Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1ª Aula de Leis Penais Especiais (Prof. Márcio Riski) - Lei de Abuso de Autoridade – (Lei 4898/65) 1. Questão de ordem: � Na verdade esta lei (Lei 4898/65) não trata apenas da chamada responsabilidade penal, mas também da responsabilidade civil e administrativa (art. 6º). 2. Fundamento da Lei: � Realização das Liberdades Negativas. Em Democracia Ocidental há imitação do Poder Estatal (Poder relativo). 3. Conceito de Abuso de Poder: � Recordação do Direito Administrativo: Abuso, excesso e desvio de Poder (lições de Hely Lopes Meirelles). Análise dos requisitos de validade do ato administrativo: ato discricionário e arbitrário. Responsabilidade Administrativa: Artigo 6º - O abuso de autoridade sujeitará o seu autor à sanção administrativa civil e penal. § 1º - A sanção administrativa será aplicada de acordo com a gravidade do abuso cometido e consistirá em: a) advertência; b) repreensão; c) suspensão do cargo, função ou posto por prazo de cinco a cento e oitenta dias, com perda de vencimentos e vantagens; d) destituição de função; e) demissão; f) demissão, a bem do serviço público. Mesmo neste tipo de responsabilidade haverá a garantia de ampla defesa e contraditório (art. 5º, LV, CF/88). LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes; De acordo com o § 2º, art. 7º da Lei 4898/65, § 2º - não existindo no município no Estado ou na legislação militar normas reguladoras do inquérito administrativo serão aplicadas supletivamente, as disposições dos artigos 219 a 225 da Lei n. 1.711, de 28 de outubro de 1952 (Estatuto dos Funcionários Públicos Civis da União). Apenas que a lei federal em vigor é a Lei 8.112/90. 4. Responsabilidade Civil: Vide art. 6º, § 2º, e 11 da mesma lei: § 2º - A sanção civil, caso não seja possível fixar o valor do dano, consistirá no pagamento de uma indenização de quinhentos a dez mil cruzeiros. 5. A Representação prevista na Lei (Art. 1º e 2º). Artigo 2º - O direito de representação será exercido por meio de petição a) dirigida à autoridade superior que tiver competência legal para aplicar, à autoridade civil ou militar culpada, a respectiva sanção; b) dirigida ao órgão do Ministério Público que tiver competência para iniciar processo-crime contra a autoridade culpada. Parágrafo único - A representação será feita em duas vias e conterá a exposição do fato constitutivo do abuso de autoridade, com todas as suas circunstâncias, a qualificação do acusado e o rol de testemunhas, no máximo de três, se as houver. � Trata-se de consagração do princípio constitucional do direito de petição (art. 5º, XXXIV). � Natureza jurídica da representação: exercício do direito de petição e não condição objetiva de procedibilidade como ocorre na ação penal pública condicionada à representação. Isto porque a Lei 4898/65 prevê ação penal pública incondicionada e não incondicionada. Logo, o exercício da representação nesta lei não passa de exercício da delatio criminis (espécie de notícia criminis), consagrada pelo direito constitucional de petição. 6. Responsabilidade Criminal (condutas previstas nos arts. 3º e 4º). Artigo 3º - Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: a) à liberdade de locomoção; b) à inviolabilidade do domicílio; c) ao sigilo da correspondência; d) à liberdade de consciência e de crença; e) ao livre exercício do culto religioso; f) à liberdade de associação; g) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto; h) ao direito de reunião; i) à incolumidade física do indivíduo; j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional. (Incluído pela Lei n. 6.657, de 5.6.79). Artigo 4º - Constitui também abuso de autoridade: a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder; b) submeter pessoa sob sua guarda ou custódia a vexame ou a constrangimento não autorizado em lei; c) deixar de comunicar, imediatamente, ao juiz competente a prisão ou detenção de qualquer pessoa; 2 d) deixar o Juiz de ordenar o relaxamento de prisão ou