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Introdução ao Direito Administrativo

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UFBA - DIREITO ADMINISTRATIVO
Prof. Durval Carneiro Neto
INTRODUÇÃO AO DIREITO ADMINISTRATIVO
Sumário: 1) A evolução do Estado e o contexto histórico do surgimento do Direito Administrativo. 1.1) O Estado de Polícia. 1.2) O Estado de Direito. 2) Objeto e taxinomia do Direito Administrativo. 3) Administração Pública nos sentidos subjetivo e objetivo. 4) As mutações do Direito Administrativo e a amplitude da atividade administrativa. 4.1) A fase do liberalismo clássico (O “Estado-Mínimo”). 4.2) A fase do estatismo (A “Administração Burocrática”. 4.3) A fase da democracia (A “Administração Gerencial”. 5) Fontes do Direito Administrativo. 6) O regime jurídico administrativo (regras e princípios administrativos). 6.1) Sentido e classificação dos “princípios” nas ciências. 6.2) A função dos princípios na ciência jurídica. 6.2.1) A evolução da principiologia jurídica. 6.2.2) A “normatividade principialista” e o “Bloco da Legalidade”. 6.2.3) Distinção clássica entre normas-regra e normas-princípio. 6.2.4) Críticas aos critérios de distinção. 6.2.5) Proposta conceitual de Humberto Ávila. 6.3) Classificação dos princípios jurídicos. 6.3.1) quanto à amplitude: fundamentais, gerais e setoriais. 6.3.2) quanto ao reconhecimento no direito positivo: explícitos e implícitos. 6.4) Princípios da administração pública. 6.4.1) Supremacia e indisponibilidade do interesse público. 6.4.2) Críticas ao dogma da supremacia do interesse público. 6.4.3) A doutrina dos interesses primários e secundários (Renato Alessi). 6.4.4) Princípios expressos no art.37 da CF/88: princípio da legalidade; princípio da impessoalidade; princípio da moralidade administrativa; princípio da publicidade; princípio da eficiência. 6.4.5) Outros princípios reconhecidos: princípio da presunção de legitimidade e veracidade; princípio da hierarquia; princípio da especialidade; princípio do controle ou tutela; princípio da autotutela; princípio da continuidade do serviço público; princípios da razoabilidade e da proporcionalidade; princípio da motivação; princípio da segurança jurídica; princípio da proteção à confiança e boa-fé objetiva; princípio do controle judicial dos atos administrativos; princípio da obrigatoriedade do desempenho da atividade administrativa; princípio da responsabilidade do Estado.
1) A EVOLUÇÃO DO ESTADO E O CONTEXTO HISTÓRICO DO SURGIMENTO DO DIREITO ADMINISTRATIVO
Onde há a Sociedade, aí estará o Direito, já diziam os romanos (Ubi Societas Ibi Jus). De fato, qualquer grupo social, por mais rudimentar que tenha sido, sempre pressupôs a existência de normas de convivência, sem as quais os homens não poderiam delimitar o alcance da grande variedade de interesses frente às limitações materiais da vida. 
“O ser humano encontra-se em estado convivencial e pela própria convivência é levado a interagir; assim sendo, acha-se sob influência de outros homens e está sempre influenciando outros. E como toda interação produz perturbação nos indivíduos em comunicação recíproca, que pode ser maior ou menor, para que a sociedade possa se conservar é mister delimitar a atividade das pessoas que a compõe mediante normas jurídicas. (...) Somente as normas de direito podem assegurar as condições de equilíbrio imanentes à própria coexistência dos seres humanos, possibilitando a todos e a cada um o pleno desenvolvimento das suas virtualidades e a consecução e gozo de suas necessidades sociais, ao regular a possibilidade objetiva das ações humanas”.�
 
Já o Estado, como produto da convivência humana, nem sempre existiu na realidade social, sendo, portanto, uma criação posterior ao Direito. Tempos remotos houve em que, apesar de existirem normas que de certa forma regiam a convivência entre os homens na sociedade, estes não se submetiam a qualquer fator de autoridade organicamente instituída, isto é, ainda não se concebiam as figuras dos governantes e dos governados. Nestas sociedades primitivas, como disse Hans Kelsen, predominava o princípio da autodefesa.
“Nas ordens jurídicas primitivas a reação da sanção à situação de fato que constitui o ilícito está completamente descentralizada. É deixada aos indivíduos cujos interesses foram lesados pelo ato ilícito. Estes têm poder para determinar, num caso concreto, a verificação do tipo legal do ilícito fixado por via geral pela ordem jurídica e para executar a sanção pela mesma determinada. Domina o princípio da autodefesa”.�
Tal ausência do poder organizado fazia com que o homem vivesse no chamado “estado da natureza”, onde ele usava a própria força para garantir os seus direitos, gerando, por outro lado, insegurança social e predominando a chamada “lei do mais forte”. Passou-se então a ver que se fazia necessário a criação de um ente político com força dominante e soberana sobre a sociedade, um “mal necessário” como chegaram a afirmar alguns: o ideal era que o homem pudesse viver sem se submeter a uma força superior, o que, todavia, não se mostrou possível.
“A ameaça contínua de conflitos internos e fragilidade dos meios de proteção levaram comunidades à insegurança. Essa situação de fraqueza e impotência para defender seus direitos levou os homens no estado da natureza a idealizarem e a criarem um ente superior aos grupos, visando à segurança e ao resguardo das pessoas e respectivas propriedades. A esse ente transferiu-se parte do poder de cada membro, para que ele se organizasse de modo a proteger a todos e garantir-lhes a propriedade”.� 
Caminhou-se assim para uma centralização da ordem jurídica na figura do Estado, cuja atuação deveria se dar através de órgãos e agentes, de acordo com o que Kelsen chamou de princípio da divisão do trabalho, restringindo ao máximo o princípio da autodefesa:
“Com o decorrer da evolução, esta reação da sanção ao fato ilícito é centralizada em grau cada vez maior, na medida em que tanto a verificação do fato ilícito como a execução da sanção são reservadas a órgãos que funcionam segundo o princípio da divisão do trabalho: aos tribunais e às autoridades executivas. O princípio da autodefesa é limitado o mais possível. Mas não pode ser completamente excluído. Mesmo no Estado moderno, no qual a centralização da reação coercitiva contra o fato ilícito atinge o grau máximo, subsiste um mínimo de autodefesa. É o caso da legítima defesa”.� 
Concebeu-se então a idéia de Estado, em seu conceito clássico de nação politicamente organizada, composto basicamente de três elementos (povo, território e soberania), como produto das necessidades sociais. Uma organização instrumental imprescindível para a convivência humana.
“Desta forma, o Estado, cujos elementos essenciais são a população, o território e o poder, define-se como uma ordem jurídica relativamente centralizada, limitada no seu domínio espacial e temporal de vigência, soberana ou imediata relativamente ao Direito Internacional e que é, globalmente ou de um modo geral, eficaz”.�
Desde o seu surgimento, a concepção de Estado vem passando por constantes transformações ao longo do tempo e no espaço, de acordo as forças políticas e os fatores reais de poder predominantes em cada época e lugar, sobretudo, conforme a finalidade a que se propõe.
“Alexandre Groppali acrescenta mais um elemento componente do Estado, que é a finalidade. Ela seria o objetivo para o qual o Estado orientaria a consecução das suas atividades. A estrutura estatal não seria um fim em si mesmo, uma entidade acima dos valores fundamentais da pessoa humana, mas teria natureza instrumental, através da qual o Estado atenderia aos interesses da coletividade. Para o mencionado autor, toda estrutura estatal existe para cumprir um determinado objetivo, que é fixado de acordo com as circunstâncias histórico-político-sociais”.� 
Nessa variada tipologia de formas históricas de Estados, Jorge Miranda cita o Estado Oriental, o Estado Grego, o Estado Romano, o Estado Medieval e o Estado Moderno.�
Conforme veremos no próximo tópico, os fatos históricos que levaram ao surgimentodo Direito Administrativo são relativamente recentes, tendo ocorrido na segunda fase do Estado Moderno, no final do século XVIII.
1.1) O ESTADO DE POLÍCIA
O Estado Moderno se inicia na época do Renascimento europeu, após a segunda metade do século XV.
“Os tempos modernos trouxeram a perda do prestígio de que a Igreja desfrutava na Idade Média e, em conseqüência, geraram a concentração do poder nas mãos do príncipe. É dessa época o surgimento das monarquias absolutas como única solução possível para conduzir à unidade do Estado perdida no período feudal. A primeira etapa do Estado moderno é conhecida como Estado de Polícia, em que a forma de Governo adotada é a monarquia absoluta. A segunda etapa corresponde ao surgimento do Estado de Direito”.�
Na primeira fase do Estado Moderno, após o Renascimento e até meados do século XVIII, cultivou-se a idéia do Estado-Polícia (também chamado de Estado-providência ou Estado-fim), em que predominavam os regimes absolutistas, não havendo espaço para as liberdades individuais. Nesta época, a figura do Estado estava voltada basicamente às questões de segurança e garantia da ordem pública. Não existiam normas que limitassem o agir do Estado perante os indivíduos, conforme foi retratado na clássica obra “O Príncipe” de Maquiavel e simplificado na célebre frase de Luís XIV (O Rei Sol): “O Estado sou eu” (l’Etat c’est moi).
