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DENUNCIAÇÃO À LIDE no processo do trabalho

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Denunciação da lide no processo do trabalho
Continuando a série sobre intervenção de terceiros no processo do trabalho, mas, alterando sua sequência, vamos analisar mais detidamente a denunciação da lide, instituto processual, como já dissemos, objeto de intensa polêmica na doutrina trabalhista. Dispõe o artigo 70, do Código de Processo Civil, que: “Art. 70. A denunciação da lide é obrigatória: I - ao alienante, na ação em que terceiro reivindica a coisa, cujo domínio foi transferido à parte, a fim de que esta possa exercer o direito que da evicção Ihe resulta; II - ao proprietário ou ao possuidor indireto quando, por força de obrigação ou direito, em casos como o do usufrutuário, do credor pignoratício, do locatário, o réu, citado em nome próprio, exerça a posse direta da coisa demandada; III - àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda.” 
Objetivo: ação regressiva para que o denunciante possa ressarcir-se de  prejuizos que sofrer, caso seja responsabilizado por danos causados pelo devedor original (denunciado). Em síntese, é o exercício antecipado da ação de regresso[1]. Natureza jurídica: processo incidental cuja sentença resolverá contenda entre denunciante e denunciado, formando-se, inclusive, litisconsórcio (em face do pedido do autor). 
Sem adentrarmos em maiores elucubrações, adiantemos logo que os incisos “I” e “II”, do artigo 70, do CPC, não se aplicam, por sua própria natureza, ao processo do trabalho. O primeiro, porque trata de reivindicação de coisa e direito de evicção, esbarrando a espécie na competência da Justiça do Trabalho, como analisamos em artigos anteriores[2]. O fenômeno da evicção (que, em síntese, significa perda total ou parcial da coisa adquirida em favor de terceiro, que, sobre ela, possua direito) é claramente incompatível com a especificidade da relação de emprego e, por conseguinte, do processo do trabalho[3]. O segundo, que trata de direito de proprietário, possuidor indireto e usufrutuário, credor pignoratício – figuras típicas dos direitos reais[4] – não teria, também, cabimento na lide trabalhista.
Resta, então, o inciso III, passível de aplicação no processo do trabalho, como considera boa parte da doutrina. Mas, antes de analisarmos o instituto processual em questão, cabe importante destaque, que, na verdade, será o norte de nossas considerações: não obstante a relevância teórica sobre a aplicação, ou não, da denunciação da lide no processo do trabalho, a indagação que se coloca é: do ponto de vista prático, seria imprescindível ao réu, no processo trabalhista, arguir denunciação da lide? Não bastaria alegação preliminar de ilegitimidade ad causam? Na verdade, esse problema é mais simples do que parece e para solucioná-lo nada melhor do que refletirmos sobre um exemplo: 
- Em determinada situação concreta, grande loja de departamentos (A) fornecia espaço, em suas dependências, para que a empresa (B) estabelecesse Stand[5] destinado à amostra de produtos. 
- Para a execução dos serviços, (B) utilizava seu empregado (C), que, embora trabalhasse nas dependências de (A), não mantinha com este qualquer relação jurídica: (A) não lhe subordinava, não controlava suas atividades, nem seu horário. 
- Não há, no caso, contrato de terceirização dos serviços, porque a empresa (B) apenas utilizava o espaço de (A) para fornecer amostras de produtos (contrato atípico). 
- Demitido pela empresa (B), sem justa causa, e não recebendo verbas rescisórias, o empregado (C) propõe ação trabalhista em face de (A), alegando que este foi seu real empregador.
Indaga-se: regularmente citado para se defender, no referido processo trabalhista, caberia ao réu (A), em sua defesa, denunciar da lide a empresa (B), ou bastaria arguir, em preliminar de mérito, sua exclusão da lide, extinguindo-se o processo, sem julgamento do mérito, com fulcro no artigo 267, VI, do Código de Processo Civil (falta de uma das condições da ação)[6]? 
