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Condição humana e fenômeno religioso

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A CONDIÇÃO HUMANA E O FENÔMENO RELIGIOSO
Bruno Odélio Birck
1 ORIGEM E UNIVERSALIDADE DO FENÔMENO RELIGIOSO
Fenômeno religioso
a) O que é Fenômeno Religioso?
Fenômeno: A palavra fenômeno é de origem grega e significa: o que se manifesta, o que aparece, aquilo que aparece. Por isso, fenômeno é tudo aquilo que aparece aos nossos sentidos. Tomado o termo nesse sentido, a fé não é fenômeno religioso, pois é uma convicção interna.
Religioso: O religioso é o conteúdo interior da alma humana que está por detrás dos fenômenos. É o “aquilo”, o conteúdo do que aparece. Por detrás da manifestação está um significado religioso (sentimento numinoso) que se expressa de forma simbólica. O sentimento numinoso é o encontro com o sagrado, um estado de alma diante da realidade Totalmente Outra. O sagrado envolve e ao mesmo tempo faz fronteira com o profano, mas é absolutamente diferente, estranho e “retirado” do normal. O caráter religioso dos fenômenos remete ao mundo sagrado, que transcende a realidade familiar e rotineira. É o que na linguagem religiosa denominamos FÉ.
Etimologia: Re-Legere (re-ler): ler de novo ou reunir; Re-Ligare (re-ligar): ligar o homem a Deus; Re-Elegire (re-eleger): tornar a escolher.
b) Fenômeno religioso universal
	A Antropologia Cultural nos atesta o fato da universalidade do fenômeno religioso. Em todos os tempos, lugares e culturas encontramos manifestações religiosas. Dito de forma negativa: nenhum povo de qualquer época que se conheça deixou de ter, em suas expressões culturais, manifestações religiosas. Desde os povos pré-históricos têm-se dados da religiosidade humana: o fato de enterrar os mortos, orientar as sepulturas na direção do sol (leste-oeste), utensílios para a vida póstuma do defunto, pinturas nas cavernas revelam suas convicções religiosas. A passagem da pré-história para a história é marcada pela escrita. Os primeiros escritos são religiosos, como o Kirgamesch, texto escrito mais antigo que se conhece. O poema religioso sumério conta a lenda da árvore da ciência do bem e do mal, que volta a ser utilizada no texto bíblico da criação.
	Outro dado da Antropologia é que o fenômeno religioso é especificamente humano. Homens e animais agem, cada um a seu modo, para garantirem a sua subsistência. Mas no agir humano algo se destaca, ele não se contenta apenas com o que vê e toca; procura relações com o invisível e transcendente. Ludwig Feuerbach (1804-1872), pai do ateísmo moderno, escreve em seu livro A essência do cristianismo: "A religião baseia-se na diferença essencial que existe entre o homem e o animal. Os animais não têm religião" (FEUERBACH, 1988, p. 43).
c) O começo da humanidade, sem religião?
No século XIX constituíram-se grande parte das ciências humanas. Um conceito forte dessa época era o de evolução. Muitos autores aceitaram o pressuposto de que a humanidade nos seus primórdios era destituída totalmente de religião. Charles Darwin (1809 – 1882), evolucionista e antropólogo, empreendeu duas viagens de exploração à Terra do Fogo. A primeira foi de meados de dezembro de 1832 a janeiro de 1833; a segunda foi dos fins de maio a 10 de junho de 1834. Suas observações estavam mais voltadas para a flora e fauna nessa região polar, mas também teve contato com a tribo Yamana. Darwin não observou entre eles nenhuma forma de representação de divindade ou religiosa. De volta à Europa anunciou ter encontrado um povo que absolutamente não tinha religião e que parecia representar a atitude mais espontânea do homem. Isso causou enorme sensação e levou a formulação da hipótese de que a primeira fase na evolução da humanidade seria um estado natural do homem sem religião. 
Depois de algum tempo o testemunho de Darwin passou a ser posto em dúvida, pois estivera na Terra do Fogo por um espaço de tempo muito curto e sequer tinha aprendido a língua dos Yamana. Em 1919 e 1924 os etnólogos Martin Gusinde e Wilhelm Koppers fizeram suas expedições, aprenderam a língua dos Yamana e depois de conquistar sua confiança eles revelaram suas formas de crença. Na realidade eram profundamente religiosas, professando um Deus chamado Watauinewa (o Eterno, Antigo, Imutável). Suas manifestações religiosas eram discretas e, sobretudo, não faziam nenhuma representação de seu Deus para não profaná-lo. Caso semelhante ocorreu em relação à tribo Aruntas na Austrália Central. Assim, no início do séc. XX foram desfeitos os indícios de que algum povo vivesse esse estado natural sem nenhuma religião. Daí se reafirma a convicção da universalidade do fenômeno religioso.