No Estado de Polícia, o detentor do poder estatal vale-se de um “direito ilimitado para administrar; não se reconhecem direitos do indivíduo frente ao soberano; o particular é um objeto do poder estatal, não um sujeito que se relaciona com ele”.� Na monarquia absolutista, vista por Bossuet, “Deus estabelece os reis como seus ministros e reina através deles sobre os povos... Os príncipes agem, portanto, como ministros de Deus”. Nesse contexto da teoria divina, predominava a ideologia de que o rei não poderia fazer mal (na expressão francesa, “le roine ne peut mal faire”), ou seja, de que o rei não comete erros (entre os ingleses, dizia-se “the king can not wrong”). 
Numa síntese de como se dava o exercício do poder político no regime absolutista, assinala Carlos Ari Sundfeld:
“a) O Estado, sendo o criador da ordem jurídica (isto é, sendo incumbido de fazer as normas), não se submetia a ela, dirigida apenas aos súditos. O Poder Público pairava sobre a ordem jurídica.
 b) O soberano, e, portanto, o Estado, era indemandável pelo indivíduo, não podendo este questionar, ante um tribunal, a validade ou não dos atos daquele. Parecia ilógico que o Estado julgasse a si mesmo ou que, sendo soberano, fosse submetido a algum controle externo.
 c) O Estado era irresponsável juridicamente: le roi ne peut mal faire, the king can do no wrong. Destarte, impossível seria exigir ressarcimento por algum dano causado por autoridade pública.
 d) O Estado exercia, em relação aos indivíduos, um poder de polícia. Daí referirem-se os autores, para identificar o Estado da época, ao Estado-Polícia, que impunha, de modo ilimitado, quaisquer obrigações ou restrições às atividades dos particulares. Em conseqüência, inexistiam direitos individuais contra o Estado (o indivíduo não podia exigir do Estado o respeito às normas regulando o exercício do poder político), mas apenas direitos dos indivíduos nas suas recíprocas relações (o indivíduo podia exigir do outro indivíduo a observância das normas reguladoras de suas relações recíprocas).
 e) Dentro do Estado, todos os poderes estavam centralizados nas mãos do soberano, a quem cabia editar as leis, julgar os conflitos e administrar os negócios públicos. Os funcionários só exerciam poder por delegação do soberano, que jamais o alienava”.�
Ainda no final desta primeira fase do Estado Moderno, as forças políticas aos poucos vieram pregando um maior controle do poder estatal. Foi nesse momento que na Alemanha desenvolveu-se a teoria do Fisco, que pugnava por uma espécie de bifurcação da personalidade do Estado de Polícia, conforme explica Maria Sylvia Zanella Di Pietro:
“Para combater esse poder absoluto do príncipe, elaborou-se, em especial por doutrinadores alemães, a teoria do fisco, em consonância com a qual o patrimônio público não pertence ao príncipe nem ao Estado, mas ao fisco, que teria personalidade jurídica de direito privado, diversa da personalidade do Estado, associação política, pessoa jurídica de direito público, com poderes de mando, de império. O primeiro submetia-se ao direito privado e, em conseqüência, aos tribunais; o segundo regia-se por normas editadas pelo príncipe, fora da apreciação dos tribunais. Com isso, muitas das relações jurídicas em que a Administração era parte passaram a ser regidas pelo direito civil e a submeter-se a tribunais independentes, sem qualquer vinculação ao príncipe. Esses tribunais passaram a reconhecer, em favor do indivíduo, a titularidade de direitos adquiridos contra o fisco, todos eles fundamentados no direito privado. Mas o Estado, pessoa jurídica, enquanto poder público, continuava sem limitações estabelecidas pela lei e indemandável judicialmente pelos súditos na defesa de seus direitos. A bifurcação da personalidade do Estado apenas abrandou o sistema então vigente, mas não o extinguiu. (...) correspondeu a uma bifurcação de regimes jurídicos: de um lado, o jus politiae (direito de polícia), que partindo da idéia de poder sobre a vida religiosa e espiritual do povo, concentrou em mãos do príncipe poderes de interferir na vida privada dos cidadãos, sob o pretexto de alcançar a segurança e o bem-estar coletivos; de outro lado, o direito civil, que regia as relações do Fisco com os súditos e que ficavam fora do alcance do príncipe, gerando direitos subjetivos que podiam ser assegurados por meio de controle judicial. Esse sistema teve o mérito de submeter uma parte da atividade do Estado à lei e aos Tribunais”.�
Sobre essa noção alemã de “Fisco” (Fiskus), escreve Jean Rivero:
“Nos direitos administrativos alemães do Século XIX, ainda próximos, no início do Estado de Polícia – Polizeistaat – no qual a soberania do Estado excluía sua personificação jurídica, o Fisco, noção transposta do Direito Romano do Baixo-Império, era de algum modo a Caixa do Estado, o Tesouro Público, o Erário, personificado. Sob os traços do Fisco, o Estado tornava-se pessoa, no que dizia respeito às relações financeiras (aqui compreendidas as nascidas do imposto) com os sujeitos, sendo tais relações consideradas como de direito privado. Assim, tornavam-se possíveis um contencioso e uma proteção jurídica dos indivíduos, que teriam sido, sem tal desvio, inconcebíveis, nas relações do súdito e do soberano. Esta noção, em declínio desde o fim do século XIX, desapareceu nos dias de hoje, mas mesmo no período de maior florescimento, seu ar de difusão permaneceu estritamente limitado aos países diretamente germânicos”.�
Também na França se desenvolveu doutrina parecida, denominada teoria dos atos de gestão, como tais considerados os atos praticados pelo Estado na gestão dos negócios administrativos (Estado administração, com personalidade jurídica), distinguindo-os dos chamados atos de império praticados pelo Monarca no exercício da sua soberania (Estado potestade pública, desprovido de personalidade). Nessa visão, somente os atos de gestão eram passíveis de controle jurídico e proteção aos indivíduos por eles atingidos, daí se reconhecer personalidade jurídica ao Estado. Já os atos de império, ficavam fora do regramento jurídico.
“Na época se afirmava que, ao praticar atos de gestão, o Estado teria atuação equivalente a dos particulares em relação aos seus empregados ou prepostos; como para os particulares vigorava a regra da responsabilidade, nesse plano o Estado também seria responsabilizado, desde que houvesse culpa do agente. Ao editar atos de império, estreitamente vinculados à soberania, o Estado estaria isento de responsabilidade”.�
Mas, tal como aconteceu com a teoria do Fisco, se no primeiro momento a teoria dos atos de gestão teveo mérito de abrandar a irresponsabilidade que até então caracterizava os atos do Estado absolutista, propiciando algum controle judicial, posteriormente ela veio perdendo prestígio, na medida em que se constatou “ser muito difícil, se não impossível, distinguir os atos de império dos atos de gestão do Estado. Frequentemente, esses atos se mesclavam; às vezes, um mesmo ato apresentava aspectos de gestão e de império, tornando, na prática, tormentosa a sua diferenciação”.� 
De qualquer modo, já estavam lançadas as sementes para “a idéia de submissão da Administração Pública à lei, como garantia das liberdades do cidadão”�, que veio a caracterizar o chamado Estado de Direito.
1.2) O ESTADO DE DIREITO
Mais adiante, no final do século XVIII, teve lugar a segunda fase do Estado Moderno, sobretudo com a Revolução Francesa, quando ocorre o enfraquecimento do Estado absolutista e o advento do Estado liberal e constitucional, buscando-se garantir os Direitos do Homem e do Cidadão. Além do Estado Francês de 1789, destacam-se ainda as revoluções liberais ocorridas no Estado da Virgínia (1776) e nos Estados Unidos da América (1787).
 
Inicia-se, nesse contexto, a construção de uma concepção que veio depois a ser denominada Estado de Direito (ou Estado-meio), num primeiro momento caracterizado pelo individualismo liberal, passando-se a considerar o Estado como um instrumento para a satisfação dos interesses individuais e exigindo-se dele o respeito aos direitos naturais e inalienáveis do homem. Tal liberalismo clássico reduziu ao mínimo as tarefas do Estado e elevou ao máximo a liberdade individual, seja no campo jurídico, seja no campo econômico (a famosa teoria liberal do “laissez faire, laissez passer”). 
Em suma, enquanto o Estado absolutista colocava-se acima dos direitos individuais, a partir da Revolução passou-se a instituir limitações ao agir do Estado, abrindo-se espaço para o desenvolvimento do movimento constitucionalista e para o surgimento das primeiras normas regulando a atuação do Estado, advindas inicialmente dos julgados do Conselho de Estado Francês. 
“A transformação do Estado absolutista em Estado de Direito verificou-se, como visto antes, com a implantação da teoria da divisão de poderes do Estado: Legislativo, Executivo e Judiciário, desenvolvida por Montesquieu. A França foi um dos primeiros países a adotar a tripartição de poderes, antecedida pelos Estados Unidos da América do Norte. Hoje, a tripartição é adotada na maioria dos Estados modernos. Visto apenas pelo prisma positivista, o Estado de Direito é aquele que se submete às leis por ele próprio criadas, voltadas para a promoção do interesse social. É salutar ter em cognição que as leis devem ser justas e democráticas, de modo a traduzir os verdadeiros e reais interesses da sociedade. As leis, divorciadas desses valores, são injustas e contrariam a idéia de Estado de Direito. Assim, pode-se considerar Estado de Direito aquele que prima pela democracia, zela pela moralidade pública e administrativa, promove a Justiça, a segurança pública e o bem-estar coletivo e, ainda, se submete às leis por ele criadas”.�
Essa transição do Estado-Polícia para o Estado de Direito é também comentada por Carlos Ari Sundfeld:
“Perceba como as normas sobre o exercício do poder se ampliam. Até então, todas as épocas anteriores, destinavam-se a impor – praticamente sem limites e sem controles – a obediência das pessoas às determinações do poder político. Agora, cuidarão ainda de fazer prevalecer o poder político sobre os indivíduos (que pagarão impostos ao Estado, submeter-se-ão ao seu julgamento, obedecerão às leis por ele produzidas); mas também – e sobretudo – de organizar o Estado para limitar e controlar seu poder (os cidadãos escolhem em eleições os parlamentares, o Parlamento faz normas para regular a cobrança de impostos pelo Executivo, um Tribunal pode anular a lei feita pelo Parlamento, o indivíduo pode mover uma ação judicial para se furtar da cobrança ilegal de impostos) (...). Cunha-se, a partir de então, o conceito de Estado de Direito, isto é, de um Estado que realiza suas atividades debaixo da ordem jurídica, contrapondo-se ao superado Estado-Polícia, onde o poder político era exercido sem limitações jurídicas, apenas se valendo de normas jurídicas para se impor aos cidadãos”.�
Pela primeira vez na história, foram sistematizados critérios jurídicos para dirimir os conflitos entre administrados e a Administração Pública, dando origem a doutrinas clássicas que procuravam apontar a dicotomia existente entre o Direito público e o Direito privado�.
