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ENSINANDO HISTÓRIA DA ENGENHARIA DE ESTRUTURAS A ALUNOS DE ENGENHARIA CIVIL Henrique Lindenberg Neto – henrique.lindenberg@poli.usp.br Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, Departamento de Engenharia de Estruturas e Fundações, Laboratório de Mecânica Computacional Resumo: A fim se dar noções de história da engenharia de estruturas aos engenheiros civis, recentemente essa matéria passou a ser ensinada aos alunos do curso de graduação em engenharia civil e do curso de pós-graduação em engenharia de estruturas da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo.As avaliações feitas dessa iniciativa mostram que ela vem sendo muito bem sucedida e que os objetivos de sua implantação vêm sendo alcançados. Neste artigo são apresentadas e discutidas as várias razões pelas quais se deve introduzir o ensino de história da engenharia de estruturas nos cursos de engenharia civil, e também são apontados os principais motivos pelos quais isto não vem ocorrendo. Descrevem-se ainda os detalhes das experiências realizadas na Escola Politécnica e faz-se uma avaliação crítica dessa iniciativa. Palavras-chave: Ensino de engenharia, Ensino de história da engenharia, Currículos dos cursos de engenharia, História da engenharia de estruturas, Pós-graduação em engenharia de estruturas 1. INTRODUÇÃO A história da engenharia de estruturas, embora extremamente rica, interessante e motivadora, é muito pouco abordada nos cursos de engenharia civil, tanto em nível de graduação como de pós-graduação. A fim de suprir esta deficiência na formação dos engenheiros civis, algumas iniciativas de introdução de história da engenharia de estruturas nos cursos de graduação e de pós- graduação vêm sendo tomadas no Departamento de Engenharia de Estruturas e Fundações da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. Neste artigo, serão discutidas as razões pelas quais se deve introduzir história da engenharia de estruturas nos currículos de engenharia civil e porque isto não vem ocorrendo, e serão feitas a apresentação detalhada e a avaliação de algumas das iniciativas de introdução desta matéria na Escola Politécnica. 2. POR QUE ENSINAR HISTÓRIA DA ENGENHARIA DE ESTRUTURAS? A introdução do ensino de história da engenharia nos cursos de formação de engenheiros vem sendo defendida há muitas décadas, e vários são os motivos que vêm sendo apontados para justificar esta proposta (PENDRED, 1923/24; PUGSLEY et al., 1974; SUTHERLAND, 1983; ADDIS, 1992). Relacionam-se e se discutem abaixo as principais razões para a introdução de história da engenharia de estruturas na formação dos engenheiros civis. 2.1 Aspecto cultural O primeiro motivo pelo qual se deve ensinar história da engenharia de estruturas é cultural. Desde que passou a viver em pequenos agrupamentos de moradias após o início da domesticação de vegetais e animais, o homem vem erigindo construções extraordinárias, e é fundamental que os estudantes conheçam a história destas magníficas edificações. O que o homem é hoje decorre de todo um passado que ele não pode ignorar. A engenharia civil atual é a filha e a herdeira direta de cerca de 10.000 anos do exercício da arte de construir moradias, templos, túmulos, estádios, teatros, auditórios, aquedutos, pontes, barragens, portos, canais e túneis, e o conhecimento deste passado é fundamental para que se tenha a real dimensão da engenharia de nossos dias. Como bem pergunta ADDIS (1992): que estudante de pintura, arquitetura, cerâmica, música, literatura ou escultura se conformaria em ter o desconhecimento da história de seu particular campo de estudo que possui o estudante de engenharia típico? É necessário que também no campo da engenharia – em especial no da engenharia civil, dada sua maior antiguidade e seu longo passado – os futuros profissionais conheçam sua história. 