formada a partir de
uma progressiva interiorização de várias normas de conduta, de capacidades de
22autocontrole e de auto-restrição. As análises de Norbert Elias22 apresentam como, 
a partir dos séculos XV e XVI, vão se constituindo, no conjunto da sociedade, as 
maneiras de educação, modos de agir, que poderão representar não apenas a 
“fachada” dos indivíduos, mas também máscaras de proteção.
Outro fator reside no surgimento da consciência de uma interioridade, que 
foi se configurando em nossas evidências fundamentais. Portanto, a categoria 
indivíduo se caracteriza por uma reivindicação tanto da independência individual, 
como do amor conjugal, contrapondo-se a uma lógica guiada pela posição 
hierárquica e pela razão econômica, anteriormente determinantes.
O modo de vida urbano abriu espaço para o anonimato e, com ele, para o 
afrouxamento do controle social tradicional. Foi nos centros urbanos modernos 
que o indivíduo desvinculou-se dos laços de dependência, das hierarquias tanto 
sociais quanto familiares, características das sociedades tradicionais. Se nas 
comunidades tradicionais cada pessoa se situava em um lugar determinado pela 
hierarquia estruturante, no mundo urbano individualizado, ao contrário, o lugar fixo 
abre espaço para a mobilidade, que se apresenta como base para a liberdade.
Este desenvolvimento urbano não ocorreu sem a perspectiva econômica 
fundada no desenvolvimento do mercado, este por si só constitui espaço para a 
liberdade, na medida em que as trocas não se dão por posição social, não 
obedecem a uma lógica exterior, mas antes de tudo respondem a acordos entre 
indivíduos. Os acordos no mundo contemporâneo foram regulamentados pelo 
direito o qual normatiza todas as relações sociais inseridas institucionalmente. 
Para além desta regulamentação o direito regulamenta as mais íntimas das ações 
sociais no mundo atual.
22 ELIAS, Norbert. A sociedade dos indivíduos, Rio de Janeiro, Zahar, 1997, pp. 13-79.
A Fundação da Norma: para além da racionalidadehistórica 25
Historiadores e sociólogos como Tocqueville,23 Simmel24 e a sua 
posteridade da Escola de Chicago, Norbert Elias25 e Louis Dumont,26 buscaram 
descrever esta lógica de individualização, apontando os diversos processos que 
simultaneamente a provocam, a conformam e dela decorrem. Em diferentes graus 
todos são sensíveis à ambivalência apontada pela modernidade, que se, por um 
lado, produz o indivíduo em sua autonomia, por outro o expõe. Quanto maior for a 
liberdade, mais necessária será a interiorização de um determinado número de 
obrigações, e mais essa necessidade surgirá, paradoxalmente, como encargo 
muito difícil de ser cumprido. O paradoxo da liberdade impõe um preço: quanto 
maior a liberdade, maior seu custo, quanto maior o individualismo, maior a 
socialização. Não por acaso Norbert Ellias coloca o indivíduo em relação com a 
sociedade em sua totalidade. Essa individualização crescente configura uma 
sociedade crescente, na medida em que, quanto mais nos individualizamos, mais 
nos socializamos, isso sob o prisma da norma social. Segundo Foucault27, a 
nossa sociedade funciona por normas, com as quais cada um deve se conformar; 
assim, não por acaso, dizemos que a liberdade tem seu custo. Ao mesmo tempo 
em que a norma social limita a ação dos indivíduos, ela, paradoxalmente, também 
é desejada.
Há na liberdade individual uma crença de verdade que Foucault considera 
ser um dos grandes temas privilegiados pelos relatos legitimadores do presente. 
Foucault assinala que não são as condições políticas e econômicas da existência 
que constituem, em si mesmas, os obstáculos a desmontar e a decodificar em 
prol da busca da verdade, mas sim certos domínios de saber, domínios nos quais, 
para o autor, se formam o sujeito e as relações com a verdade. Neste sentido, 
afirma que “só se desembaraçando desses grandes temas do sujeito, do
conhecimento, ao mesmo tempo originário e absoluto, utilizando eventualmente o
28modelo nietzscheano, se poderá fazer uma história da verdade”.28 Com a atual
TOCQUEVILLE, Aléxis de. O Antigo Regime e a Revolução, Brasília, UNB, 1979.
