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1 RESPONSABILIDADE CIVIL – RESUMO I Aluno: Rached da Silva Centeno Sumário 1. Fontes do direito ...................................................................................................................... 2 2. Noções preliminares sobre Responsabilidade civil ................................................................. 4 3. Fonte das Obrigações ............................................................................................................ 15 4. Pressupostos da responsabilidade civil geral ....................................................................... 21 5. Pressupostos da responsabilidade civil contratual .............................................................. 24 2 1. Fontes do direito Dependendo do enfoque jurídico que o jurista encara o direito, ele pode chegar a conclusões diferentes sobre o mesmo caso. São três os principais enfoques: A) Sistemático; B) Explicativo; C) Justificativo; A) Sistemático: Vê o direito como uma ordem autônoma. Trabalha com a visão positivista, afastando o direito da moral. Formalista. B) Explicativo ou Social: Parte da noção de que as fontes sociais explicam a criação e o conteúdo das normas. C) Justificativo: Tem o direito como campo de argumentação. É mais flexível que os demais sistemas na medida em que faz um juízo de valor não apenas no dever ser, mas entre todas as situações do caso concreto. Ex.: Um agente de trânsito multa alguém que está comendo uma bala, considerando a proibição constante do código de trânsito brasileiro de comer enquanto dirige. Caso o motorista venha recorrer ao judiciário, diferentes resoluções poderiam ser dadas, de acordo com os diferentes enfoques. O enfoque justificativo trabalha com as circunstâncias do caso concreto, fazendo um juízo de ponderação e não a mera subsunção entre o fato e a lei. Esse é o enfoque adotado pela professora. O enfoque justificativo exige que o juiz apresente as razões de decidir, evitando assim arbitrariedades, através do controle da discricionariedade nas decisões. Em 95% dos casos não há maiores problemas em resolver um caso com a mera subsunção do fato à lei. No entanto, nos outros 5% é preciso que se dê maior atenção, buscando outras fontes além da lei e dos costumes, como: a racionalidade pragmática, os precedentes judiciais e os princípios gerais do direito. Um exemplo de uso de fontes alternativas do direito é a criação de nexo causal (nexo causal indireto) em um caso concreto com base em uma construção institucional como a teoria da perda de chance, a qual não encontra previsão legal, ou ainda o princípio da proporcionalidade, que tem aplicação principalmente na resolução de conflitos entre liberdades. Racionalidade pragmática ou razões de decidir: (Robert Alexy e Santiago Nino). As razões de decidir são os argumentos utilizados como fundamento de uma decisão. Ao contrário do legislador, cujo voto prescinde de justificativa na aprovação de uma lei, o juiz precisa necessariamente expor as razões da sua decisão sob pena de invalidade da sentença, nos termos do artigo 93, IX, da constituição federal. A explicação para isso é que se na decisão não constam as 3 razões fundamentadoras, o advogado não tem como recorrer, e assim não poderá atacar a decisão, adicionando fundamentos novos. o Função de descarga (Alexy): Quando há uma construção sólida jurisprudencial e doutrinária acerca de uma matéria, não há necessidade que se reescreva isso a cada nova decisão. Todavia, cabe ao advogado recorrente demonstrar que essa descarga de argumentos não é cabível ao caso concreto apresentado, indicando razões para alteração do entendimento. A descarga de argumentos deve vir acompanhada das razões de decidir sobre o caso concreto, pois se o processo de decisão torna-se automático, um juiz copia a decisão do outro, pode ocorrer que um entendimento equivocado (pois é aplicável a um caso peculiar apenas) torne-se a regra. Possibilidades de uniformização: Cabe ao julgador ter em mente a sua responsabilidade ao decidir um caso, pois a sentença pode tornar-se uma regra que irá regular casos iguais ou até os mesmo semelhantes. Método jurídico como fonte normativa: Há dois métodos principais dentro do sistema justificativo: Funcionalista (utilitarista); Argumentativo; Ambos unem o direito a moral. Princípio da proporcionalidade: É utilizado, principalmente, na resolução de conflitos de liberdades (p.ex: manifestação do pensamento x privacidade). A priori, não é possível definir qual das liberdades é mais importante que a outra, sem analisar o caso concreto e aplicar o princípio da proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito). A proporcionalidade, sob a perspectiva do método argumentativo racional (jurídico) é classificada como regra (possui caráter de regra) e não como princípio, sendo pode extraível do artigo 187 do CC. Dentro do sistema justificativo, o método jurídico é uma fonte normativa a ser usada na resolução casos de conflito de liberdades. A função de ter um critério objetivo na resolução de casos de conflito de direitos subjetivos é justamente evitar a discricionariedade das decisões, sem afastar o direito da moral. 4 A dogmática como fonte normativa: Por dogmática entende-se a construção jurisprudencial e doutrinária (construção institucional). Determinada teoria pode ser aplicada a casos concretos, como forma de suprir a lacuna legal. Princípios gerais do direito: (DL 4657) Art. 4o “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.” Algumas disposições podem ser vistas como regras ou como princípios, dependendo do enfoque adotado, o que terá modos distintos de resolução de conflitos: Ex.: Art 5º V, CF – “é livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato” Pode ser visto como: o Regra: Sendo uma razão definitiva. Se uma pessoa tem a liberdade de manifestar seu pensamento, essa liberdade pode entrar em colisão com a liberdade de crença, por exemplo. O conflito de regras é solucionado por três critérios: Hierárquico, especialidade e cronológico. No entanto, não há como resolver o caso com esses critérios quando ambas as liberdades derivam da constituição federal. o Princípio: Princípios são ponderáveis, não são razões definitivas. A resolução de conflito entre princípios deve ser realizada no caso concreto, diante das circunstâncias que o caracterizam, através da argumentação e ponderação. 