1.2 Hipóteses sobre a origem da religião
Falar da origem é colocar a questão da causalidade, não do seu começo. Assim, o começo não é a causa de um fato. O fenômeno religioso sustenta-se em três pilares: Deus, o indivíduo e a sociedade. Deus, como não ocorre dentre os fenômenos empíricos, não constitui hipótese para a ciência. Tomando como ponto de partida um primeiro estágio da humanidade sem religião, foram desenvolvidas duas formas de explicação evolutivas para o fenômeno religioso, colocando a origem da religião no indivíduo ou na sociedade.
a) Origem da religião no indivíduo: Edward Burnett Tylor (1832-1917), antropólogo inglês, foi o principal mentor do animismo. Para ele, o homem primitivo era destituído de religião. Aos poucos ele foi observando certos fenômenos psicológicos como o sono, a doença, a morte e, sobretudo, os sonhos. Desses fenômenos o homem primitivo vai formando a idéia de alma, imaginando junto ao corpo material um “corpo imaterial”, denominada anima. Essa força que anima a vida, os pensamentos, a vontade deve sobreviver à morte do corpo. Essa crença na sobrevivência da alma originou o culto aos mortos. Mais tarde, segundo Tylor, o homem primitivo começou a considerar também as plantas e animais dotados de alma. Depois passaram a crer que espíritos independentes podem encarnar em diferentes objetos, o que deu origem ao Fetichismo e ao culto à natureza. Seguindo a evolução do culto à natureza para um só deus dos rios, outro das árvores, etc., chagou-se a fase do Politeísmo. O estágio final da evolução religiosa seria o Monoteísmo, tendo atribuído a supremacia a um dos deuses, os demais começaram a empalidecer e desapareceram, permanecendo um único deus.
A explicação de Tylor, por sua simplicidade evolutiva, teve grande influência em seu tempo. O que pode se considerar relevante em sua hipótese é a ligação entre o animismo e o culto aos mortos. Contudo alguns estudos posteriores abalaram suas teses. A primeira dificuldade é quanto ao ponto de partida, o estado natural do homem sem religião, já tratado acima. Estudos mais recentes mostraram a inviabilidade da linha evolutiva (animismo – fetichismo – politeísmo – monoteísmo). Foram encontradas culturas arcaicas que tinha a crença num ser supremo sem ter a ideia de alma. Não é certo que o fetichismo esteja necessariamente ligado ao animismo. Em muitas culturas o culto aos objetos está ligado à magia. Tylor também não observou que muitos povos não apenas crêem em uma alma, mas que o homem tinha várias almas. Até o filósofo Platão fala numa alma espiritual, que tem sua cede no intelecto, e o princípio das paixões é a alma corporal, situada entre o diafragma e umbigo.
Sigmund Freud (1856-1939) foi o primeiro a colocar a hipótese da origem psicológica da religião, mais precisamente o inconsciente. A religião provém de uma neurose universal de culpa. Ele parte do darwinismo e compreende a vida do homem primitivo de maneira quase animal. No clã original um patriarca tinha diversas mulheres e muitos filhos. Os filhos não tinham participação na partilha das mulheres e o pai os castigava severamente quando se rebelavam. Um dia eles se uniram e mataram o pai, partilhando entre si as mulheres. Depois outro filho, o mais forte, volta a imitar o pai e repete-se o crime. Para poderem viver em sociedade decidiram fazer um pacto de respeito ao Totem (parentesco, emblema da família)e à obrigação da exogamia, evitando a luta fratricida. A maioria dos totens eram animais, raramente vegetal (lírio, rosa, alguma planta medicinal), com o qual cada membro da tribo se julgava aparentado. Cada tribo tinha o seu animal de sacrifício (Totem), e ao final do rito os membros do clã comiam a carne do animal. Nesse rito de comunhão Freud baseou sua hipótese de a religião ter surgido como um mecanismo de defesa diante dessa “culpa original” (complexo de Édipo). Comer a carne do totem é incorporar em cada indivíduo a vida do pai. Depois do pai assassinado não era mais possível devolver-lhe a vida e fazer o pai viver em cada um é a forma ilusória de devolver a vida ao pai.
Freud ficara fascinado com a teoria evolucionista de Darwin e o animismo de Tylor. Assim compreendeu a evolução da humanidade nas três fases: a animista, a religiosa e a científica. Na etapa animista o culto consistia em magia. Como a magia não era eficiente, sobretudo sobre a morte, surge a crença nos deuses; é a fase da religião. Essa crença surgiu na forma politeísta até que Moisés o transformou em monoteísmo. Na fase da ciência a humanidade vai aos poucos eliminando essa ilusão infantil, pela psicanálise. O homem curado de sua neurose de culpa (complexo de Édipo), não mais necessitará de religião.
	Karl Gustav Jung (1875-1961), discípulo de Freud, entende o sentimento religioso mais como prospectivo, como esperança, do que regressivo, como volta ilusória ao mundo infantil. As teses de Freud cedo receberam críticas e restrições. O complexo de Édipo comporta de fato a universalidade dos homens, ou é um “mito freudiano”? O sentimento religioso é apenas um regresso ao mundo infantil, como o movimento neurótico? Para Jung, a psique humana, na sua camada mais profunda, é religiosa, crística e teísta. O "Selbst", que é o arquétipo do fenômeno Deus, é o pólo centralizador de toda vida psíquica e habita o mais profundo da realidade humana. Quer dizer, o homem tem dentro de si uma força, um dinamismo que o impele a Deus. Quando o homem recalca essa energia, durante um tempo prolongado, ele se torna neurótico. Se em Freud, a religião provém de uma neurose, em Jung, o recalque da força religiosa é justamente a causa da neurose.