24 SOUZA, Jessé; OELZE, Berthold. (Orgs.), Simmel e a Modernidade, Brasília, Editora da UNB, 
1998.
25 ELIAS, Norbert, op. cit.
26 DUMONT, Louis. O Individualismo: uma perspectiva antropológica da ideologia moderna, Rio de 
Janeiro, Rocco, 1985.
27 FOUCAULT, Michel. A Verdade e as Formas Jurídicas, Rio de Janeiro, Ed. Nau, 1999.
28 FOUCAULT, Michel, op. cit., p. 27; 142.
2 6 Ruth M. Chittó Gauer
mutação no que diz respeito ao lugar da experiência, hoje “acelerada” de modo 
irreversível, é possível falar da incerteza da liberdade, mesmo das vinculadas às 
leis científicas.
O que podemos constatar é que, durante o século XX, mais 
especificamente no pós-guerra, a vida em sociedade passou a se caracterizar por 
um significativo aumento de normas. A ampliação da normalização 
contemporânea pode ser verificada em diferentes aspectos que vão desde o 
planejamento urbano às normas de higiene, aspectos do modo de vida e a forma 
como são construídas as habitações, considerado o aspecto mais significativo. A 
emancipação foi pensada pelos reformadores sociais como um ideal de 
emancipação das populações. Esta forma de autonomia está posta na sociedade 
salarial, na medida em que tal norma origina comportamentos racionalizados que 
englobam as atividades em geral. A racionalização rompeu com as formas de 
solidariedade das sociedades tradicionais.
O indivíduo se atomiza. O único laço que permanece é o de natureza 
institucional, a partir da emergência das necessidades de leis e de regulamentos. 
Isso aponta para o fato de que quanto mais livres somos, mais necessitamos de 
regulamentações; esta socialidade, portanto, é produto da própria liberdade. O 
indivíduo frente ao outro é um ser igual em direitos, e isso não se apresenta pura 
e simplesmente como proclamação teórica e jurídica, mas constitui experiência de 
todos os dias. A igualdade, deste modo, não é somente um valor, mas uma 
prática cotidiana que exige um aumento contínuo da liberdade e de sua limitação.
A Fundação da Norma: para além da racionalidade histórica 27
III A sedução da norma: fato social total
Pensar a norma como fato social total implica compreendermos a lógica, a 
linguagem do direito, da arte e da religião como constituintes de projeções do
29social, tal como referido por Lévi-Strauss:29 “Não seria conveniente esperar que 
as ciências particulares tivessem aprofundado, para cada um desses códigos, seu 
modo de organização e sua função diferencial, permitindo, desta maneira, 
compreender a natureza das relações que eles mantêm uns com os outros” . Sob 
o risco de sermos acusados de paradoxais, parece que, na teoria do fato social 
total, a noção de totalidade é menos importante do que a maneira bem particular 
como Mauss a concebe: “folheada, poder-se-ia dizer, e formada de uma multidão
30de planos distintos e justaposto Ao invés de aparecer como um postulado, a 
totalidade social se manifesta na experiência, instância privilegiada que pode ser 
apreendida no nível da observação, em ocasiões bem determinadas: “por
31exemplo quando se agita a totalidade da sociedade e de suas instituições”.31 
Entendemos que essa totalidade não suprime o caráter específico dos 
fenômenos, eles permanecem ao mesmo tempo jurídicos, religiosos, econômicos, 
estéticos, morfológicos ou outros. Nesse sentido é que Mauss influenciou Lévi- 
Strauss. Para o primeiro “a totalidade consiste, em suma, na rede de inter- 
relações funcionais em todos os planos”.32 Se, como diz Mauss, os fatos sociais 
não são fragmentos esparsos e isolados, o direito como outro conhecimento 
especializado pode ser visto como fato social total. Ao contrário da análise 
sociológica que embasava as interpretações sobre os eventos sociais publicadas 
anteriormente, segundo a teoria proposta por Mauss corpo, alma, sociedade, tudo 
está inter-relacionado, ligado, tudo se mistura, por princípio e por fim, a percepção 
deve ser do grupo por inteiro e o seu comportamento é, também, integral.
Se o essencial se constitui no “movimento como um todo”, o aspecto vivo, 
o instante fugidio em que a sociedade e os homens tomam consciência de si
29 LEVI-STRAUSS, Claude, Antropologia estrutural dois, Rio de Janeiro, Tempo Brasileiro, 1976,
p. 14.