detenção ilegal que lhe seja comunicada; e) levar à prisão e nela deter quem quer que se proponha a prestar fiança, permitida em lei; f) cobrar o carcereiro ou agente de autoridade policial carceragem, custas, emolumentos ou qualquer outra despesa, desde que a cobrança não tenha apoio em lei, quer quanto à espécie quer quanto ao seu valor; g) recusar o carcereiro ou agente de autoridade policial recibo de importância recebida a título de carceragem, custas, emolumentos ou de qualquer outra despesa; h) o ato lesivo da honra ou do patrimônio de pessoa natural ou jurídica, quando praticado com abuso ou desvio de poder ou sem competência legal; i) prolongar a execução de prisão temporária, de pena ou de medida de segurança, deixando de expedir em tempo oportuno ou de cumprir imediatamente ordem de liberdade. (Incluído pela Lei n. 7.960, de 21.12.1989) � Objetividade Jurídica Dupla objetividade Jurídica: proteção do normal funcionamento da administração pública (mediata) e, por outro lado, proteção aos direitos fundamentais individuais (imediata). � Sujeito Ativo Artigo 5º - Considera-se autoridade, para os efeitos desta lei, quem exerce cargo, emprego ou função pública, de natureza civil, ou militar, ainda que transitoriamente e sem remuneração. Conceito Amplo: O conceito de Autoridade não se limita somente à condição de funcionário público, mas se estende também ao exercício da função pública que visa a atingir fins próprios do Estado. Ex: Advogado na cobrança de dívida ativa; serventuário da justiça, comissário de menores, vereador etc. Deve haver nexo de causalidade, ou seja, o praticante do ato deve estar no exercício da função pública. Crime Próprio: o crime só pode ser praticado por funcionário público em sentido amplo. Obs 1: Quem não é funcionário público e, portanto, não exerce função pública só responde por participação (Art. 29 do CP), pois a qualidade de autoridade é elementar dos tipos penais. Obs 2: Outra questão polêmica é a de saber se é sujeito ativo do crime de abuso em tela aquele que, embora não esteja no exercício de sua função (ex: está de folga), invoque a sua condição de autoridade e pratica, por exemplo, prisão fora dos casos constitucionais. � Sujeito Passivo: Tal como ocorre na objetividade jurídica, o crime em tela possui dupla subjetividade passiva: o Estado (mediato) e o titular do direito ou garantia constitucional (sujeito passivo imediato). � Elemento Subjetivo Para a prática deste delito, é preciso haver dolo (não se trata de dolo específico). Portanto, é preciso que o agente saiba que está exorbitando de seu poder. Para isso, é preciso que se avalie se o agente buscava a defesa social ou a simples perseguição por capricho e vaidade. Assim, a acusação deve demonstrar que o réu não agiu supondo o ato ser legítimo e que não objetivava a defesa social, embora este pudesse se enganar na interpretação dos fatos. � Consumação Trata-se de crime de perigo e não de dano. Logo, basta que o agente ponha sua vítima a risco decorrente do abuso de autoridade, sem que se precise provar o resultado mais grave decorrente desse perigo. � Tentativa Observe o elenco dos crimes do art. 3º da lei: Artigo 3º - Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: a) à liberdade de locomoção; b) à inviolabilidade dodomicílio; c) ao sigilo da correspondência; d) à liberdade de consciência e de crença; e) ao livre exercício do culto religioso; f) à liberdade de associação; g) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício do voto; h) ao direito de reunião; i) à incolumidade física do indivíduo; j) aos direitos e garantias legais assegurados ao exercício profissional. (Incluído pela Lei n. 6.657,de 5.6.79). Segundo a doutrina, pela natureza destes tipos penais, não é admissível a tentativa (crimes de atentado). Mas, seria possível, em tese, nas condutas do art. 4º. 7. Abuso de Autoridade contra a Liberdade de Locomoção: � Art. 5º, XV (norma de eficácia contida, permitindo ao legislador restringir tal liberdade. Vide 3 também o art. 139, da CF/88): direito de entrar, sair, permanecer e se deslocar em território nacional. � Abrange também os estrangeiros (art. 5º, Caput, da CF/88). 