Somente aí surgiu o Direito Administrativo como ramo do Direito Público, cujo principal personagem é o Estado de Direito.
 
Conforme aponta a doutrina, “na Época Moderna, os autores costumam indicar o dia 28, Pluvioso do Ano VIII (1800), em que a Revolução Francesa editou sua primeira lei reguladora da pública administração, como ‘data de nascimento’ do Direito Administrativo”.�
“Muito corrente entre os autores franceses, italianos e pátrios a menção à lei do 28 pluvioso do ano VIII (1800) como ato de nascimento do direito administrativo, a qual pela primeira vez deu à administração francesa uma organização juridicamente garantida e exteriormente obrigatória. Denominada por Debbasch de constituição administrativa napoleônica, esta lei de 1800 contém, em síntese, preceitos sobre organização administrativa e sobre solução de litígios contra a Administração”.�
“O novo (Estado), que se sucedeu à Revolução Francesa, pode ser sintetizado nos seguintes pontos: a) formação de conjunto sistemático de preceitos obrigatórios para autoridades administrativas de todos os níveis, muitos dos quais limitativos de poder; b) reconhecimento de direitos de particulares ante a Administração, com previsão de remédios jurisdicionais; c) quanto à ciência, elaboração doutrinária abrangente de todos os aspectos legais da atividade administrativa; d) elaboração jurisprudencial vinculativa para a Administração e norteadora da construção de novos institutos jurídicos”.�
Cretella Júnior aponta que “o famoso caso Blanco, fato ocorrido em 1873, na cidade francesa de Bordeaux, quando a menina Agnès Blanco foi atropelada por trem público, assinala o momento culminante da autonomia do direito administrativo, expressa no notável voto do conselheiro David, do Tribunal de Conflitos de Paris que, usando método próprio para julgar, deixou de lado o Código Civil e colocou o feito em termos de direito público, derrogatórios e exorbitantes do direito comum”.� 
2) OBJETO E TAXINOMIA DO DIREITO ADMINISTRATIVO
Conforme visto, o surgimento do Direito Administrativo esteve estritamente relacionado à queda do absolutismo, sobretudo após a Revolução Francesa.
Até então, como assinala Hely Lopes Meirelles, “o absolutismo reinante e o enfeixamento de todos os poderes governamentais nas mãos do Soberano não permitiam o desenvolvimento de quaisquer teorias que visassem a reconhecer direitos aos súditos, em oposição às ordens do Príncipe”.�
Com o ideal do liberalismo, propagado inicialmente na Revolução Francesa de 1789, propiciou-se a ascensão de uma política inspirada no pensamento de Aristóteles e que havia sido sistematizada pelo Barão de Montesquieu, em 1748, na clássica obra “O Espírito das Leis” (“L’Esprit des Lois”), preconizando a separação dos poderes, isto é, a tripartição das funções do Estado em executivas, legislativas e judiciais.
O cerne da obra de Montesquieu está na assertiva de que somente o poder teria a força para deter o poder. Com isso, impediu-se a concentração de poderes nas mãos de uma só pessoa, de forma que se pudessem garantir as liberdades individuais contra os abusos dos governantes.
Seguindo o critério formal, reconheceu-se que o Estado deveria desempenhar três funções distintas e independentes: legislativa, jurisdicional e administrativa.
Celso Antônio Bandeira de Mello aponta que a função legislativa “é a função que o Estado, e somenteele, exerce por via de normas gerais, normalmente abstratas, que inovam inicialmente na ordem jurídica, isto é, que se fundam direta e imediatamente na Constituição”.�
A função jurisdicional, por sua vez, “é a função que o Estado, e somente ele, exerce por via de decisões que resolvem controvérsias, com força de ‘coisa julgada’, atributo este que corresponde à decisão proferida em última instância pelo Judiciário e que é predicado desfrutado por qualquer sentença ou acórdão contra o qual não tenha havido recurso tempestivo”.� Por meio da função jurisdicional se aplica a lei aos casos concretos. 
Por fim, ainda segundo o citado autor, a função administrativa “é a função que o Estado, ou quem lhe faça às vezes, exerce na intimidade de uma estrutura e regime hierárquicos e que no sistema constitucional brasileiro se caracteriza pelo fato de ser desempenhada mediante comportamentos infralegais ou, excepcionalmente, infraconstitucionais vinculados, submissos todos a controle de legalidade pelo Poder Judiciário”.�
“Na prática, a função administrativa tem sido considerada de caráter residual, sendo, pois, aquela que não representa a formulação da regra legal nem a composição de lides in concreto. Mais tecnicamente pode dizer-se que função administrativa é aquela exercida pelo Estado ou por seus delegados, subjacente à ordem constitucional e legal, sob regime de direito público, com vistas a alcançar os fins colimados pela ordem jurídica. Enquanto o ponto central da função legislativa consiste na criação do direito novo (ius novum) e o da função jurisdicional descansa na composição de litígios, na função administrativa o grande alvo é, de fato, a gestão dos interesses coletivos na sua mais variada dimensão, conseqüência das numerosas tarefas a que se deve propor o Estado moderno. Exatamente pela ilimitada projeção de seus misteres é que alguns autores têm distinguido governo e administração, função administrativa e função política, caracterizando-se esta por não ter subordinação jurídica direta, ao contrário daquela, sempre sujeita a regras jurídicas superiores”.�
Pois bem, o objeto do Direito Administrativo é justamente essa função administrativa, seja ela exercida pelo próprio Estado, seja exercida até mesmo por particulares.
Exercendo a função administrativa, o Estado promove a gestão dos bens, interesses e serviços públicos, os quais constituem um patrimônio da coletividade. Diógenes Gasparini ressalta que a natureza da atividade ou função administrativa é a de um “munus público” e o seu fim é sempre o interesse público ou o bem da coletividade.�
A função administrativa é, em regra, exercida pelo Poder Executivo. Todavia, os Poderes Legislativo e Judiciário também a exercem, ainda que atipicamente, porquanto, apesar de serem órgãos que desempenham respectivamente as funções legislativa e judiciária, também têm, em seu bojo, setores administrativos.
Portanto, a atividade administrativa é predominante no Poder Executivo; mas não é exclusiva deste Poder.
Aliás, a recíproca é verdadeira, pois há casos o Poder Executivo exerce atividades típicas da função legislativa (ex: edição de medidas provisórias em caso de relevância e urgência – CF/88, art.62).
Da mesma forma, em alguns casos o Poder Legislativo exerce atividades típicas da função judiciária (ex: julgamento de impeachment do Presidente da República – CF/88, art.52, I; Comissões Parlamentares de Inquérito – CF/88, art.58, §3º) e o Poder Judiciário exerce atividades típicas da função legislativa (ex: elaboração dos Regimentos Internos dos Tribunais – CF/88, art.96, I, a).
O importante é salientar que a qualificação da função (legislativa, judiciária e executiva) não está relacionada com o Poder que a exerce (Legislativo, Judiciário e Executivo), mas sim com a natureza do ato praticado. 
Sobre o tema escreve José dos Santos Carvalho Filho:
“A cada um dos Poderes de Estado foi atribuída determinada função. Assim, ao Poder Legislativo foi cometida a função normativa (ou legislativa); ao Executivo, a função administrativa; e, ao Judiciário, a função jurisdicional. Entretanto, não há exclusividade no exercício das funções pelos Poderes. Há, sim, preponderância. As linhas definidoras das funções exercidas pelos Poderes têm caráter político e figuram na Constituição. Aliás, é nesse sentido que se há de entender a independência e a harmonia entre eles: se, de um lado, possuem sua própria estrutura, não se subordinando a qualquer outro, devem objetivar, ainda, os fins colimados pela Constituição. Por essa razão é que os Poderes estatais, embora tenham suas funções normais (funções típicas), desempenham também funções que materialmente deveriam pertencer a Poder diverso (funções atípicas), sempre, é óbvio, que a Constituição o autorize”.�
Compreendida o que vem a ser a função ou atividade administrativa, convém agora apontá-la como o objeto do Direito Administrativo, identificando a sua taxinomia�.
Consoante explica Alexandre Mazza, taxinomia (ou taxionomia) “é a natureza jurídica de determinado instituto do direito. Indicar a natureza jurídica consiste em apontar a qual grande categoria do direito o instituto pertence. Quando se trata de um ramo do direito, a indagação sobre sua natureza jurídica resume-se em classificá-lo como ramo do Direito Público ou do Direito Privado”. Conclui assim não haver dúvida de que “o Direito Administrativo é ramo do Direito Público na medida em que seus princípios e normas regulam o exercício de atividades estatais, especialmente a função administrativa”.�
No conceito dado por Celso Antônio Bandeira de Mello: “O Direito Administrativo é o ramo do Direito Público que disciplina o exercício da função administrativa, assim como os órgãos que a desempenham”.