30 LEVI-STRAUSS, Claude, op. cit., pp. 14-15.
31 LEVI-STRAUSS, Claude, op. cit., pp. 14-15.
32 LEVI-STRAUSS, Claude, op. cit., pp. 14-15.
2 8 Ruth M. Chittó Gauer
mesmos e de sua situação perante outros deve ser a única garantia de que a 
análise preliminar, levada até as categorias do inconsciente, nada deixou escapar. 
Mesmo assim Lévi-Strauss afirma que “a prova permanecerá bem ilusória: não 
saberemos jamais se o outro, com o qual não podemos, apesar de tudo, 
confundir-nos opera, a partir dos elementos de sua existência social, uma síntese 
que coincide exatamente com a que elaboramos”. O autor reconhece, entretanto, 
que alguns dos fatos sociais totais pertencem às ciências em particular: 
economia, direito, ciência política, história. Todavia, estas disciplinas consideram 
principalmente os fatos que estão mais próximos de nós, oferecendo-nos, 
portanto, um interesse privilegiado. Por outro lado se faz necessário compreender 
que estas ciências não poderão construir perspectivas gerais se não levarem em 
conta os inventários empíricos da antropologia.
Há, no entanto, uma segunda dificuldade no que se refere à condição de 
pensar a norma como fato social total: a extensão do caráter de signo a todos os 
fenômenos sociais. O exemplo citado por Lévi-Strauss34 propõe uma questão: 
“quando consideramos um sistema de crenças - digamos o totemismo - 
poderíamos acrescentaro direito, a justiça, a liberdade - uma forma de 
organização social, a pergunta que nos fazemos é: o que tudo isso significa?” 
Para respondê-la, esforçamo-nos por traduzir em nossa linguagem regras 
primitivamente dada em uma linguagem diferente. Neste caso, é essencial 
perceber que Lévi-Strauss propõe interpretar signos e não, como muitos pensam, 
objetos. O signo, em sua visão, é o definido como aquilo que substitui alguma 
coisa para alguém. Podemos fazer uma analogia perguntando: o que substitui a 
norma, pensada como tradição, e para quem ela é substituível?
Sabemos que o domínio da norma está impregnado de significação; desse 
modo, nos diz respeito de forma total. Não podemos estudar os deuses e ignorar 
suas imagens, nem estudar os ritos sem analisar os objetos e as substâncias que 
o oficiante utiliza e manipula, ou ainda estudar as normas sociais, 
independentemente das coisas que lhes correspondem, assim como não 
podemos, também, estudar a norma desvinculada da especificidade social em
33LEVI-STRAUSS, Claude, op. cit., pp. 16-17.
34 LEVI-STRAUSS Claude, op. cit., pp. 17, 18, 19.
A Fundação da Norma: para além da racionalidade histórica 29
que se insere. Esta especificidade deve levar em conta não apenas o espaço, 
mas fundamentalmente o tempo traduzido pelo ritmo social imprimido. Quando se 
comunicam os homens conversam, escrevem, gesticulam, criam regras e normas 
para que essa comunicação se efetive: quem se comunica com quem? Quando? 
Onde? Em que condições e em que tempo? As respostas a essas questões 
devem ser buscadas, segundo as premissas que apresentamos, junto ao 
significante. Tudo são símbolos e signos que se colocam como intermediários 
entre indivíduos e sociedades. A certeza passada por Lévi-Strauss sobre a 
necessidade, ao menos provisoriamente, do isolamento dos fenômenos sociais 
dos demais campos do saber, a exemplo da antropologia filosófica e da biologia, 
se deve ao fato de que, segundo ele, “sabemos que de fato e até mesmo de 
direito, a emergência da cultura permanecerá um mistério para o homem 
enquanto ele não conseguir determinar, no nível biológico, as modificações de 
estrutura e de funcionamento do cérebro. Destas transformações, a cultura 
representa simultaneamente o resultado e o modo social de apreensão - criando, 
ao mesmo tempo, o meio intersubjetivo indispensável para que elas prossigam. 
Se bem que anatômicas e fisiológicas essas modificações não podem ser
35definidas nem estudadas apenas em relação ao indivíduo”.35 é importante 
salientar que tal reflexão foi apresentada pelo autor na primeira metade do século 
XX.
