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IED Caso dos Exploradores de Caverna Juiz Foster

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Julgo improcedente a decisão do Caso dos Exploradores de Caverna decorrente da Suprema Corte de Newgarth em que os réus foram condenados pelo homicídio de Roger Whetmore pelo tribunal do Condado de Stowfield. O caso em questão trata de um grupo de exploradores na iminência de morte por inanição por consequência de estarem presos em um caverna em decorrência de um desabamento natural. Através de um contrato pré-estabelecido os quatro acusados sacrificaram a vida de um dos companheiros para se alimentarem. 
Eu, juiz Foster J. acredito que diante de tal singular caso a proposta de Truepenny, presidente do Tribunal, de condenar esses homens é uma solução indigna e impensada pois nossa legislação não conduz obrigatoriamente a esse desfecho. Nossas leis, ao contrário, apontam para a absolvição dos acusados no presente caso, pois condenar esses homens é conduzir a lei para uma solução na qual não se realiza a justiça. Ao meu ver, o que está em juízo no presente caso é a própria lei dessa Commonwealth e não unicamente o julgamento do caso em específico. Argumento e fundamento minha decisão em duas premissas independentes. 
Primeiramente, em nossas situações habituais não costumamos fazer a utilização da máxima cessante ratione legis, cessat et ipsla lex em nosso ordenamento jurídico, mas nesse caso seria viável fazer a utilização. Essa máxima significa que cessando a razão da lei encerra-se a própria lei. Com isso, penso que nosso Direito Positivo não foi capaz de se estender ao contexto em que os réus estavam. Tal situação se identifica com a Lei da Natureza, em que é necessário criar novas leis, pois além da impossibilidade de atuação do Direito Positivo imerge-se com ele sua coercibilidade. No contexto em que se estabeleceu foi então necessária a criação de uma nova lei, visto que a convivência entre os réus se tornou impossível e com isso ocorreu o desaparecimento do sentido de sociedade. Não existindo sociedade, a coercibilidade do Direito não mais se aplica, estruturando-se um Estado Natural. 
Por essa mesma linha de raciocínio, pode-se considerar a situação um estado de necessidade, assim como a legislação brasileira prevê e, por conseguinte, a morte não correspondendo a um crime nas especificidades dos Art. 23 e Art. 24 do Código Penal brasileiro. 
“Art. 23 - Não há crime quando o agente pratica o fato 
I - em estado de necessidade
II - em legítima defesa;
III - em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito. 
Art. 24 - Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou alheio, cujo sacrifício, nas circunstâncias, não era razoável exigir-se.”
Segundo Damásio E. de Jesus, considerado um dos mais respeitados juristas brasileiros, para que se caracterize crime é preciso que o ordenamento reprove o comportamento do sujeito, não bastando apenas a conduta típica. Normalmente, o fato típico coincide com o antijurídico, no entanto, há causas excludentes da ilicitude, as chamadas causas de justificação, como supracitado no Art. 23 do código penal: estado de necessidade, legítima defesa e o estrito cumprimento de dever legal ou exercício regular de direito. 
A doutrina determina como requisitos indispensáveis para que se configure o estado de necessidade:	  
Atualidade do perigo: exige-se que o perigo seja atual ou na iminência de ocorrer. A caracterização de um simples perigo eventual não legitima a aplicação da excludente da ilicitude. Os réus pediram parecer para o médico e o próprio médico da equipe de salvamento admitiu que eram praticamente inexistentes as chances de sobrevivência dos exploradores pelo período mínimo estimado de dez dias para o sucesso das operações de salvamento.	
Inevitabilidade do perigo: o caso deve estar estruturado de tal forma que não admita outra maneira de o sujeito resguardar o bem jurídico sem violar direito alheio. O sacrifício de bem jurídico de terceiro inocente só é admitido pelo ordenamento jurídico como recurso último para que o sujeito proteja direito seu ou de terceiro. A caverna, na qual encontravam-se enclausurados os exploradores, não oferecia qualquer forma de alimento que pudesse ser utilizada ao invés da própria carne humana dos próprios exploradores. Sacrificar um companheiro, para alimentar-se de sua carne, foi o único recurso possível para satisfazer a necessidade vital de alimentação.
