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Rev. bras. Educ. Fís. Esp., São Paulo, v.20, p.31-33, set. 2006. Suplemento n.5. • 31 XI Congresso Ciências do Desporto e Educação Física dos países de língua portuguesa Pós-Graduação em Educação Física Eduardo KOKUBUN Departamento de Educação Física, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro, Brasil Passadas três décadas da criação do primeiro curso de pós- graduação em Educação Física (PGEF) no Brasil a área testemunhou importantes transformações. Paralelamente à titulação de mestres e doutores houve uma expansão sem precedentes no número de grupos de pesquisas, de produção intelectual, de congressos e eventos, e o debate acadêmico incorporou-se definitivamente aos hábitos da área. Também assistimos, de certa forma atônitos, a um assustador aumento no número de cursos de graduação em todo país, como se o alerta para os perigos do aumento no ritmo de criação de cursos de Educação Física em fins de 1960 e início de 1970 ecoassem no final do século que se passou. Os perigos de um ritmo de crescimento da graduação sem a necessária contrapartida da pós-graduação são de conhecimento de todos. Maior número de alunos na graduação implica na demanda por maior número de docentes qualificados de mestres e doutores. Sem este equilíbrio a formação das futuras gerações de graduados ficará comprometida, colocando em risco a qualidade dos profissionais que atuam na área. Essas transformações certamente trazem enormes desafios para a área, os quais necessitam ser cuidadosamente ponderados e trazidos à discussão, sob pena de colocar em risco, todas as importantes conquistas que já realizamos. O crescimento do sistema de pós-graduação e da comunidade acadêmica não é um fenômeno restrito à Educação Física. Desde 1974 o número de cursos de pós-graduação em todas as áreas no Brasil vem crescendo a um ritmo de 5 % e a de produtividade em periódicos internacionais de 12 % ao ano o que levou o Brasil à 18ª posição na classificação mundial em ciência e tecnologia em 2000. Entre 1996 e 2000 a PGEF cresceu a um ritmo similar ao do sistema nacional, embora o mesmo não pudesse ser dito com relação à produção intelectual. O número de cursos de PGEF correspondia a 0,7 % de todos os cursos do mesmo nível no Brasil. Porém, a produção bibliográfica em periódicos internacionais de impacto, reduzira-se de 0,5 % para apenas 0,04 %. Uma constatação mais contundente era que, entre 1998 e 2000, 68 % dos docentes permanentes da PGEF não apresentaram a produção considerada desejável de um trabalho anual na íntegra. Dentre esses, a metade não apresentou qualquer produção. Felizmente entre 2000 e 2004 essa tendência foi revertida. O número de docentes permanentes da pós-graduação sem produção bibliográfica no ano reduziu-se para apenas 5 %, o de autores com trabalhos internacionais aumentou de 10% para 19% e o número de artigos internacionais aumentou em 47 %. Essa rápida análise aponta que passamos uma fase de crescimento quantitativo e que atravessamos uma fase de desenvolvimento mais qualitativo. Entretanto, ainda temos muito espaço para desenvolvimento, pois a CAPES almeja que em espaço de tempo não muito longo, todos os orientadores da pós-graduação consigam produzir um artigo internacional de impacto por ano. Enfrentar esse desafio envolve dois caminhos complementares: de um lado, é necessário incrementar a inserção de autores brasileiros em periódicos de elevada reputação internacional, e de outro, como forma de coroar o amadurecimento definitivo da área, projetar os periódicos editados no pais nesse mesmo circuito internacional. Pós-graduação, graduação, pesquisa e sociedade A pós-graduação é um componente distinto porém relacionado com a educação superior de graduação e com a pesquisa e desenvolvimento. Na Educação Física brasileira, a pós-graduação tem sido considerada primordialmente um meio para formação de recursos humanos para o magistério superior. Esta ênfase tem obscurecido o outro aspecto, talvez mais importante, da função da pós-graduação que é o de capacitar recursos humanos qualificados para a produção de conhecimentos relevantes e inovadores para o desenvolvimento da área e da sociedade como um todo. Tanto o ensino de graduação como a pesquisa e desenvolvimento compartilham de dois componentes comuns: o corpo de conhecimentos que caracteriza uma área e os recursos humanos que atuam como sujeitos nos dois componentes. A existência de um corpo de conhecimentos com densidade e profundidade é condição essencial para justificar a criação e manutenção de um curso de graduação pois é nele que se assenta todo processo de formação superior. A atividade de pesquisa por outro lado, constitui-se em meio através da qual o corpo de conhecimentos é lapidado, aperfeiçoado e renovado, realimentando, portanto, o sistema de ensino superior. Recursos humanos altamente qualificados constituem-se em agentes ativos desses dois processos. A familiaridade com o corpo de conhecimento e a capacidade de acompanhar e