As pesquisas realizadas por outros antropólogos após a segunda metade 
do século XX trouxeram várias outras contribuições para o campo da 
interpretação. No campo da antropologia a mitologia, segundo Geertz,36 tornou-se 
dispensável após o aumento do volume de comunicação e da integração entre os 
seres humanos. Esse aumento da comunicação em nível mundial não 
necessariamente tornou a vida mais fácil. Para o antropólogo norte-americano um 
dos principais deveres dos antropólogos (e dos cientistas sociais, de maneira 
geral) neste início de século é tentar fazer com que as diversas sociedades (que 
são cada vez mais complexas e envolvem cada vez mais pessoas) sejam 
capazes de atingir algum entendimento entre si. Essa é uma das mais relevantes
35 LEVI-STRAUSS Claude, op. cit., p. 22.
36 GEERTZ, Clifford, Entrevista de Victor Aiello Tsu com Clifford Geertz originalmente publicada na 
Folha de São Paulo de 18 de fevereiro de 2001.
30 Ruth M. Chittó Gauer
lições de Geertz. Depois de Claude Lévi-Strauss, Geertz é, provavelmente, o 
antropólogo cujas ideias causaram maior impacto após a segunda metade do 
século XX, não apenas para a própria teoria e prática antropológicas, mas 
também fora de sua área, em disciplinas como a psicologia, a história e a teoria 
literária. Criador da chamada antropologia hermenêutica ou interpretativa, Geertz 
conduziu extensas pesquisas de campo que deram origem a livros escritos 
essencialmente sob a forma de ensaio. Suas pesquisas ocorreram na Indonésia e 
no Marrocos. Seu primeiro estudo tinha por objetivo entender a religião em Java. 
No final, foi incapaz de se restringir a apenas um aspecto daquela sociedade. 
Geertz entendeu que os estudos dessas sociedades específicas não poderiam 
ser extirpados e analisados separadamente da sociedade em geral, 
desconsiderando, entre outras coisas, a própria passagem do tempo. A 
antropologia de matriz norte-americana é, de acordo com ele, um estudo que 
pretende entender "quem as pessoas de determinada formação cultural acham 
que são, o que elas fazem e por que razões elas crêem que fazem o que
38fazem?' Uma de suas metáforas preferidas para definir o que faz a antropologia 
interpretativa é a da leitura das sociedades como textos ou como análogas a 
textos. A interpretação se dá em todos os momentos do estudo, da leitura do 
"texto" cheio de significados que é a sociedade à escritura do texto/ensaio do 
antropólogo, interpretado por sua vez por aqueles que não passaram pelas 
experiências do autor do texto escrito. Na entrevista, Geertz fala do panorama da 
antropologia atual, daquilo que vê como o dever do antropólogo tanto hoje quanto 
no futuro, dos limites da interpretação e de como a onda de globalização estaria 
afetando as diversas culturas.
Na opinião de Geertz, o estudo de sociedades complexas e muito grandes, 
a exemplo do Brasil e da Índia, torna a análise muito problemática. Explica que, 
em primeiro lugar, o antropólogo lida com uma gama maior de sociedades, não 
apenas as chamadas sociedades simples. Em segundo lugar, o mundo é agora 
muito mais integrado e desenvolvido, logo, tudo é conectado a tudo o mais de 
forma bastante complicada. A antropologia não pode mais ser uma ciência
37 GEERTZ Clifford, Nova Luz sobre a Antropologia, São Paulo, Jorge Zahar, 2001.
38 GEERTZ Clifford, Entrevista de Victor Aiello Tsu com Clifford Geertz originalmente publicada na 
Folha de São Paulo de 18 de fevereiro de 2001.
0 7
A Fundação da Norma: para além da racionalidade histórica 31
completamente geral, que estuda tudo, que diz estudar o "Homem". Ela tem que 
perceber qual é, em um lugar como a Índia ou a Indonésia, o Marrocos ou o 
Brasil, o seu papel particular na interpretação do que ocorre. E isso deve ser 
realizado ao lado de outras disciplinas, como economia, direito, política, história, 
literatura. Todas essas questões devem ser levadas em consideração, e a 
antropologia deve encontrar seu lugar e sua contribuição em meio a esses outros 
campos. O niilismo não faz parte das crenças de Geertz: afirma ele que se fosse 
niilista, nem começaria a interpretar, não tentaria ao menos começar a entender 
os outros. Geertz diz: “acho que há uma diferença entre o niilismo e uma simples 
ausência de certeza. É verdade que quase todas as interpretações antropológicas 
tenham por fim um resíduo de incerteza, de vagueza, indeterm inação, 
contingência. Mas isso não é niilismo, isso é o modo como se vê o mundo quando 
se é realmente um niilista. Neste caso o niilista não se importará com nada, não 
tentará buscar compreender nada, não interpretará nada.