Pois bem, em se admitindo a possibilidade de denunciação da lide no processo do trabalho[7] (lembrando que não há na CLT previsão nesse sentido, pelo que o CPC é utilizado subsidiariamente), o único fundamento seria o inciso III do artigo 70, do CPC, ou seja, é imprescindível a denunciação da lide àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda. Em outras palavras: a obrigação de ressarcimento, por força de lei, ou contratualmente prevista, a quem pagar débito de terceiro, só será efetivada se houver denunciação da lide. Num exemplo de dívida civil: se (A) paga débito de (B), para (C), não haverá possibilidade de ressarcimento para (A), em ação autônoma, se este, na ação original, não denunciar da lide (B).
Deveras, no caso ora em estudo, é preciso avaliar, antes de tudo, se há previsão legal para que o réu (A) denuncie da lide a empresa (B); segundo, se há previsão contratual a tanto, ou seja, (A), ao firmar contrato com (B), para a instalação do Stand, deveria ter pactuado que, na hipótese de ser condenado em ação trabalhista, movida por empregado de (B), teria garantido o respectivo ressarcimento.
São duas variantes, então: obrigação legal ou previsão contratual. A primeira, adiante-se, está descartada, pois não há na legislação trabalhista qualquer previsão que imponha ao réu obrigação de denunciar da lide para obter ressarcimento de prejuízos que sofrer[8]. A segunda, previsão contratual, esbarraria na questão da competência da Justiça do Trabalho, como estudamos em artigos anteriores, porque, para decidir quanto ao cabimento da denunciação da lide – de (B) por (A), no exemplo trabalhista considerado – o juiz, além de julgar a contenda entre o empregado e a empresa, teria, necessariamente, de decidir sobre a relação jurídica contratual entre duas empresas: (A) e (B). 
Reconheçamos, há barreira difícil de ser transposta nessa questão, como bem destaca Sérgio Pinto Martins[9]: mesmo que se considere a ampliação da competência da Justiça do Trabalho para decidir demandas que cuidem de relação de trabalho, em sentido amplo, o limite seria justamente o elemento “relação de trabalho”, e o artigo 114, I, da Constituição Federal, é nesse sentido. Todavia, o inciso, IX, do mesmo dispositivo constitucional, cogita, também, de competência para: “... outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei”. Reparem: “na forma da lei”. Esse, o problema: não há lei que fundamente a aplicação dessa espécie de intervenção de terceiros, na lide trabalhista, para que se amolde ao referido inciso IX, do artigo 114, da Constituição Federal.
A rigor, então, não teria cabimento (A) denunciar da lide (B), no exemplo ora considerado, por total falta de amparo legal (essa questão não é pacífica na doutrina, reiteramos). Mas, o leitor poderá, a esta altura, perguntar: (A) vai assumir débito que é de (B) e estará impedido de obter ressarcimento? Como resolver essa questão, já que a denunciação da lide, em tese, não caberia no processo do trabalho?  É o que vamos estudar na continuação desta série: Denunciação da lide no processo do trabalho – Parte 2
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No artigo anterior desta série (Denunciação da lide no processo do trabalho – Parte 1) destacamos a impossibilidade de se aplicar o instituto da denunciação da lide no processo do trabalho, notadamente porque faltaria à Justiça do Trabalho, nos termos do artigo 114, I, da Constituição Federal, competência para julgar a relação contratual entre denunciante e denunciado, questão que, invariavelmente, exsurge do processo incidental de denunciação. Também inexiste lei que imponha ao réu, em processo trabalhista, considerando o disposto no art. 70, III, do CPC[1], denunciar da lide, para garantir direito de ressarcimento, caso tenha de arcar com prejuízos oriundos de condenação judicial. Contudo, surgem, na práxis forense trabalhista, situações em que o demandado alega não ter sido empregador do autor da ação, pelo que nãopoderia arcar com as verbas ali pleiteadas. Não raro, o réu, nesses casos, preocupa-se em denunciar da lide àquele que seria o efetivo empregador do autor, para, eventualmente, garantir direito de ressarcimento. Mas, a tanto, considerando os impedimentos já citados, não há amparo constitucional à espécie. Como resolver o problema?