2.2 Aspecto sociológico As construções, além de satisfazerem necessidades materiais e tangíveis do homem, são uma importantíssima expressão cultural, social, política e econômica das sociedades que as erigiram. Como exemplo, considere-se o caso das edificações de grande altura. Das pirâmides do Egito às torres Petronas de Kuala Lumpur, passando pelos zigurates da Mesopotâmia, pelas catedrais da Idade Média, pelas torres de San Gimignano, pela torre Eiffel e pelos edifícios altos dos Estados Unidos e, mais recentemente, da Ásia, as construções altas, muito mais do que satisfazerem necessidades materiais do homem, sempre foram um símbolo do poder dos soberanos, das comunidades, das famílias, das empresas ou dos governos que as construíram, e uma das principais – se não a principal – razões de terem sido construídas tão altas foi justamente demonstrar este poder. Estes aspectos sociológicos das construções, muito bem conhecidos pelos arquitetos, são praticamente ignorados pelos engenheiros civis. É muito importante que também estes os conheçam, já que, em maior ou menor grau, estes aspectos intangíveis sempre estão presentes nas construções. O conhecimento destes fatores deverá facilitar muito o diálogo dos engenheiros com os arquitetos, empresários e políticos com os quais terão que se relacionar profissionalmente (ADDIS, 1992). 2.3 Conhecimento de comportamento estrutural Os cursos de engenharia atuais são muito voltados à análise e ao cálculo de modelos matemáticos de partes isoladas das estruturas, tendo-se muito pouca oportunidade de examinar estruturas completas. Além disso, geralmente estes modelos são apresentados já prontos, sendo a grande ênfase dada a sua resolução numérica. Como conseqüência, os estudantes têm pouca oportunidade de examinar o comportamento de uma estrutura completa, de conceber, de modelar e de compreender o comportamento de uma estrutura. Têm dificuldade para ver como caminham os esforços e como se deformam as estruturas. Faz-se muita análise, mas pouca síntese. Este problema vem se agravando cada vez mais, dada a crescente complexidade dos modelos matemáticos utilizados no projeto estrutural. Os estudantes vêem cada vez mais como resolver modelos matemáticos e cada vez menos como fazer a modelagem, ou seja, como chegar aos modelos mais adequados para representar uma estrutura. A história da engenharia de estruturas é um excelente veículo para o ensino do comportamento global das estruturas, do funcionamento qualitativo das estruturas e de concepção estrutural. O estudo da estrutura das grandes cúpulas romanas, a análise dos acidentes estruturais da igreja de Santa Sofia em Constantinopla, o estudo da estrutura das catedrais góticas e o exame dos acidentes ocorridos com as abóbadas e com a torre da catedral de Beauvais, na França, são riquíssimas formas de se ensinar preciosas lições de comportamento estrutural aos estudantes (SALVADORI, 1980). 2.4 Fatores responsáveis pela evolução das estruturas Dois são os principais fatores responsáveis pela evolução das estruturas: o uso de novos sistemas estruturais e o uso de novos materiais estruturais. A história da engenharia de estruturas é um rico celeiro de exemplos mostrando claramente o papel fundamental que estes dois fatores têm na evolução das estruturas. Usando a mesma pedra que os egípcios e os gregos utilizavam em suas vigas e lajes, os etruscos e romanos puderam vencer vãos muito maiores com seus arcos e abóbadas, já que o fator limitante dos vãos dos arcos e abóbadas é a resistência à compressão da pedra, muito maior que sua resistência à tração, o fator limitante dos vãos das vigas e lajes de pedra. Este é um exemplo muito claro de como o uso de um novo sistema estrutural permitiu um gigantesco progresso das construções. A descoberta de um processo de fabricação de ferro forjado em quantidade e a baixo custo no século XVIII possibilitou que viessem a ser construídas pontespênseis com vãos até então inimagináveis com os materiais de construção anteriormente disponíveis. Este é um dos inúmeros exemplos da história da engenharia de estruturas mostrando a importância dos novos materiais na evolução das estruturas. Esta é, então, uma das outras grandes razões de se ensinar história da engenharia de estruturas: mostrar que a evolução das estruturas vem dependendo e continuará a depender do uso de novos sistemas estruturais e de novos materiais estruturais, e que a iniciativa, a criatividade e a inventividade dos futuros engenheiros de estruturas na concepção de novos sistemas estruturais e na busca de novos materiais estruturais é que possibilitarão o progresso futuro das construções. 