A análise interpretativa da qual fala Geertz, possui sua matriz de 
pensamento na hermenêutica. A interpretação utilizada pelo autor vem 
acompanhada do aspecto dialógico na medida em que pensa a cultura como 
movimento. A experiência de compreender outras culturas assemelha-se mais a 
entender um provérbio ou ler um poema do que alcançar uma comunhão. Um dos 
objetos mais apropriados para interpretar as sociedades complexas é, sem 
dúvida, a análise de suas normas, regras, hábitos e leis sociais; elasfazem parte 
do repertório da antropologia, porém o direito permite a utilização de modelos 
lógicos nem sempre encontrados em outras áreas. A hermenêutica utilizada por 
antropólogos vem, historicamente, se esforçando para explicar as diferenças em 
geral, assim como as diferenças existentes no campo relativo às formas de 
normatização das relações sociais. Há muitas regras e costumes no interior de 
todas as sociedades que não são leis, mesmo assim são respeitadas, da mesma 
forma que certos hábitos que têm efeito social na estrutura das sociedades são 
respeitados, ainda que não estejam escritos em códigos de direito. Esse fato não 
significa que os indivíduos obedeçam às regras intuitivamente ou mesmo sem 
questionar. Muitos juristas, a exemplo de Hans Kelsen, demonstraram que a
39
KELSEN Hans, In: SHIRLEY, Robert W. Antropologia jurídica, São Paulo, Saraiva, 1987, p. 10.
32 Ruth M. Chittó Gauer
natureza fundamental do direito é o poder que tem a sociedade de aplicar 
sanções ou punir uma conduta disruptiva ou “ilegal” . O autor refere que “em 
qualquer sociedade há regras primárias, isto é, sobre o comportamento do 
indivíduo, e regras secundárias, normas da sociedade referentes às primárias, ou 
seja, fórmulas sociais para aplicar sanções àquelas que não obedecem às regras 
primárias” .40 Segundo Shirley o antropólogo Paul Bohannan propôs uma visão 
semelhante quando escreveu que a maioria das sociedades tem “dupla 
institucionalização”, isto é, instituições sobre conduta e instituição para punir 
condutas extravagantes. Podemos pensar em instituições que fazem as leis e 
instituições que aplicam a lei. As primeiras representam o conjunto das forças 
sociais e as segundas, forças políticas estruturadas pelas instituições. Em que 
pese as diferenças entre sociedades simples e sociedades complexas, esses dois 
planos compõem as estruturas sociais. Se a questão da diferença pautou as 
pesquisas da escola idealista de antropologia legal, a qual insiste em que as 
sociedades sem estado possuem regras amplas sobre como os comportamentos 
sociais devem ser pautados, por outro lado, é também correto afirmar que essas 
regras por vezes são manipuladas, subjugadas e ignoradas. A ausência de 
controle interno em qualquer sociedade exige o desenvolvimento de outras 
formas de controle social. Na constatação de diferenças entre sociedade simples 
e sociedade complexa há que se levar em conta que nas primeiras as sanções, 
exílio, ostracismo ou morte, são evocados para frustrar o que o criminoso poderia 
vir a fazer e não como simples ato punitivo, como no caso das sociedades 
modernas. Há no campo da antropologia um campo de pesquisa muito 
desenvolvido que é a do direito comparado. Comparar os diferentes tipos de 
instituições jurídicas que não as das sociedades modernas ocidentais leva ao 
conhecimento de estruturas normativas com formas diferenciadas que se 
equivalem às estruturas das instituições modernas.