Em primeiro lugar, recordemos os objetivos da denunciação lide: 1) ação regressiva para que o denunciante possa ressarcir-se dos respectivos prejuízos caso seja responsabilizado por danos causados pelo devedor original (denunciado); 2) processo incidental em que há exercício antecipado da ação de regresso. Nesse sentido, a lição de Manoel Antonio Teixeira Filho[2]: “A denunciação da lide é ação regressiva incidental, exercida de forma antecipada e condicional (in eventum litis) à sucumbência do denunciante na ação. Dizendo por outro modo: a denunciação é ação regressiva do denunciante em face do denunciado. Há lide entre ambos, portanto. Só há litisconsórcio deles diante dos pedidos formulados pelo autor.”
Destaque-se o objetivo material subjacente: direito de regresso em relação aos prejuízos que o demandado suportar na ação principal, os quais, originalmente, seriam de responsabilidade de outrem. O intento do legislador é claro: facilitar a discussão, na mesma demanda, de eventual direito de regresso, medida que, aliás, vai ao encontro do princípio da economia processual. Transportando esse raciocínio para a seara trabalhista, constatará o estudante que é justamente esse ponto a tornar, quando menos, despicienda a aplicação dessa medida no processo trabalho (data maxima venia). Qual a razão para que o demandado, na ação trabalhista, arque com prejuízos de outrem? A rigor, nenhuma. Como se sabe, empregador é a empresa – e aí já vamos descartando a hipótese de denunciação da lide na sucessão de empregadores, muito citada pela doutrina favorável a aplicação desse instituto no processo do trabalho –, sendo, pois, inadmissível que o trabalhador seja empregado de duas empresas ao mesmo tempo[3], isto é, no mesmo contrato[4]. Desse modo, quem arca com direitos pleiteados pelo autor é, obviamente, seu próprio – ou melhor, único – empregador. Ora, se é seu empregador quem deve pagar pela prestação de serviços, como se admitir que outrem pague por direitos pleiteados pelo empregado-autor? A questão não é de semântica, mas, de lógica. Consulte o leitor, para fins didáticos, o exemplo citado no artigo anterior. Pronto? Então, adiante:
No referido exemplo, qual o fundamento, legal ou contratual, para que (A) seja condenado por verbas rescisórias devidas por (B), requisito imprescindível a autorizar denunciação da lide? Inexiste. A não ser que houvesse vínculo de emprego entre (C) e a empresa (A). Fosse o caso, (A), por ser empregador de (C) responderia por débito que é seu e não de (B). Não por acaso, o juiz, ao conhecer desse tipo de contenda, em regra, decide o mérito da questão. Até porque, matérias processuais (preliminares), diferentemente do que ocorre no processo civil (artigo 323, do CPC), são apreciadas na sentença e não preliminarmente. É manso e pacífico na jurisprudência trabalhista que reconhecimento de vínculo de emprego – para dizer se o autor é, ou não, empregado do réu – é matéria de mérito. Realmente, avaliando o mérito a questão – em especial a presença dos requisitos do artigo 3º, da CLT – é que se poderá inferir se o réu responde pelos direitos pleiteados nesse tipo de ação. A análise da prova é ponto nevrálgico para o deslinde da contenda.
Entretanto, em sendo o juiz, claro, quem dirá se (A) responde por direitos de (C), não caberia, por cautela, (A) denunciar da lide a empresa (B), para que esta responda por seu débito, antecipando, então, na mesma demanda, discussão sobre eventual direito de regresso? Não caberia. Primeiro, em razão dos impedimentos legais e constitucionais citados. Segundo, seria praticamente inócuo esse intento. Como já dissemos, a solução para esse problema é mais tranquila do que parece. Em vez de adentrar nesse imbróglio todo, bastaria ao réu (A) – obedecendo a uma técnica bem rigorosa, pois o mais correto seria discutir o mérito: jamais fui empregador de (C), portanto não posso ser responsável pelas verbas rescisórias pleiteadas na ação – arguir em preliminar ilegitimidade passiva ad causam, pleiteando extinção do processo, sem julgamento do mérito. 