2.5 As construções como peças de museu Como já se comentou, as construções erigidas pelo homem desde a pré-história até os dias de hoje são importantíssimas manifestações artísticas, históricas e tecnológicas das sociedades que as erigiram. Assim como peças fundamentais da pintura, da escultura, e mesmo das indústrias automobilística e aeronáutica são conservadas em museus como marcos da história da humanidade, também as construções mais significativas de uma era devem ser preservadas. O museu da engenharia civil é formado pelas próprias edificações, que devem ser então conservadas. Esta é uma outra razão muito importante para se ensinar história da engenharia de estruturas aos engenheiros civis: criar neles a consciência de que as construções fundamentais têm o caráter de peças de museu, devendo então ser preservadas, e dar-lhes a capacidade de identificar quais são estas construções fundamentais. Um caso bastante conhecido, e que mostra sobejamente o valor não tangível de uma obra de engenharia civil, é o da ponte Hercílio Luz, de Florianópolis. Inaugurada em 1926, até 1975 ela foi a única ligação entre a ilha de Santa Catarina e o continente. A construção de duas novas pontes ligando a ilha ao continente tirou a importância da ponte como elemento de ligação rodoviária entre a cidade de Florianópolis e o restante do estado de Santa Catarina. Mesmo estando interditada ao tráfego desde 1991, por apresentar problemas estruturais, ninguém pensa em demolir esta ponte. Ao contrário, ela foi tombada como patrimônio histórico municipal, estadual e federal, e está sendo recuperada. Ela é reconhecidamente uma importante peça do museu da engenharia civil brasileira e mundial, e como tal está sendo preservada e restaurada. Além disso, é uma obra de enorme poder afetivo para todos os catarinenses e demais brasileiros, e este outro fato já é por si só motivo suficiente para sua preservação. Nem sempre, entretanto, os homens são capazes de reconhecer a qualidade de peça de museu de uma construção. O edifício Home Insurance, inaugurado em Chicago em 1885, foi o primeiro edifício a ter uma estrutura de esqueleto, a estrutura que permitiu a construção de todos os grandes arranha-céus da atualidade. Apesar de ser um dos marcos da história da engenharia de estruturas universal, esta qualidade não foi adequadamente avaliada, e, infelizmente, esta valiosíssima peça do museu universal das construções foi demolida em 1931. Criar esta consciência é mais uma das razões que justificam o ensino da história da engenharia de estruturas. 2.6 A verdadeira dimensão dos modelos matemáticos e do computador Quanto mais os modelos matemáticos vêm se tornando mais complexos e poderosos, tanto menos os estudantes e engenheiros vêm conhecendo como se comportam qualitativamente as estruturas. Os primeiros modelos matemáticos surgiram no Renascimento; o primeiro cálculo estrutural numérico registrado da história é o do reforço da cúpula da Basílica de São Pedro, feito em 1742; apenas na segunda metade do século XIX os modelos matemáticos começaram a ser efetivamente empregados no projeto de estruturas; somente na década de 1960 os primeiros computadores passaram a ser utilizados no cálculo de estruturas. Construções incríveis foram feitas sem o suporte de qualquer tipo de cálculo, e construções lendárias do século XX, como o edifício Empire State e a ponte Golden Gate, foram projetadas sem o uso do computador, que na época ainda não havia nascido. A história da engenharia de estruturas é assim um veículo muito adequado para mostrar aos estudantes que o importante para a engenharia de estruturas é o desenvolvimento do conhecimento do comportamento qualitativo das estruturas e da arte da concepção estrutural, que sempre foram as bases de todos os grandes projetos da história. É sobre este conhecimento que se fará a escolha do modelo matemático adequado à representação da estrutura e, por fim, do programa de computador com o qual se irá calculá-la. 2.7 Aspecto motivador A engenharia de estruturas é magnífica, e conhecer suas obras-primas, os grandes mestres-construtores, arquitetos e engenheiros, os detalhes de projeto e de construção das grandes obras é um elemento de grande motivação e incentivo para os estudantes de engenharia, ao mostrar-lhes toda a beleza da atividade que escolheram. É importantíssimo que um profissional tenha orgulho de sua atividade, e conhecer a história da engenharia de estruturas – tanto do passado quanto do presente – é um valioso elemento para o desenvolvimento do orgulho e do entusiasmo dos engenheiros civis por sua profissão. 