O domínio tradicional do estudo da diferença no mundo ocidental ocupou 
um ponto central na reflexão de Heidegger desde Ser e Tempo, obra em que, 
como crítico da metafísica (ou do humanismo, se preferido for), questiona a noção 
de ser (apenas como simples presença) própria da objetividade. Em especial,
40 SHIRLEY, Robert W. Antropologia jurídica, São Paulo, Saraiva, 1987, p. 10
A Fundação da Norma: para além da racionalidade histórica 33
Heidegger problematizou as reais possibilidades de tal noção 
descrever/compreender a existência e a história do homem. O ser da metafísica é 
o ser mutilado, que está escondido no ente-presença (esquecido na presença) e 
condicionado como fundamento, fato estável e uno (Sujeito ideal da ciência, 
esquecido da subjetividade). O pensamento da diferença, para Heidegger, 
reabilita o ser estabelecendo suas conexões (diferenciantes) como ente, 
rememora o ser e o ente para além da presença, colocando em comunicação 
objetividade e subjetividade. Heidegger anunciou a não coincidência do horizonte 
da presença e do ente-presente, ou seja, nega o ser como fundamento, plenitude 
da presença e estabilidade una, considerando-o com um “evento” (um 
acontecimento temporal) de um horizonte histórico sem repetição, sem estruturas, 
igual e eventual. O estar-aí (o ser-no-mundo) é o ser-para-a-morte que vive 
continuamente a possibilidade de não existir mais.
De acordo com Vattimo, Heidegger não considera Nietzsche um pensador 
da diferença porque julga que este último não problematizou (“o porquê da 
instituição”) a diferença, apenas a rememorou, desconsiderando seu caráter de 
eventualidade factualizada no horizonte histórico. Para Heidegger, quando 
Nietzsche escreveu que “do próprio ser já não há mais nada” e falou da 
“metafísica como história do ser", transformou o ser homem-sujeito-consciência 
em envio e transmissão histórico-destinal (a história com história da humanidade, 
fundada e consagrada no gênero humano) submetida à tirania do significante
41sobre o significado, da objetividade sobre a subjetividade41 e, sob essas 
premissas, a tirania dos modelos modernos não deixou de se situar no contexto 
da Estupidez.42 Há, no entanto, que salientar a concepção de devir na ótica dos 
modernos.
Ao contrário de Geertz, para Ortega y Gasset43 o mundo contemporâneo 
significa o niilismo, enquanto a temporalidade, afirma o autor,44 significa “o querer 
criador de um novo âmbito de realidade”, que “mostra também um momento
41 VATTIMO, Gianni, op. cit., p. 71-92.
42 GAUER, Ruth M. Chittó. O reino da estupidez e o reino da razão.Rio de Janeiro: Lúmen & Júris, 
2006.
43 GASSET, José Ortega y, Meditações do Quixote, São Paulo, Livro Ibero-Americano, 1977, p. 
162. Ver ainda La rebelión de las massas (1930), Obras, v. VI, Madrid, Alianza Editorial, 1946.
44 GASSET, Ortega y, op. cit.
3 4 Ruth M. Chittó Gauer
‘escandalosamente temporário’, não sujeito a mudanças, mas também sem 
normas ou raízes”. O século XX, conforme apresentado por Ortega y Gasset na 
obra A Rebelião das Massas, era o primeiro período da história que não 
encontrava qualquer padrão no passado. Rompera até com a cultura moderna, ou 
pelo menos recusava-se a considerá-la definitiva, como fizera o século XIX. Com 
esta análise em mente, podemos pensar na desmoralização da cultura europeia.
No final do século XIX, o devir era uma das categorias principais do 
pensamento, no sentido tanto decadente quanto criativo, e Nietzsche não estava 
só quando sentia o advento de uma nova era, caracterizada por uma 
reapreciação de valores e por uma nova, mas perigosa, abertura do pensamento 
e da cultura. A morte do homem retratada pela robótica é um exemplo significativo 
da coisificação da humanidade, já há muito diagnosticada por Simmel45 quando 
analisou o papel do dinheiro na sociedade e a separação entre as culturas 
subjetiva e objetiva - fenômeno geral e característico da modernidade ocidental, 
sendo que, segundo o autor, a economia monetária e a mediação das relações 
humanas por meio do dinheiro é fundamento das duas. A influência que Simmel 
recebeu de Nietzsche, Max Weber e Karl Marx revelam sua visão acerca da 
coisificação do ser humano, resultado do domínio das coisas sobre o homem. O 
caráter fetichista da produção de mercadorias no capitalismo, revelado por Marx, 
é um exemplo deste fenômeno. O destino trágico, na significação que nos 
interessa, aponta para o fato peculiar de que as forças destruidoras mobilizadas 
contra um ser foram produzidas pelas tendências mais profundas deste mesmo 
ser, cujo movimento na sociedade, afinal, se dá com base na liberdade e é uma 
forma de lidar com os constrangimentos e obrigações impostos pela moral, pela 
ética e pelo direito.