Para Jung, além do inconsciente pessoal existe o inconsciente coletivo. Esse se constitui de formas preexistentes, arquétipos, pois dão uma forma definida aos conteúdos da consciência. O conceito de arquétipo é essencial. É uma expressão já existente na antiguidade e é herdada por cada indivíduo. É uma “imagem primordial”, mais exatamente uma “imagem originária”, porque ela supra-ordena, organiza, dá forma aos acontecimentos reais. Jung, em seu livro Os arquétipos e o inconsciente coletivo, dá o exemplo da designação Theos, que quer dizer Deus da luz, “expressa-se com isso a ideia de que ele é preexistente ao fenômeno ‘luz’ e imagem primordial supra-ordenada de toda espécie de luz”. O arquétipo é uma expressão vazia de conteúdo, é pura forma preenchida com o material da experiência consciente. O desenrolar da vida consciente seria totalmente caótica não fosse organizada por essas “imagens primordiais”. 
b) Origem social da religião: Émile Durkheim (1858-1917) foi o primeiro a teorizar a origem social da religião. Para ele, a religião é um produto da sociedade e não de inspiração divina ou de ordem psicológica. No seu livro As regras do método sociológico, afirma que o devoto encontra as crenças e práticas religiosas já prontas; se existem antes dele é porque existem fora dele. É uma maneira de pensar e agir que marcadamente mostram uma propriedade de existir fora das consciências individuais. A sociedade é o “grande pai”, que impõe a sua vontade a seus “filhos”, iludidos sem o saber. Isso leva os indivíduos a se sentirem impregnados de um poder que os transcende e do qual não conseguem se libertar. O indivíduo tem um profundo sentimento de dependência da sociedade. O homem projeta para o além, num deus, o sentimento de dependência da sociedade. Assim, a sociedade é para os indivíduos o que Deus é para os fiéis.
Para Durkheim, a sociedade primitiva, na sua origem, não tinha religião. A realidade do poder transcendente, onipresente, benfazeja da sociedade foi imposta ao homem primeiramente sob a forma de um símbolo chamado Totem. O Totem é essa força impessoal e anônima que reúne os parentes numa mesma tribo, por ser superior e estar imanente em cada membro. Essa imposição da sociedade ao indivíduo ou propriamente o culto à sociedade, levou o homem arreligioso, em fases evolutivas, ao fetichismo → totemismo → idolatria → monoteísmo.
Rudolf Otto (1869-1937), teólogo e filósofo, entende que a essência da religião está num sentimento: o sentimento de dependência do Absoluto. Este sentimento não tem sua origem no inconsciente humano nem na sociedade; é fruto da experiência do sagrado. A religião é o encontro do homem com o sagrado - o numinoso - uma característica exclusivamente religiosa. O numinoso é um estado de alma; é a experiência mística do mistério. No dizer de Tersteegen “Deus está presente, Tudo em nós se cale E, devotos, nos prostremos” (OTTO, 2007, p. 49). É o estado emocional de Mistério Tremendo e Fascinante quando o homem se defronta com o Totalmente Outro. Na experiência religiosa o indivíduo se depara com uma realidade “totalmente outra”; uma não-realidade que contrasta com tudo de familiar que conheço. O mistério causa estranheza, absoluta surpresa, pasmo estarrecido. Como expressa o hino: “Tu és! Nem os ouvidos nem a luz dos olhos conseguem alcançar-te. [...]. Teu mistério está oculto: quem poderá sondá-lo” (OTTO, 2007, p. 66). Esse sentir-se arrebatado por uma realidade totalmente outra evoca dois outros sentimentos: o tremendo e o fascinante. O mistério provoca um sentimento de repulsa, torna-se algo tremendo, até mesmo um temor demoníaco. Mas simultaneamente surge um sentimento de fascínio, que atrai irresistivelmente. O elemento de repulsa e de atração se retro-alimentam; quanto mais terrível, mais fascinante. Esse misto de sentimentos na experiência religiosa leva o indivíduo a se sentir totalmente envolvido, dependente do Absoluto. O homem religioso não foge diante do mistério totalmente estranho, mas se sente absolutamente atraído.
1.3 O começo da religião
	O começo da religião coincide com a origem da cultura. As pesquisas arqueológicas nos permitem falar de práticas religiosas a partir da emergência do homo sapiens (130.000 a 200.000 anos atrás). É possível descrever a religião pré-histórica pelo culto aos mortos, pelas técnicas e artes. Na era do paleolítico já havia um sistema religioso desenvolvido com muitos mitos e rituais. S. Mithen, em seu livro A pré-história da mente (1998), relaciona o surgimento da religião a emergência da fluidez cognitiva. A mente humana tornou-se capaz de associar imagens e ideias e interpretar o mundo; o homem constrói o seu mundo, a cultura. A cultura humana teve seu início a partir de um salto qualitativo da mente primitiva, adquirindo complexidade tal que permitiu operar por analogia. Quer dizer, o homem pré-histórico tornou-se capaz de estabelecer relações por semelhança e não apenas pela imitação do igual. Foi a passagem da inteligência concreta para a inteligência abstrata. A inteligência concreta fica presa ao “aqui e agora”, não domina o tempo. Com a inteligência abstrata a mente humana se abre para o mundo simbólico, ultrapassando os limites do presente. A relação do homem com o mundo é mediada pelo símbolo. A linguagem humana passa a ser o lugar onde é reconstruído e reorganizado o mundo real na consciência histórica.