2. Noções preliminares sobre Responsabilidade civil 2.1 Classificação dos fatos jurídicos no Código Civil de 1916 (Pontes de Miranda) Fatos jurídicos (Stricto sensu) – facticidade simples: (exemplo: Morte). Não há, a princípio, o elemento da vontade. O fato jurídico pode ter consequências em dois âmbitos: A) Natural; B) Institucional (Direito). A consequência natural da morte é a decomposição do corpo físico, já no âmbito institucional o resultado mais comum é o processo de sucessão. Isso significa que um fato jurídico pode ter consequências no âmbito da reponsabilidade civil. Seguindo no mesmo exemplo (morte), se alguém assina um contrato de seguro de vida contendo uma cláusula proibitiva de suicídio (não morrer por vontade própria) por 2 anos (período de carência), sob pena de não receber indenização, pode haver efeitos de responsabilização civil na medida que a jurisprudência não concorda que alguém possa suicidar-se tendo como objetivo uma indenizaçãopor parte da seguradora. A jurisprudência nesse caso não é pacífica, pois algumas decisões são favoráveis à indenização mesmo em caso de suicídio, outras não. O enfoque é a possibilidade de um fato jurídico causar efeitos na esfera da responsabilidade civil. 5 Atos-fatos jurídicos: Há uma vontade dirigida para a prática de determinado ato, mas não para os respectivos resultados. (exemplo: publicação de um livro). Os efeitos da publicação de um livro podem ser os mais diversos como cessão dos direitos autorais ou até mesmo a descoberta de plágio, tendo consequências tanto no âmbito do direito (institucional) como fora dele. Os resultados, nesse exemplo, não são necessariamente desejados quando o agente praticou o ato de publicar o livro. Atos jurídicos stricto sensu: Há coincidência entre a intenção e o resultado (produção) de determinada ação. (exemplo: contratos negociais – interesse comum em realizar certo negócio jurídico) 2.2 Elementos da ação Humana (Ato jurídico) São elementos da ação humana: A) Uma sequência de movimentos corporais; B) Uma série de alterações ou efeitos no mundo; C) Uma conexão entre os movimentos corporais e as alterações no mundo dos fatos; D) Uma intenção de resultado; E) Uma interpretação ou significado; Uma sequência de movimentos corporais (A) capaz de produzir uma série alterações no mundo dos fatos (B): A concepção de ação aqui adotada compreende tanto o movimento comissivo como o omissivo. (Exemplo: Alguém, em decorrência de um mal súbito, atropela um pedestre – a partir do momento em que o movimento causou uma série de alterações nos fatos, tornou-se relevante para o direito). No entanto, há duas problemáticas a serem analisadas: o Atos reflexos: Exemplos: Pessoa com coprolalia (síndrome de Tourette): Profere palavrões em meio a frases comuns compulsoriamente. Se o caso não for analisado com atenção, o portador pode ser punido por ofensas morais, enquanto suas ações são mero reflexo de impulsos cerebrais incontroláveis, o que resulta na ausência de culpa. Disparo de gatilho de uma arma de fogo após susto. o Ausência de intenção: Exemplos: Acidente de trânsito causado por pessoa alcoolizada. O agente não agiu com a intenção de produzir um acidente de trânsito, não saiu de casa com a intenção: “vou causar um acidente de trânsito”. Acidente de trabalho. O empregador, via de regra, não tem a intenção de que seu empregado sofra um acidente, todavia, é um caso de responsabilidade objetiva (independente de dolo ou culpa). 6 (A importância a ser dada é que as condutas, em decorrência de problemáticas como a ausência de intenção e atos reflexos, não podem ser analisadas superficialmente quando na determinação dos elementos da ação) ● As alterações no mundo dos fatos podem ser tanto naturais quanto institucionais; Uma conexão entre os movimentos corporais e as alterações mundo dos fatos (C): A ideia de conexão, a priori, está diretamente relacionada com a concepção de causa e consequência (nexo causal). Cabe a análise se o movimento corporal foi responsável pelo resultado relevante para o direito. A conexão, igualmente, pode ser analisada sob duas perspectivas: o A natural Alterações decorrentes de causas naturais (p.ex. a negligência do condutor foi causa para o acidente) (p.ex. Morte, a conexão se dará por decorrência de um fato natural) o A institucional produto de uma construção jurídica (p.ex. Teoria da perda de chance) (nexo causal indireto) Teoria da perda de chance: Teoria que vem recebendo respaldo no tanto no âmbito do TJ/RS quando no STJ. Gera uma conexão institucional (fruto de uma construção jurídica) entre um fato praticado e a consequência desse fato. Ex¹.: Programa show do milhão. Autor entra com ação alegando que não havia resposta correta para a pergunta de “um milhão de reais”. Como a pergunta foi mal formulada, induzindo a participante a erro, ocasionou a perda da chance de ganhar o prêmio. A participante já havia ganhado 500 mil até o momento. O STJ entendeu que ela não teria direito a ganhar mais 500 mil reais, pois, ainda que a pergunta tivesse sido corretamente formulada, a chance de acerto não seria 100%, mas sim de 25%, já que eram quatro alternativas. Logo 500 mil divididos por 4 = 125 mil reais. (STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp 788459 BA 2005/0172410-9) Ex².: Erro Médico. Diagnóstico impreciso no primeiro atendimento. Posteriormente, o paciente tem a sua perna amputada, corretamente, pois era o único meio possível para salvar a vida da vítima. O que se discute é a chance da vítima não ter sua perna amputada se o diagnóstico no primeiro atendimento tivesse sido correto (é uma probabilidade). É justamente essa probabilidade que vai majorar ou reduzir o valor a ser indenizado. A teoria da perda de chance cria um nexo entre o 7 atendimento equivocado do paciente e a amputação, estabelecendo, através da probabilidade do evento danoso não acontecer se a causa (atendimento equivocado) não existisse, o valor a ser indenizado. A Intenção de um resultado (D): Aqui também entra a problemática dos atos reflexos, que são caracterizados sempre que determinada conduta não consegue ser explicada como decorrente de uma intenção ou de acordo com a teoria da previsibilidade. Na prática, é muito difícil identificar a intenção do agente, assim como se ela existiu ou não (do ponto de vista subjetivo). Em contrapartida, sob a ótica objetiva, a intenção do sujeito pode ser analisada na medida em que as razões de fazer foram mais fortes que as de não fazer. Uma interpretação ou significado (E): Dentro de um universo casuístico preenchido por diversas circunstâncias, as várias interpretações possíveis acerca de um caso podem gerar resultados, em termos de responsabilidade, distintos. Diversas interpretações podem determinar visões diferentes, por exemplo, sobre o dolo, a culpa, possibilidade de comprovação contrária etc... Assim, um importante elemento da conduta é como ela foi interpretada, pois, a partir dessa interpretação, consequências distintas podem surgir. A importância da interpretação classifica a matéria de responsabilidade civil como fática e não de direito (que possa ser analisada no mundo do direito exclusivamente). 