45 SOUZA, Jessé; OELZE, Berthold.(Orgs.), Simmel e a Modernidade, Brasília, Editora da UNB, 
1998, p. 10.
A Fundação da Norma: para além da racionalidade histórica 35
IV Os deslocamentos da norma: reinvenção de termos
Para Mauss o direito é o modo de organizar as expectativas coletivas, fazer 
com que os indivíduos sejam respeitados. Os fenômenos jurídicos são os 
fenômenos morais organizados. A consciência moral introduz a consciência na 
concepção jurídica46. Há consciência e conhecimento latente em todo o direito, 
pois nem tudo pode ser formulado. Para o autor os direitos costumeiros são, de 
alguma forma, uma mistura de direito público e direito privado, de direito não 
formulado e direito formulado. Segundo a análise, o autor refere que às funções, 
às honras, aos cargos, aos direitos acrescenta-se a pessoa moral47. Assim como 
na passagem natureza-cultura, o Não, negativa que contém um Sim afirmativo, o 
qual permitiu a circulação de mulheres e criou a instituição familiar, a história do 
direito antigo permitiu a compreensão das transformações da moral, da família, 
entre outras, e, com elas, de toda a sociedade. Esta forma de instituição, a 
família, ainda permanece com suas especificidades nas diferentes sociedades 
contemporâneas, forneceu a transição para a moral e para o próprio direito. A 
moral e a prática das trocas utilizadas pelas sociedades que precederam as 
nossas guardam traços importantes de seu princípio fundador. Na opinião de
48Mauss,48 ”vivemos em sociedades que distinguem fortemente (a oposição é agora 
criticada por alguns juristas) os direitos reais e os direitos pessoais, as pessoas e 
as coisas”. Esta separação é fundamental: ela constitui a condição mesma de 
uma parte de nosso sistema de propriedade, de alienação e de troca. Do mesmo 
modo, nossas antigas civilizações, como a semítica, a grega e a romana, 
distinguem claramente entre a obrigação e a prestação não gratuita, por um lado, 
e a dádiva por outro. Mas não seriam tais distinções muito recentes nos direitos 
das grandes civilizações? “A pergunta feita pelo autor é respondida após 
minucioso exame sobre a sobrevivência dos princípios do direito indo-europeu, 
romano, hindu e germânico, muito antigo” .49 Dentro da tradição indo-européia 
encontramos o culto aos antepassados nas sociedades latina e helênica, culto
MAUSS, Marcel, Sociologia e Antropologia, v. I, São Paulo, EPU/EDUSP, 1974, p. 234.