Neste mesmo sentido, vejamos as definições atribuídas ao Direito Administrativo por outros doutrinadores:
“O Direito Administrativo pode ser definido como o ramo do Direito Público que concentra os princípios e normas jurídicas regentes dos órgãos, agentes e pessoas jurídicas administrativas que integram a Administração Pública, em todos os seus níveis – União, Estados, Distrito Federal e Municípios -, bem como regente das atividades públicas direcionadas a realizar os fins almejados pelo Estado” (Alexandre de Moraes).
“Conjunto de princípios jurídicos que disciplinam a organização e a atividade do Poder Executivo, inclusive dos órgãos descentralizados, bem como as atividades tipicamente administrativas exercidas pelos outros Poderes” (Carlos S. de Barros).
“Disciplina Jurídica reguladora da atividade do Estado, exceto no que se refere aos atos legislativos e jurisdicionais, à instituição de órgãos essenciais à estrutura do regime e à forma necessária da atividade destes órgãos” (Tito Prates da Fonseca). 
“Ordenamento jurídico da atividade do Estado-poder, enquanto tal, ou de quem faça as suas vezes, de criação de utilidade pública, de maneira direta e imediata” (Oswaldo Aranha Bandeira de Mello). 
“O ramo do Direito Público Interno que regula a atividade das pessoas jurídicas públicas e a instituição de meios e órgãos relativos à ação dessas pessoas” (José Cretella Júnior).
“Conjunto harmônico de princípios jurídicos que regem os órgãos, os agentes e as atividades públicas tendentes a realizar concreta, direta e imediatamente os fins desejados pelo Estado” (Hely Lopes Meirelles).
“Ramo do Direito Público que estuda o conjunto de princípios, de conceitos, de técnicas e de normas que regem as atividades jurídicas do Estado como gestor de interesses públicos, cujo efetivo atendimento lhe é cometido pela ordem jurídica para a segurança e em benefício dos administrados” (Diogo de Figueiredo Moreira Neto)
 
“O ramo do direito público que tem por objeto os órgãos, agentes e pessoas jurídicas administrativas que integram a Administração Publica, a atividade jurídica não contenciosa que exerce e os bens de que se utiliza para a consecução de seus fins, de natureza pública” (MariaSylvia Zanella Di Pietro).
“O Direito Administrativo é o conjunto de normas jurídicas pertencentes ao Direito Público, tendo por finalidade disciplinar e harmonizar as relações das entidades e órgãos públicos entre si, e desses com os agentes públicos e com os administrados, prestadores de serviços públicos ou fornecedores do Estado, na realização da atividade estatal de prestar o bem-social, excluídas as atividades legislativa e judiciária” (Edmur Ferreira de Faria).
Em síntese, portanto, o Direito Administrativo é o ramo do Direito Público que surgiu para regulamentar a atividade administrativa do Estado, pautando a conduta da Administração Pública e dos administrados, com vistas aos interesses públicos.
Compreendido o objeto do Direito Administrativo, duas advertências precisam ser feitas.
Primeiro, urge compreender que, por ser uma ciência jurídica, o Direito Administrativo ocupa-se do estudo das normas que regem a atuação da Administração e a conseqüente significação jurídica dada a fatos e a atos praticados por ela ou pelos cidadãos na condição de administrados. Não é função do Direito Administrativo lidar com questões relacionadas a métodos ou técnicas de gestão pública. Isso é papel da Ciência da Administração, que não é uma disciplina jurídica.
De fato, “em que pese a proximidade entre os dois ramos do conhecimento, é importante não confundir Direito Administrativo com a Ciência da Administração. Esta consiste no estudo das técnicas e estratégias para melhor planejar, organizar, dirigir e controlar a gestão governamental. O certo é que o Direito Administrativo define os limites dentro dos quais a gestão pública (Ciência da Administração) pode ser validamente realizada”.� Em suma, o Direito Administrativo é ramo jurídico, que estuda princípios e regras do Direito e fixa limites para a gestão pública. A Ciência da Administração não é ramo jurídico, mas tão-somente uma ciência social que estuda técnicas de gestão pública. Essas técnicas, objeto da Ciência da Administração, devem obedecer às normas jurídicas que são objeto do Direito Administrativo.
Como segunda advertência, convém ressaltar ainda que, mesmo no estudo das normas e fatos jurídico-administrativos, nem todas as atividades relacionadas à função administrativa estão didaticamente inseridas no campo do Direito Administrativo. Algumas atividades específicas, apesar de afetas à função administrativa, passaram a compor, pela sua importância e peculiaridades, ramos autônomos do Direito. São exemplos as atividades enfocadas pelo Direito Tributário, pelo Direito Previdenciário, pelo Direito Urbanístico, dentre outros ramos da ciência jurídica.
3) ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NOS SENTIDOS OBJETIVO E SUBJETIVO
A doutrina costuma apontar o conceito de Administração Pública em sentido subjetivo e em sentido objetivo, devendo o estudante ter atenção para saber distinguir quando o emprego da expressão se dá num ou noutro sentido.
Segundo Alexandre de Moraes, “a Administração Pública pode ser definida objetivamente como a atividade concreta e imediata que o Estado desenvolve para a consecução dos interesses coletivos, e subjetivamente como o conjunto de órgãos e de pessoas jurídicas aos quais a lei atribui o exercício da função administrativa do Estado”.�
Na mesma linha, Maria Sylvia Zanella Di Pietro leciona que “basicamente, são dois os sentidos em que se utiliza mais comumente a expressão Administração Pública: a) em sentido subjetivo, formal ou orgânico, ela designa os entes que exercem a atividade administrativa; compreende pessoas jurídicas, órgãos e agentes públicos incumbidos de exercer uma das funções em que se triparte a atividade estatal: a função administrativa; b) em sentido objetivo, material ou funcional, ela designa a natureza da atividade exercida pelos referidos entes; nesse sentido, a Administração Pública é a própria função administrativa que incumbe, predominantemente, ao Poder Executivo”.�
Para alguns autores, em seu sentido subjetivo a expressão deve ser grafada com as iniciais maiúsculas (“Administração Pública”), enquanto no sentido objetivo se emprega as iniciais minúsculas (“administração pública”). Assim pensa José dos Santos Carvalho Filho:
“O sentido objetivo, pois, da expressão – que aqui deve ser grafada com iniciais minúsculas – deve consistir na própria atividade administrativa exercida pelo Estado por seus órgãos e agentes, caracterizando, enfim, a função administrativa. (...) A expressão pode também significar o conjunto de agentes, órgãos e pessoas jurídicas que tenham a incumbência de executar as atividades administrativas. Toma-se aqui em consideração o sujeito da função administrativa, ou seja, quem a exerce de fato. Para diferenciar este sentido da noção anterior, deve a expressão conter as iniciais maiúsculas: Administração Pública”.�
Ou seja, “escrita com iniciais maiúsculas “Administração Pública” é um conjunto de agentes e órgãos estatais; grafada com minúsculas, a expressão “administração pública” designa a atividade consistente na defesa concreta do interesse público. Por isso, lembre-se: concessionários e permissionários de serviço público exercem administração pública, mas não fazem parte da Administração Pública”.�
Saliente-se, porém, que esta distinção no tocante ao emprego de iniciais maiúsculas e minúsculas não é uniforme na doutrina, de modo que a distinção há de ser feita com vistas ao contexto em que se utiliza a expressão.
4) AS MUTAÇÕES DO DIREITO ADMINISTRATIVO E A AMPLITUDE DA ATIVIDADE ADMINISTRATIVA
O Direito, como instrumento de regulação e pacificação social, tem o seu conteúdo variável conforme os ideais políticos e os fatores de poder vigentes em cada época. Daí se dizer que o Direito deve estar sempre em constante evolução, para que se adapte a cada realidade em que pretende operar.
Como ramo do Direito, o Direito Administrativo também está sujeito a tais variações, razão pela qual muitos de seus conceitos e institutos clássicos vêm sofrendo reformulações e modificações estruturais, sobretudo a partir do final do Século XX.
“O surgimento e sistematização do direito administrativo responderam a concepções e necessidades práticas de uma época e, ao mesmo tempo, significaram todo um esforço de legitimação, em nível de preceitos jurídicos, do exercício do poder estatal em determinado setor de atuação, a Administração Pública. A construção clássica desempenhou papel relevante na busca de objetivação do poder público e na garantia dos direitos individuais. Mas, ante as transformações da sociedade e do Estado, torna-se necessário realizar uma espécie de controle de validade das concepções tradicionais, o que, na verdade, corresponde à própria idéia de ciência”.� 
Tais mutações do Direito Administrativo, como bem assinala Diogo de Figueiredo Moreira Neto, estão diretamente relacionadas às fases evolutivas por que passou a administração pública, citando-se a fase do absolutismo, a fase do liberalismo clássico, a fase do estatismo e a fase da democracia.�
Na fase do absolutismo, como já visto, ainda não existia propriamente o Direito Administrativo, pois prevalecia a vontade do rei, caracterizando a chamada “administração regaliana”. A sistematização desta disciplina jurídica somente ocorreu após as primeiras revoluções liberais.
4.1) A FASE DO LIBERALISMO CLÁSSICO (O “ESTADO MÍNIMO”)
Na fase do liberalismo clássico, no século XIX, os anseios individuais foram supervalorizados, como forma de combate ao modelo absolutista e segundo os ideais da completa liberdade de mercado pugnada por Adam Smith (laissez faire, laissez passer). O Estado intervinha muito pouco nos direitos individuais.