A cultura é o conjunto de símbolos elaborados por um povo. Pela palavra somos capazes de nos situar no tempo. Pelo discursar do pensamento trazemos o passado para o presente e antecipamos o futuro. O homem, na fase da inteligência concreta, vivia sempre no presente. É a fase da linguagem em forma de ícones (relação pelo igual - imagem/coisa) e índices (relação causa/efeito – relâmpago/chuva). Pelo poder do símboloa mente humana evoluiu para a inteligência abstrata. O símbolo é universal, convencional, versátil e flexível, representamos as coisas com ideias e isso nos permite ir para além de cada momento. Pela linguagem simbólica reconstruímos a vida real em nossa mente, mas misturamos coisas nossas ao real que vemos. Isso acontece em cada frase. Por exemplo, de onde tiramos os verbos. Na consciência são narrados o “eu” e o “mundo”. Somente com o símbolo se pode falar em “mundo”, ou seja, todas as coisas e acontecimentos organizados numa visão de conjunto. 
A forma dos antigos significarem o mundo era eminentemente pelo sagrado. A realidade do cosmos se divide entre sagrado e profano. Para viver no mundo é preciso demarcar seus limites, tanto no espaço como no tempo. O sagrado é uma espécie de “envoltório” de totalidade do mundo; é o diferente e o separado, mas como a fronteira que demarca os limites do espaço e do tempo. O espaço da terra (profano) é finito e tem seus limites definidos pelo céu (sagrado), que está acima da abóbada celeste. O sagrado é um espaço infinito e inacessível ao homem. Também o tempo profano, que tem início e fim, é demarcado pelo tempo sagrado, que está antes e depois do tempo. Aí aparece a capacidade da mente humana em ultrapassar-se, em transgredir o momento vivido. As narrativas míticas se desenvolvem nesse tempo verbal – “Era uma vez...” – antes ou depois do tempo histórico. Os mitos narram um começo antes do tempo para explicar como o mundo entrou no tempo. A religião acompanhava as atividades cotidianas – a caça, a pesca, a colheita – sobretudo as situações-limite, particularmente a morte. Nas sepulturas estão muitos indicativos de ritos funerais que expressam a busca de um significado para a morte e da crença no pós-morte. Assim podemos ver que o sagrado funciona como um “centro organizador” do “mundo” da cultura. 
	Esse retorno ao homo sapiens nos faz compreender a religião como uma espécie de “metáfora da vida real”, que permite dar um sentido à vida entre o nascer e o morrer, pois não pedimos para nascer e o limite da morte também se impõe à existência. Os elementos simbólicos da religião permitem construir um mundo de significados, um horizonte de sentido, dentro do qual a vida material e social está organizada. Essa hipótese de que a religião surgiu com a cultura, pela capacidade de o homem poder produzir representações simbólicas e abstratas, é teoricamente muito plausível. Só com o salto qualitativo da mente humana para a fluidez cognitiva o homem teve as condições para produzir essas representações simbólicas. Novamente os dados arqueológicos recolocam o mistério na questão da origem da religião. O homem de Neanderthal, anterior ao homo sapiens, já enterrava seus mortos com claros indícios de ritos funerais, deixando alimentos aos mortos e manchando os ossos com ocre vermelho. Nas palavras de Rubem Alves (1990), a história parece zombar das previsões científicas sobre as religiões e permanece o enigma do fenômeno religioso universal.
2 RELAÇÃO ENTRE CULTURA E RELIGIÃO
	Durkheim, em seu livro As formas elementares da vida religiosa (1989), afirma que as organizações religiosas são a forma mais primitiva de organização da sociedade; cultura, ordem social e religiosa formam um único conjunto orgânico. Produzir a sobrevivência, manter a unidade do grupo e a dimensão simbólica formavam uma sincronia. Nas sociedades arcaicas a ação de domínio sobre a natureza tinha uma dimensão sagrada. Assim, a técnica e as grandes representações simbólicas do cosmos formam uma mesma ação de controle sobre a natureza. Basta lembrar que na sepultura eram colocados os utensílios, as ferramentas dos antepassados falecidos. 
As organizações religiosas administram e preservam um bem simbólico, ou seja, um sistema de significados na forma de mitos, ritos, normas e papeis. Aí está sua força de unidade, pois sem esse bem simbólico as experiências religiosas rapidamente desapareceriam. Esse poder de coesão do sagrado também penetrou profundamente as instituições culturais e sociais. Em sentido inverso, podemos verificar que as instituições culturais se tornaram as estruturas concretas para a organização das experiências religiosas. Uma experiência religiosa não sobreviveria apenas no plano subjetivo e abstrato. A prática religiosa, embora remeta a um mundo sagrado, está intimamente ligada à vida humana. As organizações religiosas têm uma inter-relação vital com o organismo social. Toda religião se expressa num ambiente cultural. Os significados religiosos podem ultrapassar a cultura, mas suas práticas necessariamente passam por ela. Vejamos alguns exemplos na história dessa dialética de mútua influência entre cultura e religião; entre sociedade e religião.
2.1 Cultos familiares
	Entre as culturas primitivas, os povos caçadores e pastores organizavam suas representações religiosas a partir do céu. A caça era feita de dia; o amanhecer e o anoitecer têm um significado especial, daí o culto ao Sol. Os povos agrícolas organizavam suas crenças, tendo como referência a terra. O cultivo da terra leva a personificação das forças da natureza em espíritos e divindades. Os ciclos da natureza estão fortemente ligados a rituais. A marcação do tempo, organizada em calendários, tinham uma função sagrada. De um lado, o ritmo da vida no dia a dia (cultura) é demarcado pelo sagrado. De outro lado, as atividades regulares e naturais da família, como comer, acasalar, brincar, trabalhar, vão ser os momentos, as ocasiões para a expressão cultual. Os cultos são realizados na regularidade das atividades familiares.
