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REVISTA VIRTUAL DE PSICOLOGIA HOSPITALAR E DA SAÚDE y psicópio © PSICÓPIO Editor Susana Alamy Ano 1 - Volume 1 - Número 1 - Janeiro a Junho-2005 Edição Semestral - Distribuição Gratuita Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. i PSICÓPIO – REVISTA VIRTUAL DE PSICOLOGIA HOSPITALAR E DA SAÚDE Revista Semestral – Distribuição Gratuita Ano I, Volume 1, Número 1, Janeiro a Junho-2005 Editor: Susana Alamy Idealização e Realização; Capa , Editoração, Diagramação e Arte Final: Susana Alamy Revisão: Glenda Rose Gonçalves-Chaves WebMaster: Carlos Alexandre de Melo Pantaleão Conselho Editorial: Susana Alamy – psicoterapêuta, psicóloga clínica e hospitalar, professora de psicologia hospitalar e supervisora de estágios. CRPMG 6956 Elisângela Lins – psicoterapêuta, psicóloga clínica e hospitalar, professora de psicologia do CESUR – Centro de Ensino Superior de Rondonópolis. CRPMT 1281-2 Direitos Autorais Os direitos autorais dos artigos publicados pertencem ao Editor de Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde, Susana Alamy. Copyright © Susana Alamy. Todos os direitos reservados. Esta revista é protegida por leis de Direitos Autorais (copyright) e Tratados Internacionais. É permitida a sua duplicação ou a reprodução deste volume, em qualquer meio de comunicação, eletrônico, mecânico, gravação, fotocópia ou impresso, desde que integralmente. A reprodução parcial poderá ser feita somente mediante a autorização expressa dos autores dos artigos e do editor da revista. Para citação da revista na bibliografia: ALAMY, Susana (Ed.). Psicópio – Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde, Belo Horizonte, a.1, v.1, n.1, jan.-jul. 2005. Disponível em: <http://geocities.yahoo.com.br/revistavirtualpsicopio>. Acesso em: (dia em números) (mês abreviado em letras minúsculas) (ano). Para citação de artigos da revista na bibliografia - modelo: (Sobrenome do autor em letras maiúsculas), (nome do autor com a 1ª. letra maiúscula e as demais minúsculas). (Nome do artigo em letras comuns). Psicópio – Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde, Belo Horizonte, a.1, v.1, n.1, jan.-jul. 2005. Disponível em: <http://geocities.yahoo.com.br/revistavirtualpsicopio>. Acesso em: (dia em números) (mês abreviado em letras minúsculas) (ano). Fale com o Editor E-mail: revistavirtualpsicopio@yahoo.com.br ou psicologiahospitalar@uol.com.br Correios: Av. Prudente de Morais, 290 sl. 810 Bairro Cidade Jardim 30380-000 Belo Horizonte / MG Telefone: (31) 9141-9106 Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. ii PSICÓPIO – REVISTA VIRTUAL DE PSICOLOGIA HOSPITALAR E DA SAÚDE Revista Semestral – Distribuição Gratuita Ano I, Volume 1, Número 1, Janeiro a Junho-2005 SUMÁRIO Editorial .............................................................................................................................................. iii Nota Introdutória ................................................................................................................................. iv História do Psicópio ............................................................................................................................. v O sujeito, o desamparo e o analista ....................................................................................................... 06 Lucinda Moreira dos Santos Mendonça (Belo Horizonte/MG) Reflexões sobre a dor do paciente infantil oncológico’ ............................................................................ 10 Lauren Beltrão Gomes (Florianópolis/SC) Diferenças entre o atendimento psicológico em meio hospitalar e em consultório ..................................... 14 Vanina Ribeiro (Angola/África) A prática hospitalar – como é a atuação do psicólogo? ........................................................................... 17 Susana Alamy (Belo Horizonte/MG) Uma experiência malograda de atendimento infantil .............................................................................. 18 Priscila Said Saleme (Belo Horizonte/MG) Sentir na pele ....................................................................................................................................... 22 Michele Costa e Silva (São Paulo/SP) A importância da psicologia para a humanização hospitalar .................................................................... 25 Leida Mirian Hercolano Pinheiro (Cachoeiro do Itapemirim/ES) Psicólogo hospitalar: um espelho de reflexão ......................................................................................... 36 Andréia Santiago Sobreira Santos (Cuiabá/MT) Estudo de caso Acompanhamento da mãe de um paciente de dois anos de idade com diagnóstico de asma ....................... 37 Andréia Santiago Sobreira Santos (Cuiabá/MT) Depoimento de paciente Lugar de igualdade .............................................................................................................................. 39 Gabriela Lima (Belo Horizonte/MG) Modelo de anamnese / protocolo Protocolo – doenças respiratórias / anamnese infantil .............................................................................. 40 Susana Alamy (Belo Horizonte/MG) Links – Bibliotecas virtuais .................................................................................................................. 44 Eventos ............................................................................................................................................... 45 Normas para envio de artigos ................................................................................................................ 46 Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. iii EDITORIAL Pretendemos com este espaço ampliar o diálogo entre professores e alunos, profissionais e leigos, no âmbito da psicologia hospitalar e da saúde. Temos a pretensão de alcançar um número significativo de contribuições através das produções científicas e dos relatos pessoais de pacientes e familiares, pois objetivamos que também seja um lugar de incentivo à escrita. Constitui-se nossa base editorial a comunicação ética e moral, hoje tão disvirtuada em sua condução, e o respeito às opiniões, mesmo que divergentes das nossas. Sejam bem-vindos!!! Susana Alamy Verão 2005 Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. iv NOTA INTRODUTÓRIA Falar de psicologia hospitalar remete-me originariamente a pacientes e familiares e por isso não posso abster- me de citar Tolstoi, in: Ana Karenina1: “Todas as famílias felizes se parecem entre si; as infelizes são infelizes cada uma à sua maneira.” E é dentro desse contexto que se posicionarão os psicólogos hospitalares, quando essa maneira própria de cada um lidar com o adoecimento e a internação hospitalar se interpuser à sua felicidade, sem caber ao psicólogo julgamentos de valores e escalas de gravidade da doença. Ao paciente cabe a avaliação do seu sofrimento e da significação da sua patologia e como os sentem merece o respeito e a solidariedade de todos. Entendo que a psicologia hospitalar vem funcionar como um catalizador do paciente consigo mesmo, no contexto específico do adoecimento, quando permite que o paciente e seus familiares encontrem uma maneira satisfatória de continuar a vida, mesmo diante do enfrentamento de percalços e encausos tão exaustivamente sofridos. Traz sua contribuição também aos profissionaisde saúde, vializando o espaço das emoções tão condicionadamente racionalizadas, permitindo assim um atuar mais autêntico e menos estressante. A razão de existir da Psicologia Hospitalar? Podemos responder simploriamente com Léo Buscaglia, in: A História de Uma Folha2: “- Uma razão para existir – respondeu Daniel. – Tornar as coisas mais agradáveis para os outros é uma razão para existir.” (...) E não me tomem tão simplista, pois é imperioso o estudo da psicopatologia, da sociologia, da antropologia e de tantas outras ciências, para que nos situemos e tenhamos o cabedal necessário e indispensável para o “pleno” exercício da nossa profissão, pois “- Tudo depende da habilidade e da prudência com que se fazem as coisas...” (Tolstoi, p. 84). O Editor 1 Tolstoi, Leão. Ana Karenina, p. 13. Obra Completa. José Aguilar, Rio de Janeiro, 1961. 2 Buscaglia, Léo. A História de Uma Folha. Record, Rio de Janeiro – São Paulo, 2003. Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. v HISTÓRIA DO PSICÓPIO Psicópio é o nome da presente revista que vem, na realidade, mais uma vez, representar, por meio de um símbolo (e também de um significante), o que Susana Alamy buscou ao pensar no significado da psicologia hospitalar, constituindo em um logotipo que acompanha seus trabalhos e, agora, dá nome também a esta revista, cujo objetivo é difundir conhecimento e experiências profissionais no âmbito da psicologia hospitalar e da saúde. E por detrás deste símbolo está um uma história que demonstra a fusão de significantes, num almálgama que é capaz de espelhar o símbolo e fazer ressaltar o significado. O símbolo primeiramente foi criado por Susana Alamy e da inspiração de Maria Beatriz Machado Alamy1 surgiu o nome, proveniente da letra grega psi (y), que representa a psicologia e do estestocópio (aparelho com o qual se faz a ausculta dos pulmões, corações), símbolo vinculado à medicina. Essa junção conduziu a pensar justamente em psicologia, medicina, pacientes, doença, saúde, comportamentos e sentimentos, levando pois a esta unidade que representa a psicologia hospitalar. Afinal: psi mais (estetos)cópio:Psicópio. Instrumento do psicólogo capaz de ascultar a alma. Dessa maneira, é que o Psicópio, a partir do seu nascimento, já se figura como um logotipo capaz de exprimir a grandeza desse trabalho, que vem sendo executado ao longo de anos, com a mesma dedicação e afinco. Hoje , o mesmo torna-se nome também desta revista e, no esteio de sua trajetória, já se pode vislumbrar um caminho aberto para debates e crescimento profissional. Glenda Rose Gonçalves-Chaves E-mail: glendarose@uol.com.br 1 Bacharel em Letras Clássicas, musicista e folclorista. Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. 6 O SUJEITO, O DESAMPARO E O ANALISTA* Lucinda Moreira dos Santos Mendonça** A LAGOSTA Não somos diferentes de um crustáceo particularmente duro. A lagosta cresce formando e largando uma série de cascas duras, protetoras. Cada vez que ela se expande, de dentro para fora, a casca confinante tem de ser mudada. A lagosta fica exposta e vulnerável até que, com o tempo, um novo revestimento vem substituir o antigo. A cada passagem de um estágio de crescimento humano para outro, também temos de mudar uma estrutura de proteção. Ficamos expostos e vulneráveis, mas também efervescentes e embriônicos novamente, capazes de nos estendermos de modo antes ignorado. Essas mudanças de pele podem durar vários anos; entretanto, se sairmos, de cada uma dessas passagens, entramos num período mais prolongado e mais estável, no qual podemos esperar relativa tranqüilidade e uma sensação de reconquista de equilíbrio. Fonte: Passagens de Gail Sheehy Contribuição: Cecília Caram INTRODUÇÃO A internação hospitalar pode levar o sujeito a deparar-se com angústias que antes não eram percebidas e ele se vê incapacitado de administrá- las. Este encontro com algo que o machuca, que o faz sofrer, é na verdade uma conseqüência do desamparo radical, ou seja, é algo que vem com o sujeito desde o seu nascimento, mas que só se dá conta dele quando algo lhe falta. O desamparo trás consigo vários sentimentos como os de: solidão, invalidez, raiva, tristeza etc. e com isso o paciente se vê necessitado do acolhimento e da ajuda do outro. É comum que estes sentimentos apareçam após uma reflexão sobre vivências passadas, ainda não cicatrizadas ou não re-experimentadas. E é com o aparecimento destes que a necessidade de um acompanhamento profissional do paciente, e, muitas vezes também do seu acompanhante, torna- se de extrema importância. É preciso que o paciente seja escutado, pois, normalmente, este é calado e quieto e, muitas vezes, a equipe que o atende não percebe o seu sofrimento e o vê como um ótimo paciente, pois não reclama das intervenções a submeter-se, dos exames que tem que fazer, enfim, não interroga sobre seu cotidiano no hospital ou até mesmo sobre sua doença. Mas para que fazer estas interrogações, se, na verdade, o que ele realmente precisa falar, ou melhor, ser escutado e se escutar, é sobre algo relacionado a sua vida antes de sua hospitalização. E de novo ele se sente desamparado, pois não há quem lhe dê ouvidos, quem o repare, dando-lhe, assim, amparo. A pessoa internada ou o seu acompanhante não é apenas um número de leito, uma doença (um CID) ou um mau prognóstico, é ser humano que deve ser escutado e amparado, ou seja, que necessita da intervenção de um terceiro. O analista pode e deve colocar-se no lugar deste Outro. Ele será capaz de escutar e, principalmente, de fazer com que o sujeito se escute e consiga refletir sobre seu desamparo radical, e, a partir daí, fortalecer-se para enfrentar seus problemas e suas angústias, dando-lhes reais significados. Aprendendo assim sobre si mesmo e conseguindo lidar melhor com situações que podem lhe causar angústias. O DESAMPARO RADICAL NA CONSTITUIÇÃO DO SER HUMANO O sujeito, ao nascer, necessita do amparo do outro, ele precisa que o outro cuide dele e quando isto não ocorre, não há como sobreviver. Por isso, pode-se dizer que o indivíduo é um ser faltante. O desamparo radical faz com que o sujeito busque incessantemente sua satisfação. Através desta busca, o sujeito conquistará pequenas satisfações que o constituirá como tal. Inic ialmente o objeto de satisfação do sujeito é oferecido pelo Outro, que interpretará, a seu modo, os sinais que o sujeito enviar-lhe. Será através deste terceiro que o sujeito começará a tornar-se humano, reconhecendo suas necessidades, seus desejos e suas demandas, deixando de ser objeto de satisfação do outro. “... A incapacidade em que a criança se encontra de satisfazer por si mesma a essas exigências orgânicas requer e justifica a presença de um outro. Como se dá esse cuidado da criança pelo outro? Uma primeira coisa que se deve observar é que essas manifestações corporais tomam imediatamente valor de signos para esse outro, uma vez que é ele que alivia e decide compreender que a criança está em estado de necessidade. Dito de outra forma, estas manifestações corporais só fazem sentido na medida em que o outro lhes atribui um sentido... não existe nenhuma intencionalidade da criança no sentido de mobilizar o estado de seu corpo em manifestações que teriam valor Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. 7de mensagem destinada ao outro...”.1 Esta incompletude do homem é que faz com que ele busque, sempre, objetos que possam realizar seus desejos. Mas, sabe-se que esta realização é impossível de ocorrer, pois, não há objetos reais que o satisfaça. Portanto, a primeira experiência de satisfação do sujeito, nunca mais será alcançada ou repetida. “... É graças à primeira associação produzida no psiquismo que o reinvestimento da imagem mnésica pela moção pulsional torna-se possível. O reinvestimento de uma tal imagem é um processo dinâmico, visto que, por outro lado, pode antecipar a satisfação de um modo alucinatório. Assim também, a essência do desejo deve ser procurada neste dinamismo. Ele tem por modelo a primeira experiência de satisfação e, para além desta experiência, permite orientar dinamicamente o sujeito na busca de um objeto suscetível de proporcionar esta satisfação”.2 Sabe-se que o objeto do desejo, ou objeto a, segundo Lacan, é eternamente faltante, sendo este suscetível de ser preenchido por qualquer outro objeto durante a existência do sujeito. Por isso, os objetos a serem alcançados variam durante toda a vida e cada pessoa procurará um objeto diferente do da outra, o que prova a particularidade de cada um. Sabe-se que estes objetos não permitem a satisfação plena, pois são objetos da pulsão, mas eles já permitem uma pequena satisfação, fazendo com que o sujeito se contente com este pouco para garantir a sua sobrevivência. Não quer dizer que, ao se contentar com isto, o sujeito pare de procurar outros objetos, pelo contrário, ele inic iará mais uma busca, novamente. A falta em que o homem está inserido é a grande responsável pela inserção deste na linguagem. Esta aparecerá quando o outro já não for mais capaz de nomear as necessidades, as demandas e os desejos do sujeito. Mas, mesmo com a introdução da linguagem o sujeito não conseguirá nomear precisamente seus desejos e, por causa dessa falha da linguagem, o sujeito continuará sendo um ser da falta. “O surgimento do desejo fica, pois, suspenso à busca, ao re-encontro da primeira experiência de gozo. Mas já a partir da segunda experiência de satisfação, a criança, é tomada no assujeitamento do sentido, é intimidada a demandar para fazer ouvir seu desejo. É, portanto, conduzida a tentar significar o que deseja”.3 1 DOR, 1992. cap. 20, p.144. 2 DOR, 1992. cap. 20, p.141. 3 DOR, 1992. cap. 20, p. 146. O desamparo radical está presente durante toda a vida do sujeito, mas pelo fato de este estar sempre procurando objetos que o satisfaça e de contentar-se quando há uma pequena satisfação, faz com que o indivíduo trabalhe bem com suas faltas. Mas, quando o sujeito vive alguma experiência que o coloca em estado de choque, como por exemplo, a perda de um amor ou a perda da saúde, a presença do desamparo é sentida na forma de angústia, com a qual ele, provavelmente, não conseguirá lidar, e, mais uma vez ele se vê necessitado do auxilio do Outro. É, exatamente, neste momento em que o desamparo radical aparece, nesta forma tão visível, que a presença do analista se faz indispensável. O PAPEL DO ANALISTA FRENTE AO DESAMPARO Como já foi visto, quando o sujeito se vê frente a alguma situação que o desagrade profundamente, necessariamente, ele precisará de um Outro que ele julga ser capaz de resolver esta situação. E por isso o analista é chamado, pois é visto como alguém que detém a resolução imediata para angústia vivida neste momento. Quando o sujeito chega até ao analista, ele está atrás de um Outro que seja completo e, por causa disso, que seja capaz de lhe dar todas as respostas que procura, ou seja, que seja colocado no lugar do sujeito suposto saber. Inicialmente o analista deve aceitar este lugar para que ocorra a análise, pois é de extrema importância que o paciente esteja integrado com o seu tratamento e com o analista. A análise é uma construção que deve ser feita conjuntamente pelo paciente e pelo analista. O primeiro passo desta construção, é, exatamente, a transferência. “‘No começo da psicanálise é a transferência’, nos diz Lacan, e seu pivô é o sujeito suposto saber. O surgimento do sujeito sob transferência é o que dá sinal de entrada em análise, e esse sujeito é vinculado ao saber... A resolução de se buscar um analista está vinculada à hipótese de que há um saber em jogo no sintoma ou naquilo de que a pessoa quer se desvencilhar”.4 O analista deve ter o enorme cuidado de não tomar para si esta posição de saber, pois ele nada sabe de seu paciente, e, ao colocar-se nesta posição, ele não deixará espaço para a falta, pois, estará respondendo às demandas do sujeito. 