“Com a evolução do Liberalismo e, principalmente, do Constitucionalismo emerge a necessidade de afirmação do indivíduo frente ao Estado, o que leva à concepção de Direito Administrativo entendido como um arcabouço legal apto a limitar e procedimentalizar o poder do Estado e garantir os direitos dos indivíduos”.�
“Inúmerasexpressões aparecem na doutrina para designar o Estado do século XIX: Estado liberal, Estado censitário, Estado burguês, Estado nacional-burguês, État gendarme, Estado legislativo, Estado guarda-noturno, Estado-neutro, Estado máquina, Estado-aparato, Estado-mecanismo, Estado-catedral, Estado da potência e da razão, Estado garantista, Estado autoridade, Estado abstencionista. (...) O Estado do século XIX agrupa indivíduos autônomos, independentes, livres, dotados de igualdade política e jurídica. Como oposição ao Estado absoluto consagraram-se liberdades e direitos dos indivíduos; estes, de súditos, deveriam ascender ao grau de cidadão. Daí os valores desse Estado: garantia da liberdade, da convivência pacífica, da segurança, da propriedade; o Estado é instrumento de garantia dos direitos individuais, disso decorrendo sua utilidade e necessidade (...) Outro aspecto refere-se à autonomia da atividade econômica em relação à ingerência do Estado, como reação ao domínio absolutista que editava regras reguladoras de preços e padrões de mercadorias, disciplinava o treinamento de aprendizes e controlava as inovações e a concorrência, tudo com o objetivo de assegurar a balança comercial positiva, reforçar reservas de ouro do país e gerar riquezas taxáveis. Consagrava-se a absolutização do princípio da livre iniciativa, segundo Giannini, que tinha valor positivo, como liberdade de empreender, e valor negativo, como remoção de obstáculos ao exercício da liberdade de iniciativa econômica, e portanto, como abstenção, dos poderes públicos, no tocante a intervenções limitativas”.�
4.2) A FASE DO ESTATISMO (A “ADMINISTRAÇÃO BUROCRÁTICA”)
Na fase do estatismo, surgida após a crise do capitalismo liberal e o posterior advento do Estado do Bem Estar Social (o chamado “Welfare State”) em meados do século XX, foi marcada pela presença maciça do Estado como um fim em si mesmo, passando a prevalecer o interesse do Estado paternalista frente aos interesses individuais, o que caracterizou a chamada “administração burocrática”.
“Estado intervencionista, Estado-providência, Estado de bem-estar, Estado assistencial, Estado pluriclasse, Estado social, Estado social-democrata, Estado de associações, Estado distribuidor, Estado nutriz, Estado empresário, Welfare State, Estado manager, Estado de prestações, estado de organizações, Estado neocorporativo, Estado neocapitalista, Estado promocional, Estado responsável, Estado protetor, Estado pós-liberal, Estado telocrático são nomenclaturas diversas que intitulam esse modelo de Estado, na tentativa de traduzir, mediante um único adjetivo ou substantivo, sua característica principal. (...) Se o Estado do século XIX era estruturalmente simples e era possível delinear modelos ao menos coerentes, o Estado atual apresenta-se estruturalmente complexo, o que explicaria que não tenha sido sistematizado em modelos ou que inexista teoria de organização e de funcionamento do novo Estado.(...) A nova concepção dá ao Estado uma tarefa ampliada, bem mais difícil de realizar a contento, que a manutenção da ordem pública reclamada do Estado liberal. Exige do Estado a tarefa de propiciar a todos o bem-estar, a felicidade na terra. Assim, do ponto de vista axiológico, os valores da personalidade individual, como liberdade, segurança e igualdade jurídicas, completam-se com a garantia de condições essenciais da vida e com a correção de desigualdades econômico-sociais”.�
Em que pesem as recentes mudanças pelas quais passou a Administração Pública em nosso país, os institutos tradicionais do Direito Administrativo brasileiro ainda são estudados sob reflexo do modelo de administração burocrática, que, conforme aponta Alexandre Mazza, é marcado pelas seguintes características: “a) toda autoridade baseada na legalidade; b) relações hierarquizadas de subordinação entre órgãos e agentes; c) competência técnica como critério de seleção pessoal; d) remuneração baseada na função desempenhada, e não pelas realizações alcançadas; e) controle de fins; f) ênfase em processos e ritos”.�
4.3) A FASE DA DEMOCRACIA (A “ADMINISTRAÇÃO GERENCIAL”)
Na chamada fase da democracia reconheceu-se a falência do modelo estatal maçante, colocando-se em primeiro lugar a eficiência da gestão administrativa na satisfação dos interesses sociais, o que configurou a chamada “administração gerencial”. 
“Desde a década de 60 assiste-se à pregação doutrinária pela democracia administrativa, que alguns resultados já produziu. (...) Embora a passos lentos, muitas normas e medidas vem sendo implantadas em vários ordenamentos do mundo ocidental para que a democracia administrativa se efetive. À preocupação com a democracia da investidura soma-se, na época atual, a preocupação com a democracia de funcionamento ou de operação, expressa também na doutrina publicista recente e nas constituições promulgadas nas décadas de 70 e 80, com reflexos nas formulações clássicas da Administração pública e do direito administrativo”.�
“A fase da democracia, ascendendo como prevalecente o interesse da sociedade, caracterizando a etapa da administração gerencial. No Brasil, essa segunda transição juspolítica, da administração burocrática para a gerencial, está tendo seu início antes que se houvesse completado a primeira, pois as atividades e comportamentos do Estado-administrador continuam aferrados a conceitos e princípios do patrimonialismo, do paternalismo e do assistencialismo personalizantes e ineficientes, herdados ainda da Colônia e pouco tocados no Império. Ainda assim, essa segunda transição começou a ser realizada através de um processo convencionalmente denominado de reforma administrativa, desenvolvido em duas etapas: uma etapa constitucional, necessária para a afirmação e reformulação dos novos conceitos e princípios aplicáveis, e uma etapa legislativa ordinária, que deverá complementá-la e dar-lhe exeqüibilidade”.�
“Estava feita a distinção entre a democracia clássica, voltada à escolha dos governantes, e a democracia emergente deste final do Século XX, voltada à escolha de como se quer ser governado”.�
Esse processo deu origem a reformas administrativas em diversos países, sobretudo a partir da década de oitenta do século passado, quando "verificou-se um esgotamento do modelo keynesiano e intervencionista de Estado, propiciado pelo déficit público decorrente de anos de gastos públicos feitos sem muita responsabilidade fiscal, pelo fim da Guerra Fria e pela globalização. O Estado saiu de largos setores da vida social e econômica onde havia se inserido anteriormente. Não haveria, contudo, como voltar ao Estado liberal dos oitocentos. Teríamos então o que muitos denominam "Estado Regulador", que não mais intervém com tanta intensidade na economia, e que, na medida do possível, permite aos atores privados tomar as suas próprias decisões empresariais e individuais, muitas vezes até celebrando acordo com eles, retendo, contudo, sempre que forem necessários, amplos poderes regulatórios sobre as atividades privadas. (...) A nosso ver, esses novos fenômenos representam evoluções do Direito Administrativo decorrentes da evolução do Estado e da sociedade. Verifica-se, uma vez mais, que, da mesma forma que o Direito Administrativo nasceu de uma importante evolução social do Estado (Estado absolutista para o Estado liberal), ele continua a se transformar em razão das alterações sociopolíticas ocorridas no Estado. Nada mais natural, já que a Administração é o instrumento da atuação concreta do Estado na sociedade. Se o Estado e a sociedade mudam, a mudança do Direito Administrativo é uma consequência lógica e natural. Impedi-la é uma missão tão impossível quanto querer parar o curso da História".�
Em síntese, o “modelo gerencial” na administração pública surgiu como forma de flexibilizar a atuação burocrática do Estado, introduzindo-se mecanismos de avaliação de desempenho e resultados e de qualidade e eficiência dos serviços públicos, com participação popular e exercício da cidadania.
Buscou, assim, a “democratização”do aparato estatal e a maior atuação da sociedade, com a redução do caráter político das decisões administrativas (“despolitização”), para se adotar um modelo de administração pública consensual (“consensualidade”) em que se estimula uma maior participação dos administrados cooperando e colaborando na definição dos rumos da atuação administrativa eficiente.