Nesse caso, não faz o menor sentido “chamar à lide” a empresa (B) – obrigação que interessaria mais ao autor, porque lhe é conveniente reforçar o pólo passivo da ação, e fosse esse o caso teria ele mesmo incluído (B) no pólo passivo. Deveras, (A) deveria denunciar da lide para obter ressarcimento? Ser ressarcido de quê? Se (A) pagar as verbas rescisórias indicadas no exemplo é porque foi considerado empregador de (C), não tendo cabimento, pois, pleitear ressarcimento de (B). Ainda que se admitisse essa hipótese, ab absurdo, para obter eventual ressarcimento, (A) poderia, sim, pleiteá-lo em ação autônoma, na Justiça Comum, porque a legislação trabalhista não prevê a obrigação cogitada pelo artigo 70, III, do Código de Processo Civil.
Enfim, qual a vantagem prática para (A) trazer à lide a empresa (B)? Se (A) não contratou como empregado o trabalhador (C), este deveria ter proposto ação em face de quem o foi, no caso, a empresa (B). Daí, para não se discutir o mérito, enquadrar-se-ia à espécie a arguição preliminar de exclusão de (A), por falta de uma das condições da ação: legitimidade de parte (art. 267, VI, do CPC). Sem dúvida, um excesso de zelo, porque – insistimos nesse ponto – mais vantajoso ao réu (A) discutir o mérito: (C) não é empregado de (A), por isso e aquilo, portanto, (A) não deve responder pelas verbas pleiteadas na ação trabalhista. Sempre bom lembrar que, extinguindo-se o processo, com julgamento do mérito, (C) estaria impedido de intentar nova ação, pelo mesmo fundamento em face de (A). Claro que, extinguindo-se o processo, com ou sem julgamento do mérito em face de (A), poderá (C) intentar ação em face de (B), pleiteando o que de direito. Por aí, ora, já se confirma nossa tese de que a formação de pólo passivo, nesse caso, interessa mais ao autor. 
Houvesse, no exemplo, terceirização dos serviços: (C), contratado por (B), presta serviços para a empresa (A), mediante contrato, na forma da Súmula 331, do TST, não mudaríamos o raciocínio supra. Primeiro, porque, quando muito, tratar-se-ia de chamamento ao processo (consultem: Intervenção de terceiros no processo do trabalho – Parte 3), medida também incompatível com o processo do trabalho, ainda que se considere responsabilidade solidária prevista no artigo 2º, § 2º, da CLT. Se solidariedade existe pode o autor intentar ação em face de qualquer dos coobrigados (como autoriza a Teoria Geral da Responsabilidade Civil), o que, por si só, descaracteriza a finalidade da medida processual em tela. Opção, aliás, típica dos contratos de fiança, que nem é admitida no foro trabalhista. De outra parte, somente em tese muito liberal poder-se-ia admitir a espécie, em estudo, nos casos de responsabilidade subsidiária, tal que (A), fosse o tomador de serviços, mediante contrato de terceirização, e sendo demandado, exclusivamente, denunciasse da lide (sic) o contratante de (C): a empresa (B). Mas, a jurisprudência trabalhista não admite ação proposta somente em face do tomador dos serviços, porque a responsabilidade é meramente sucessiva: (A) responde pelo crédito de (C) apenas se (B), na própria ação, e, diga-se, na fase de execução, não o pagar. 
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Encerrando, por ora, o estudo sobre denunciação da lide – sempre há espaço para novas discussões, obviamente –, importante destacar que há doutrina de escol a considerar possível a aplicação de denunciação da lide no processo do trabalho, pelo que deve o estudante ficar atento, especialmente, em provas de concursos e títulos, fundamentando em qual corrente sustenta o raciocínio apresentado. Se de um lado há quem entenda incabível a denunciação da lideno processo do trabalho, como, por exemplo, Manuel Antonio Teixeira Filho, Wagner Giglio e Sérgio Pinto Martins; de outro, favoráveis a aplicação desse instituto no processo do trabalho, despontam Amauri Mascaro Nascimento, Coqueijo Costa, Cristovão Piragibe Tostes Malta e José Augusto Rodrigues Pinto. Ambas as correntes com fortes argumentos. E os Tribunais? A jurisprudência majoritária do Tribunal Superior do Trabalho, no período anterior à Emenda 45, que ampliou a competência da Justiça do Trabalho, entendia, por meio da Orientação Jurisprudencial nº 227, da Seção de Dissídios Individuais – I, incompatível a denunciação da lide com o processo do trabalho. Orientação que foi cancelada em 22/11/2005. A partir desse cancelamento a incidência da denunciação da lide no processo do trabalho seria ampla? Pensamos que não.