3. POR QUE A HISTÓRIA DA ENGENHARIA DE ESTRUTURAS É TÃO POUCO ENSINADA? Apesar de todas as razões apontadas acima mostrando a importância do ensino de história da engenharia de estruturas, a verdade é que ela vem sendo muito pouco ou nada ministrada nos cursos de engenharia civil, tanto do Brasil como do exterior. Apresentam-se a seguir as principais razões deste fato: 3.1 Aspecto cultural Tradicionalmente, não se vem ensinando história da engenharia de estruturas nos cursos de graduação em engenharia civil, e, como normalmente ocorre nas várias atividades humanas, costuma-se repetir o vem sendo feito há muito tempo. Os professores de engenharia normalmente são engenheiros que se tornaram professores, sem nunca terem tido uma preparação específica em educação. A tendência é então a de transmitirem a seus alunos o que aprenderam com seus professores sem grandes alterações estruturais, normalmente limitando-se a atualizar seus cursos mediante a incorporação das novas tecnologias desenvolvidas. A introdução de história da engenharia nos currículos dos cursos de engenharia, por romper uma tradição, não é então muito fácil de ser aceita. 3.2 Falta de espaço nos cursos de engenharia Com os enormes avanços científicos e tecnológicos recentes, os cursos de engenharia estão sobrecarregados de disciplinas. As poucas disciplinas da área de humanas destes cursos foram pouco a pouco sendo suprimidas para dar espaço a disciplinas técnicas que pudessem apresentar as novidades que foram surgindo. Dentro desta filosofia não há, então, espaço para a introdução de história da engenharia de estruturas nos cursos de engenharia civil (ADDIS, 1992). Os estudos modernos sobre a formação de engenheiros vêm mostrando, entretanto, que cada vez mais se torna importante dar aos profissionais conhecimentos básicos, habilidades e atitudes que conhecimentos específicos, já que estes logo se tornam obsoletos. Dentro desta nova filosofia, vem se recomendando a volta de disciplinas de formação humanística nos cursos de engenharia, abrindo-se assim espaço para a incorporação de história da engenharia de estruturas aos cursos de engenharia civil. 3.3 Falta de preparação dos professores Como geralmente não tiveram história da engenharia de estruturas em seus cursos, os próprios professores de engenharia têm em geral pouca familiaridade com este tema. A preparação para vir a ministrá-lo envolve, então, o dispêndio de muito tempoe dedicação por parte dos professores, por exigir muita leitura de livros e artigos (GRIGGS JR., 1994; PUGSLEY et al., 1974). 4. HISTÓRIA DA ENGENHARIA DE ESTRUTURAS NO CURSO DE GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA CIVIL DA ESCOLA POLITÉCNICA Embora a história da engenharia de estruturas geralmente não faça parte dos currículos dos cursos de engenharia civil, ela vem sendo introduzida nos programas de algumas escolas de engenharia. Na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, algumas experiências de introdução de noções de história da engenharia de estruturas no curso de graduação em engenharia civil vêm sendo realizadas há alguns anos. 4.1 Descrição das experiências Serão relatadas aqui as experiências que vêm sendo realizadas nas disciplinas PEF-2200 “Introdução à mecânica das estruturas” e PEF-2201 “Resistência dos materiais e estática das construções I”, ministradas respectivamente aos alunos do 3o e do 4o semestre do curso de engenharia civil, e que são as duas primeiras disciplinas de estruturas do curso. Na disciplina PEF-2200 “Introdução à mecânica das estruturas”, desde 1997, transparências apresentando estruturas históricas vêm sendo apresentadas aos alunos em cinco momentos (LINDENBERG NETO e ARÉVALO, 1998): • No início do curso, quando são apresentadas fotografias de algumas das principais estruturas erigidas pelo homem desde a pré-história até os dias atuais; • No início dos tópicos “Treliças”, “Pórticos triarticulados”, “Arcos triarticulados” e “Vigas Gerber”, quando são apresentados exemplos de construções históricas importantes em que foram adotados estes sistemas estruturais. A fim de complementar as informações dadas na aula, uma página da internet – endereço: http://www.lmc.ep.usp.br/people/hlinde/estruturas/index.htm – com uma breve história da engenharia de estruturas vem sendo desenvolvida desde 1999 por alunos de iniciação científica. Nesta página, que integra o “site” da disciplina na internet, apresentam-se os detalhes das estruturas vistas nas transparências mostradas nas aulas, e destinam-se