Reportamos aqui às conclusões de Diogo de Figueiredo Moreira Neto sobre o tema:
 “Na relativamente breve mais fascinante trajetória bicentenária do Direito Administrativo podemos distinguir uma nítida evolução conceptual em que a Disciplina surge, em seu período de formação, no Estado Páleo-Liberal, ainda pouco desvencilhada das instituições da monarquia absoluta; submete-se, progressivamente, a requisitos de legalidade, com o aperfeiçoamento das exigências juspolíticas caracterizadoras do Estado de Direito; e atende, finalmente, às demandas de legitimidade, possibilitando o advento do Estado Democrático contemporâneo. Assim, o Direito Administrativo nasceu como um direito do Estado enquanto administrador, passou a ser um direito do Estado e dos administrados, e tornou-se hoje, com seu núcleo constitucional e como seu prolongamento, um direito comum dos administrados face ao Estado administrador”.� 
“Quanto ao princípio da consensualidade, sua aplicação leva à substituição, sempre que possível, da imperatividade pelo consenso nas relações Estado-sociedade e à criação de atrativos para que os entes da sociedade civil atuem em diversas formas de parceria com o Estado”.�
Alexandre Mazza� aponta o seguinte quadro comparativo entre a administração burocrática e a administração gerencial:
	
	ADMINISTRAÇÃO BUROCRÁTICA
	ADMINISTRAÇÃO GERENCIAL
	Período-base
	Antes de 1988
	Após 1988
	Norma padrão
	DL n. 200/67
	Emenda n. 19/98
	Paradigma
	A lei
	O resultado
	Valores-chave
	Hierarquia, forma e processo
	Colaboração, eficiência e parceria
	Controle
	Sobre meios
	Sobre resultados
	
Institutos relacionados
	Licitação
Processo administrativo
Concurso público e estabilidade
	Contrato de gestão, 
Agências executivas 
Princípio da eficiência
 
Após considerar que o modelo gerencial consolidou-se no Brasil com o advento da reforma administrativa promovida pela Emenda Constitucional n. 19/98, Mazza chama, porém, a atenção para o fato de que esse modelo “é acusado por muitos administrativistas de servir como pretexto para diminuir os controles jurídicos sobre a Administração Pública. Aparentemente simpática, a idéia de administração gerencial pressupõe administradores públicos éticos, confiáveis, bem-intencionados... uma raridade no Brasil!”, ironiza o autor.�
Seja como for, entre cada uma das fases acima assinaladas, pode-se dizer que o Direito Administrativo veio se submetendo ciclicamente a crises entre velhos e novos paradigmas, passando por transformações que o levaram a se adaptar a cada nova realidade, consoante saliente Odete Medauar:
“O termo crise, de uso freqüente na atualidade para o direito em geral, para o Estado, para determinadas figuras jurídicas, referido ao direito administrativo expressa a situação de passagem para um novo momento de sua elaboração. Adquirido o status de ciência autônoma, edificada sua estrutura sistemática fundamental, seu nível de maturidade permite que evolua, sem riscos de diluição das suas características científicas. Parece habitual a atitude de qualificar como crise a situação de renovação de antigas regras e equilíbrios. Também freqüente se torna a afirmação de que as crises constituem oportunidades de mudança dos sistemas humanos; é na medida em que há crises dos modos de raciocínio que surgem possibilidades de mudança. Este é o significado da crise atribuída ao direito administrativo: a passagem para um momento de modificação de antigas concepções. Esse momento revela mudanças que vêm se realizando no direito administrativo no sentido de sua atualização e revitalização, para que entre em sintonia com o cenário atual da sociedade e do Estado. Algumas tendências podem ser extraídas: a) desvencilhamento de resquícios absolutistas, sobretudo no aspecto da vontade da autoridade impondo-se imponente; b) absorção de valores e princípios do ordenamento consagrados na Constituição; c) assimilação da nova realidade do relacionamento Estado-sociedade; d) abertura para o cenário sócio-político-econômico em que se situa; e) abertura para conexões científicas interdisciplinares; f) disposição de acrescentar novos itens à temática clássica”.� 
O que se observa é que, apesar de ser um ramo relativamente novo da ciência jurídica, o Direito Administrativo mal teve tempo de consolidar suas bases teóricas lançadas no final do século XVIII, haja vista a rapidez das mudanças sociais implementadas ao longo do século XIX e, sobretudo, durante o século XX. 
Ressaltando essa juventude e mutabilidade do Direito Administrativo, Alexandre Santos de Aragão assinala que, se "comparado ao milenar Direito Civil, é, realmente, um Direito bastante recente. Isso faz com que muitas das soluções encontradas ainda não se tenham consolidado por completo, em especial se considerarmos as mudanças pelas quais o Estado passou desde o advento do Direito Administrativo, havendo largos setores a serem desbravados. O Direito Administrativo ainda está em constante evolução. Essa evolução permanente é reforçada pelo fato de o objeto do Direito Administrativo ser uma atividade do Estado, refletindo sempre as mudanças políticas e ideológicas deste. Basta lembrarmos quantas convulsões políticas sobre o Estado aconteceram durante todo o século XX".�
Tais considerações servem para que estudioso do Direito Administrativo tenha sempre em mente o contexto político-social vigente em cada época, conferindo uma interpretação sistemática às regras e princípios que compõe o chamado “Regime Jurídico Administrativo”.
5) FONTES DO DIREITO ADMINISTRATIVO
Identificado o objeto do Direito Administrativo, enquanto o conjunto de normas que regem a função administrativa estatal, convém agora identificar as fontes das quais são extraídas estas normas.
Cretella Júnior conceitua fonte do direito como “qualquer ato ou fato que concorra para formar a norma jurídica”, de modo que são fontes do Direito Administrativo “todos os elementos, formais ou não formais, dos quais brotam as normas de Direito Administrativo”.�
Vale dizer, tudo aquilo que, direta ou indiretamente, funcione como parâmetro normativo para as condutas da Administração e dos administrados, condicionando-os a agir nesse ou naquele sentido, é uma fonte do Direito Administrativo.
Apesar de não haver uniformidade doutrinária na classificação das fontes do Direito, costuma-se apontar que as fontes jurídicas podem ser primárias (também chamadas de diretas ou imediatas) – que são aquelas com caráter prescritivo, isto é, delas são extraídas diretamente as normas do ordenamento – ou secundárias (também chamadas de indiretas ou mediatas) – que são aquelas com caráter meramente descritivo, mas que auxiliam na identificação das fontes primárias.
Como fontes primárias do Direito Administrativo pode-se citar a legislação, os costumes e as praxes (ou práticas administrativas), os tratados internacionais, os princípios gerais do direito e, mais recentemente, as súmulas vinculantes e decisões de repercussão geral do STF (mecanismos instituídos pela EC 45/2004). Como fontes secundárias podem ser citadas a doutrina e a jurisprudência em geral (decisões judiciais não vinculantes).
A principal fonte primária do Direito Administrativo é a legislação, aqui entendida como lei em sentido amplo (aí se incluindo a Constituição, as leis infraconstitucionais e os diversos atos regulamentares expedidos pela Administração).
“Na expressão lei, discorre Brandão Cavalcanti, devemos compreender toda a escala das normas, na sua hierarquia, desde a Constituição até as mais elementares, que completam, em ambientes e raios de ação cadavez mais restritos, as normas jurídicas de mais alta hierarquia. Assim, as leis, os regulamentos, os regimentos, as portarias, as circulares, as instruções”.�
“A lei é a mais importante fonte para o Direito Administrativo, gerador de direitos e obrigações, impondo-se tanto à conduta dos particulares, quanto à ação estatal. Na qualidade de fonte, a lei tem um sentido amplo, abrangendo diversas normas produzidas pelo Estado, o que inclui, por exemplo, além da Carta Magna, as leis complementares, ordinárias, delegadas e medidas provisórias. (...) Os costumes e as praxes são fontes não escritas e não organizadas. Os costumes são encontrados na sociedade e as praxes no interior da Administração. (...) Porém, a utilização dos costumes encontra restrições, não podendo ser utilizados contra a lei. (...) A doutrina é fonte escrita e mediata (secundária) para o Direito Administrativo, não gerando direitos para os particulares, mas contribuindo para a formação do nosso ramo jurídico”.�
Não obstante esse sentido amplo de lei a que nos referimos (legislação), a Administração somente poderá tomar medidas que estejam expressa ou implicitamente previstas em ato legislativo (lei em sentido formal, decorrente do processo legislativo previsto no art.59 da CF). Mesmo quando sejam editados regulamentos executivos (decretos, resoluções, portarias, instruções normativas etc.), tais atos devem ter amparo na lei em sentido estrito. O tema será abordado quando tratarmos do chamado poder normativo da Administração.
Saliente-se que, ao contrário do que ocorre noutras ciências jurídicas, o nosso Direito Administrativo não é codificado. Isso porque, por conta do regime federativo adotado no Brasil, cada ente político (União, Estados, DF e Municípios) tem competência para editar normas referentes a sua respectiva Administração Pública, exceção apenas para alguns assuntos cuja competência seja privativa da União.� Destarte, as normas de Direito Administrativo estão contidas em inúmeras leis esparsas editadas em âmbito federal, estadual, distrital e municipal.
Segundo assinala Jean Rivero, mesmo os países cujo direito privado é tradicionalmente codificado (civil law), não foram editados códigos de Direito Administrativo: 
“Ora, país algum, salvo erro, possui um verdadeiro Código Administrativo, devendo ficar claro que não se poderia aplicar o nome de Código ao agrupamento de leis e de regulamentos próprios a uma matéria administrativa que, na França e em vários países estrangeiros, se rotulam com esse nome. Isto acarreta duas conseqüências: do ponto de vista material, é preciso procurar as regras administrativas, onde elas estiverem – e elas estão, em todos os países, esparsas em múltiplos documentos”.�
Fernanda Marinela assim comenta a polêmica questão da codificação do Direito Administrativo:
“O Direito Administrativo não conta com uma codificação, o que acaba causando uma discussão doutrinária sobre os seus benefícios e coloca os doutrinadores em três posições: os que negam as suas vantagens, os que defendem a necessidade de uma codificação parcial e os que propugnam pela codificação total, o que representa a maioria da doutrina. A prática atual deixou bem claro que o Código não traz a estagnação do Direito, como defendia Savigny e seus seguidores. Assim sendo, espera-se que os legisladores brasileiros se conscientizem de sua necessidade. A atual formação dessa disciplina, que é feita por leis esparsas, muitas vezes dificulta a obtenção do conhecimento pelos interessados, não permitindo uma visão panorâmica do Direito a que pertencem. Somente o Código remove esses inconvenientes da legislação fragmentária, pela aproximação e coordenação dos textos que se interligam para a formação do sistema jurídico, dando maior segurança ao aplicador e resolvendo grandes divergências. Pode-se apontar, como exemplo, o Código Administrativo de Portugal”.� 
Acerca dos costumes, a doutrina diverge sobre a sua natureza de fonte do Direito Administrativo. Os que admitem, ressalvam que somente haveria espaço aqui para os costumes secundum legem (servem apenas para interpretar a lei) e eventualmente os praeter legem (com função supletiva, servem para suprir as lacunas da lei). 