2.3 Intenção x Previsibilidade (Daniel Lagier - Conceptos Básicos del Derecho) Conforme visto nos elementos da ação, a interpretação dada ao caso concreto pode gerar consequências diversas em termos de responsabilidade civil. Sendo assim, a análise da intenção do agente ou da previsibilidade do resultado, elementos que vão compor a interpretação, é de suma importância. Elementos da ação Movimento corporal Alteração no mundo dos fatos Conexão entre movimento corporal e alteração no mundo dos fatos Intenção Intepretação 8 Os autores brasileiros, em geral, fazem essa distinção apenas no âmbito da responsabilidade extracontratual (não prevista em ato negocial). A título exemplificativo: Em um acidente de carro não importa se o agente causador do dano agiu com a intenção de provocar o acidente (o que não é o comum), mas sim que o resultado provocado era previsível, dada imprudência ao atravessar o sinal vermelho em uma rua movimentada. Teoria trazida por Daniel Lagier: A) Intenção: De caráter subjetivo, a análise da intenção volta-se para a descrição e individualização da conduta, a partir da alteração que a conduta do agente gerou no mundo fático. A intenção só poderá ser determinada no âmbito da argumentação e do trabalhoprobatório, isto é, do exame fático da conduta, relacionando-a com as motivações do agente em realizar o ato, com o intuito de delimitar sua finalidade. Ex.: A publicação de um livro sobre a vida de alguém. Não é possível, em um primeiro momento, definir qual a intenção do autor, se dar publicidade a fatos admiráveis do sujeito, prejudica-lo, dentre outras possibilidades. A busca pela intencionalidade do agente é deveras complexa. Nesse exemplo, o magistrado deverá ler o livro a ser publicado e tentar relacionar com as possíveis modificações que serão causadas no mundo fático, para tentar definir as intenções do autor. B) Previsibilidade: É um mecanismo que surge diante da dificuldade em determinar a intenção. A perspectiva deixa de ter como foco o agente e passa a ter como centro da análise os efeitos gerados pela conduta (o que é produzido no mundo dos fatos). Embora a teoria da previsibilidade também possa ser aplicada nos casos de responsabilidade subjetiva, é emprega com maior frequência nos de responsabilidade objetiva, onde não se exige, necessariamente, dolo ou culpa. Ex.: Acidente de trabalho. A reponsabilidade do empregador, de acordo com entendimento jurisprudencial dominante, é objetiva. O centro da análise nesses casos são os efeitos gerados – a relevância dos impactos. Assim, facilita- se a prova por parte da vítima, dando maior tônica às mudanças que ocorreram no mundo fático. A partir da definição de previsibilidade no caso concreto são duas as principais construções institucionais: A) Definição de culpa no caso (negligência, imprudência ou imperícia); B) Objetivação da responsabilidade (não exigência de culpa); 9 Em suma pode-se dizer que na intenção se busca “o que o agente queria” e na previsibilidade “se o efeito produzido era previsível” e a relevância dos impactos causados. A intenção e a previsibilidade estão intimamente ligadas a definição da relação de causalidade. Quanto mais difícil for definir se existe ou não nexo entre a conduta e a alteração no mundo fático, maior é a necessidade de intervenção institucional para que se caracterize a responsabilidade, ou seja, maior será a atuação doutrinária e jurisprudencial na argumentação e interpretação. (exemplo de construções doutrinária para atribui nexo causal a uma situação – perda de chance) 2.4 Fórmula para análise da responsabilização civil I MC A1 A2 A3... AN. “I” é a intenção voltada para um movimento corporal (MC), compreendido com ação ou omissão, causador de alterações no mundo dos fatos (A1, A2, A3... AN). Cada símbolo “” representa uma relação de causa e efeito entre o anterior e seu sucessor. 2.5 Omissão Em termos de responsabilidade civil, não há grandes diferenças em relação à conduta comissiva, no entanto, na omissão é necessário verificar em que medida a conduta representa um ato omissivo e não um simples não fazer. Para que se caracterize o ato omisso civil são necessários três pressupostos: Oportunidade de agir: Que a pessoa esteja em uma posição que permita agir diante da situação. Capacidade de realizar a ação: O direito não pode exigir de ninguém um ato heroico ou que ultrapasse suas limitações físicas. Razão justificante: Uma razão que determine que a pessoa deveria agir naquela situação. Será o elemento “causa” (não agiu quando deveria) na análise do nexo causal. Exemplo de simples não fazer: Se alguém sai correndo de um estabelecimento em chamas, não poderá ser responsabilizado por omissão porque deixou de ajudar as outras pessoas a se salvarem. Não havia oportunidade de agir, já que a posição era de igualdade em relação às demais pessoas; Não havia capacidade de realizar a ação, porque colocaria em risco a sua própria vida; Não havia razão justificante, porquanto não há norma que a obrigue a agir diante dessa situação. 10 2.6 Paradoxo das ações e o código civil de 2002: São as ações decorrentes de fatos do mundo natural ou produto da nossa visão sobre o mundo? A problemática está nos casos em que a definição da ação dependerá, em grande medida, da interpretação do juiz. Como no artigo 187 do código civil, o qual trata da ilicitude objetiva, “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.”