	Também sob o ponto de vista sociológico os cultos familiares exerciam um forte papel de integração da família, assim como a vida familiar vai ser a forma de expressão do sagrado, o culto familiar exerce o poder de coesão familiar. As cerimônias religiosas no interior da família normalmente assumem a forma de oração. O pai ou a mãe as presidem. Na família egípcia a vida familial centrava-se em torno da dona-de-casa, pois a mãe é a “regente doméstica”, “o foco da casa”. O pai, na família grega, era o guardião natural e representante da família diante dos homens e diante dos deuses. A sociedade familiar constitui sua unidade pela observância religiosa comum. Na cabana familiar as pessoas nascem, casam-se e morrem.
	A casa, a moradia do homem, difere do ninho dos animais, não só por sua complexidade e sofisticação, mas por sua origem como um santuário. Por exemplo, os romanos começaram a construir casas devido ao culto do fogo sagrado, pois os deuses moravam junto com o fogo. As paredes serviam de proteção ao fogo santo. Só mais adiante começaram a habitar as casas e utilizar o fogo para aquecer e cozinhar. Também os gregos diziam que o fogo havia ensinado os homens a construir seu domicílio. No reverso desse movimento dialético, vemos igualmente a enorme influência da arquitetura na manifestação religiosa. Podemos ver isso com exemplos presentes na atualidade: as pirâmides, os templos, as basílicas, as mesquitas...
2.2 Tribos e nações
	No mundo antigo houve grande variedade nos tipos de família. As famílias aumentaram suas fronteiras de identidade para uma sociedade de parentesco (gens ou sibs – clãs). A unidade entre um certo número de sibs forma uma fratria ou tribo. Em torno da autoridade religiosa do patriarca (pai da tribo) se forma a unidade da tribo. Basta lembrar a importância fundamental de Abraão na origem das tribos de Israel. As sociedades antigas evoluíram para a forma de nação. Já os patriarcas tinham um poder quase ilimitado. Nas nações, o rei passa a exercer essa centralidade. Ele é o chefe civil e religioso do povo. O poder do rei vem diretamente de Deus e em muitos casos o próprio rei encarna a divindade. Aqui podemos perceber com muita nitidez que, à medida que aumenta o número de membros e a complexidade social, aumenta o poder religioso de quem representa a unidade sociológica: patriarca, rei, rei-deus.
	Nessa fase as relações em sociedade se tornaram maiscomplexas, reunir diversas tribos num povo só. Na mesma medida a experiência religiosa se organiza e se racionaliza. É o momento histórico do surgimento das religiões, como administradoras de um bem simbólico. O exemplo mais claro de concepção de uma ordem religiosa encontramos na Mesopotâmia no quarto milênio antes de Cristo. Desenvolveram a ideia de um mundo transcendente habitado por uma “comunidade” de seres superiores. Os deuses formam uma comunidade, estão organizados na dependência uns dos outros sob o poder de um, que está acima de todos. Esse jeito de entender o mundo do sagrado se espelhava na forma como deveriam se relacionar as diversas tribos que habitavam simultaneamente essas terras inóspitas. A sobrevivência no vale entre os rios Tigre e Eufrates (Mesopotâmia: terra entre os rios) era difícil pelas condições naturais e pelo grande número de tribos que migravam por essa região. Começaram a desenvolver a agricultura, para isso, necessitavam de empreendimentos de interesse comum, a construção de diques e canais de irrigação. Essa necessidade levou as tribos a congregarem-se à autoridade de um chefe comum, é o início da formação dos Estados. Assim como ocorre no mundo dos deuses, cada chefe de tribo se submetia ao poder de um único chefe. Por sua vez, o mundo dos deuses vai se especializando por funções e hierarquia de competências respectivamente às encontradas na vida social.
	Esse panteão de deuses, em muitos casos, foi representado por animais. Por serem símbolos sagrados foi o motivo de muitos povos domesticarem os animais. O elefante na Índia, antes de ser animal doméstico, era animal sagrado. No Egito os gatos foram domesticados por constituírem objeto de culto. Existem milhares de gatos mumificados. Os romanos chegaram a um grau ainda mais abstrato, tinham uma deusa, Pali, para os animais domésticos. 
2.3 Sociedade moderna - a secularização
	Na sociedade moderna a relação entre cultura, sociedade e religião se dá numa dialética inversa, pela negação da centralidade religiosa (teocentrismo). Se a Idade média foi o esforço de sacralização da cultura, a modernidade vai ser o empreendimento inverso. Se o modelo da arte medieval era de “vestir o santo”; a arte renascentista será de “despir o santo”. Maquiavel ensina em seu livro O príncipe (1513), que a política é a arte de ascender ao poder e nele permanecer. Essa arte é exercida a partir das capacidades humanas e o poder não mais é visto como uma emanação do poder divino. Galileu (1564-1642) mostra que é possível fazer ciência partindo da observação e dos recursos da razão humana. A secularização é um processo de dessacralização da cultura: ao invés de Deus, o homem; a razão substituirá a fé; a ciência tomará o lugar da religião. É uma afirmação do novo pela negação do anterior, como podemos ver na fórmula iluminista trevas/luz. Nesse período da história a relação entre sagrado e cultura é por oposição; pela negação dialética (negação/preservação) da posição anterior surge a afirmação nova. Não é uma negação que elimina o anterior, por isso, preserva os qualificativos anteriores na nova afirmação. O homem (humanidade) assume os qualificativos divinos; a terra será o lugar do paraíso, do progresso definitivo. De forma metafórica pode-se dizer, que é a tentativa puxar o céu para a terra.