antever suas transformações são condições necessárias para o exercício competente do magistério superior. Cabe ao docente do ensino superior estar atento às inovações e aperfeiçoamentos nas fronteiras S e m in á r io P ó s -g r a d u a ç ã o e m E d u c a ç ã o F ís ic a / C iê n c ia s d o E s p o r te 32 • Rev. bras. Educ. Fís. Esp., São Paulo, v.20, p.31-33, set. 2006. Suplemento n.5. XI Congresso Ciências do Desporto e Educação Física dos países de língua portuguesa do conhecimento, sob pena de formar recursos humanos sem a competência para acompanhar as demandas da sociedade. A produção de conhecimento depende de um sólido sistema de pesquisa e desenvolvimento, que requer, dentre outros, um corpo de pesquisadores preparados para a condução competente de pesquisas. A participação do docente universitário no processo de produção de conhecimentos é certamente um atalho que aproxima a produção e a formação de graduação. Essa é a ótica sob a qual se assenta a preferência à formação de pesquisadores que ensinam do que a de professores que pesquisam. Em anos recentes, os formuladores de políticas de pesquisa e pós-graduação tem seguidamente alertado para a necessidade de seus produtos atinjam a sociedade de forma mais efetiva e direta. Uma boa pesquisa terá como produto, não somente uma produção bibliográfica de impacto, mas também uma contribuição para promover o bem-estar e desenvolvimento de toda sociedade. A formação em PG é um processo que ocorre paralelamente à produção de novos conhecimentos. O engajamento do futuro mestre ou doutor nos projetos em desenvolvimento potencializa o ciclo de produção de conhecimentos e os beneficia, proporcionando-lhes o treinamento e a aquisição de experiências necessárias para a sua capacitação enquanto pesquisador. Desse modo, a PG é um catalizador do desenvolvimento da área, multiplicando o potencial do sistema de pesquisa e favorecendo a formação de graduados mais capacitados para as suas funções na sociedade. Depreende-se, portanto que a formação de mestres e doutores é altamente dependente do grau de consolidação da pesquisa e desenvolvimento. Não é possível oferecer PG de qualidade sem a existência de atividades consolidadas de pesquisa previamente à sua implantação. A pesquisa deve anteceder a PG e não a PG implantar a pesquisa. Espera-se também que a instalação da PG resulte em impacto significativo para a área acadêmica, para a profissão e também para a sociedade. A forte expansão do número de cursos de graduação verificada nos últimos anos aliada à exigência de titulação mínima dos docentes de ensino superior contida na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB) vem exercendo forte pressão sobre a demanda por titulados em pós-graduação. A LDB exige ainda que para o reconhecimento de universidadesé necessária a comprovação da existência de programas de pós-graduação, o que aumenta ainda mais a procura por docentes titulados para constituírem o quadro docente dos futuros programas de PG. Essas demandas certamente estão temporariamente inflacionadas em decorrência do desequilíbrio provocado pela abrupta expansão de todo o sistema de ensino de graduação no Brasil sem o devido acompanhamento do sistema de PG. Uma correta projeção do comportamento desse desequilíbrio entre demanda e oferta é fundamental para o estabelecimento de uma política adequada de pós-graduação. Em junho de 2006, havia no Brasil mais de 500 cursos de graduação em Educação Física frente a 17 cursos de mestrado e 7 de doutorado. Esses cursos, no período de 1996 a 2004, receberam 1986 novos alunos e titularam 1537 mestres e 207 doutores com uma taxa de crescimento de 28 mestres e 3,1 doutores ao ano. Segundo essas estimativas, entre 1996 e 2006 a PGEF brasileira deverá formar cerca de 1600 mestres e 300 doutores, provavelmente insuficientes para fazer frente à necessidade de corpo docente qualificado para o ensino superior. Sem deixar de considerar as necessidades para o ensino superior, o mercado de trabalho também requer recursos humanos altamente qualificados. O perfil do pós-graduado necessita ser repensado pois provavelmente a atual ênfase para o magistério superior sem considerar a possibilidade de atuação em outros segmentos da sociedade é inadequada. Essa discussão necessita ser realizada com a maior brevidade possível, de modo a dar o tempo suficiente para implementar os ajustes necessários para a formação dos egressos. Estudos coordenados pela CAPES em algumas áreas comprovam que a natureza dos campos de conhecimento determina o segmento do mercado de trabalho que absorve o pós-graduado. Neste particular, a atual indefinição da identidade da área, pautada sobretudo em polarizações (acadêmica ou profissional, naturais ou humanidades, saúde ou educação) em nada contribui para a solução do futuro da PGEF. Num país com dimensões continentais que convive com as mais diversas realidades e corpo docente heterogêneo, a discussão da identidade da área deve ser direcionada no sentido de encontrar um ponto de