aos alunos que queiram conhecê-las de forma mais aprofundada. Finalmente, realiza-se na disciplina PEF-2200 “Introdução à mecânica das estruturas” um projeto de observação de estruturas do quotidiano, que devem ser fotografadas e analisadas pelos próprios alunos. Este é um momento em que os alunos entram em contato com as estruturas que os rodeiam, e muitas das estruturas que escolhem para analisar são estruturas históricas da cidade de São Paulo e do estado de São Paulo. Na disciplina PEF-2201 “Resistência dos materiais e estática das construções I”, realiza- se uma única atividade ligada à história da engenharia de estruturas: quando se faz a dedução das tensões na flexão, faz-se um relato dos três séculos de esforços que, de Leonardo da Vinci a Navier, passando por Galileu, Mariotte, Parent e Coulomb, foram gastos pelo homem para dominar este problema. Nesta aula, faz-se uma leitura do trecho do livro “Duas novas ciências” em que Galileu analisa as tensões normais de uma viga em balanço. Além de permitir uma interessantíssima discussão a respeito do erro feito por Galileu em sua dedução, este texto é um ótimo exemplo de como era fazer ciência em uma época em que não se empregavam fórmulas matemáticas, não se tinha o conceito de tensão e não se dispunha de equipamentos de ensaio adequados. Coincidentemente, esta saga é um dos temas que GRIGGS JR. (1996) sugere que sejam utilizados para introduzir noções de história da engenharia aos alunos dos cursos de engenharia. 4.2 Avaliação das experiências Como era de se esperar, em função da própria natureza das formas pelas quais a história da engenharia de estruturas vem sendo introduzida no curso de graduação, os principais resultados do contato dos alunos com esta matéria vêm se relacionando aos aspectos cultural e motivador. Constata-se que os estudantes ficam maravilhados com as obras que passam a conhecer, passam a valorizar mais a engenharia civil e a ter mais orgulho da profissão que escolheram, ficando, em conseqüência, mais entusiasmados com o curso que vêm fazendo. Um exemplo que ilustra bastante bem o aspecto de orgulho pela profissão é o fato de os formandos do curso de engenharia civil de 2001 terem ilustrado o convite de formatura com fotografias de algumas das obras-primas da história da engenharia civil que conheceram no curso, acompanhadas por textos curtos referentes a essas construções. Ilustrando o papel incentivador da história da engenharia de estruturas, ao organizarem a Semana de recepção aos novos alunos do curso de engenharia civil deste ano, os alunos do Centro de Engenharia Civil solicitaram ao autor deste artigo que, dentro das atividades desta Semana, proferisse uma palestra sobre a história da engenharia de estruturas desde a pré- história até os dias de hoje, dado o seu caráter altamente motivador, nas próprias palavras que empregaram. Um fato que mostra o aspecto cultural da exposição dos alunos à história da engenharia de estruturas vem ocorrendo com alguma freqüência: aqueles que têm tido a oportunidade de viajar, vêm depois contar que visitaram algumas das obras que conheceram nas aulas da disciplina PEF-2200 “Introdução à mecânica das estruturas” e mostrar as fotografias que tiraram das obras – do passado e do presente – que tiveram ocasião de conhecer. Estes fatos, embora simples, denotam que, apesar do pequeno contato que têm com a história da engenharia de estruturas na graduação, os alunos têm sido muito receptivos e bastante sensibilizados por este contato. 5. HISTÓRIA DA ENGENHARIA DE ESTRUTURAS NO CURSO DE PÓS- GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA DE ESTRUTURAS DA ESCOLA POLITÉCNICA 5.1 Descrição da experiência A fim de possibilitar que os engenheiros venham a ter um maior contato com a história da engenharia de estruturas, desde 1995 o autor deste artigo vem ministrando no curso de pós- graduação em engenharia de estruturas a disciplina PEF-5707 “Concepção, projeto e realização das estruturas: aspectos históricos”. Esta disciplina é uma disciplina optativa do curso, podendo ser cursada tanto por alunos inscritos em programas de mestrado como de doutorado. A disciplina é ministrada em 12 aulas de três horas cada uma, ao longo de 12 semanas, com um total de 36 horas de aula. O programa da disciplina é: 1 - Estruturas na Antigüidade. 1.1 - Mesopotâmia e Egito. 1.2 - Grécia. 1.3 - Roma: o concreto; o desenvolvimento dos arcos, abóbadas e cúpulas. 