8. Abuso contra a inviolabilidade de Domicílio: � Interpretação constitucional do termo “domicílio” (art. 5º, XI, CF/88) deve ser extensiva (maior alcance dos direitos fundamentais sobre o conceito do direito privado). Obs 1: deve-se perquirir sempre o elemento subjetivo (dolo) do sujeito ativo para detectar o abuso de autoridade. Por ex: tem-se entendido não haver este crime quando houver diligência policial em residência quando a autoridade supõe com convicção que determinado crime está ocorrendo. Entende-se que, neste caso, a autoridade tinha finalidade licita. Obs 2: Tanto CP quanto a Lei 4898/65 estabelecem tipos penais semelhantes sobre a violação de domicílio: Art. 150 - Entrar ou permanecer, clandestina ou astuciosamente, ou contra a vontade expressa ou tácita de quem de direito, em casa alheia ou em suas dependências: Pena - detenção, de um a três meses, ou multa. § 2º - Aumenta-se a pena de um terço, se o fato é cometido por funcionário público, fora dos casos legais, ou com inobservância das formalidades estabelecidas em lei, ou com abuso do poder. Artigo 3º - Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: a) à liberdade de locomoção; b) à inviolabilidade do domicílio; Afinal de contas, qual das duas normas deverá prevalecer? 1ª corrente: a do CP, pois o abuso de autoridade é circunstância legal do crime de violação de domicílio e não do crime da Lei 4898/65 (o abuso de autoridade é o crime meio para se chegar ao crime fim – abuso de autoridade: antefactum não punível). 2ª corrente: a da Lei 4898/65, pois se trata de tipo especial que derroga norma geral (princípio de especialidade). 9. Abuso de autoridade na violação de correspondência: � Pela leitura do art. 5º, XII, tudo vai depender da aplicação do princípio de convivência das liberdades públicas (proporcionalidade). 10. Abuso de autoridade na liberdade de consciência e crença. � Consagração da liberdade de pensamento e sua manifestação (a liberdade religiosa é o seu desdobramento). Aqui também se deve aplicar o princípio de convivência das liberdades. Ex: não é abuso de autoridade interromper o culto quando houver perturbação do repouso da coletividade. O mesmo critério aplicar-se-á para impedir o curandeirismo e o charlatanismo. Artigo 3º - Constitui abuso de autoridade qualquer atentado: d) à liberdade de consciência e de crença; A interpretação aqui deve ser extensiva, de modo a alcançar também as expressões da CF (tutela também o local de culto e suas liturgias). Tal interpretação inclui, extensivamente, o direito também de não professar nenhuma fé. Jurisprudência: constitui abuso de autoridade, ao impor pena restritiva de direitos, impor prestação de serviços à comunidade em templo religioso; na aplicação de Sursis, restringir que o beneficiário freqüente cultos religiosos. 10. Abuso de autoridade contra a liberdade de Associação: art. 5º, CF/88. XVII - é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter paramilitar. XVIII - a criação de associações e, na forma da lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento; XIX - as associações só poderão ser compulsoriamente dissolvidas ou ter suas atividades suspensas por decisão judicial, exigindo-se, no primeiro caso, o trânsito em julgado; XX - ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado; XXI - as entidades associativas, quando expressamente autorizadas, têm legitimidade para representar seus filiados judicial ou extrajudicialmente; Obs: o Estado só poderá estabelecer requisitos para classificar as associações (civis, mercantis – sociedade anônima, Ltda, etc) que produzirão efeitos jurídicos diversos. Conseqüências da interferência arbitrária nas associações: 1) crime da lei 4898/65 (art. 3º, f); 2) infração político-administrativa: crime de responsabilidade (lei 1.079/50); 3) responsabilidade civil por danos morais e materiais. 