4 QUINET, 1991. cap. I, p. 30 Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. 8 “Se o analista empresta sua pessoa para encarnar esse sujeito suposto saber, ele não deve de maneira alguma identificar-se com essa posição de saber que é um erro, uma equivocação... Sua posição, muito mais do que a posição de saber, é uma posição de ignorância, não a simples ignorância, mas a ignorância douta. Esse é um termo de Nicolau di Cusa (século XV) que é definido como ‘um saber mais elevado e que consiste em conhecer seus limites’. A ignorância douta é um convite não apenas à prudência, mas também a humildade; um convite a se precaver contra o que seria a posição de um saber absoluto: contra a posição do analista de aceitar a imputação de saber que o analisante lhe faz. O saber é, no entanto, pressuposto à função do analista”.5 A demanda que o sujeito traz para a análise não deve ser pega exatamente como ele a coloca. O analista tem o dever de questioná-la para descobrir o que está por detrás dela. Inicialmente o sujeito quer desvencilhar-se do seu sintoma, mas, o coloca como algo externo a si mesmo e só com o tempo é que este conseguirá ver que ele é o próprio causador de seu sintoma. E isto só ocorrerá quando o sujeito perceber que o analista não detém todo o saber e que quem o detém é ele mesmo. A frustração é algo que deve estar presente na análise, pois, será através dela que o sujeito começará a lidar com o não ao seu gozo, e assim passar a conviver com as faltas, suas e dos outros, de uma melhor maneira. Frente ao desamparo radical, o analista deve ser capaz de acolher o sujeito, com toda a sua angústia e fazer com que este consiga falar livremente sobre aquilo que o incomoda, permitindo que o sujeito elabore seu sofrimento, mas que, mesmo sabendo trabalhar com aquele sofrimento, ele continuará sendo um ser da falta. O DESAMPARO, O ANALISTA E O PACIENTE NO HOSPITAL... No hospital, a questão do desamparo radical está muito presente, pois é um lugar onde o sujeito se vê freqüentemente em situações que o “colocam em xeque”. É um lugar em que o sofrimento é iminente e a angústia aparece a todo instante. A presença do analista no hospital é de extrema importância por causa deste caráter de sofrimento que o hospital por si causa. No hospital, o sujeito se volta totalmente para si e esta retração pode levá-lo a re-experimentar vivências que lhe causem um certo incômodo, pois o colocará frente a sua falta, frente ao desamparo 5 QUINET, 1991. cap. I, p. 31 radical. Durante a minha experiência no Hospital da Baleia tive a oportunidade de presenciar este sofrimento em uma mãe que acompanhava seu filho de dois anos e que estava com câncer generalizado. Ela estava no hospital há mais ou menosum mês, e seu filho tinha um prognóstico muito sombrio. Atendi-a algumas vezes e ela sempre se mostrou aberta aos atendimentos, mas, normalmente, estes giravam em torno da doença e do prognóstico de seu filho. Atendimento feito no dia 02/09/2002 - Estava atendendo a uma outra paciente, quando pr. se aproximou e disse que queria muito conversar comigo. Disse-lhe que, assim que acabasse aquele atendimento, eu iria atendê-la. - Terminei o atendimento e logo depois me aproximei do leito do filho de pr. e antes mesmo de perguntar-lhe algo ela me disse: - Ontem briguei por sua causa lá na oncologia. - Então lhe perguntei por quê? E ela me respondeu: - Estava com o meu filho lá na quimioterapia e tinha uma outra mãe também, então, chegou uma estagiária da psicologia oferecendo atendimento para esta mãe e ela não aceitou e falou que psicólogo só quer saber da vida da gente e que por isso não presta. Então eu lhe falei que não era nada disso, que eles não queriam saber da nossa vida, mas sim nos ajudar a resolver os nossos problemas. Antes mesmo de eu falar qualquer coisa pr. me perguntou: - Lu (era assim que ela me chamava) você vem aqui para escutar só os problemas relacionados ao hospital ou eu posso lhe contar outros problemas que eu estou passando? Disse-lhe que eu estava ali para escutar aquilo que ela quisesse me falar. Então ela começou: - Lu, estou pensando em me separar do meu marido. Ele não ajuda em nada com o nosso filho. Não quer saber de pagar as contas lá de casa e eu estou pensando em me separar dele, o que você acha? - Como é a relação de vocês? - Ela é boa, mas eu não sei se gosto dele, aliás, eu sei que eu gosto, mas não sei se eu amo. Aliás, eu acho que eu... - Você acha que você... - Eu acho que eu não sei amar (alguns segundos de silêncio). Lá em casa eu não aprendi isso. Fui abandonada pelo meu pai quando eu era muito nova, e, por causa disso, minha mãe teve que ficar muito tempo ausente trabalhando para nos Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. 9 sustentar, então eu não aprendi o que é amar. Eu amo minha mãe e meus irmãos, mas eu não faço nada para estar com eles, para conviver com eles. Para mim tanto faz se eu os encontro ou não. E foi assim também com o meu primeiro marido, eu não o amava, e não fiz nada para que o nosso relacionamento desse certo. E, para falar a verdade, eu não sei nem se eu deixo... - Você não sabe se você deixa... - Na verdade, eu acho que eu não deixo ninguém me amar, eu não sei deixar as pessoas me amarem. Sabe Lu, eu tenho medo de começar a amar alguém e depois ser abandonada de novo e por isso eu acabo não deixando ninguém me amar também, pois, assim, eu não sentirei que estou abandonando-as, quando deixá-las... Eu estou pensando numa coisa: eu acho que, muitas vezes, sou eu quem abandono as pessoas e não elas que me abandonam. Nossa, como eu falei hoje... você me fez pensar muita coisa. - Já que você pensou muita coisa, eu vou deixar você pensando mais um pouco e volto aqui quarta-feira. Tudo bem? - Tudo. Eu realmente tenho muita coisa para pensar e tomar alguma atitude. Até quarta então! Após este atendimento, seu filho teve alta. Encontrei-a um dia, no estacionamento do hospital, e disse-lhe que estaria a sua disposição para atendê- la, para isso bastava me procurar. Ela não me procurou. Depois de um mês da alta o paciente teve que retornar ao hospital para tomar alguns medicamentos e pr. veio acompanhando-o. Aproximei-me dela e ela mostrou-se receptiva, mas, quando perguntei como estava, ela disse-me que não era para eu ficar brava, mas não queria mais ser atendida. Disse que não estava preparada para se conhecer melhor e que, se ela voltasse outra vez, então ela me chamaria. A falta na vida dessa paciente é algo constante e visível, o ser abandonada e o abandonar está sempre cercando-a, assim, com a apresentação desta entrevista tive como objetivo mostrar o desamparo radical desta acompanhante frente à situação de internação de seu filho, que fez com que ela refletisse sobre si mesma e sobre esse sofrimento que carrega desde sua infância. CONCLUSÃO Com a realização deste trabalho tive a oportunidade de aprofundar meus conhecimentos sobre a psicanálise e fazer uma junção desta com a minha prática no hospital. Esta experiência foi muito rica, pois foi a minha primeira oportunidade de escrever sobre a psicanálise, conseguindo condensar a teoria e a prática no hospital. Conheci novos conceitos e aperfeiçoei-me em outros. Consegui alia r uma entrevista com o conceito de desamparo radical, que não conhecia e tive o maior prazer em estudá-lo, pois o ser humano só consegue constituir-se como tal sob a presença deste. Através deste trabalho cheguei a conclusão que o ser humano é um ser da falta e que esta, muitas vezes, não é percebida por ele, mas quando há algo que o coloque frente ao desamparo radical, além de o sujeito sentir-se angustiado, ele não consegue lidar com isso, e, necessariamente, precisará do auxílio de uma outra pessoa, de preferência um profissional da área psi. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. CARAM, Cecília Andrés. Caderno de Contos. Belo Horizonte: projeto convivendo com arte. 2. DOR, Joel. Introdução à leitura de Lacan. 3.ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. 203p. 3. FRANÇA, Júnia Lessa. Manual para normalização de publicações técnico-ciêntificas. 5.ed. Belo Horizonte: UFMG, 2001. 211p. 4. FREUD, Sigmund. Publicações pré- psicanalíticas e esboços indtitos. 2.ed. Rio de Janeiro: Imago, 1987. 441p. 5. QUINET, Antônio. As 4+1 Condições da Análise. 4.ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991. 125p. 6. TENDLARZ, Silvia Elena. De que sofrem as crianças? Rio de Janeiro: Sete Letras, 1997. _________________________________________ * Trabalho apresentado no curso “A Intervenção Psicanalítica no Hospital Geral” como requisito para a finalização deste. Orientadora: Maria Helena Libório B. Melo. ** Estagiária de Psicologia no Hospital da Baleia, Fundação Benjamim Guimarães – Belo Horizonte/MG, 2002. E-mail: lumsm@superig.com.br Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. 