. O que seria fim econômico? Fim social? Boa-fé? Bons costumes? Embora exista grande trabalho doutrinário sobre essas cláusulas gerais, a visão de mundo do intérprete sempre irá influenciar a decisão. Pode haver equívoco em relação às ações? Uma mesma ação, inserida em circunstâncias (contexto) diversas, deve ser analisada de maneiras distintas quanto à extensão do dano e da culpa e, dentre outros elementos, às intenções do agente. Um atropelamento ocorrido durante o dia, quando a vítima atravessa na faixa de segurança é diferente de um atropelamento na madrugada quando a vítima atravessa uma rua movimentada em local inadequado. É possível se extrair mais de uma ação de um mesmo movimento corporal? É possível sim. Entra na questão da cadeia de causas e feitos ligadas por um nexo (fórmula ponto 1.4). Um único movimento corporal pode ser causa para resultados distintos (efeitos). Quais os limites das nossas ações? É uma questão de grande importância quando na análise de um caso sob a perspectiva do artigo Art. 187 do CC “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes. ” Quem irá definir o momento em que o exercício regular de um direito tornou-se ilícito, por exceder manifestamente os limites, é o intérprete. 2.7 Relatividade ao conceito de ação humana Atos existenciais: Desconsideram-se alguns elementos ou requisitos que compõem um ato jurídico, como a ilegitimidade ou capacidade da parte. Ex.: Compra e venda em máquina eletrônica. Não se sabe quem é o sujeito “por trás” da máquina que está vendendo os produtos, se é sujeito capaz ou incapaz. 11 Sob o ponto de vista doutrinário, os atos existenciais (cotidianos) correspondem a negócios jurídicos, considerando-se que há uma intencionalidade implícita. Contrato Social: Também de construção doutrinária e jurisprudencial, os contratos sociais, semelhantes aos ato-fatos da classificação de Pontes de Miranda, podem ser considerados como “contato” entre as partes que gera uma obrigação, ainda que inexistente um negócio jurídico formal (âmbito da responsabilidade civil pré-contratual). A obrigação decorrente do contrato social justifica-se pelo surgimento de expectativa de resultados. Ex.: Rompimento de noivado. Não é um negócio jurídico porquanto não se estabeleceu formalmente a união estável, entretanto ambas as partes, teoricamente, geraram expectativas diversas em relação à situação futura, o que pode incluir, por exemplo, a compra de uma casa. O rompimento dessa expectativa pode gerar uma obrigação (e pelo inadimplemento desta a responsabilidade civil). 2.8 Conceitos jurídicos fundamentais (Hohfeld) O norte americano Wesley Newcomb Hohfeld, em seu livro conceitos jurídicos fundamentais, tenta fornecer subsídios para compreensão e resolução de problemas práticos do direito. A principal preocupação do autor era com que a terminologia jurídica se tornasse cada vez mais precisa, sem ambiguidade nos termos técnicos. “Nem sempre os autores de Teoria Geral do Direito, no tratamento dos conceitos básicos, ocupam-se de elucidar noções que são deuso freqüente entre os juristas dogmáticos. Alguns dos conceitos são simplesmente criados pelos teóricos, ou seja, introduzidos e definidos com a finalidade de apresentar os fenômenos do direito, na perspectiva considerada mais esclarecedora ou mais rica em conseqüências teóricas. Tal medida tem por consequência a aceitação tácita de pressupostos por parte dos juristas, o que favorece o caos terminológico, vez que, dissociados da prática, os conceitos por vezes são mal empregados ou simplesmente caem em desuso.” (CARRIÓ, Genaro R. Nota preliminar. In: HOHFELD, W. N. Conceptos jurídicos fundamentales. Buenos Aires: Centro Editor de América Latina, 1968, p. 08.) Assim, Hohfeld define oito conceitos jurídicos divididos em duas categorias (i. Família de direito; ii. Noções de dever), considerando que esses conceitos poderiam explicar qualquer relação jurídica prática. 12 Os “conceitos fundamentais” expostos na teoria de Hofdeld podem ser analisados sob duas perspectivas: A) Tabela de correlatos O termo do lado do grupo “direito” é correlato ao termo do grupo “dever”. Se “A” tem um Direito em relação a um objeto X (um carro) perante “B”, este tem um dever em relação ao objeto “X” perante A. B) Tabela de Opostos O termo do lado do grupo “direito” é oposto (incompatível) ao termo do grupo “dever”. Se “A” tem um direito em relação ao objeto “X” perante B, “A” não pode ter, ao mesmo tempo, um “não-direito” em relação ao objeto X perante B. A tabela dos opostos mostra termos incompatíveis entre si. Conceitos fundamentais:1 Direito: “em sentido estrito, é a faculdade de exigir uma prestação, uma conduta por parte do sujeito passivo (um fazer, não-fazer, dar ou restituir por parte do outro polo da relação jurídica)” Privilégio: “é a faculdade de praticar um ato ou de inserir-se em uma situação jurídica. Diz respeito a uma conduta por parte do polo ativo, o titular do privilégio, cujos efeitos recaem sobre o próprio sujeito ativo.” Poder: “é a faculdade de produzir determinados efeitos jurídicos em relação ao polo passivo. Por meio do poder, o titular do direito promove efeitos sobre outro sujeito, inserindo-o em uma situação jurídica, ainda que contra sua vontade.” Imunidade: “é o atributo jurídico que permite ao seu titular não ser afetado pelos efeitos jurídicos do ato de determinado sujeito. O polo ativo tem imunidade em relação ao polo passivo se os atos deste não forem aptos a produzir efeitos sobre aquele. Ter poder sobre outro não significa estar imune em relação ao outro.” __ Dever: “em sentido estrito, é a situação jurídica de quem está obrigado a uma prestação em relação a outrem. O polo passivo (devedor) é obrigado a realizar uma prestação ao polo ativo (titular do direito em sentido estrito)” Não direito: “é a situação que se contrapõe ao privilégio. O titular do privilégio tem a faculdade de praticar um ato; o polo passivo dessa relação não tem direito (tem o não-direito) de impedir que o polo ativo realize a conduta objeto do privilégio.” Não direito é a ausência de pretensão. Quem tem um não pode ter pretensão. 