4 11. Abuso de autoridade contra o direito de reunião: XVI - todos podem reunir-se pacificamente, sem armas, em locais abertos ao público, independentemente de autorização, desde que não frustrem outra reunião anteriormente convocada para o mesmo local, sendo apenas exigido prévio aviso à autoridade competente; � Direito individual, mas de expressão coletiva (individual com relação a cada um dos seus participantes e coletivo quanto ao seu exercício conjunto). � Pela jurisprudência, não tem configurado abuso de autoridade quando esta intervém na reunião para regularizar o trânsito, garantir a ordem pública ou a segurança, por causa da ausência de prévio aviso exigido pela CF. Porém, se pela análise do elemento subjetivo (dolo) a autoridade manifestar apenas a intenção de frustrar a reunião, haverá flagrante crime de abuso de autoridade. � Restrição constitucional à liberdade de reunião, o que descaracteriza o crime em tela: Art. 136, § 1º - O decreto que instituir o estado de defesa determinará o tempo de sua duração, especificará as áreas a serem abrangidas e indicará, nos termos e limites da lei, as medidas coercitivas a vigorarem, dentre as seguintes: I - restrições aos direitos de: a) reunião, ainda que exercida no seio das associações (estado de defesa). Art. 139: Na vigência do estado de sítio decretado com fundamento no art. 137, I, só poderão ser tomadas contra as pessoas as seguintes medidas: IV - suspensão da liberdade de reunião; 12. Abuso de autoridade contra a incolumidade física da vítima: � Segundo a doutrina, não há que se provar, neste crime, o resultado naturalístico, embora se trate de crime material. Dispensa, portanto, a presença de vestígios. Basta provar o emprego de força física, maus tratos ou vias de fato. � Há casos em que a violência é permitida. Ex: estrito cumprimento de um dever legal de um policial que usa da força para efetuar a prisão em flagrante. � Divergência doutrinária: haverá concurso material ou formal quando a agressão produzir lesão corporal? Ao optar pelo concurso material, haverá 2 crimes: abuso de autoridade e lesão corporal (corrente majoritária, já que cada crime deriva de desígnios autônomos. Sem contar com o fato de que haverá abuso de autoridade pela simples agressão, sem que haja, efetivamente lesão corporal); � Ao optar pelo concurso formal, a lesão corporal é absorvida pela o abuso de autoridade (corrente minoritária). � Violência arbitrária Art. 322 - Praticar violência, no exercício de função ou a pretexto de exercê-la: Pena detenção, de seis meses a três anos, além da pena correspondente à violência. Em corrente minoritária,a lei 4898/65 teria revogado implicitamente o art. 322, do CP. A lei não repetiu a parte final do CP – “além da pena correspondente à violência”. Ou seja, a lesão corporal ficaria absorvida pelo crime de abuso de autoridade (concurso formal). Jurisprudência: será competente a justiça comum para julgar o crime de abuso de autoridade e a contravenção vias de fato praticados pelo policial militar em serviço. Já a justiça militar é competente para julgar o crimes de lesão corporal e ameaça (ambos estão no CPM). 13. Abuso de autoridade contra o exercício profissional: XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer; Como se trata de norma constitucional de eficácia contida, as restrições impostas pelas autoridades devem estar previstas em lei; caso contrário, haverá crime de abuso de autoridade. 14. Análise minuciosa do art. 4º da Lei 4898/65: Obs: se o fato for tipificado tanto no art. 3º, quanto no art. 4º, haverá um só crime segundo a regra do art. 6º, § 3º. Análise de cada alínea do art. 4º: Artigo 4º - Constitui também abuso de autoridade: a) ordenar ou executar medida privativa da liberdade individual, sem as formalidades legais ou com abuso de poder; Súmula 172 do STJ - Compete à Justiça Comum processar e julgar militar por crime de abuso de autoridade, ainda que praticado em serviço. (DJ 31.10.1996). 5
Compartilhar