Sem dúvida, a jurisprudência foi alterada em função da nova competência da Justiça do Trabalho. Em ações que, por exemplo, não tratem de vínculo de emprego – aquelas, relações de trabalho, em sentido amplo; estas, em sentido estrito –, caberia, em tese, o referido instituto. Carlos Henrique Bezerra Leite[1] comenta sobre o cancelamento da OJ Nº 227, em demanda que tratou de sucessão trabalhista entre Redes Ferroviárias: “O ministro Lélio Bentes Corrêa – relator da questão da Primeira Turma do TST – observou que o entendimento da OJ 227 foi consolidado à época da redação original do art. 114 da Constituição. Após a promulgação da EC n. 45, o dispositivo ampliou a prerrogativa dos magistrados trabalhistas para o exame de todas as ações oriundas da relação de Trabalho.” 
O mesmo autor[2], no entanto, bem lembra que “de nossa parte, parece-nos que não há razão para admitir a denunciação da lide no processo do trabalho, pois a competência da Justiça do Trabalho continua vinculada à matéria e às pessoas, isto é, às lides oriundas da relação de emprego (entre empregado e empregador) e, por força da EC n. 45/2004, da relação de trabalho (entre trabalhador e tomador do seu serviço), inexistindo previsão na CF ou na lei para a Justiça do Trabalho processar e julgar as ações entre tomadores de serviço ou entre trabalhadores”.
A denunciação da lide é matéria típica de relações civis, em que, muitas vezes, seja por força de lei, seja por disposições contratuais, o direito material sub judice é controverso no tocante à obrigação a ser cumprida – ou melhor, a quem deve cumpri-la. Daí o legislador garantir, em atenção ao princípio da economia processual, na mesma demanda, discussão sobre eventual direito de regresso àquele que arcar com obrigação de outrem – repita-se, por força de lei ou do contrato. O mesmo não ocorre na relação jurídica entre empregador e empregado, nos termos dos artigos 2º e 3º, da CLT, pelos motivos que explanamos nos artigos anteriores Consultem: Denunciação da lide no processo do trabalho – Parte 1;  e Denunciação da lide no processo do trabalho – Parte 2.
Relembrando o exemplo que indicamos, fica a pergunta: e se (A) tivesse pactuado com (B) ressarcimento, mesmo que o primeiro fosse considerado, judicialmente, empregador de (C)? Ora, ainda que se reconheça a ampla liberdade de contratar, permitida por nosso ordenamento jurídico – reconheça-se, com certas restrições, e, uma delas, a função social dos contratos – tal disposição seria de duvidosa legalidade, porque permitiria, quiçá, tumulto processual em prejuízo do autor (se bem que, nesse caso, como já ponderamos, a denunciação é mais favorável ao autor do que ao próprio réu, dependendo, é claro, de quem permaneça no pólo passivo da demanda; além disso, há de se considerar, nesse caso, prolongamento na solução da lide). Mesmo assim, outra vez, redundaríamos no problema da competência da Justiça do Trabalho para julgar demandas entre duas empresas. Consultem: Nova Competência do Juiz do Trabalho: outras controvérsias decorrentes da Relação de Trabalho. Requisitos de validade;   e Relação de Trabalho e a Nova Competência da Justiça do Trabalho.
De todo modo, exemplos citados pela doutrina favorável à aplicação da denunciação da lide no processo do trabalho são muitos. Sérgio Pinto Martins[3], aliás, apresenta vários deles, mas, refutando-os. Indicamos abaixo pequeno resumo sobre esses argumentos:
Art. 455, parágrafo único, da CLT – denunciação da lide em razão do direito de regresso do empreiteiro principal em face do subempreiteiro. Não é o caso de denunciação da lide, porque referido dispositivo legal sequer trata de responsabilidade solidária entre empreiteiro e subempreiteiro. A responsabilidade, ali descrita, é sucessiva (subsidiária)[4]. Carlos Henrique Bezerra Leite também entende incabível a espécie, em razão da incompetência da Justiça do Trabalho para julgar a demanda entre empreiteiro e subempreiteiro[5].