2 - A Idade Média. 2.1 - Construções bizantinas e muçulmanas. 2.2 - Estruturas de madeira medievais. 2.3 - As catedrais góticas. 3 - O Renascimento. 3.1 - As grandes cúpulas do Renascimento: a Catedral de Florença, a Basílica de São Pedro em Roma e a Catedral de São Paulo em Londres. 3.2 - Os primórdios da Resistência dos Materiais. 4 - A Idade da Razão e a Revolução Industrial. 4.1 - O desenvolvimento da Resistência dos Materiais. 4.2 - As primeiras estruturas de ferro. 4.3 - O ressurgimento do concreto. 5 - O Século XIX. 5.1 - As grandes estruturas de ferro. 5.2 - As primeiras estruturas de aço. 5.3 - Os primeiros arranha-céus. 5.4 - Os primórdios do concreto armado. 6 - O Século XX. 6.1 - As pontes. 6.2 - As coberturas. 6.3 - Os arranha-céus. 6.4 - O computador e o projeto das estruturas. A estrutura da disciplina é a seguinte: nove aulas são dedicadas à apresentação do programa acima, duas aulas, à realização de seminários pelos alunos e uma aula, a uma prova escrita. As aulas propriamente ditas têm duas partes: na primeira, faz-se uma discussão conjunta de um ou dois capítulos do livro “Why buildings stand up: the strength of architecture”, de Mario Salvadori (SALVADORI, 1980), que se pede que sejam lidos pelos alunos na semana anteriorà aula; na segunda, os temas da disciplina são apresentados pelo professor em aulas expositivas, muito apoiadas na projeção de grande número de “slides”. A nota de aproveitamento da disciplina é a média aritmética de duas notas parciais: a de um seminário apresentado pelos alunos e a de uma prova escrita sobre a matéria do livro “Why buildings stand up” e as discussões havidas sobre ela e sobre o conteúdo das aulas expositivas. Os temas dos seminários são escolhidos pelos próprios alunos, e sua apresentação tem duas partes: um trabalho escrito entregue ao professor e uma apresentação oral de 15 minutos para os colegas e para o professor, seguida de cinco minutos dedicados a respostas a perguntas. Este formato, semelhante ao utilizado nos congressos técnicos, tem como um dos seus objetivos preparar os alunos para a apresentação de trabalhos em reuniões científicas. Embora a disciplina PEF-5707 “Concepção, projeto e realização das estruturas: aspectos históricos” faça parte do elenco das disciplinas do programa de pós-graduação em engenharia de estruturas, além de alunos pertencentes a este programa, ela também tem sido cursada por engenheiros que desenvolvem programas de pós-graduação em engenharia de construção civil, engenharia mecânica e engenharia naval, além de arquitetos. 5.2 Avaliação da experiência A disciplina PEF-5707 “Concepção, projeto e realização das estruturas: aspectos históricos” vem sempre sendo avaliada pelos alunos que, ao seu término, preenchem um questionário de avaliação preparado por este autor. A fim de se ter uma idéia dos efeitos de longo prazo da disciplina, recentemente foi enviada uma nova ficha de avaliação a todos os alunos que a cursaram desde sua primeira edição e haviam sido localizados. Estas avaliações mostram que os objetivos da disciplina vêm sendo alcançados, e que as razões a favor da introdução de história da engenharia de estruturas nos cursos de engenharia civil discutidas na Seção 2 deste artigo de fato se justificam. Transcrevem-se a seguir trechos de algumas das avaliações feitas por alunos que cursaram a disciplina: “É uma disciplina totalmente diferente das demais, já que não é necessário memorizar equações, realizar grande quantidade de cálculos. O aluno toma conhecimento dos conceitos que eram empregados antigamente, quando o engenheiro ainda não dispunha de ferramentas computacionais, bem como de aspectos culturais de várias civilizações. É uma disciplina de grande valia para a formação de um profissional de Engenharia”; “A disciplina, além de ser rica de informações sobre as mais diversas estruturas ao longo do tempo, alerta-nos sobre a importância do conhecimento básico de conceitos estruturais fundamentais, que sentimos cada vez mais distanciados dos profissionais da era da informática”; “A evolução da engenharia mostrada tão claramente aumentou ainda mais o orgulho para com a engenharia, o orgulho de fazer parte do seleto grupo de pessoas que trabalham para conduzir a evolução, ainda que natural, de forma ordenada e racional”; “A disciplina PEF-5707 possibilitou à minha formação de pós-graduação a oportunidade de