1 https://jus.com.br/artigos/14988/conceitos-juridicos-fundamentais 13 Sujeição: “é a condição de quem será necessariamente submetido aos efeitos jurídicos do ato praticado pelo titular de um poder. O poder encerra uma espécie de privilégio, pois o sujeito passivo não pode impedir que o titular exerça o ato (quem está em sujeição tem, também, o "não-direito" de impedir que o ato seja realizado); é, porém, mais que isso: além de o sujeito passivo não poder impedir a realização do ato por parte do polo ativo, estará, obrigatoriamente, submetido aos efeitos do ato, inserindo-se na situação jurídica dele decorrente, mesmo contra sua vontade.” Incompetência: “é a ausência de qualificação jurídica para a prática de um ato em relação a determinado sujeito, considerado dotado de imunidade em relação ao agente. O praticante do ato é o polo passivo da relação, pois, seus efeitos não atingem o destinatário, vez que o agente não é reconhecido pela ordem jurídica como titular de um poder sobre o destinatário. A imunidade é oposta à sujeição, porque competência é poder. Ser incompetente em relação a outro não significa estar sujeito a esse outro.” Tabela de Correlatos Grupo “Direito” – modalidades ativas Grupo “Dever” – modalidades passivas Direito (pretensão) Dever Privilégio (liberdade) Não-direito (sem pretensão) Poder Sujeição (responsabilidade) Imunidade (isenção) Incompetência (não-poder) Se A pode exigir um direito sobre um objeto em relação a B, este tem um dever sobre o objeto em relação a A. o Se A tem o direito que B não entre em suas terras, B tem o dever de não entrar nas terras de A. Se A tem o privilégio (faculdade) de praticar um ato sobre um objeto, B não pode impedir que A pratique o ato. o Se A tem o privilégio de entrar nas suas próprias terras, B não pode ter pretensão de que isso não aconteça (pois tem um não-direito). Se A tem o poder de praticar uma ato jurídico que submeta B a certos efeitos jurídicos, este não tem outra escolha a não ser se sujeitar-se aos efeitos desse ato. o Se A resolve revogar a doação feita para B, este nada pode fazer ou discutir. (A diferença entre poder e direito é que este pode ser violado, já o poder não) Sinônimo de sujeição é responsabilidade. É termo dotado de imperatividade, não há nada que o sujeito possa fazer ou discutir. 14 Se A é imune aos efeitos jurídicos de um ato praticado por B, este é incompetente para prática desse ato jurídico em relação a A. (pode-se falar que a imunidade é a ausência total de sujeição) o Se A é proprietário de uma terra, B não pode vender a terra de A, logo B é incompetente para praticar o ato e A, logo A é imune a esse ato. o Quando se diz que o sujeito tem imunidade tributária, significa que nenhuma entidade possui competência para cobrar-lhe determinados impostos. Tabela de Opostos Grupo “Direito” – modalidades ativas Grupo “Dever” – modalidades passivas Direito (pretensão) Não-direito (sem pretensão) Privilégio (liberdade) Dever Poder Incompetência (não-poder) Imunidade (isenção) Sujeição (responsabilidade) Se A tem um direito sobre um objeto, “A” não pode ter, ao mesmo tempo, um não direito sobre esse objeto. Se A tem um o privilégio (faculdade) de praticar um ato, “A” não pode ter, ao mesmo tempo, um dever de praticar esse ato. Ter um privilégio implica em não ter um dever. o Se A não contratou os serviços de B (pois tem o privilégio de não contratar), então A não ter o dever. Se A tivesse contratado os serviços teria um dever e perderia o privilégio de não contratar. Por isso privilégio e dever são opostos, quando se tem um perde-se o outro. Essa é a hipótese do artigo 187 do código civil. De um lado um sujeito com a faculdade de praticar um ato, logo ele não tem o dever de praticar esse ato, e de outro alguém terá o dever de respeitar essa liberdade. Ex.: A ganha em juízo a liberdade de publicar um livro sobre B, quem questionou essa liberdade. B não tem um mero “não direito” ou ausência de pretensão, mas sim um dever de não impedir a publicação. Se o sujeito ganha a liberdade em juízo, a parte contrária tem o dever de respeitar essa liberdade. Se A tem um o poder de praticar um ato jurídico que produza certos efeitos jurídicos, não pode, ao mesmo tempo, ser incompetente para praticar esse ato. Se A é imune aos efeitos jurídicos de certo ato jurídico,não pode, ao mesmo tempo, estar sujeito aos efeitos desse ato. 15 “Portanto, através da análise de casos concretos, Hohfeld chega à conclusão que direito em sentido estrito é uma pretensão com respaldo legal, e que toda pretensão tem um dever correlato obrigatoriamente, dado que para que uma pretensão baseada na lei seja violada é necessário que alguém descumpra seu dever proveniente e criado pela mesma lei. Sendo assim, a lei como vale para todos, ao criar direitos cria também deveres correlatos, e quando os deveres são descumpridos os titulares dos direito violados pedem, através de ações judiciais, para que o Estado faça que suas pretensões legais prevaleçam através das sentenças.”2 “O esquema de conceitos opostos de Hohfeld explica a relação entre direitos e liberdades. Ou seja, enquanto uns têm liberdades legalmente garantidas outros não possuem, em contraposição, qualquer pretensão jurídica. Nesse sentido, o esquema de opostos de Hohfeld foi desenhado ideologicamente para demonstrar que na medida em que indivíduos têm liberdade de ação outros têm falta de segurança. Portanto, a mensagem moderna que se inicia com Hohfeld é o contrário da mensagem dos autores clássicos que afirmavam que o exercício da liberdade é válido desde que não cause danos a terceiros”3 A restrição de um princípio em face de outro (liberdade de publicar x liberdade de privacidade) deverá ser sempre auferida no caso concreto, ou seja, uma restrição externa ao direito. (esse é o âmbito da tabela dos opostos) 3. Fonte das Obrigações 3.1 Noções preliminares e classificação das fontes das obrigações É importante destacar que, de acordo com a natureza da obrigação (dar - restituir, fazer ou não fazer), o ordenamento jurídico proporcionará diferentes respostas (tutelas). Isso significa que nem sempre a tutela oferecida pelo direito será uma tutela ressarcitória (de cunho indenizatório). Dentre outras classificações possíveis, as fontes das obrigações (de onde surgem/nascem) podem ser classificadas em: Atos negociais, atos não negociais e atos ilícitos. 