10 REFLEXÕES SOBRE A DOR DO PACIENTE INFANTIL ONCOLÓGICO* Lauren Beltrão Gomes** Inerente à condição humana, a dor vem acompanhando todo o existir do homem. Tradicionalmente, foi apenas considerada em sua dimensão sensorial sendo os aspectos psicológicos estudados apenas no século XX. Em 1979, a Associação Internacional para o Estudo da Dor (IASP) propôs uma conceituação para dor que é usada até os dias de hoje: A dor é uma experiência desagradável, sensitiva e emocional, associada com lesão real ou potencial dos tecidos ou descrita em termos dessa lesão. (MERSKEY, apud LOBATO, 1992, p.165) Mesmo que a dor esteja ancorada em uma experiência sensorial real, a percepção desta sensação e a forma de expressão da dor variam conforme a cultura e conforme a personalidade do indivíduo. Sendo assim, possui um caráter subjetivo. Os fatores emocionais podem aumentar ou diminuir a experiência da dor. O medo, por exemplo, causa uma contração, tanto física quanto psíquica, que aumenta a sensação dolorosa. O sentir-se abandonado, isolado, ou não compreendido, também são fatores que aguçam a dor. Quando a dor se torna intolerável, desorganiza o aparelho psíquico, afetando a capacidade de desejar e atividade do pensamento. A dor é entendida como uma sensação de causas múltiplas, o que dificulta a precisão de sua origem. Segundo GUIMARÃES (1999),a dor possui determinadas características que contribuem para a sua particularidade: a localização, a qualidade, a intensidade, a freqüência, a natureza orgânica ou psicogênica (associada ao funcionamento ou momento psicológico da pessoa), etiologia e duração. Não existem medidas objetivas para mensurar a dor, que nos afirmem que uma dor deva doer mais do que a outra e não há relação direta entre o tamanho da lesão e a intensidade da dor. A função da dor no organismo é a de alertá-lo sobre algo que está sendo danoso a ele. Assim, a dor cumpre a função protetora sendo essencial para a sobrevivência. Sem ela, o ser humano não tomaria conhecimento dos processos patológicos aos quais o organismo está suscetível. No entanto, algumas dores são persistentes, tornando-se crônicas. Assim, a dor torna-se a própria patologia, um problema a resolver. As dores podem ser classificadas e categorizadas. A classificação mais amplamente usada é a que utiliza a duração da dor como referencial. Segundo GUIMARÃES (1999), essa classificação considera a dor ao longo de um continuum de duração e inclui dor aguda, crônica e recorrente. A aguda tem duração relativamente curta, de minutos a algumas semanas e decorre de lesões teciduais, processos inflamatórios ou moléstias. A dor crônica tem uma longa duração, podendo estender-se por meses ou anos. Geralmente é acompanhada de alguma doença ou está assoc iada a alguma lesão já tratada. A dor recorrente tem características dos dois tipos citados anteriormente. É aguda, por ocorrer em episódios de curta duração, mas também é crônica, pois se repete ao longo de muito tempo. Ao se pensar no que a dor expressa, SZASZ (apud LOBATO, 1992) coloca que a simbolização da dor se dá em três níveis: No primeiro ela constitui um sinal registrado pelo ego de que se acha em curso uma ameaça à integridade estrutural ou funcional do organismo. Num segundo nível, ao verificar-se que a experiência pode ser repartida, isto é, comunicada a outra pessoa, faz da dor um meio básico de pedir ajuda. Num terceiro e último plano, a dor não mais denota uma referencia ao corpo, mas pode, isso sim, expressar queixa, ataque, aviso de perda iminente do objeto. Neste último nível de simbolização, a dor pode ser ‘utilizada’ como forma de manipular os outros, ganhar o controle sobre eles, ou então, já um outro plano, como forma de aliviar a culpa por alguma falta real ou imaginária cometida anteriormente. (Lobato, 1992, p.166) A criança passa por experiências dolorosas desde o nascimento. Suas vivências, bem como a observação de pessoas em seu cotidiano, fazem com que ela aprenda a julgar a intensidade da sensação dolorosa. Assim, a percepção da dor pela criança envolve aprendizagem e discriminação e depende do seu nível de desenvolvimento. Além disso, o estado emocional da criança constitui-se um relevante influenciador quanto à percepção da dor (GUIMARÃES, 1999). MCGRAFTH (apud GUIMARÃES, 1999) relata que o recém nascido chora e movimenta-se bastante ao sentir dor. Aos dez meses, a criança, além de movimentar-se intensamente, passa a tocar no local dolorido e procura o acolhimento materno. Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. 11 De dois a seis anos, as crianças definem a dor em termos perceptivos, pois já percebem o mundo de forma concreta, embora dificilmente relacione a dor com sua possível enfermidade. Com quatro anos, busca fugir e evitar situações dolorosas e já possui a capacidade de verbalizar a rejeição pelas mesmas. É na faixa etária dos sete aos nove que a necessidade de alguns procedimentos dolorosos começa a ser compreendida, quando o conceito de dor pode ser entendido conforme seu estado emocional. O entendimento relacionado aos mecanismos fisiológicos da dor e da patologia só inic ia-se na adolescência. Alguns autores propõem a inclusão da dor do câncer como uma categoria diferente na classificação das dores com vista às especificidades desta doença. Dentre as dores advindas da neoplasia encontram-se a dor da punção lombar, da punção venosa, do mielograma, do desconforto durante e depois da quimioterapia, de ficar sem cabelos ou longe de casa e da família. LORDELLO (1999) fala da origem da dor no câncer: ??Dor associada ao tumor, provocada por compressão nervosa, infiltração ou metástase; ??Dor decorrente dos procedimentos terapêuticos antineoplásicos, como quimioterapia ou radioterapia e dor pós-cirurgia; ??Dores não relacionadas ao câncer ou à terapia anticâncer, mas coincidentes com a patologia, como dor de cabeça ou ferimentos. Sobre as especificidades do câncer infantil, TORRES (1999) comenta: O câncer pediátrico requer um tratamento prolongado no tempo, que exige a utilização de procedimentos médicos altamente aversivos, os quais, em muitos casos, provocam sensações dolorosas mais perturbadoras do que a própria doença. Portanto, ao se falar de dor em oncologia pediátrica, é necessário distinguir entre a dor ocasionada pela enfermidade - originária da invasão do tumor - e aquela gerada pelo diagnóstico e tratamento - dor pós-cirúrgica, dor posterior à radioterapia, etc. (p.132). Ao que se refere a dor advinda da doença, sabe- se que a invasão direta da medula óssea pelo tumor, por depósitos metastáticos ou por células leucêmicas é a causa mais comum de dor em crianças com câncer. Da mesma forma, alguns tumores podem ser inicialmente indolores, passando a doer com a progressão da doença. É importante ressaltar, todavia, que, diante da dor e de eventos estressantes, é bastante comum a regressão a níveis de desenvolvimento anteriores, fazendo com que a criança utilize mecanismos de defesa que possam auxiliá -la a controlar a ansiedade e a lidar com a dor. Este processo acontece freqüentemente com crianças portadoras de doenças crônicas como é o caso do câncer, que precisam submeter-se sistematicamente a procedimentos terapêuticos invasivos e dolorosos. Segundo GUIMARÃES (1999), ...uma sessão de coleta de sangue para exames, por exemplo, provoca dor aguda de curta duração e tem pouca probabilidade de se tornar um evento estressor. Mas este mesmo procedimento repetido diariamente ou mais de uma vez ao dia, sem treino especial, pode se tornar muito traumático e estressante para a criança. (p.252). Segundo MCGRAFTH (apud GUIMARÃES, 1999), durante procedimentos médicos desagradáveis como a aspirações de medula óssea, o receio do que está ocorrendo, gerado pelo fato de não se ter controle algum sobre a situação, pode exacerbar a percepção da dor. Utilizando os recursos lúdicos, a preparação psicológica para essas ocasiões procura desmistificar as fantasias dos pacientes acerca dos procedimentos, garantindo-lhes, além de conforto e segurança, um certo controle da situação que os possibilita assumirem uma postura mais ativa frente à dor lidando com ela de forma menos traumática. A utilização adequada da orientação antecipatória tem como efeitos principais reduzir a insegurança e a ansiedade derivadas do medo do desconhecido e facilitar a ativação de mecanismos adaptativos da personalidade. Compreender a criança para obter sua colaboração nos procedimentos é fundamental. Para tanto, é preciso que se mostre à criança, utilizando uma linguagem que seja entendida por ela, o que vai de fato acontecer respeitando-a e entendendo seus sentimentos. Portanto, faz-se importante que em todo processo de tratamento, a Psicologia possa atuar no sentido de acolher os sentimentos da criança que sente dor, respeitando-a em sua fase de desenvolvimento. Visto isso, percebe-se a relevância em se preparar o paciente infantil diante dos procedimentosdolorosos aos quais será submetido. A familiaridade com a situação potencialmente dolorosa pela compreensão do procedimento, previsão dos acontecimentos e relativo controle da situação são facilitadores que reduzem a ansiedade com que a criança antecipa a experiência e minimiza sua percepção de dor. (GUIMARÃES, 1999, p.256). Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. 12 É importante que os familiares estejam suficientemente preparados para enfrentar a dor do filho. Os sentimentos demonstrados por eles em relação à doença e ao tratamento são sentidos pela criança e exercerão grande influência na maneira como ela vai lidar com a realidade da sua doença. Segundo BERGMANN e ANNA FREUD (1978), havia uma crença de que não se devia falar às crianças dos procedimentos dolorosos ou cirúrgicos a que seriam submetidas, pois isto iria excitar suas expectativas receosas, assim como também não falar depois de acontecido para que a criança esquecesse mais facilmente. Entretanto, hoje se sabe que este tipo de atitude pode ser profundamente prejudicial e traumático para o desenvolvimento da criança, pois esta não tem ainda bem estabelecidos os limites entre realidade/fantasia e os seus medos arcaicos e suas ansiedades primitivas juntam-se com os perigos reais e ocultam os verdadeiros fatos, onde os procedimentos são vistos como ataques, castigos e ameaça de castração. É natural e até mesmo esperado a vivência conflituosa desta situação vivida pela criança. Mas tal conflito pode ser amenizado por informações dadas dentro de um ambiente que permita o continente de todas as ansiedades e medos decorrentes da dor/tratamento. A criança sente-se reconfortada, segura, menos confusa e mais saudável enquanto vivência do seu desenvolvimento emocional e cognitivo quando lhe é fornecido um quadro de realidade dos acontecimentos que vive, tão honesto e completo conforme ela possa compreender. Suas fantasias, ansiedades e medos não são negados, mas sim acolhidos e aproximados da realidade. REDD (apud LORDELLO, 1999) coloca que, atualmente, o tratamento da dor do câncer tem sido feito segundo uma abordagem biopsicossocial, onde os programas desenvolvidos nos hospitais sugerem intervenções multifacetadas para o controle e manejo da dor. A Organização Mundial de Saúde tem estabelecido, como prioridade no atendimento a pacientes oncológicos, o alívio da dor. Os pacientes oncológicos devem ser tratados com fármacos analgésicos e orientação psicológica para o manejo adequado da dor, objetivando capacitar a criança e a família para entender o que está acontecendo e minimizar a dor. A criança costuma ser vista pelo adulto com um ser frágil, que desperta comportamentos protetores e agressivos. Tentado fugir das próprias emoções, o adulto busca meios de diminuir ou de manter sob controle as manifestações emocionais intensas das crianças, por meio da minimização ou da negação dos fatores e/ou dos efeitos desencadeantes da reação de forma a conduzí-la para o ideal adulto, principalmente o masculino: o de uma pessoa capaz de controlar os afetos e as manifestações dolorosas. Pode-se exemplificar esta conduta por afirmações tão corriqueiras do adulto frente às reclamações da criança como “não vai doer nada” ou “você já é um homenzinho, não pode ter medo”. Tais dificuldades em lidar com as manifestações infantis da dor são sentidas pelos profissionais da área da saúde em geral. O cotidiano de tais profissionais é permeado pela preocupação com possíveis danos orgânicos secundários à sedação e analgesia e pela concepção de que as crianças não percebem nem registram os estímulos dolorosos na mesma intensidade que os adultos. A experiência da dor, além de possuir caráter único, complexo e subjetivo é sempre expressa, comunicada. As dificuldades do adulto de interpretar sinais infantis são ampliadas se a fluência verbal da criança for muito pequena. O profissional de saúde se vê obrigado a deduzir a presença, a duração e a intensidade da dor na criança sendo pertinente aqui nos referirmos ao perigo da dessensibilização desses profissionais diante do sofrimento do paciente. Entendendo dessa forma, a dor passa a ser assunto para diversos profissionais. Portanto, o atendimento a pacientes que sentem dor deve ser feito por uma equipe multiprofissional. Da mesma forma, inúmeras técnicas vêm sendo desenvolvidas para minimizar a dor, incluindo aqui não apenas recursos analgésicos. Assim, ...há dores de origem psicológica para as quais os medicamentos não surtem efeito; a dor pode tornar-se refratária a medicação, ou o organismo pode desenvolver tolerância e requerer doses gradualmente maiores e mais fortes de analgésicos agressivos como morfina ou codeína; o organismo pode apresentar reações clínicas adversas decorrentes de efeitos secundários da droga; ou a medicação pode ser ineficaz para aliviar certos tipos de dor como ‘dor fantasma’ em membros amputados. (GUIMARÃES, 1999, P.28). Entretanto, cabe lembrar que grande parte dos profissionais da saúde não está preparada para lidar com a dor de seus pacientes. Dessa forma, ocorrem avaliações inadequadas dos quadros de dor e de suas conseqüências. Pode-se subestimar o sofrimento das crianças, acreditar que a dor é necessária para elucidar alguns diagnósticos ou submedicar o paciente infantil com analgésicos, temendo viciá -lo. É assim que, inúmeras vezes, não há um controle satisfatório da dor. Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. 13 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BERGMANN, T.; FREUD, A. A criança, a doença e o hospital. Lisboa – Portugal: Moraes, 1978. GUIMARÃES, S. S. Introdução ao Estudo da Dor. In: CARVALHO, M. M. M. J. de. (Org.) Dor: um estudo multidisciplinar. São Paulo: Summus, 1999. LOBATO, O. O problema da dor. In: MELLO FILHO, J. Psicossomática hoje. Porto Alegre: Artes Médicas, 1992. LORDELLO, S. R. M. O Profissional de Saúde e a Percepção do Câncer Infantil. In: CARVALHO, M. M. M. J. de. (Org.) Dor: um estudo multidisciplinar. São Paulo: Summus, 1999. TORRES, W. da C. A Criança diante da Morte: desafios. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1999. LORDELLO, S. R. M. O Profissional de Saúde e a Percepção do Câncer Infantil. In: CARVALHO, M. M. M. J. de. (Org.) Dor: um estudo multidisciplinar. São Paulo: Summus, 1999. _________________________________________ * Parte do trabalho de conclusão de curso (estágio em psicologia clínica). Orientadora: Jadete Rodrigues Gonçalves ** Psicóloga. CRPSC 04747 E-mail: laurenbeltrao@yahoo.com.br Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. 14 DIFERENÇAS ENTRE O ATENDIMENTO PSICOLÓGICO EM MEIO HOSPITALAR E EM CONSULTÓRIO* Vanina Ribeiro** Nas duas situações, em meio hospitalar e em consultório, o psicólogo tem como objectivo escutar os sentimentos, as emoções, isto é, o estado interior do sujeito que está diante de si e que desta forma busca alívio para o seu sofrimento. O que as caracteriza, portanto, não é o seu objectivo, mas o objecto, ou seja, aquilo que as leva a actuar. Isto, partindo do reducionismo de que, em consultório não são abordadas, pelo menos, com frequência, as questões relativas ao processo de adoecer. Desta forma, “a psicologia hospitalar intervém na forma do paciente conceber e vivenciar os problemas gerados pela patolo gia orgânica, pela hospitalização, pelos tratamentose pela reabilitação.” (Alamy, p.15) Poderemos, então, concluir que o que as diferencia é a forma como actuam, uma vez que agem em contextos diferenciados. Assim, relativamente, as diferenças na actuação do psicólogo num contexto hospitalar e num contexto de consultório basear-nos-emos em três eixos, por nós definidos: o do sujeito, o do setting e o da iminência da morte. PRIMEIRO EIXO Neste eixo, abordaremos aqueles que nos parecem ser os principais aspectos que caracterizam os sujeitos e, desta forma, os assuntos abordados nos diferentes contextos. No meio hospitalar estamos diante de um indivíduo que se encontra despojado do seu meio familiar, que tem que se adaptar a uma nova rotina diária que lhe é imposta (horário de refeições, de estar com os familiares...); que passa, muitas vezes, a ser um número de cama ou um indivíduo com tal órgão comprometido; e, ao qual não é dada alternativa face as intervenções a que é sujeito (até porque estas são, supostamente, para o seu bem). Estamos, deste modo, perante um sujeito que para além de ter que lidar com as alterações físicas da doença, também, tem que lidar com as que resultam da inserção num meio diferente e, em que a sua identidade pessoal parece ser anulada, ignorando-se os seus direitos e as suas necessidades. Assim, o internamento provoca uma ruptura na trajectória do indivíduo (impede-o de trabalhar, de se divertir, tira-o do convívio familiar e dos amigos, isola-o) e, cabe ao psicólogo trabalhar as fantasias, os medos, as dúvidas que daí emergem, bem como dar assistência aos familiares do paciente, que participam do seu adoecer e do seu restabelecimento. Uma vez que, as reacções psicológicas podem interferir directamente na recuperação do sujeito. Em consultório, atendemos à compreensão dos conflitos (com o mundo, com os outros, consigo próprio) de cada sujeito, que de acordo com a escola psicanalítica resultam de traumas ocorridos ao longo do seu desenvolvimento. Não temos, deste modo, presentes, questões orgânicas e uma ameaça clara à continuidade da existência, tal como acontece na psicologia hospitalar. SEGUNDO EIXO Faremos referência às diferenças existentes ao nível do setting, entre as duas situações de atendimento