conhecer e entender as origens da profissão que resolvi seguir e sem dúvida a disciplina só fez aumentar o valor e a admiração que tenho pela profissão de engenheiro estrutural”. Vários dos antigos alunos da disciplina PEF-5707, hoje trabalhando como professores em diversas escolas de engenharia ou como engenheiros em várias empresas, ressaltaram a importância que a formação adquirida na disciplina vem tendo em suas atividades profissionais. Nessa mesma avaliação, vários antigos alunos sugeriram que a disciplina tivesse sua carga horária aumentada ou então que uma segunda disciplina sobre o tema viesse a ser criada, de forma que os assuntos nela abordados pudessem ser vistos com maior extensão e profundidade. Também houve várias sugestões para que uma disciplina com este teor venha a ser introduzida no curso de graduação em engenharia civil. Como se pode constatar, as avaliações realizadas mostram que a disciplina PEF-5707 vem tendo bastante êxito e que os objetivos de sua introdução no curso de pós-graduação vêm sendo alcançados. 6. CONCLUSÕES As experiências de introdução de história da engenharia de estruturas nos cursos de graduação e de pós-graduação em engenharia civil em andamento na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo vêm sendo muito bem sucedidas e vêm logrando alcançar os objetivos de sua implantação. As avaliações realizadas mostram que a falta de ensino de história da engenharia em geral, e da história da engenharia de estruturas em particular, se constitui em uma grande lacuna na formação dos engenheiros, que, expostos a uma formação eminentemente técnica e exata, ressentem-se da falta de uma formação mais humanística. Agradecimentos O autor gostaria de apresentar seus agradecimentos a todos os alunos que cursaram a disciplina PEF-5707 “Concepção, projeto e realização das estruturas: aspectos históricos” desde que ela foi ministrada pela primeira vez em 1995, pela boa vontade, seriedade e maturidade com que a avaliaram, desta forma dando uma inestimável contribuição para sua análise e seu aprimoramento. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ADDIS, W. Engineering History and the Formation of Design Engineers. International Journal of Engineering Education. Dublin, v. 8, n. 6, p. 408-412, 1992. GRIGGS JR., F.E. On the Shoulders of Giants. Journal of Professional Issues in Engineering Education and Practice. Reston, VA, v. 120, n. 3, p. 254-264, 1994. GRIGGS JR., F.E. On the Shoulders of Giants–Part Three. Journal of Professional Issues in Engineering Education and Practice. Reston, VA, v. 122, n. 2, p. 55-64, 1996. LINDENBERG NETO, H.; ARÉVALO, L.A.T. Using images to teach the beginnings of structural engineering. In: INTERNATIONAL CONFERENCE ON ENGINEERING EDUCATION–ICEE 98, 1998, Rio de Janeiro. Proceedings (em CD-ROM). Rio de Janeiro: Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 1998. PENDRED, L.S.L. The Value of Technological History. Transactions of the Newcomen Society. London, v. IV, p. 1-11, 1923/24. PUGSLEY, A. et al. The relevance of history. The Structural Engineer. London, v. 52, n. 12, p. 441-445, 1974. SALVADORI, M. Why buildings stand up: the strength of architecture. New York, W.W. Norton & Company, 1980. SUTHERLAND, J. The relevance of history. The Structural Engineer. London, v. 61A, n. 10, p. 321-322, 1983. TEACHING HISTORY OF STRUCTURAL ENGINEERING TO CIVIL ENGINEERING STUDENTS Abstract: Although being extremely rich, interesting and motivating, history of structural engineering is seldom taught to civil engineering students. In order to overcome this deficiency in the formation of civil engineers, some experiences of the introduction of history of structural engineering in undergraduate and graduate civil engineering courses are under way at Escola Politécnica da Universidade de São Paulo. In this paper, the reasons for the introduction of history of structural engineering in civil engineering courses are presented and discussed, as well as the reasons why this is not ocurring. The details of some of the experiences of introduction of history of structural engineering in the courses of Escola Politécnica are also presented, and a critical evaluation of these experiences is carried out. Key-words: Engineering education, Teaching of history of engineering, Engineering courses’ curricula, History of structural engineering, Graduate studies in structural engineering