Quanto aos costumes contra legem (derrogatórios da lei), a doutrina clássica jamais os admitiu no Direito Administrativo, haja vista o prestígio que tradicionalmente deteve o princípio da legalidade a nortear toda a atividade da Administração. Em período mais recente, porém, por força da idéia que veio se desenvolvendo na doutrina acerca da incidência direta das normas constitucionais sobre a atividade administrativa, alguns juristas passaram a admitir até mesmo o costume contra legem em hipóteses excepcionais. Nessa linha, Gustavo Binenbojm defende a possibilidade de haver um ato administrativo violador de preceito legal, mas que ainda assim seja válido, por força de princípios constitucionais. É o que ele chamada de juridicidade contra legem�, em que, a despeito do vício de legalidade, reconhece-se a juridicidade da atuação administrativa por motivos ligados à segurança jurídica e à boa-fé objetiva na conduta costumeiramente adotada pela Administração, o que, numa equação de ponderação, deve prevalecer sobre a legalidade estrita. Mas o autor reconhece que o tema é complexo e controvertido, sobretudo quando se trata de descumprimento à lei havida como inconstitucional pela Administração, sem que tenha ocorrido prévio pronunciamento judicial.
Alguns autores distinguem os costumes das praxes administrativas, não aceitando estas como fontes do Direito Administrativo, porém, isso não é uniformemente descrito pela doutrina.
Alguns autores consideram a praxe administrativa como uma mera rotina da Administração, sem ter, contudo, o amplo alcance de um verdadeiro costume�.
Para Cretella Júnior, praxes ou práticas administrativas são “recurso que lançam mão com freqüência as autoridades administrativas quando, na falta de disposições legais, precisam dar solução a determinado caso submetido a sua apreciação. Ao contrário do costume, que brota espontaneamente do povo, as práticas constituem uma série de usos seguidos pelos funcionários de determinadas repartições, diante dos casos concretos que exigem solução imediata, não prevista em lei”.�
Mas há doutrinadores que consideram a praxe administrativa como uma espécie de costume.
É como pensa Alexandre Santos de Aragão, ao escrever que "o costume pode ser uma prática dos administrados ou da própria Administração Pública. No segundo caso, passa a ser reconhecido como praxe administrativa - uma prática reiterada da Administração -, adquirindo especial importância, já que poderá gerar, no indivíduo, a expectativa de sua continuidade ou da não oposição do Poder Público em relação à postura que os administrados vinham assumindo. Nessa hipótese, o reforço de sua posição como fonte do direito é feito pelos princípios da boa-fé e da igualdade, importantes argumentos em favor da manutenção da conduta pública ou ao menos do não sancionamento do particular que se comportar de acordo com a praxe administrativa. A nosso ver, a maior importância dos costumes ou praxes administrativas é hermenêutica, na interpretação das leis e regulamentos, presumindo-se como vinculante, entre as diversas interpretações plausíveis cabíveis, aquela contemplada pela prática administrativa reiterada e com juízo coletivo de obrigatoriedade".�
Sobre os tratados internacionais, escreve o professor Cretella Júnior:
“Denominamos tratado internacional a todo acordo de vontade entre duas pessoas jurídicas de direito público externo a respeito de direitos de soberania. O objeto do tratado, como se vê, é de direito público, nada obstando, porém, que as entidades públicas, em jogo, pactuem normas de direito privado, o que, nesse caso, caracterizaria mero contrato regido por princípios estranhos ao direito público. Autorizados tratadistas italianos negam ao tratado internacional a categoria de fonte do direito administrativo,porque a recepção desse acordo de vontades depende de dispositivos constitucionais. Nesse caso, é fundamental examinar a Constituição do país, relativamente ao qual se faz a indagação, observando-se que algumas são expressas a respeito, admitindo-o como fonte, ao passo que outras exigem, para a recepção, o chamado método de conversão, que tem por efeito imediato transformar o tratado em lei. No primeiro caso, o tratado é fonte, no segundo, não tem força própria, mas eficácia da lei conversora. A qualidade de fonte jurídica do tratado está, pois, na dependência de seu conteúdo, em primeiro lugar; em segundo lugar, que seja recebido na ordem jurídica interna; em terceiro lugar, que encerre preceitos para cuja aplicação sejam competentes os órgãos administrativos”.�
Alexandre Mazza assinala ser “cada vez mais notável a influência dos tratados e convenções internacionais no Direito Administrativo interno. As regras jurídicas originárias dos pactos internacionais de que o Brasil é signatário ingressam no ordenamento nacional dotadas de força cogente, vinculando órgãos e agentes da Administração Pública, especialmente em matéria de direitos humanos, caso em que os tratados e convenções internacionais adquirem internamente o status de norma constitucional, desde que aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros (art.5º, §3º, da CF)”.�
Fernanda Marinela salienta que “alguns autores incluem, ainda, como fonte desse ramo, os princípios gerais do direito, que são critérios maiores, às vezes até não escritos, percebidos pela lógica ou por indução. Vale dizer que são normas que representam a base do ordenamento jurídica, estando intrínsecas a essa ordem legal, consideradas como orientações necessárias à exigência da justiça. (...) São teses jurídicas genéricas que informam o ordenamento do Estado, conquanto não se achem expressos em texto legal específico. Podem-se citar alguns exemplos: ninguém deve ser punido sem ser ouvido, não é permitido o enriquecimento ilícito, ninguém se beneficiará da própria malícia, além de muitos outros”.�
Segundo Edmir Netto de Araújo, “como proposições básicas que se aplicam à integralidade do ordenamento jurídico, englobando todos os seus ramos e institutos, princípios como os da legalidade, do devido processo legal, da isonomia, do pacta sunt servanda, da publicidade, e outros, são invocados como meios, ao lado da analogia e da equidade, de integração das normas jurídicas, pois o legislador não pode prever todas as hipóteses da vida real, e o juiz não pode se eximir de decidir a pretexto de lacuna ou obscuridade da lei. Existe, no Direito Administrativo, em consonância com os princípios gerais do Direito, toda uma principiologia setorial, que será focalizada mais adiante”.�
A doutrina se traduz como a atividade dos cientistas do Direito (doutrinadores) que emitem a sua balizada opinião sobre os fenômenos jurídicos, intentando descrever o ordenamento jurídico naquilo que as suas normas dispõem. Justamente por lhe faltar força normativa, ou seja, deter apenas caráter descritivo do sistema jurídico, a doutrina não é fonte primária, mas serve ao menos como uma fonte secundária que auxilia na aplicação do Direito Administrativo.
O mesmo se diga da jurisprudência, consubstanciada nas reiteradas decisões dos Tribunais, algumas delas já consagradas em súmulas jurisprudenciais. Tais decisões, proferidas à vista de casos concretos nos quais encontra apenas aplicação inter partes, não se revelam como normas gerais e abstratas que obriguem a Administração em outras situações que não aquelas tratadas nos autos do respectivo processo judicial. Vale dizer, tais decisões apenas detêm força normativa em relação às partes por elas atingidas. No mais, servem apenas como mecanismos auxiliares da interpretação do ordenamento. Até mesmo as Súmulas editadas pelos Tribunais servem apenas como orientação para a análise de casos futuros, mas em regra não detêm força normativa ampla. Ou seja, tais súmulas são meramente descritivas (interpretativas) do ordenamento, mas não integram o próprio ordenamento.
Exceção a isto se encontra naquelas decisões proferidas pelo STF em controle concentrado (abstrato) de constitucionalidade, com efeitos erga omnes (CF/88, art.102, §2º), merecendo destaque também a figura da Súmula Vinculante instituída pela Emenda Constitucional n. 45/2004. As súmulas vinculantes, previstas no art. 103-A da Constituição, detêm força normativa, integrando diretamente o ordenamento. Por isso são fontes primárias.
“As súmulas vinculantes não são enunciados interpretativos com validade apenas para os órgãos do Poder Judiciário. O art.103-A, caput, da CF é claro ao mencionar a sujeição de todos os órgãos da Administração Pública Direta ou Indireta, federal, estadual ou municipal, aos enunciados das súmulas vinculantes. Conforme ensina Rodolfo Mancuso, a súmula vinculante do STF ‘acaba por condicionar as relações entre a Administração e seus agentes tanto quanto entre ela e os cidadãos em geral’. Sendo assim, se o interessado verificar que a autoridade proferiu decisão em desrespeito à súmula vinculante, poderá, em sede de recurso, exigir que a decisão seja modificada, de sorte a se adequá-la ao enunciado sumular do STF”.�
“Com a Emenda Constitucional n. 45, de 8 de dezembro de 2004, o processo de ‘reclamação’ foi especificado pelo Legislador para casos de violação de súmula vinculante. Nos termos do art.103-A, §1º, da CF, inserido pela emenda mencionada, ‘do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal, que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem aplicação da súmula, conforme o caso’. Mais tarde, a possibilidade do uso da reclamação frente a atos administrativos e atos da Administração que descumprem súmulas vinculantes do STF foi, de certo modo, limitada com a edição da Lei n. 11.417/06 – que regulamentou o art.103-A da Constituição, alterou a LPA (Lei n. 9784/99 - Lei do Processo Administrativo), incluindo os arts. 64-A e 64-B, e disciplinou a edição, a revisão e o cancelamento de enunciado de súmula vinculante pelo STF. O art.7º da Lei n. 11.417/06 esclareceu duas questões importantes e que merecem destaque. A um, deixou claro que o administrado poderá utilizar os mais diversos meios admitidos em direito para afastar a decisão administrativa que não aplicou ou aplicou incorretamente uma súmula vinculante. A dois, limitou o uso da reclamação perante o STF. Por determinação do art.7º, §1º, da Lei n. 11.417/06, o uso da reclamação somente será admitido após o esgotamento das vias administrativas. Isso significa que, perante o descumprimento de súmula, deve o administrado recorrer à instância administrativa competente até que esgote o limite de três instâncias administrativas – regra geral prevista no art.57-A da LPA – ou o número máximo de instâncias previsto em lei específica – duas, quatro ou mais instâncias. Caso as instâncias administrativas não tenham sido esgotadas, poderá o interessado no processo administrativo recorrer ao Poder Judiciário. Contudo, não poderá se valer especificamente da reclamação perante o STF”.�
6) O REGIME JURÍDICO ADMINISTRATIVO (REGRAS E PRINCÍPIOS ADMINISTRATIVOS)
Todo estudo sistematizado pressupõe a fixação das normas que lhe confiram caráter científico.