psicológico. Em consultório, temos um espaço físico constituído por uma sala estruturada de modo singular e neutro onde decorrerão as sessões entre o sujeito e o psicólogo. Há dias, horários, bem como um tempo de duração definidos, para as sessões. Não se prevendo, desta maneira, quaisquer interrupções. O tempo durante o qual durará o tratamento está dependente das situações em si, sendo definido pela resolução da problemática. E, outro aspecto a realçar é o facto de ser o sujeito a ir ao encontro do psicólogo. É ele que, de alguma forma, reconhece a sua necessidade e procura ajuda. No hospital, o sujeito é encaminhado pelo médico e/ou é o psicólogo que se dirige às enfermarias e aborda os pacientes detectando, deste modo, aqueles que precisam de apoio psicológico. Assim, na grande maioria das vezes, o atendimento ocorre na enfermaria (por falta de um espaço mais privado), onde estão outros doentes (que com frequência se mostram curiosos), e onde as interrupções, pelos mais variados motivos, como por exemplo, por parte do pessoal de enfermagem, dos médicos e até dos familiares, são frequentes. “Outra particularidade decorrente da internação em enfermaria é que sempre há a presença de enfermeiros, auxiliares de enfermagem, faxineiras, visitas, médicos, fisioterapêutas e outros; sendo que alguns são discretos e não interferem no Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. 15 atendimento. No entanto, existe uma curiosidade a respeito do que o psicólogo faz e, muitas vezes, podemos perceber que funcionários, ou mesmo visitas, ficam rondando o leito do paciente que está sendo atendido, gerando constrangimento e fazendo-o se calar. Neste caso o que podemos fazer é pedir que se retirem ou esperar que terminem o trabalho que não pode ser deixado para depois ou que estão executando à nossa volta” (Alamy, p.62). Não devemos esquecer a própria condição física do sujeito, por exemplo, pode estar com dores, sonolento devido à medicação, entubado, nas crianças, o soro pode estar colocado na mão direita e, sendo elas destras, não conseguem fazer desenhos, etc. São todos estes aspectos que vão ditar os dias, os horários e o tempo de duração de cada atendimento. O processo de tratamento está, ainda, condicionado ao tempo de internamento. O que levanta em nós outro cuidado, o de fechar o assunto na respectiva sessão não deixando emergir angústia a ser trabalhada no próximo encontro. Ou seja, ao contrário do que acontece em consultório, aqui procuramos resolver na sessão o aspecto que está a ser abordado, pois não há certeza quanto ao tempo que teremos para “trabalhar” com o paciente as suas questões e, na maioria das vezes, não sabemos se o encontraremos no dia do nosso retorno (Alamy, 2003). Também, em meio hospitalar, a nossa abordagem deverá ser mais diversificada, pois deparamo-nos com doentes diversificados, quanto às limitações que lhes são impostas pela doença. E, é importante fazermo-nos valer dos mais variados métodos (por exemplo, cartões com figuras), para comunicarmos com pacientes que estão impossibilitados de fazê-lo verbalmente. O conhecimento de técnicas de relaxamento, também ocupa um lugar particular, pois é, mais uma forma de ajudar-mos a minimizar o sofrimento do paciente. TERCEIRO EIXO Neste último eixo, abordaremos a diferença nos atendimentos, quanto à presença da morte. Em consultório, a questão da morte não é tão iminente como o é em contexto hospitalar. “Toda a doença é uma ameaça à vida e, com isso, é um aceno para a morte, ou até um primeiro ou um último passo em direcção à morte” (Boss apud Campos, 1995, p.42). Sendo a morte “a mais certa de todas possibilidades do ser humano” (Boss apud Campos, 1995, p.42). “Nascemos com a certeza de que vamos morrer um dia, mas a morte é temida e vista como um tabu, como algo que nem deve ser comentado” (Campos, p.64). Para além disso, também existe em nós o sentimentos de que ela só existe para os outros e nas outras famílias, sendo nós e a nossa família salvaguardados dessa realidade. Só com a morte do meu pai é que a morte passou a ser real para mim e tomei clara consciência da minha finitude e daqueles que amo. “Na morte, o que nos assusta, não é simplesmente a perda, mas a irreversibilidade de tal perda” (Alamy, p.153). “No nosso inconsciente, a morte nunca é possível quando de trata de nós mesmo. É inconcebível para o inconsciente imaginar um fim real para a nossa vida na terra e, se a vida tiver um fim, este será sempre atribuído a uma intervenção maligna fora do nosso alcance. Portanto, a morte em si está ligada a um acontecimento medonho, a algo que em si clama por recompensa ou castigo” (Kübler-Ross, p.6). Desta forma, acabamos, todos, por sentir necessidade de fugir a essa situação; até que, sem escolha, tenhamos que encará-la. Kübler-Ross (2002), considera que “deveríamos criar o hábito de pensar na morte e no morrer, de vez em quando, antes que tenhamos de nos defrontar com eles na vida.” (p.33) Pois, só encarando a morte com serenidade é que poderemos ajudar os nossos pacientes e os seus familiares a lidarem com esse facto. (Kübler-Ross, 2002) “Aqueles que tiverem a força e o amor para ficar ao lado de um paciente moribundo, com o silêncio que vai além das palavra, saberão que tal momento não é assustador nem doloroso, mas um cessar em paz do funcionamento do corpo” (Kübler-Ross,p.282). Trata -se de um momento em que a nossa presença física, emocional e espiritual valem só por si (Kübler-Ross, 2002). CONCLUSÃO “O psicólogo tem uma atuação dentro do hospital, como um profissional da saúde, envolvendo o indivíduo e as áreas social e da saúde pública, buscando sempre o bem estar individual e social, utilizando também informações das áreas de Medicina, Enfermagem, Serviço Social, Nutrição e outras áreas afins” (Campos, p.14). Criando, deste modo, “condições para que o paciente consiga reflectir sobre o significado do seu adoecer” (Campos, p.60). Como elemento integrante de uma equipa multidisciplinar, deve “intervir nas situações relacionadas à complexidade dos fatores psíquicos que emergem durante o processo de tratamento da Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. 16 doença e da internação hospitalar” (Alamy, p.19). Dando oportunidade para que o paciente expresse as suas emoções, quer através da palavra, da dramatização, do desenho ou da mímica (Alamy, 2003). Assim, torna-se indispensável “ouvir o apelo e sentir a angústia, para então poder responder com a ação adequada.” (Campos, p.61). E, deste modo, contribuir “efectivamente no processo de sua plena reintegração física, psicológica e socia .” (Campos, p.61). Portanto, no meio hospitalar, o psicólogo, acaba por ter um papel muito mais activo, que vai, muitas vezes, além do apoio psicológico que é prestado em consultór io. Somos, muitas vezes um dos poucos que de entre o corpo clínico, olha para o sujeito como um todo, como uma “pessoa” e não como uma “doença”, que fazemos companhia e, que estamos humana e “espiritualmente” presentes. Pois, há momentos em que não só as palavras são importantes, mas sim a presença real e partic ipativa. A exemplo relatarei uma experiência com um paciente em fase terminal de sua doença, que estando dispenéico e com o corpo de enfermagem à sua volta, estendia a mão, procurando quem o confortasse naquele momento angustiante : - Dei-lhe a minha mão e assim ermanecemos por longo tempo. Muitas vezes me perguntou se já estava de saída. Só me retirei quando chegaram as filhas, que foram chamadas a seu pedido. Mais tarde regressei à enfermaria e verifiquei que o Sr. tinha recuperado da crise e se encontrava mais tranquilo. Também, foi dada assistência psicológica às filhas. Desta forma, o psicólogo, contribui em grande medida para o processo de humanização do hospital e da saúde, permitindo que se veja o paciente como um todo, como uma unidade integrada, nos seus aspectos físico, psíquico e sócio-económico. Torna- se, assim, indispensável a “familiarização com os fundamentos da sociologia e da antropologia cultural, do uso e significado de estatísticas médicas e da investigação científica de problemas médicos. Deve entender o significado dos princípios e técnicas de administração aplicados à saúde, ao bem estar da comunidade, havendo necessidade de conhecer a patologia, inclusive” (Campos p.65). Portanto, o psicólogo, atuando no hospital, busca a promoção, a prevenção, a recuperação do bem-estar do paciente, no seu todo, o que implica que os aspectos físicos e sociais são considerados em interação contínua na composição do psiquismo desse mesmo paciente (Campos, p.83). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Alamy, S. (2003). Ensaios de Psicologia: a ausculta da alma. Ed. Autor: Belo Horizonte. Campos, T. C. P. (1995). Psicologia Hospitalar: a actuação do psicólogo em hospitais. EPU: São Paulo. Kübler-Ross, E. (2002). Sobre a Morte e o Morrer: o que os doentes terminais têm para ensinar a médicos, enfermeiros, religiosos e aos seus próprios parentes. Martins Fontes: São Paulo. _________________________________________ * Este texto, resulta de um processo de reflexão, acerca das diferenças que envolvem o atendimento psicológico em meio hospitalar e em consultório, por mim exercidos. ** Psicóloga Clínica – Angola/África - Formada em Portugal/Lisboa, pelo Instituto Superior de Psicologia Aplicada (ISPA). Professora de Psicologia no Instituto Superior Privado de Angola. E-mail: vaninaribeiro@portugaulmail.pt Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. 