Art. 486 da CLT – “Factum principis” (fato do “príncipe”, isto é, do Estado) – em havendo ato do Poder Público que impeça pagamento dos direitos do trabalhador, a responsabilidade pela indenização é da Administração Pública e não da empresa, pelo que é incompetente a Justiça do Trabalho para julgar a demanda, sendo esta remetida à Vara da Fazenda Pública. Se tanto, aliás, nem seria o caso de denunciação da lide, mas, chamamento ao processo (também incabível no processo do trabalho, relembre-se).
Sucessão de empresas – denunciação da lide dos antigos proprietários da empresa aos atuais ou vice-versa. A responsabilidade fixada no contrato, em relação aos sócios que saem da empresa e os que nela ingressam, não poderá ser posta em juízo trabalhista, pois o empregador é a empresa, nos termos do art. 2º, da CLT, afora inevitável incidência, nessa hipótese, dos artigos 10 e 448, da CLT: mudança na estrutura jurídica ou propriedade da empresa não afetará direitos dos empregados.
Depósitos do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço – denunciação da Caixa Econômica Federal, por alegada responsabilidade sobre os depósitos na conta vinculada do empregado. Inadmissibilidade, pois a controvérsia entre o empregador e a referida instituição bancária, responsável por administrar os depósitos do FGTS, refoge à competência da Justiça do Trabalho.
Grupo econômico – denunciação da lide de uma das empresas do grupo. Inaplicável, eis que a finalidade desse instituto processual é incompatível com a responsabilidade solidária, notadamente porque, nesse tipo de obrigação, em regra, pode o interessado demandar em face de qualquer um dos coobrigados (ver parte final do artigo anterior)[6].
Renato Saraiva[7], que entende possível a denunciação da lide, no processo do trabalho, em algumas hipóteses, cita interessante exemplo em que se poderia aplicar o instituto em debate: situação em que “empregada promova uma ação de danos morais, na Justiça do Trabalho em face do seu empregador, por ter sido assediada sexualmente por um gerente da empresa (seu superior hierárquico). Neste caso, entendemos que o empregador poderá denunciar à lide o seu empregado gerente, tendo a Justiça Laboral competência para processar e julgar a segunda lide, ou seja, aquela que surge entre denunciante (empregador) e o denunciado (gerente empregado)”. Ousamos divergir. Não porque a relação jurídica, entre o empregador e o gerente, seja tipicamente civil, como pondera Sérgio Pinto Martins[8], mas, porque, data venia, responde o empregador pelos atos de seu preposto, nos termos do artigo 932, III, do Código Civil. 
Em que pese a divergência doutrinária sobre o objeto em estudo – insista-se, com argumentos consistentes para ambos os lados[9] –, convém refletirmos sobre a lição de Sérgio Pinto Martins: “O indeferimento da denunciação da lide não trará nenhum prejuízo processual irreparável à defesa do reclamado, não havendo que se falar em nulidade (art. 794 da CLT), pois nada impede que uma empresa ingresse com ação no Juízo Cível contra outra para reivindicar eventual direito de regresso, em razão do pagamento feito ao reclamante, decorrente da condenação determinada pela Justiça do Trabalho. No processo civil, o STJ já entendeu que o fato de o terceiro não denunciaroutra pessoa à lide não retira seu direito de ingressar com a ação de regresso, de maneira autônoma, em decorrência da responsabilidade que lhe foi imputada. O que ocorre, na verdade, é que apenas aquela pessoa fica privada do título executivo que já poderia ter obtido. A celeridade do processo do trabalho pode ficar prejudicada com sucessivas denunciações da lide”. 