O ateísmo do século XIX foi a forma mais radical do iluminismo, que confia na razão humana como única fonte da verdade; prega que é possível viver sem Deus e sem religião. Tornou-se convicção comum entre intelectuais que a religião é expressão da ignorância de espíritos fracos e está fadada a desaparecer com o avanço da ciência. Augusto Comte (1798-1857) em seu livro Sistema da filosofia, positiva (1830-1842) propôs a lei dos três estados da humanidade: primeiro, o estado teológico ou fictício (explicação pelos deuses); segundo, o estado metafísico ou abstrato (explicação com conceitos metafísicos); o terceiro, a partir de 1842, o estado científico ou positivo (explicação pela ciência positiva). Esse último estágio representaria a perfeição da cultura. Comte fundou uma religião, uma religião do homem, onde os vivos são cada vez mais governados pelos mortos. Em 1852 publica o Catecismo positivista, ou sumaria exposição da Religião Universal. O lema da religião positivista é: “O Amor por princípio e a Ordem por base; o Progresso por fim”. O progresso seria a realização do paraíso na terra, mediado pelo amor e a ordem científica. Pode existir religião, onde “o homem é deus para o homem”, no dizer de Feuerbach. É preciso negar a Deus para afirmar o homem, ou afirmar os qualificativos divinos no homem. O próprio Marx, herdeiro do ateísmo de Feuerbach, nos Manuscritos econômico-filosóficos de 1844 (1989, p. 126) chega à conclusão que esse ateísmo não mais faz sentido: “pois ele é uma negação de Deus e procura afirmar, por essa negação, a existência do homem”. No próprio ateísmo surge a desconfiança de que o humanismo não passa necessariamente pela negação de Deus.
2.4 Sociedade contemporânea - retorno ao sagrado
	Até o final do século XIX reinou esse credo iluminista de que a ciência, apoiada na luz da razão humana, iria resolver todos os problemas da humanidade. Esse credo pode ser resumido em duas palavras: Ordem e Progresso. As duas guerras mundiais na primeira metade do século XX sepultaram essa ideologia positivista da ciência. Na primeira guerra foram usados gases venenosos, como grande inovação militar. O uso de armas químicas não foi festejado como um progresso da humanidade, mas rendeu o título de “guerra suja”. Na segunda guerra Hitler nutriu o sonho da “grande bomba”, com poder de destruição em massa. Os Estados Unidos se valeram da tecnologia atômica e lançaram duas bombas no Japão. Sob a sombra dos “cogumelos” das bombas adormeceu o sonho de que a ciência positiva seja a solução para todos os problemas da humanidade. O pós-guerra levou a humanidade a uma grande crise cultural. Qual o destino da humanidade? O absurdo? A religião, a ciência, a economia, a política, qual delas poderá dar um sentido à vida e a cultura? Na realidade está começando a se delinear uma cultura pluralista. Não há mais uma centralidade como fora o Teocentrismo medieval ou o Antropocentrismo moderno. Nesse contexto plural, Deus está de volta e de forma paradoxal. Acreditava-se que a ciência, a tecnologia, o mercado, etc. destruiriam a religião ou tomariam o seu lugar; agora se vê essas forças da cultura combinarem-se justamente com a religião. Esse retorno ao sagrado não é um retorno puro e simples às religiões tradicionais, mas a busca da experiência do mistério, do extraordinário, do elemento não-racional nas tradições religiosas e na própria cultura.
Nos anos setenta, do século XX, já está claramente delineado um forte retorno ao religioso. É um retorno ao mistério, às forças ocultas do sagrado; uma espécie de “aventura do sagrado”. Os novos movimentos religiosos se multiplicam em proporções geométricas. Nos anos noventa se dizia que na Baixada Fluminense surgia uma igreja pentecostal por dia. Talvez não fosse bem assim, mas não muito diferente. São, na maioria, grupos religiosos extremamente dogmáticos e em alguns casos fundamentalistas. Basta lembrar o episódio de Jim Jones, fundador da igreja Templo do Povo, que levou 909 pessoas ao suicídio na selva Guiana em 1978. Essa nova religiosidade busca um modelo de vida e de sociedade às avessas aos modelos bem organizados de sociedade e da racionalidade moderna. Talvez seja uma busca pelo lado místico e misterioso da própria sociedade moderna em contrapartida à sua ordem racional.
	A íntima relação entre religião e mercado é o exemplo mais nítido, em nossos dias, da combinação de forças entre cultura e sagrado. O mercado, especialmente o financeiro, adquiriu feições humanas. Ele é extremamente sensível, reage com imediatez; ele fica nervoso. Ele também adquiriu feições divinas: ele é exaltado, louvado, temido. Ele tem o poder de erguer ou de destruir com extrema rapidez. Por sua vez, a religiãose parece como um grande mercado que oferta bens salvíficos. A fé no poder de Deus é a forma de acesso às graças que trazem a prosperidade completa. As ofertas são, quase sempre, proporcionais às procuras dos fieis. É a famosa “lei do mercado” agindo no campo religioso.