17 A PRÁTICA HOSPITALAR – COMO É A ATUAÇÃO DO PSICÓLOGO?* Susana Alamy** Para falarmos da atuação do psicólogo hospitalar é necessário conhecermos alguns conceitos de psicologia hospitalar. Então podemos conceituá-la como “o ramo da psicologia destinado ao atendimento de pacientes portadores de alguma alteração orgânica/física, que seja responsável pelo desequilíbrio em uma das instâncias bio-psico- social” (Alamy, 1991)1, bem como “uma psicologia dirigida a pacientes internados em hospitais gerais, sem deixar de se estender aos ambulatórios e consultórios, com sua atenção voltada para as questões emergenciais advindas da doença e/ou hospitalização, do processo do adoecer e do sofrimento causado por estas, visando o minimizar da dor emocional do paciente e da sua família” (Alamy, 1998)2. Temos, então, a atuação do psicólogo no hospital considerando o ambiente psicológico, onde o mesmo deve observar os doentes, seus familiares, a atuação das pessoas naquele lugar, informando-se do diagnóstico médico, do prognóstico e propedêutica, grau de risco de vida, previsão do tempo de internação e cuidados especiais requeridos naquele caso, para, então, planejar seu atendimento psicológico e suas técnicas auxiliares, pois, na maioria das vezes, não será o paciente a chegar no psicólogo, mas o inverso. Para exemplificar podemos imaginar o atendimento de um paciente com insuficiência renal crônica e compará-lo com o atendimento de um paciente oncológico. Seria possível atendê-los da mesma maneira? Claro que não, pois são patologias diferentes, com estigmas diferentes e conseqüências diferentes na vida do paciente. Cada patologia leva a uma repercussão única em cada paciente e em cada família considerando suas peculiaridades anteriormente existentes. A atuação do psicólogo hospitalar inclui, além dos seus atendimentos dos pacientes, a burocracia da feitura dos relatórios dos atendimentos, uma vez que somente a partir dos mesmos é possível que se obtenha um feed-back do seu trabalho. Os relatórios devem obedecer à ética, sendo absolutamente sigilosos, técnicos e diferentes do que se poderia escrever em um prontuário médico. Sua atuação é dirigida para os problemas psicoafetivos oriundos da doença e/ou da 1 ALAMY, Susana. Ensaios de Psicologia Hospitalar - a ausculta da alma. Belo Horizonte: [s.n.], 2003. p. 18. 2 Ibidem. p. 19. hospitalização, compreendendo a natureza do sujeito doente, seus desejos, esperanças, medos, aptidões, dificuldades e limitações, seja através da observação ou da linguagem verbal e não-verbal. A prática hospitalar impõe-nos alguns cuidados que são fundamentais para um bom atendimento, sendo importante que não confundamos a psicologia hospitalar com a psicologia clínica; portanto, não podemos fazer clínica dentro do hospital. Na psicologia hospitalar estaremos lidando com o tempo de internação do paciente, bem como com sua patologia orgânica e seus efeitos iatrogênicos, com questões de ordem prática, como dificuldades do paciente e da família em relação ao sustento da casa, ausência do trabalho e outros, fatores que não poderão ser desconsiderados na prática hospitalar. A atuação do psicólogo hospitalar objetiva dar oportunidade para que o doente expresse suas emoções, descubraa melhor maneira de lidar com as limitações impostas pela doença/hospitalização, dê significado à sua doença dentro do seu contexto de vida e trabalhe suas questões emergenciais, onde os objetivos principais são o reconhecimento do paciente enquanto um todo provido de emoções e sentimentos que interferem em seu comportamento, ajudando-o a tratar/minimizar, o sofrimento provocado pela doença e/ou hospitalização. _________________________________________ * Resumo da aula ministrada no I Encontro de Psicologia da UFSJ (Universidade Federal de São João Del Rei), 28/11/2003. ** Psicoterapeuta, psicóloga habilitada em psicologia clínica, especialista em psicologia hospitalar, professora de psicologia hospitalar e supervisora de estágios, autora do livro “Ensaios de Psicologia Hospitalar” (2003). CRPMG 6956. Home page: http://geocities.yahoo.com.br/psicologiahospitalar E-mail da autora: susanaalamy@uol.com.br Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. 18 UMA EXPERIÊNCIA MALOGRADA DE ATENDIMENTO INFANTIL Priscila Said Saleme* I - INTRODUÇÃO Tendo em vista as inúmeras publicações de casos de atendimentos bem-sucedidos, gostaria de, por meio deste, registrar a existência daqueles que se encontram em seu extremo oposto. Estes deslizes são pouco relatados na literatura, apesar de sua grande importância, pois tais experiências mal sucedidas não apenas antecedem as demais, como servem de condição fundamental para a sua ocorrência já que, inevitavelmente, os erros consistem de partes do acerto. “Se o erro faz parte do processo, se pode ser analisado de diferentes ângulos, então não se trata de negá-lo ou justificá-lo de maneira complacente, nem de evitá-lo por meio de punições, mas de problematizá-lo (grifo meu), transformando-o em uma situação de aprendizagem. O importante é sabermos a serviço do que está a correção e qual o seu sentido...” (Macedo, 1994, p.75). Nesse sentido, gostaria de aproveitar o registro de meus dois primeiros casos de atendimento infantil e transformá-los num breve artigo no qual pretendo expor minhas angústias e frustrações sentidas diante de contextos nos quais teoricamente verificaríamos a presença de erros. No entanto, se pudermos avaliar tal conteúdo sob uma perspectiva construtivista, verificaremos a importância de tais publicações enquanto registros da construção de um processo pessoal do terapeuta. Afinal, Amatuzzi (2000, p.122) bem esclareceu a importância do processo pessoal do terapeuta , “O que faz um terapeuta? Ele proporciona oportunidade para que restabeleçamos o contato perdido com nosso centro pessoal. Mas ele só pode fazer isso a partir de seu próprio centro pessoal. O que nos abre profundamente é uma relação verdadeira, de centro a centro, de coração aberto a coração que vai se abrindo (...). O verdadeiro terapeuta é uma pessoa treinada para isso, mesmo em situações onde essa relação, assim tão pessoal, fica difícil”. A dificuldade em aceitar nossos erros ou incapacidades de escuta torna-se uma justificativa plausível para compreendermos tamanha escassez de seus relatos, sobretudo por profissionais. Falar da importância da verdadeira escuta do paciente, sob o âmbito teórico, é algo extremamente distinto de sua execução, já que, na prática, o processo de aprendizado parece sofrer um retrocesso. Tudo o que fora aprendido formalmente é aparentemente esquecido. E é nesse momento de encontro com a realidade sob uma nova óptica, que o psicólogo depara-se com seus limites humanos. Ciente dessa inevitabilidade de dificuldades que perdurarão ao longo da prática de todos os profissionais psicólogos, portanto, que me proponho a registrar minhas dificuldades iniciais, ou melhor, o momento inicial da construção de minha identidade prof issional. Digo dificuldades iniciais por estar ciente de que a cada contato com um paciente, novos desafios haverão de surgir. Com essa finalidade, pois, serão relatados dois atendimentos realizados por mim durante um estágio feito em um hospital infantil quando eu ainda cursava o sexto período de psicologia. Ambos consistem de bons exemplos em que a escuta torna- se impossível quando a ansiedade encontra-se presente. Fato comum, sobretudo, em atendimentos infantis. Nestes, além das próprias dificuldades que toda situação de escuta em si oferece, é exigido do psicólogo uma habilidade de decodificação de várias outras linguagens além da fala. Dentre elas podemos citar os desenhos, brincadeiras, gestos, olhares, além de uma, em especial, o silêncio. Diferentemente dos demais atendimentos, na clínica infantil é necessária uma postura mais ativa do profissional. Por meio dessa, é possível que haja uma maior interação com o paciente de modo a facilitar sua expressão. Assim, dificuldades de interação com crianças podem inviabilizar a escuta do que é dito por nossos pequenos pacientes. Esse talvez tenha sido o meu caso. 2 - REGISTROS CASO 1 O seguinte caso trata-se de meu primeiro atendimento. Além da alta ansiedade, foi meu primeiro contato com um paciente. Minha grande inibição diante de crianças consistiu no principal elemento da trama que será brevemente relatada. Devo frisar que o relatório original foi conservado. Dessa forma, poderemos observar equívocos não apenas em minha atuação, como também em minha própria avaliação dos fatos naquele momento. Segundo o relatório da enfermeira, a paciente de quatro anos e oito meses de idade, chegou às 21 horas do dia 29 de janeiro de 2003 em companhia Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. 