47 MAUSS, Marcel, Sociologia e Antropologia, v. I, op cit. p. 234.
48 MAUSS, Marcel, Sociologia e Antropologia, v. II, São Paulo, EPU/EDUSP, 1974, p. 131-132.
49 MAUSS, Marcel, op. cit.
36 Ruth M. Chittó Gauer
cujo objetivo era o de reafirmar os papéis sociais (pai, mãe), assim como a 
importância das coisas, propriedade, herança, autoridade, traços que se 
mantiveram na época clássica. O direito de propriedade e de sucessão nasceu 
enraizado nos costumes, não foi obra de legisladores, estruturou-se nos mitos, a 
exemplo do poder que se liga à ideia de pai em geral e não apenas de 
paternidade biológica. O pátrio poder é uma das peças fundamentais para se 
entender a antiga concepção da família, da propriedade, da herança, da 
autoridade e da punição. Encontramos no vocabulário das sociedades indo-
50européias50 a “Patria Potestas” que se constitui no poder que se liga à ideia de pai 
em geral, assim como o termo “Paternus” é o adjetivo derivado de “Pater” que 
exprime o pai físico e pessoal. Encontramos um terceiro adjetivo vinculado a 
“Pater”, “Patricius”, o descendente de pais livres. Esses diferentes significados 
estão relacionados à natureza sagrada dos papéis sociais oriundos da família: se 
a natureza concede ao filho a maioridade, esta só lhe é conferida, de fato, quando 
os rituais sagrados legitimarem tal situação. Considerando a origem etimológica 
do termo latino “Pater” , a forma mais genuína é o nome de “Pai”, “Pater” , do 
sânscrito “Pitar” . O termo “Pater” é a qualificação permanente do Deus Supremo 
dos indo-europeus, figura do nome divino de Júpiter. A forma latina se originou de 
inovação: “Dyen Pater”, que é lido como “Pai Celeste”, do mesmo modo que o 
vocativo grego “Zeü Páter” , em sua origem, exclui a relação de paternidade física, 
pois estamos longe do parentesco estritamente físico e “Pater” não designa o pai 
no sentido pessoal. “Atta” educa a criança, daí a diferença entre “Atta”e “Pater” . A 
“Pátria Potestas” é o poder que se liga à ideia de pai em geral. “Patrius” se refere 
ao pai não físico, liga-se à relação de parentesco. “Paternus” é o adjetivo derivado 
de “Pater” ; “Patricius”, o que, como já vimos, descende de pais livres, exprimindo 
uma hierarquia pessoal. As origens etimológicas permitem que interpretemos a 
ligação da religião doméstica com a natureza: o pai seria o chefe do culto e o 
filho, seu auxiliar nas funções sagradas. A hierarquia estabelecida vincula-se 
apenas a determinado tempo, a maioridade biológica, portanto natural; a morte do 
pai, contudo, não separa os filhos, que se mantinham unidos ao lar paterno e que
50 ' 'BENVENISTE, Emile, Le vocabulaire dês instituitions indo-européennes, v. I, Paris, Éd. Minuit, 
1969, pp. 207-212.
A Fundação da Norma: para além da racionalidade histórica 37
se submetiam à sua autoridade. Essa presença ausente do pai morto cria o culto 
doméstico. Sob este aspecto, é mais viável pensarmos em “pátrio poder’ do que 
em “poder paterno”. A religião, ao contrário da natureza, não concede a 
maioridade aos filhos.
Entre os direitos analisados, o exemplo do contrato mais antigo do direito 
romano é, segundo Mauss, o nexum, que já se destacava do fundo de contratos 
coletivos e também das antigas dádivas. Seguindo a análise, deparamo-nos com 
a seguinte afirmativa:51 “há um vínculo nas coisas, além dos vínculos mágicos e 
religiosos, das palavras e dos gestos do formalismo jurídico”. Este vínculo é 
marcado por alguns termos antigos do direito dos latinos e dos povos itálicos. As 
coisas não são os seres inertes que o direito de Justiniano e nossos direitos 
entendem: “Antes de tudo, elas fazem parte da família: a família romana 
compreende as res e não somente as pessoas”.52 Ainda que tenha sua definição 
no Digesto, segundo Mauss, é bastante notável que, quanto mais remontamos à 
antiguidade, mais o sentido da palavra família denote as res que dela fazem 
parte, a ponto de designar mesmo os viveres e os meios de subsistência familiar. 
A melhor etimologia de família é, sem dúvida, a que aproxima do sânscrito 
dhaman, casa.
Outros termos de direito, além de família e res, prestam-se para este 
estudo. Quase todos os termos do contrato e da obrigação, bem como um certo 
número de formas desses contratos, parecem associar-se a esse sistema de 
“vínculos” espirituais criados pelo fato bruto, o nexum, o “vínculo” de direito, que 
parte tanto das coisas como dos homens.53 O contratante é primeiramente reus; é 
antes de tudo o homem que recebeu a res de outro, e que se torna, a esse título, 
seu réus, isto é, o indivíduo que está a ele ligado pela própria coisa, ou seja, por 
seu espírito. A etimologia já fora proposta antes, embora tenha sido eliminada, a 
pretexto de não fazer sentido algum; no entanto, para uma análise atenta ela 
oferece um sentido muito claro. Como observa Mauss,54 “reus é originariamente 
um genitivo em os de res e substitui rei-jetos. É o homem que é possuído pela
51 MAUSS, Marcel, op. cit., pp. 135-136.
52 MAUSS, Marcel, op. cit., pp. 135-136.
53 MAUSS, Marcel, op. cit., pp. 133-138.
54 MAUSS, MarceL, op. cit., p. 139.
38 Ruth M. Chittó Gauer
coisa” . Há autores que traduzem res por “processo”, e rei-jetos por “implicado no 
processo”. Mas essa tradução é arbitrária, supondo que o termo res é, sobretudo, 
um termo processual. Para Mauss,

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