3 ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DA RELIGIÃO 
3.1 Sagrado e profano
	O ser religioso do homem tem uma história que se confunde com a própria história humana. Veremos aqui as estruturas humanas de acolhimento da experiência do Transcendente e que, por isso, se constituem nos pilares, na espinha dorsal das religiões até hoje. A experiência do humano e a experiência do Transcendente sempre se reconheceram mutuamente no que são totalmente diferentes, como se fossem trilhos sempre próximos, mas que nunca se tocam. Com a categoria sagrado/profano Mircea Eliade (1907-1986) definiu a estrutura essencial da religião. Sagrado e profano se opõem e, ao mesmo tempo, se pressupõem. Esse dinamismo do familiar, do rotineiro (profano), que se choca com algo Totalmente outro (sagrado) é o núcleo da experiência religiosa e o “centro organizador” da vida no mundo. O profano é a vida cotidiana, aí onde se dá propriamente o acontecer da vida. O sagrado aparece como o diferente, o estranho, o “retirado” do normal, mas que serve como orientação, como reorganização do tempo real. O caótico repetir-se do dia a dia, não permite ao homem uma orientação para o seu viver. O profano é vivido num tempo monótono, marcado por rotinas e necessidades materiais. A festa é justamente a quebra da rotina. Somente quebrando o ritmo do dia a dia, como que saindo dele, é que se pode dar um significado, um sentido para a vida. O acesso à fronteira do sagrado é fugido, é escasso. Por isso, o tempo da festa é curto, mas ele é exemplar, um modelo, que serve para organizar e dar sentido ao tempo longo do dia a dia. O homem religioso não é o que vive exclusivamente no sagrado, mas que consegue harmonizar profano e sagrado, visível e invisível, culto e oculto.
	Ortega y Gasset nos dá uma compreensão dessa dinâmica sagrado/profano em linguagem filosófica: “temos ideais e vivemos nas crenças. [...] Nelas ‘vivemos, nos movemos e somos’. Por isso não temos consciência explícita delas, não as pensamos, mas elas atuam de forma latente, como implicações de tudo o que fazemos externamente ou pensamos. Quando cremos verdadeiramente em alguma coisa, não temos ‘ideia’ dela, mas sim ‘contamos’ com ela”. (ORTEGA, 1961, p. 387-388). O visível oculta o invisível, porque estamos no meio dele. Quando estamos na floresta vemos árvores e não a floresta, mas contamos com a certeza de que estarmos no meio dela. Para Ortega, a última dimensão do invisível é a experiência do transcendente. É a força misteriosa que cria vida e dá sentido a todo existente. O sagrado é uma espécie de coração social, sentimento coletivo, inconsciente coletivo, que anima os desafios do humano na medida em que transcende o material, o tédio do rotineiro. Transcender não é negar ou eliminar o real, mas a capacidade tomar distância do espaço/tempo para contemplá-lo e o preencher de sentido.
	O sagrado é na história do homem uma espécie de “centro organizador”. As religiões primitivas tinham a natureza como totalidade sagrada e os rituais permitiam ao homem a relação imediata com ela para manter as suas funções e eficácia. Os astecas, por exemplo, faziam os rituais de renovação cósmica. As religiões transcendentais (grande Oriente) ultrapassam a natureza em direção a uma Totalidade primordial perdida. Na natureza encontram-se os espíritos encarnados numa realidade material fragmentada, profana. As atividades rituais e de ascese visam recuperar essa harmonia primordial perdida. As religiões históricas, de origem semita, têm a história como sagrado. O Criador cria a ordem material boa e nela coloca o homem. A Páscoa judaica rompe com os ritos de retorno ao passado do paraíso perdido, pois Deus inaugura uma história de salvação para o futuro, a realização do paraíso. Deus entra na história, para os cristãos, em Jesus Cristo o sagrado se encarna no profano. O sagrado tradicional, que vimos acima, tem um “centro organizador” exterior (Natureza, Totalidade primordial, Criador). Na sociedade moderna esse “sagrado exterior”, como realidade superior que dá sentido à natureza e à cultura, foi se enfraquecendo. Há um progressivo deslocamento da força integradora das instituições religiosas, políticas e sociais para um “sagrado interior”. O homem passou a ser o centro de um novo sagrado. O “eu individual” é o centro que organiza o seu redor nas “novas espiritualidades”. O “Eu” se tornou o novo centro sacralizado. Assim, a consciência, a liberdade, o poder de escolha se tornaram sagrados intocáveis. Inaugura-se um tempo do “sagrado interior”, lugar das experiências místicas e de mistério. 
3.2 Dimensão do mistério
	O sentimento do mistério é o coração da experiência do sagrado. O mistério religioso se constitui numa das mais poderosas forças de motivação humanas. É o que mantém a existência de uma religião ao longo de sua história; é seu animus. Uma religião sem mistérios não sobrevive. De outro lado, uma religião que enfatiza demasiadamente o mistério com rapidez se transforma em fanatismo ou fundamentalismo, pois o mistério é uma força arrebatadora e desconcertante. Esses estados emocionais são o sentimento religioso mais originário, é o aflorar do arquétipo religioso no seu estado de pura força.
	Para Rudolf Otto (1869-1937), o mistério em termos religiosos, é o sentimento de absoluta surpresa diante do que é Totalmente Outro. Diante do sagrado o ser humano se depara com algo que extrapola toda e qualquer categoria familiar. Não é apenas o desconhecido, mas o que não se deixa conhecer, que não cabe em nenhuma categoria humana. Nada se compara à realidade do sagrado. A origem da palavra, do latim sacer (sagrado), indica precisamente isso, o que está separado do mundo profano comum. O mistério é um estado de alma, um sentimento que provoca reações opostas: tremendo (elemento repulsivo) e fascinante (elemento atrativo). A vida do homem profano não comporta essas polaridades opostas. Mas na experiência espiritual do sagrado há essa “estranha harmonia de contrastes” entre caos/ordem, transgressão/respeito, morte/vida. Exemplo disso é o texto enigmático do livro bíblico do Deuteronômio: “Eu, sou eu, e fora de mim não há outro Deus! Sou eu que mato e faço viver, sou eu que firo e torno a curar [...]” (Dt 32,39).