19 da mãe e da tia. No entanto, por motivos desconhecidos, apenas a segunda permaneceria com a criança. Dois dados foram considerados relevantes na papeleta médica além do diagnóstico: o fato de a garota encontrar-se chorosa e em soroterapia. Quanto à patologia apresentada, assim como a maioria das crianças daquele andar, aquela tinha pneumonia. Minutos depois de chegar à enfermaria, observei que uma garota chorava desesperadamente. Tratava-se do momento em que a enfermeira deveria aplicar a injeção no cateter. Logo, nada doeria. A menina, no entanto, gritava e esperneava muito. Apesar de meu receio em atender crianças pequenas, diante da situação de urgência, vi-me obrigada a fazer alguma coisa. Apresentei-me ao pai da criança e ofereci meu caderno e caneta à pequena. Esta logo se prontificou a desenhar. A princípio Joaquina começou a desenhar um retângulo com uma bola. Nesta, esboçou um rosto feliz. Pensei que se tratava do desejo de ir embora do hospital, no entanto, uma intervenção do pai desviou o assunto. Indaguei-lhe acerca do desenho e ela respondeu-me que se tratava de uma porta. Questionei a localização da porta e o pai interviu: “É da escolinha, filha?”. Ela pensou um pouco e concordou. Depois desenhou um X sobre a porta. No momento não pensei na possibilidade de a garota estar discordando do pai e somente perguntei se ela não queria mais voltar lá. Respondeu-me negativamente. A partir daí, o pai enfatizou algumas vezes que a tiraria da escola já que a garota demonstrava não gostar de lá. A menina não respondia. Desenhou quatro bolinhas e afirmou que não era mais uma porta, mas uma janela. Posteriormente, algumas alças foram acrescentadas. Indaguei-lhe sobre o que o desenho havia se transformado. Sacolas, respondeu. Após pedir-lhe para contá-las e reforçá-la por tê-lo feito corretamente, questionei sua finalidade. “Para ir trabalhar” (sic). O pai demonstrou-se surpreso e somente nesse momento percebi que ele estava me atrapalhando; induzia constantemente as respostasda garota. Após alguns instantes, sugeri que ele passeasse um pouco enquanto eu ficava com Joaquina. Esta afirmou que trabalhava na escolinha. Custava a desenvolver o assunto e, com muita dificuldade, me olhava nos olhos. Por instantes suspeitei que havia algo de errado por lá. Circulou seu desenho e desenhou uma bolinha na parte inferior do papel. Em seguida, fez o mesmo na superior. “O sol faz xixi e cocô” (sic). Igual a quem?, indaguei. “Igual ao sol, uai” (sic). Depois fez um X em cada buraco. Após a saída do pai, acomodei-me na cadeira em que ele se encontrava e a garota iniciou um novo desenho. Olhou para a televisão e começou a copiá-la. Em seguida, um armário foi feito por baixo dela. Averigüei se havia uma correspondência com o aparelho do hospital. Indaguei acerca da origem da televisão. Respondeu-me que era de sua casa e que, abaixo dela, havia um guarda-roupa. Posteriormente, fez um retângulo com dois quadradinhos. Disse-me que eram duas televisões e traçou uma reta ligando-as à anterior. Mais uma vez circulou o desenho e acrescentou-lhe um chão. Achei pertinente (agora ciente de que se tratava apenas de meu desejo) perguntar-lhe sobre o chão. Uma resposta mais pertinente ainda foi-me devolvida: “O chão é para andar, ué!”. Confesso que a cada desenho procurava por oportunidades para que a criança falasse algo e não me dava conta de que ela já estava me dizendo muito e eu não estava conseguindo escutá-la. Ela não me pareceu incomodada com isso, ao contrário. Acredito que sentiu que eu realmente estava interessada em seus desenhos e lhe dando atenção. Tal aspecto pode ser considerado relevante para o fortalecimento do vínculo estabelecido, o que poderá ser confirmado posteriormente. O guarda-roupas e a televisão transformaram- se num avião. “Um avião que leva a gente até o céu” (sic). A garota fez uma analogia entre este veículo e o carro que lhe trouxera ao hospital. Quando repeti o que ela me havia dito, corrigiu -me afirmando que viera de ambulância e não de carro. Posteriormente mencionou a injeção tomada no momento de sua chegada. “ Doeu muito” (sic). Aproveitei a oportunidade para retomar o assunto da injeção na sonda. Procurei mostrar-lhe que nada doeria espetando-lhe a pele com a unha e depois tocando o cateter. “Viu? Aqui (pele) você sente meu dedo, mas aqui (cateter), não” (sic). Demonstrei com a caneta posteriormente. A garota aparentou compreender a diferença, mas continuou ansiosa. Mudou de assunto mais uma vez pedindo- me que desenhasse uma sombrinha sobre a T.V. “É para proteger da chuva”, disse. Pediu -me para também desenhar a chuva. Na terceira folha, vários elementos foram introduzidos. A criança começou a falar da nuvem. Pediu-me para desenhá-la novamente. Disse-me que esta nos deixa no escuro. Depois acrescentou um sol. Por cima deste, uma enorme boca. Disse ser uma boca má, do BOCUDO. Indaguei quem seria o dono da boca. Afirmou ser do sol. Contou- me uma história sobre o bicho-papão. Este viera à noite, quando seu pai não estava presente e colocou uma espada em seu peito. “Aí eu peguei a Psicópio: Revista Virtual de Psicologia Hospitalar e da Saúde. Belo Horizonte, Jan-Jun 2005, Ano 1, Vol. 1, n.1. 20 espada dele e esfaqueei ele” (sic). Falou-me de seu desejo em dar à mãe e irmã uma faca para se protegerem do bicho. Assim como ela própria pretende adquirir uma. Quando indagada sobre onde o pai estaria, afirmou que também lhe daria uma faca para se proteger do “bocudo” (bicho de boca grande). Olhos grandes que, segundo ela, pertenciam ao bicho-papão. Acrescentou um penico abaixo do sol. Explicou-me que era para ele fazer xixi. Em seguida, desenhou um vaso e o suporte para o penico. Voltou a fazer referência ao ser assustador por meio de olhos grandes que, segundo ela, pertenciam ao bicho-papão. Mais uma vez citou a história das facas. Entretanto, 50 minutos já haviam se passado e eu já estava esgotada. Fechei o caderno, encerrando o atendimento. CASO 2 O segundo caso, assim como no anterior, trata- se de uma paciente de quatro anos e oito meses de idade. No entanto, a garota parecia estar bem. Como procedimento de rotina, passei pelo leito de modo a averiguar a veracidade daquela boa aparência. Visto assim, apresentei-me à avó da criança que logo me informou o desejo da neta. “Ela quer voltar para casa agora” (sic). Voltei-me, portanto, à pequena procurando compreender melhor o que se passava. Esta, sorridente e comunicativa, logo começou a conversar. Todavia, não conseguia compreendê-la. Ela apresentava alguma dificuldade para pronunciar as palavras, parecia ter a língua presa. Por várias vezes lhe pedi que repetisse suas frases, o que me fez sentir ainda mais desconfortável. Diante disso, sugeri que desenhássemos. Ela preferiu desenhar em seu caderno. Em várias páginas esboçou figuras diferentes. No entanto, não conseguia identificar nem as formas, tampouco suas explicações. À medida que o tempo passava, ficava mais ansiosa e escutava menos ainda a garota. Em um dado momento, a ponta de seu lápis quebrou. Era um dos poucos que ainda escrevia. Sua avó perguntou-lhe do apontador e a garota disse que aquele havia sumido e ela ia “levar couro”. Em seguida, completou que gostava de levar couro. Muito assustada com aquela frase, procurei confirmar se havia ouvido direito. A garota indicou que sim e logo mudou de assunto. Ao longo do atendimento continuou a trazer outros conteúdos que não mais me recordo. Não obstante a minha dificuldade em apreender o conteúdo que ela trazia, fixei-me no fato de ela gostar de levar couro. O que determinou o total fracasso de meu atendimento. Num dado momento, a garota apresentou-se ansiosa pela espera do pai que lhe visitaria naquela tarde. Retomando o fato inicial do atendimento, apontei a contradição de seu discurso: “Mas se você quer tanto ver o seu pai que vai chegar daqui a pouco, por que falou que queria tanto ir embora?” A garota não respondeu. Sugeri que ela desenhasse em meu caderno. Começou desenhando alguns círculos. Pedi que me contasse o que estava fazendo. Disse que era o “bola 7”. Na seqüência delineou um tronco e esboçou um rosto. Deduzi que se tratava de uma pessoa gorda. Falou, então, de um amiguinho na escola. Voltando ao desenho, rabiscou sua parte direita que correspondia ao membro direito da pessoa. Imediatamente fiz uma infeliz intervenção: “Você se arranha, Carolina?”. Ela olhou-me concordando. Perguntei-lhe a razão e ela me disse que gostava. Lamentavelmente, é perceptível a presença de uma resposta induzida nesse caso, dado o caráter da pergunta. Continuou dizendo outras coisas que tive muita dificuldade de compreender. Pareceu-me que ela também arranhava as outras pessoas. Insisti em continuar o atendimento, mesmo não compreendendo quase nada. Até que seu pai chegou. Quis ficar por algum tempo de modo a esclarecer o que a garota relatara. Observei que ele portava uma aliança e que se referia à mãe da garota enquanto sua esposa. Preocupei-me em esclarecer isso de modo a compreender a dinâmica familiar da paciente. Ademais, atentei-me ao comportamento de ambos que expressaram uma grande alegria naquele reencontro. Num dado momento, após escutar o pai, perguntei se ela gostava também de arranhar o pai. Este se demonstrou surpreso e perguntou se ela tinha inventado aquilo. Movimentei a cabeça indicando que sim. Somente naquele momento consegui admitir que o atendimento nem sequer havia começado. Percebi que não havia lhe escutado em nenhum momento. Meu desejo estava constantemente presente, o que pode ser confirmado pela necessidade em compreender a lógica do que estava sendo relatado. 3 - CONCLUSÃO Um equívoco central presente em qualquer
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