No campo do Direito, tais elementos sedimentados constituem os diversos regimes jurídicos (conjuntos de normas jurídicas).
a partir do pensamento de ilustres jusfilósofos como Ronald Dworkin e Robert Alexy, grande parte da doutrina contemporânea considera que as normas (gênero) não se revelam apenas sob a forma de regras, mas, também, como princípios (espécies):
REGIME = CONJUNTO DE NORMAS = REGRAS + PRINCÍPIOS
6.1) SENTIDO E CLASSIFICAÇÃO DOS “PRINCÍPIOS” NAS CIÊNCIAS
Cretella Júniordiz que, no sentido vulgar, princípio tem o sentido de “aquilo que vem antes de outro, origem, começo, momento em que se faz uma coisa pela primeira vez”, contrapondo-se à idéia de fim. Já na linguagem técnico-científica “o vocábulo é vago, indeterminado, flutuante, não oferecendo nenhuma indicação precisa sobre o sentido exato da proposição que se considera”, o que não significa que a palavra deva ser banida do vocabulário das ciências. Todos os sentidos, porém, “estão ligados pelo menos por um ponto de contato comum. Princípio é, antes de tudo, ponto de partida. Princípios de uma ciência são as proposições básicas, fundamentais, típicas, que condicionam todas as estruturas subseqüentes. São os alicerces, os fundamentos de uma ciência”�.
Cabe à principiologia a exposição teórica e crítica dos princípios, definindo-os, antes de tudo, classificando-os sob vários ângulos. É uma “teoria dos princípios”.
Entre as inúmeras classificações, tem-se aquela que separa os princípios com base no critério de abrangência, procurando defini-los e indagar até que ponto referem a esta ou àquela ciência.
Princípios onivalentes – São os “primeiros princípios”, premissas lógicas válidas para todas as ciências, pois estão na base de todas as outras proposições. São proposições gerais, universais, princípios diretores do conhecimento que se dirigem ao exercício do pensamento, como os princípios da identidade (há similitude total entre uma noção e todas as suas conotações constitutivas), da contradição (duas proposições contraditórias não podem ser, ao mesmo tempo, ambas verdadeiras, ou ambas falsas), do terceiro excluído, (havendo duas proposições contraditórias, se uma for verdadeira, a outra será necessariamente falsa e, reciprocamente, sem que haja uma terceira solução), da razão suficiente (nada existe sem que haja uma razão para isso).
Princípios plurivalentes – São princípios regionais, dotados de menor grau de generalidade e comuns apenas a um grupo de ciências (apesar de não haver uma classificação segura sobre a divisão das ciências em grupos). Cretella cita, por exemplo, que o princípio do alterum non laedere (não prejudicar a outrem) pode ser aplicado tanto na ciência moral quanto na ciência jurídica. O princípio da causalidade é válido para as ciências físicas; o princípio da sociabilidade nas ciências sociais.
Princípios monovalentes – São proposições que servem de fundamento a um conjunto de juízos relativos a um só campo do conhecimento. Haverá tantos princípios monovalentes quantas ciências cogitadas pelo espírito humano. São proposições específicas que só valem para determinado campo do conhecimento humano, como ocorre, na ciência jurídica, com os chamados princípios gerais do direito. 
Dentro do campo dos princípios monovalentes estão os gerais e os setoriais (específicos), sendo estes as proposições básicas que informam os diversos setores em que se divide a ciência.
Cretella menciona a existência de princípios setoriais do direito administrativo, que podem ser estudados em linha horizontal e em linha vertical, servindo de pilares para a construção sistemática de um regime jurídico administrativo.
6.2) A FUNÇÃO DOS PRINCÍPIOS NA CIÊNCIA JURÍDICA
Nem sempre se reconheceu força normativa aos princípios. Classicamente os princípios vieram sendo estudados como meros métodos de integração do direito, ou seja, havendo lacuna, inexistência de regra para determinada situação, recorria-se aos princípios, dentre outros parâmetros, para buscar uma solução jurídica. Havia assim uma espécie de preeminência das regras em relação aos princípios.
Esse pensamento mudou com a evolução da principiologia jurídica, daí decorrendo a emergência de uma teoria dos princípios, não mais como fonte meramente integrativa ou de recomendação, senão como verdadeiras normas jurídicas. 
6.2.1) A EVOLUÇÃO DA PRINCIPIOLOGIA JURÍDICA
São basicamente três os momentos pelos quais passaram os princípios na ciência jurídica: i) fase do jusnaturalismo; ii) fase do positivismo; iii) fase do pós-positivismo. 
“Paulo Bonavides, a propósito do tema, leciona que a evolução da compreensão dos princípios, para a ciência do direito, pode ser demarcada em três fases distintas: a) a jusnaturalista, na qual se recusa a sua normatividade jurídica; b) a positivista, em que se reconhecem os princípios como normas, mas como fonte normativa subsidiária; e a atual fase, c) pós-positivista, segundo a qual a norma é admitida como um gênero cujas espécies são os princípios e as regras”.�
Luís Roberto Barroso� ensina que o jusnaturalismo formado a partir do século XVI era impregnado de valores sob a forma de princípios que buscavam orientar o sentido de justiça para além das normas fixadas pelo Estado. Foram esses valores, inclusive, que inspiraram a burguesia como combustível para as revoluções liberais, porém, paradoxalmente, uma vez incorporados aos ordenamentos, acabaram sendo superados por uma visão positivista. Com a promulgação dos códigos, escreve Bobbio, sobretudo o napoleônico, o jusnaturalismo exauriu a sua função no momento mesmo em que celebrava o seu triunfo. Transpondo o direito racional para o código, não se via nem admitia outro Direito senão este. O recurso a princípios ou normas extrínsecos ao sistema do direito positivo foi considerado ilegítimo.
Todavia, prossegue Barroso, o triunfo do positivismo, do fetiche da lei, do legalismo acrítico, serviu de disfarces para autoritarismos de matizes variados. Para Bobbio, o Positivismo, que se apresentou como ciência pretensamente livre de juízos de valor, neutra, rigorosamente científica, acabou tendo uma função política e ideológica, o que levantou a resistência de jusfilosófos desde o início do século XX (Jurisprudência dos Interesses, de Ihering; Movimento pelo Direito Livre, Ehrlich), levando a sua decadência emblematicamente associada à derrota do Fascismo e do Nazismo.
No contexto do positivismo, os princípios passaram a ser reconhecidos pela ciência jurídica, porém relegados a segundo plano, apenas como elementos úteis à integração do Direito nas hipóteses de lacunas no ordenamento. Ou seja, na ausência de uma regra jurídica a resolver uma questão no caso concreto, deveria o jurista recorrer aos princípios do Direito para encontrar uma solução. Fora daí, porém, o princípio não deveria ser invocado.
Por fim, a superação histórica do Jusnaturalismo e o fracasso político do Positivismo legalista abriram caminho para um conjunto amplo e ainda inacabado de reflexões acerca do Direito, sua função social e sua interpretação, ao que se designou Pós-Positivismo e uma Nova Hermenêutica Constitucional. A valorização dos princípios, sua incorporação, explícita ou implícita, pelos textos constitucionais e o reconhecimento da ordem jurídica de sua normatividade fazem parte desse ambiente de reaproximação entre Direito e Ética.
Os princípios tiveram de conquistar o status de norma jurídica, superando a crença de que teriam uma dimensão puramente axiológica, ética, sem eficácia jurídica ou aplicabilidade direta e imediata. 
6.2.2) A “NORMATIVIDADE PRINCIPIALISTA” E O “BLOCO DA LEGALIDADE”
O jurista português Paulo Otero� aponta uma transfiguração da legalidade administrativa, na qual um sistema tendencialmente fechado (“Direito de regras”) é substituído por um sistema predominantemente aberto (“Direito de princípios”), de modo que a legalidade tornou-se principialista.
Isso decorre da natureza compromissória da grande maioria dos textos constitucionais surgidos na metade do século XX, procurando um equilíbrio entre orientações políticas opostas (aspecto político), de modo que se buscou uma nova técnica jurídica de elaboração de normas. Uma tal mudança de conteúdo das normas constitucionais, refletindo uma postura constituinte pluralista e própria de uma sociedade aberta, permite recortar um sistema constitucional centrado na distinção nuclear entre regras e princípios.
O “Direito de princípios” que hoje invade

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