	Entre gregos e romanos surgiu com força a religião dos mistérios, pois eram cultos secretos, porque proibidos. A experiência mais impressionante foi o culto a Dionisos-Baco, o deus do vinho, da fartura e da alegria exuberante. 
Em Roma o culto a Baco passou por três fases e ilustra bem o mistério como o animus que mantém historicamente um culto religioso. 
1ª Fase proibida: O culto era celebrado nos bosques, fora da cidade de Roma, consistia em êxtases coletivos, provocando delírios e desmaios. Dizia-se: que nos bosques praticavam a homofagia (comer carne crua) e a antropofagia (comer carne humana). Sabe-se: que faziam sacrifícios humanos, especialmente de crianças, pois foram encontrados grande número de esqueletos humanos nos locais de culto. O culto era proibido e aí estava sua força de atração, por ser secreto e misterioso. No ano 197 a.C. foram presas 7 mil fiéis a Baco, especialmente mulheres da classe alta romana, o que mostra a força que tinha o culto nessa fase.
2ª Fase tolerada: Como a proibição causava o efeito inverso, o culto passou a ser tolerado. Esse período é marcado pela festa do mês das flores. O povo reunia-se fora da cidade, após vários dias de festejos, entravam em cortejo na cidade, levando a imagem de Dionisos-Baco. Essa festa comemorava a abertura oficial dos barris de vinho.
3ª Fase oficial: Como a festa do mês das flores atraia muitos turistas, o culto foi oficializado. Quando o culto é oficializado entra em decadência e desaparece, pois, perdera a sua força, o mistério.
3.3Lugar Sagrado
	Para que o homem possa fazer do mundo sua casa, é preciso demarcá-lo. Para viver no mundo é necessário estabelecer os pontos cardeais para se situar e se guiar. O limite do horizonte profano é o sagrado. Mas esse é o sagrado distante, fora do alcance humano. A experiência religiosa faz irromper o sagrado em meio ao profano, o que Mircea Eliade chamou de hierofania. Assim surge a idéia de lugar sagrado. O lugar sagrado é um lugar reservado para os deuses no mundo dos homens. É um lugar privilegiado, é o centro do mundo, o “umbigo” do mundo. Desde esse centro o homem se orienta pelos pontos cardeais. Contudo, o lugar sagrado não se mistura com o profano. A porta é uma simbólica forte, é limite entre os dois “mundos”. No mundo antigo esse limite era absolutamente intransponível a uma pessoa comum.
	Os lugares sagrados passaram por uma evolução ao longo da história:
1ª Altar: O altar é o lugar sagrado mais antigo, remonta aos tempos pré-históricos. Inicialmente era uma espécie de mesa de pedra ao ar livre. Era o lugar para fazer as oferendas e os sacrifícios aos deuses. As pessoas sequer podiam tocar o altar, o que o profanaria.
2ª Templo: Originalmente os templos foram pequenos abrigos de proteção aos altares. Só os sacerdotes podiam entrar no templo. Mais tarde os templos foram aumentados, com espaço profano, para abrigar as pessoas.
3ª Santuário: O santuário era um pequeno anexo atrás do altar, que era a casa do deus supremo. Passou a ser o lugar mais sagrado. Só os sacerdotes especiais aí podiam entrar. Eles faziam adivinhações, curas e orientações para a vida. 
3.4 Sacrifício, um tempo sagrado
	Sacrifício é aqui entendido como uma forma de rito. Rito indica ação, movimento, em termos religiosos, demarca o tempo sagrado, que se distancia do ritmo rotineiro do dia a dia. Nem todos os rituais são sacrificiais, mas se tornou o ritual modelar. A idéia de sacrifício vem dos sumérios e egípcios e quer dizer: tornar sagrado pela imolação sobre o altar. A morte real ou simbólica por imolação afasta, distancia a vítima do mundo cotidiano. Um ser que sai do mundo profano, torna-se sagrado, e só assim será uma oferenda agradável aos deuses (Deus). Portanto, é o ritual, cujo centro é a imolação. Eram seguidos cinco passos:
1º Lavar as mãos - significava um ato de purificação de quem vem do profano e se aproxima do sagrado;
2º Chamar os deuses - era o momento de invocar os deuses por cânticos, danças e orações;
3º Imolação do animal - Primeiro, o animal era morto e recolhido todo o sangue; segundo, o animal era partido em duas metades: uma ficava de alimento para os sacerdotes e a outra metade era queimado sobre o altar. O ato de queimar sobre o altar é, mais propriamente, a imolação. Essa metade era destinada aos deuses depois de ser tornada sagrada.
4º Aspersão - As pessoas que assistiam o sacrifício eram aspergidas com o sangue do animal. Para os antigos a vida estava no sangue. Assim, era o ato de entrar em comunhão de vida com os deuses.
5º Despedida - o rito de despedida era levar flores ou ramos verdes para casa. Esse era um sinal de vida nova de quem se aproximou do sagrado e volta para o ritmo normal da vida.
REFERÊNCIAS
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