2 FERREIRA Daniel Brantes. Wesley Newcomb Hohfeld e os conceitos fundamentais do Direito. Estado e Sociedade n.31 p. 33 a 57 jul/dez 2007 3 Ibidem 16 Ato negocial: É o vínculo existente entre dois sujeitos de direito. A violação de um dever de conduta, estabelecido pela aproximação das finalidades dos sujeitos, em um ato negocial gera o ilícito contratual, cujo instituto adequado para suprir a violação é a cláusula penal. (A discussão sobre a validade de um contrato não é a respeito de ilícito contratual (descumprimento do contrato), ou seja, não está no âmbito da responsabilidade civil). São exemplos de atos negociais os contratos de compra e venda. Ato não negocial: É irrelevante a existência de vínculo prévio entre os sujeitos. Mas há, necessariamente, uma causa capaz de gerar efeitos jurídicos (deveres de conduta entre as partes) decorrentes de um deslocamento injustificado de bens do patrimônio de um sujeito para outro. o Ex.: Cobrança de serviço não contratado. Companhia Telefônica cobra serviços adicionais na fatura não contratados pelo adquirente. É irrelevante que exista um vínculo legal entre os sujeitos (nesse caso existe). Se não há causa para a cobrança de um serviço, trata-se de uma cobrança indevida, um descolamento de patrimônio injustificado. Deve ser feita a restituição dos valores transferidos indevidamente (tutela restituitória). o São casos, também, de transferência indevida de patrimônio: CC. Art. 884. Aquele que, sem justa causa, se enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a atualização dos valores monetários. (Enriquecimento ilícito) CC. Art. 861. Aquele que, sem autorização do interessado, intervém na gestão de negócio alheio, dirigi-lo-á segundo o interesse e a vontade presumível de seu dono, ficando responsável a este e às pessoas com que tratar. (Gestão de negócios) CC. Art. 876. Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir; obrigação que incumbe àquele que recebe dívida condicional antes de cumprida a condição. (Princípio da conservação estática de patrimônio) Ato Ilícito: CC Art. 186. “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.” (Culpa em sentido genérico4 + Dano = ilícito). Não é a ilicitude que autoriza a reparação civil, mas o dano. Isso significa que nem sempre um ato ilícito será causa para responsabilização civil, 4 Dolo OU culpa 17 a qual só ocorrerá quando houver dano. A hipótese de ilícito sem dano é trazido pelo artigo 187 do código civil: “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.” Exemplo de ilícito sem dano: Publicação de uma biografia sem autorização. Aquele que tem sobre si escrita uma biografia pode entrar em juízo solicitando o impedimento da publicação. Ainda que o livro já tenha sido escrito, se ainda não foi publicado, não gerou danos, todavia a decisão judicial poderá ser no sentido de gerar uma obrigação de não fazer ao autor da biografia, isto é, de não publicar, considerando a publicação como ilícita, nos termos do artigo 187,CC. Caso o réu descumpra com a obrigação imposta pelo judiciário, a obrigação se converterá em obrigação derivada de reparação (responsabilização civil), já que causou danos: CC Art. 927. “Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.” Somente haverá reparação quando ocorrer dano. Artigo 186, CC Artigo 187, CC “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” “Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes” Dano como requisito Não precisa de dano Dolo ou culpa como requisito Não precisa dolo ou culpa Resultado: responsabilidade civil (pois há dano) Resultado: Obrigação (em caso de inadimplemento -> Responsabilidade civil) Ou responsabilidade civil (se houver dano) A regra é que se o autor quer uma reparação de dano que fundamente sua ação processual no artigo 186, mas nada impede que o faça pelo artigo 187, no qual o dano não é requisito, entretanto, se existente, poderá ensejar uma reparação civil, nos termos do artigo 927. O artigo 187 exige, para caracterização do ilícito, uma alteração no mundo dos fatos e não necessariamente uma alteração que cause prejuízo a alguém. Dessa alteração, podem resultar diversas consequências, não obrigatoriamente uma responsabilidade civil (que ocorrerá apenas quando houver dano). 18 “E, aqui, torna-se relevante compreender que tratamento recebeu a ilicitude, como hipótese de contrariedade ao Direito, no CC, a partir dos enunciados normativos dos arts. 186 e 187. É que, embora o art. 186 exija, a priori, para a caracterização do ilícito, a identificação de uma ação ou omissão, antijurídica, imputável a alguém, fundada numa causa e capaz de gerar um dano a outrem, o art. 187 inaugura, com mesma força, uma hipótese de ilicitude plenamentedistinta, estruturada a partir de um conflito de liberdades individuais. Pelo art. 187, por exemplo, não há, nem mesmo, a necessidade de caracterização de um dano (injusto) a outrem, bastando a verificação de excesso no exercício de um liberdade individual perante terceiros.” (CACHAPUZ, Maria Cláudia, Direitos de personalidade e responsabilidade civil na perspectiva da ética do discurso)5 3.2 Ilicitude no código civil 2002 A origem da ilicitude pode estar tanto na violação de uma norma de dever (um ato contrário ao direito) ou na realização de uma conduta que tenha por consequência uma sanção jurídica. o Ilícito Típico: Atos contrários à norma que determina a forma correta de agir – regulativas de determinadas condutas. (fazer o proibido ou não fazer o devido) o Ilícitos atípicos: (doutrina espanhola): Atos abusivos (com abuso de direito) praticados com culpa ou dolo. No Brasil, os atos denominados atípicos pela doutrina estrangeira são ilícitos típicos, dada previsibilidade no artigo 187. Mesmo na doutrina espanhola os ilícitos atípicos (não previstos no ordenamento deles), exigem o dano para que a conduta seja considerada ilícita. A ilicitude e colisão de liberdades: Havendo colisão de liberdades, por exemplo, entre a liberdade de publicar um livro e a liberdade de não ter a vida publicada, o juiz, analisando o caso concreto, deve interferir para, necessariamente, restringir uma delas (ponderação de princípios contrapostos). Havendo descumprimento dessa restrição, pode configurar hipótese de ilícito (abuso de direito) – hipótese em que a ilicitude nasce de um exercício regular, porém abusivo, de direito. Ou seja, com o código civil de 2002 a ilicitude deixa de ser considerada como mero descumprimento de normas jurídicas, recebendo tratamentos mais abrangente. 5 Disponível em: goo.gl/Gsd3F3 19 3.3 Elementos balizadores à restrição de liberdades Os elementos previstos no artigo 187, boa-fé, bons costumes, fim econômico e fim social, NÃO são determinantes empíricos de uma limitação de liberdade, já que a discussão sobre o conflito de liberdades pressupõe uma ponderação de princípios contrapostos. Os elementos mencionados mostram, no caso concreto, como o interprete vai encontrar a possibilidade de restrição de uma conduta. 