O perigo não deve ser voluntariamente provocado pelo sujeito. A morte por inanição não foi provocada pelos exploradores, nenhum deles tinha culpa, já que a caverna subterrânea em que se encontravam presos teve sua saída bloqueada por um desmoronamento natural, logo não podia ser esperado que tivessem provisões para enfrentar tal situação. 	
Razoabilidade da conduta do agente: deve existir um equilíbrio entre os direitos conflitantes, sendo não razoável a exigência do sacrifício do bem juridicamente tutelado do agente. Isso implica a inexigibilidade de sacrifício do bem ameaçado, pois não se pode exigir de ninguém a conduta de sacrificar-se em prol da preservação de bem de outrem, frente a perigo para cuja ocorrência não concorreu. Os bens jurídicos em conflito são a vida de cada um dos exploradores, não sendo razoável exigir que algum deles sacrificasse a vida para resguardar a dos outros. Por isso, a necessidade de uma escolha aleatória advinda de um contrato.
Sendo assim, percebe-se que no caso dos exploradores configurou-se o estado de necessidade e o homicídio praticado não pode ser penalmente sancionado.
Ademais, há uma compreensão de que o limite da jurisdição é territorial, portanto a lei não se aplicaria a uma localidade distante daquela região. No meu entendimento, porém, a abrangência da esfera coercitiva pode ser limitada além de territorialmente, moralmente. Diante disso, os réus mesmo fisicamente próximos, estavam presos sem saída, logo essa situação, resulta para eles uma jurisdição distinta da de nossos tribunais. Repito portanto que a lei que se aplica a eles não é a nossa.
Baseando-se na teoria contratual de Hobbes, tem-se que a situação a qual os exploradores estavam submetidos, num primeiro momento, caracterizava-se como um estado de guerra, onde todos estão contra todos: “o homem é o lobo do homem”. A construção de um novo contrato pelos exploradores, calca-se na visão hobbesiana, em que, através de um novo pacto se assegura a vida em sociedade. Tal como o pacto feito na caverna proporcionou a sobrevivência de quatro dos exploradores.
Podemos encontrar também em Locke, disposições similares com a propositura de Hobbes. Ele estabelecia que o homem necessita do pacto com o governo para assegurar a posse de seus direitos naturais básicos, dado que vive em um estado de natureza e, sendo o homem o lobo do homem, a humanidade prefere a injustiça quando lhe convém. Esta acepção de justiça encontra nos escritos de Hobbes a sua materialização quando a manutenção do contrato é assegurada. Portanto, se a quebra do pacto for instituída não há o justo, mas sim a injustiça. A quebra contratual perpetrada por Whetmore, desta maneira, é a correspondência da injustiça.
O enclausuramento desses homens faz com que eles tenham que criar seu próprio ordenamento natural. Por conta das peculiaridades da situação, o novo sistema de ordem consente o homicídio. O objetivo básico da legalidade, segundo a tradição da filosofia jurídica liberal fundada por Thomas Hobbes, é a sobrevivência de uma sociedade humana que constitui um conjunto de pessoas unidas diante da morte. Com isso há a necessidade da mudança em diretrizes de comportamentos através de um novo contrato social permitindo a morte de um deles para servir de alimento para os demais em prol da coletividade. 
 Desde a antiguidade acredita-se que o governo deve fundamentar-se no contrato. Todavia os céticos afirmavam que essa teoria não possuía fatos históricos ou evidências científicas que comprovassem que algum governo tenha sido estabelecido com base nessateoria. Outra concepção, a dos moralistas, afirma o contrato como a única justificação ética em que os poderes do governo se fundamentam. Tais poderes são moralmente justificados sendo os homens racionais para aceitá-los e reconhecê-los diante da necessidade de se construir um ordenamento capaz de tornar possível a vida em comum. 