NOTAS 
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 [1] Cf. Sérgio Pinto Martins. Direito processual do trabalho, 29ª ed., São Paulo : Atlas, 2009, p. 217 
[2] A não ser que se considere competência da Justiça do Trabalho para conhecer de ações que tratem de relação de trabalho, em sentido amplo, como é o caso do representante comercial, por exemplo, em que se de discuta, na demanda, entrega de coisa. Não é cerebrina, aliás, até admitida em doutrina, ação em que o empregado (relação de trabalho em sentido estrito) reivindique objeto (coisa) que indevidamente possa estar em poder do empregador (e vice-versa). Mas, essa hipótese é muito rara. 
[3] O mesmo raciocínio para a nota anterior, no tocante à competência da Justiça do Trabalho. 
[4] Para os não-versados em linguagem jurídica: diretos reais = direito das coisas (res = coisa). 
[5] Mais conhecido como “Stand de Vendas””. No Brasil, costuma-se, curiosamente, misturar o idioma português com o inglês. Há quem diga que, no futuro, a língua  falada no Brasil será resultado da mescla entre o idioma luso e o inglês. 
[6] Art. 267. Extingue-se o processo, sem resolução de mérito: (...) VI - quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a legitimidade das partes e o interesse processual; (…). 
[7] Com as necessárias adaptações procedimentais – e aí, diga-se, já começam os problemas.
[8] A previsão do artigo 455, da CLT, que trata de direito de regresso do empreiteiro principal, em face do subempreiteiro, não é de denunciação da lide, mas, tão-somente, de responsabilidade subsidiária ou sucessiva, como bem lembra Sérgio Pinto Martins (Direito processual do trabalho, 29ª ed., São Paulo : Atlas, 2009, p. 218), citando, inclusive, diversos exemplos trabalhistas que rejeitam a denunciação da lide, por incompatíveis com o processo do trabalho, os quais estudaremos mais à frente. 
[9] Ibidem, mesma p. 
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[1] “Art. 70. A denunciação da lide é obrigatória; (...) III - àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda.” 
[2] Curso de processo do trabalho : perguntas e respostas sobre assuntos polêmicos em opúsculos específicos, n. 4 : litisconsórcio, assistência e intervenção de terceiros. – São Paulo : LTr, 1997, p. 41 
[3] Como destaca Sérgio Pinto Martins, Direito processual do trabalho, 29ª ed., São Paulo : Atlas, 2009, p. 218. 
[4] Mesmo que se considere a hipótese de empregador único, com fulcro no art. 2º, § 2º, da CLT, criação da doutrina e da jurisprudência, sua finalidade restringir-se-ia à responsabilidade solidária.
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[1] Curso de direito processual do trabalho, 4º Ed. – São Paulo : LTr, 2006, p. 381. 
[2] Ibidem, mesma p. 
[3] Direito processual do trabalho, 29ª ed., São Paulo : Atlas, 2009, p. 218 
[4] Sobre a incompatibilidade entre responsabilidade sucessiva e denunciação da lide, reportamos o leitor às considerações que fizemos na parte final do artigo anterior. 
[5] Curso de direito processual do trabalho, 4º Ed. – São Paulo : LTr, 2006, p. 380. 
[6] Sérgio Pinto Martins cita outros exemplos: seguradora, Previdência Social, etc., ibidem, mesma p. 
[7] Curso de direito processual do trabalho, 2º ed. - São Paulo : Método, 2005 p. 242 
[8] Ibidem, p. 219. 
[9] A doutrina favorável a aplicação da denunciação da lide na seara trabalhista, em geral, admite-a baseando-se no princípio da celeridade processual, além, é claro, de considerar competente o juiz do trabalho para conhecer da demanda entre empresas (denunciante e denunciado). É o entendimento, por exemplo, de Christovão Piragibe Tostes Malta: “Cabe a denunciação da lide na hipótese prevista pelo CPC 70, III, isto é, àquele que estiver obrigado, pela lei ou por contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo de quem perder a demanda. O sucessor, por exemplo, reclamado quando a direitos trabalhistas pelos quais o sucedido se responsabilizou em contrato, poderia denunciar à lide o sucedido para que este venha ao feito, procedendo-se conforme previsto no CPC”. (Prática do processo trabalhista, 33ª ed. – São Paulo : LTr, 2005, p. 343)

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