3.4 Elementos caracterizadores da ilicitude civil genericamente (186 + 187,CC) São elementos da ilicitude: Violação a um dever jurídico Imputabilidade: Possibilidade de imputar a violação a um sujeito Nexo de causalidade: Relação entre a causa e o efeito. Liga o fato (violação a um dever jurídico) ao imputável a um sujeito. O fato em si A culpa genérica (dolo ou culpa) e o dano só são elementos necessários da ilicitude civil se a fundamentação tiver base no 186. “Analisando-se os arts. 186 e 187 do novo CC, vislumbra-se que, em relação à disciplina do art. 186, não se permite visualizar maior inovação na estrutura normativa, encontrando-se reprodução aprimorada da redação do art. 159 do Código anterior. Tem-se que os elementos tradicionalmente caracterizadores da ilicitude civil - a ocorrência de uma violação a um dever jurídico, a imputabilidade deste dever a alguém, a ocorrência de dano e o nexo de causalidade capaz de ligar este dano a um fato atribuível a alguém -, aliados à previsibilidade de ocorrência do evento danoso, permanecem em tônica no enunciado normativo, identificando hipótese de ilicitude sem grandes diferenciações ao que já se fazia conhecido na normatividade antes existente.” (CACHAPUZ, Maria Cláudia, A ilicitude e as fontes obrigacionais: análise do art. 187 do novo código civil brasileiro)6 3.4.1 O Dano e a Ilicitude O dano só será elemento necessário para ilicitude sob a ótica do artigo 186. Conforme visto, há hipótese, no código civil de 2002, de ilicitude sem dano, como no caso de 6 Disponível em: goo.gl/BKwjIX 20 inadimplemento de uma obrigação originária de uma restrição de liberdades, mediante ponderação de princípios no caso concreto, o desrespeito a um fazer ou não fazer. “Vistos conjuntamente os enunciados dos arts. 186 e 187 do Código Civil, pode-se afirmar que bastam os elementos da antijuridicidade, em relação à violação do dever jurídico, e do ato em si mesmo à caracterização da ilicitude. Imputabilidade, nexo de causalidade, dano provável ou culpa são elementos que, embora suficientemente caracterizados no art. 186 a partir de uma concepção subjetiva, recebem relativização pelo art. 187, na medida em que a situação de ilicitude nele descrita e os elementos que a caracterizam só podem ser analisados frente ao caso concreto, nunca abstratamente.” (CACHAPUZ, Maria Cláudia, A ilicitude e as fontes obrigacionais: análise do art. 187 do novo código civil brasileiro) 3.4.2 Do ilícito à reparação Para a plena compreensão da origem da ilicitude, é preciso distinguir, brevemente, regras de princípios: “Quer-se, assim, afirmar que regras e princípios não são simultâneos, possuindo qualificação diversa. Concretizam-se em níveis de compreensão diferenciados, porque o princípio conduz à necessária ponderação (aplicação do princípio da proporcionalidade, este tido como regra à argumentação). Por isso, princípios não visam exclusivamente a promoção de um ideal, mas buscam orientar as razões contrapostas na apreciação dos interesses colidentes. ” (CACHAPUZ, Maria Cláudia, Direitos de personalidade e responsabilidade civil na perspectiva da ética do discurso) Os princípios serão sempre ponderados no caso concreto, quando conflitantes. As regras são “tudo ou nada”, não existe ponderação de regras. Por esse motivo o conflito de liberdades (de princípios), a fim de verificação da ilicitude, deverá sempre ser feito mediante análise do caso concreto. Verificada a conduta ilícita, através da ponderação no caso concreto (tratando-se de art 187): E a ilicitude causou dano: Surge o dever de reparação, autorizado pelo artigo 927,CC. 21 E a ilicitude não causou dano: Surge uma obrigação de fazer ou não fazer (se essa obrigação não for adimplida, causará dano, logo surgirá também uma hipótese de reparação). 4. Pressupostos da responsabilidade civil geral 4.1 Imputabilidade Sujeito imputável é aquele que se pode responsabilizar por um dano, não sendo necessariamente aquele causou o dano. CC Art. 928. “O incapaz responde pelos prejuízos que causar, se as pessoas por ele responsáveis não tiverem obrigação de fazê-lo ou não dispuserem de meios suficientes.” CC Art. 932. “São também responsáveis pela reparação civil: I - os pais, pelos filhos menores que estiverem sob sua autoridade e em sua companhia; II - o tutor e o curador, pelos pupilos e curatelados, que se acharem nas mesmas condições; III - o empregador ou comitente, por seus empregados, serviçais e prepostos, no exercício do trabalho que lhes competir, ou em razão dele; IV - os donos de hotéis, hospedarias, casas ou estabelecimentos onde se albergue por dinheiro, mesmo para fins de educação, pelos seus hóspedes, moradores e educandos; V - os que gratuitamente houverem participado nos produtos do crime, até a concorrente quantia.” A discussão em relação ao artigo 928 é entorno do termo incapaz que, com as alterações trazidas pela lei 13.146 de 2015, faz referência expressa apenas aos Pressupostosda responsabilidade civil geral Violação de um dever Imputabilidade Dano Nexo Causal 22 menores de 16 anos (absolutamente incapazes), aos maiores de dezesseis e menores de dezoito anos, ébrios habituais, viciados em tóxicos, pródigos e aqueles que por causa transitória ou permanente não possam exprimir sua vontade (relativamente incapazes) – (Art 3º e 4º, CC), excluindo dessa ideia as pessoas com deficiência ou sem o necessário discernimento para prática de seus atos. Em relação à menoridade civil, os menores de 16 anos não respondem de forma direta, seja por dano decorrente de ato infracional7 ou não. Os relativamente incapazes, maiores de 16 anos e menores de 18, em aplicação analógica do artigo 116 do ECA, respondem diretamente apenas pelos danos de atos infracionais. Todavia, não se tratando de ato infracional a responsabilidade do menor é subsidiária em relação à de seus responsáveis. Menor de 16: Reponsabilidade direta dos responsáveis Maior de 16 e menor de 18: o Reponsabilidade direta do menor por ato infracional o Reponsabilidade subsidiária do menor por ato não infracional; Responsabilidade direta dos responsáveis pelo ato não infracional. Não é preciso aguardar a sentença penal para que se ingresse com ação por danos civis Reconhecida a sentença penal, apenas se liquida (determina o valor) dos danos civis a serem reparados. Cabe ressaltar ainda que a incapacidade civil temporária, em alguns casos, no âmbito jurisprudencial, não tem sido considerada como semi-imputabilidade. Ex.: Médico que toma medicamentos e ingere bebida alcoólica, alterando os efeitos daqueles, entrando em estado alterado e liga para sua companheira a ofendendo. Esta entra em juízo pedindo indenização e o réu, o médico, alega incapacidade temporária. A alegação do réu não é provida pois, na condição de médico, sabia dos efeitos da combinação dos seus medicamentos com bebida alcoólica. 