Destarte, é possível observar que o valor da vida humana não é visto sempre como absoluto, mas relativizado. Nessa vertente, digo que a morte dos dez trabalhadores que foram designados para expedição de procura dos exploradores, foi em função do benefício da tentativa de resgate. Da mesma forma, a morte de Roger Whetmore foi uma ação que visava o bem maior, a saber, resguardar a vida dos demais. Assim, antes da concretização de uma ação esta deve ser avaliada sob a ótica de seus resultados práticos. Esse principio é utilizado para aceitar o risco consciente de mortes que se corre na construção de empreendimentos como rodovias e túneis, os quais a sociedade aceita, visando resultados que sobrepujam as perdas. 
Meu segundo argumento, vai de encontro a tudo que expus anteriormente. Suponho agora que a nossa legislação possa alcançar essa situação. A ação dos réus viola a letra da lei sem necessariamente violar a própria lei. Esta é uma antiga máxima da sabedoria jurídica. Além da literalidade da lei devemos interpretá-la racionalmente como foi feito no caso Commonwealth v. Staymore. Nesse caso, o demandado foi absolvido por esse Tribunal mesmo tendo infringido a letra da lei que dizia que era proibido estacionar por mais de duas horas em certo local, mas, devido a uma manifestação política que impedia o tráfego de automóveis na via, não poderia retirar seu veículo. Assim como nessa situação, os exploradores devem ser absolvidos, pois infringiram a letra da lei sem tê-la infringido, devido ao contexto em que se encontravam.
De acordo com Beccaria, um dos principais iluministas penais que existiu, defensor da humanidade e da razão, a lei deve ser estabelecida e cumprida, porém, mais que isso, deve se levar em conta o contexto cultural que prevalece. Aqui jaz então uma intrínseca relação entre o contratualismo e o utilitarismo. Há uma fala de Beccaria que diz que “Os homens se reúnem e livremente criam uma sociedade civil e a função das penas impostas pela lei é precisamente assegurar essa sociedade”. Logo, como na caverna a realidade existente não se enquadrava em nenhuma outra já observada, as leis deveriam ser adaptadas.
Finalmente, exponho que se é conhecida a excludente de legítima defesa. A partir dela estabeleceu-se que matar alguém em sua própria defesa é aceitável, mesmo que não seja centrada na própria lei em si, mas sim em seu propósito: conservar a própria vida. A legislação penal objetiva o combate ao crime, visto que é impossível exigir que uma pessoa não tenha reação diante de uma ameaça de morte, independente do que diga a lei, não se pode tornar tal reação crime.
Como afirma Beccaria, no Direito Penal o que deve estar em jogo é o bem-comum com o objetivo de resguardar a coletividade e a utilidade pública. Ele afirma também em “Dos Delitos e das Penas”, que toda lei que não for baseada no princípio de estabelecer dentro da sociedade sentimentos e valores que não podem ser esquecidos, encontrará obstáculos para ser estabelecida.
Assim como foi feita a alegação para a possibilidade de legítima defesa, pelas mesmas alegações de inadequação do texto legal à situação, pode se prever o assassinato de Whetmore no episódio ocorrido. Não para ser infiel ao dispositivo legal, mas para manter com ele uma fidelidade inteligente. 
Tal interpretação excessivamente técnica, não poderia ser verdadeira, uma vez que o Direito não deve se ater a uma definição padrão, por ter caráter universal. Ou seja, há o questionamento quanto sua caracterização, se disciplina, ciência, fenômeno, empreendimento, arte, força, contrato, moral etc. Logo, é um fenômeno universal sem definição, mas justificado e ainda a ser definido. Como demonstra Alexy, na obra Teoria da Argumentação jurídica, “toda decisão jurídica toca nos interesses de pelo menos uma pessoa e a questão, se a limitação aos interesses de uma pessoa é justificada, também pode ser apresentada como uma questão moral”. Ou seja, segundo o autor, a justificação de uma decisão jurídica possui carga axiológica e moral de cada opinião individual, o que não pode ser tomado como uma verdade universal. Logo, reitero que o homicídio naquela situação não pode ser considerado crime.

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