4.2 Violação de um dever jurídico Significa um ato contrário ao direito, ideia de antijuridicidade. Pode ou não ter como requisitos a culpa genérica (dolo ou culpa). O primeiro caso é do artigo 186 e o segundo do artigo 187, o qual trata da ilicitude objetiva. No artigo 187, a ilicitude nasce do abuso de direito, de uma conduta lícita, a priori, porém caracterizada como ilícita pelo poder judiciário após a ponderação no caso concreto, ou seja, é uma ilicitude institucional, fruto um trabalho jurisprudencial, onde entra a questão de grande importância da distinção entre previsibilidade e intenção (ponto 2.3) 7 Ato infracional conforme estatuto da criança e do adolescente é a conduta descrita como crime ou contravenção penal (art 103) 23 Para fins de verificação da ilicitude nos termos do artigo 186 é irrelevante se a conduta é resultado de dolo ou de culpa, elementos estes que serão importantes apenas no arbitramento do dano. Ex: A responsabilidade do médico, profissional liberal, é em regra subjetiva, devendo o autor da ação comprovar a culpa genérica (art 186). Todavia, em se tratando de obrigações de resultado (uma cirurgia plástica, por exemplo), a violação do dever jurídico (ilicitude) torna-se objetiva (art 187), já que o inadimplemento verifica-se pelo fracasso em alcançar o resultado prometido, gerando dano e por consequência a responsabilidade civil. Em cirurgias comuns, entretanto, o médico compromete-se em empregar todos os esforços possíveis, e caso não atinja o resultado, o paciente deve comprovar a culpa ou dolo para que se determine a responsabilidade civil. o Esse exemplo mostra como a verificação da violação de um dever jurídico (ilicitude) é feita de modos distintos de acordo com artigo 186 e 187 do código civil. 4.3 Dano A princípio, não pode existir responsabilidade civil sem dano CC. Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. O dano pode ser classificado em material ou moral (ou extrapatrimonial). Estes, ao contrário daqueles, correspondem à lesão a um direito de personalidade. São raríssimas as hipóteses de responsabilidade sem dano imediato, como em casos de catástrofes ou danos ambientais. Ex.: Vítimas da boate Kiss. Algumas pessoas, mesmo não sofrendo ferimentos físicos, ganharam o direito a um acompanhamento clínico para evitar futuros danos extrapatrimoniais (como um trauma, p.ex). CC Art. 944. A indenização mede-se pela extensão do dano. Parágrafo único. Se houver excessiva desproporção entre a gravidade da culpa e o dano, poderá o juiz reduzir, eqüitativamente, a indenização. O artigo 944 trata da reparação integral e proporcional a conduta ilícita. Há uma relação entre a culpa e o dano tanto para redução da indenização, através do parágrafo único desse artigo, ou de majoração, através de uma construção institucional denominada “função punitivo-pedagógico do dano”, segundo a qual a indenização, em alguns casos, deve ser majorada para que o réu “aprenda a lição” e não cometa novamente. O caráter punitivo-pedagógico da pena é criticável por dar margem à arbitrariedade por parte do juiz na definição da indenização. 24 4.4 Nexo Causal É o instituto que faz a ligação entre a causa e a consequência, é o caminho que se faz entre o ilícito e o dano. O problema é o que o código, salvo raras exceções, não expõe como que essa ligação deve ser realizada na prática. Portanto, para que se caracterize a responsabilidade são necessários: um ilícito, que esse ilícito cause um dano e que esse dano seja imputável a um sujeito através de um nexo entre sua conduta e o dano. 5. Pressupostos da responsabilidade civil contratual Enquanto a responsabilidade extracontratual nasce de um ato ilícito (sem vínculo), a contratual tem como fonte um ato negocial (com vínculo). Como nos atos não negociais, hipóteses de transferência indevida de patrimônio, pode ou não existir um vínculo prévio entre as partes, a responsabilidade pode ser contratual ou extracontratual, se existente ou não vínculo, respectivamente. 5.1 Pressupostos da responsabilidade contratual e da extracontratual Responsabilidade contratual Responsabilidade extracontratual Contrato válido Imputabilidade Inexecução contratual Violação de um dever jurídico Nexo causal Nexo causal Dano Dano 5.2 Equiparação de relações extracontratuais a relações contratuais Algumas relações onde é inexiste vínculo contratual podem ser equiparadas a atos negociais por uma construção institucional. Exemplo: Fontes das obrigações Atos negociais Responsabilidade civil Contratual Atos não-negociais Atos ilícitos Responsabilidade civil Extracontratual 25 CDC Art. 17. “Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento.” Nas relações de consumo, os consumidores são automaticamente considerados como partes de um contrato. No entanto, em algumas situações, mesmo que o sujeito não tenha participado de uma relação de consumo de forma direta pode ser equiparado a qualidade de consumidor. Ex.: Um sujeito compra uma televisão e no primeiro dia convida sua família para assistir. A televisão explode causando ferimentos aos seus familiares. Estes como participantes do evento são equiparados a praticantes de um ato negocial, estando a reparação sujeita ao regime da responsabilidade contratual. 5.3 Contrato válido: A origem da responsabilidade deve ser uma obrigação contratual existente, válida e eficaz. O contratado, aquele que se comprometeu com a obrigação previstano contrato, é a pessoa imputável. 5.4 Inexecução contratual: É da inexecução do contrato que pode surgir o dano, do qual resulta a responsabilidade civil, atribuível ao contratante através de um nexo causal. É importante ainda a distinção entre responsabilidade extracontratual e dano extrapatrimonial, já que este não decorre necessariamente daquela. O dano extrapatrimonial pode ser extraído de uma relação negocial assim como de uma extracontratual.
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