equilíbrio entre os diversos extremos sem desconsiderar a existência de pluralidades. A saturação do mercado acadêmico pode induzir uma inflexão do perfil da PGEF para uma orientação mais voltada à profissão, o que poderia levar à tentação de optar pelo oferecimento do Mestrado Profissional. Na Educação Física, algumas Instituições optaram por esse caminho, sem no entanto terem suas propostas recomendadas pela CAPES. Essas iniciativas devem estar assentadas na existência de um corpo de conhecimentos sólido como fruto do esforço investigativo e não apenas na promessa de que um corte temático, pautada sobretudo por especialidades da atuação profissional, poderá alavancar a própria investigação. No estágio que se encontra a Educação Física brasileira, o fortalecimento do segmento acadêmico parece ainda ser o caminho mais prudente, já que ela é essencial para dar sustentação adequada ao profissionalizante. No entanto, não podemos deixar de considerar a necessidade de implantar, paulatinamente, ações da pós-graduação que a aproximem mais diretamente da sociedade. Rev. bras. Educ. Fís. Esp., São Paulo, v.20, p.31-33, set. 2006. Suplemento n.5. • 33 XI Congresso Ciências do Desporto e Educação Física dos países de língua portuguesa Por uma pós-graduação alinhada com o desenvolvimento da sociedade A ciência e tecnologia em seu progresso ao longo, sobretudo no século XX e início do presente milênio, sofreu intensas transformações. Elas ocorreram e continuam a ocorrer como fruto do diálogo entre a comunidade acadêmica e a sociedade. O período do pós-guerra até fins da década de 1960 a ciência era vista como motor do progresso: neutra e autônoma, leia-se livre de influências sociais, pois partia do pressuposto de que a ciência de qualidade, apoiada em seu rigor metodológico, cedo ou tarde traria contribuições à sociedade. A relação entre ciência e sociedade far-se-ia linearmente, através de uma cadeia seqüencial entre ciência básica, aplicada, tecnologia, crescimento econômico e bem estar social. A década de 1960 a 1970 reconhece que a ciência é importante demais para ficar apenas nas mãos de cientistas. Ela pode ser usada para o bem ou para o mal, devendo portanto estar sujeita ao controle social. É neste contexto que surgem os recursos setoriais, em estreita relação com outras políticas, tais como a militar, energética, de comunicação, relevantes para os usuários. As duas últimas décadas do século XX passam a encarar a ciência como uma oportunidade estratégica. Ao invés de um ciência mera espectadora e contempladora da natureza, ela passa a ser entendida como fonte que constrói ordem e transforma essa natureza. A relevância da pesquisa dá lugar ao impacto de suas descobertas. Ciência não é mais realizada somente por cientistas, mas por um conjunto de atores que envolvem engenheiros, políticos, servidores públicos, economistas e industriais. No início desse milênio a ciência é ainda mais ampliada. Definitivamente, exige-se uma comunidade de ciência e tecnologia, politicamente ativa e orientada. A ciência é realizada em redes, dinâmicas, trans-disciplinares e trans-institucionais. Diante deste panorama, talvez, a pesquisa que fazemos em educação física e ciências do esporte, o que se reflete nas concepções da pós-graduação, ainda não tenha saído da década de 1960. Debatemos pesquisa básica e aplicada, como construir uma identidade espistemológica para a “nossa” área que a distinga das demais áreas. Embora reconheçamos a necessidade e relevância da inter, trans e multidisciplinaridade, resistimos às interferências que “outras” áreas exercem sobre nossas ações. Queixamo-nos que não há fundo setorial específico para a nossa área. A pesquisa “relevante” é aquela realizada dentro dos preceitos do “rigor” científico: a de boa qualidade será sempre aquela melhor resolvida teórica e metodologicamente. O “impacto” que nos importa é aquele do Jornal of Citation Reports e não o impacto social. Meu propósito é trazermos à reflexão sobre o que efetivamente estamos fazendo em pesquisa na educação física. A maioria de nós passamos por um rigoroso treinamento do que é uma pesquisa de qualidade. Mas precisamos entender que a pesquisa de impacto vai além do rigor metodológico. Isto, não significa que ninguém nos alertou sobre o problema do impacto (no sentido moderno). Os freqüentes questionamentos da “relevância social” de algumas pesquisas, no entanto, muitas vezes são equivocadas. Impacto social não é sinônimo de pesquisa que de um tema “social”. Para realizar pesquisas com real impacto, o rigor ainda é imprescindível. O rigor, por outro lado, pode desvelar uma ordem escondida na natureza. Isto pode, num primeiro momento, ser animador. No entanto, com o tempo, pode revelar tratar-se de um engodo. Talvez, a ciência não tenha mais muito o que fazer, como admite John Horgan. Precisamos talvez de mais conhecimentos locais, particulares e menos gerais. Se o caminho para a pesquisa adquire natureza mais trans- disciplinar, como justificar a existência de um empreendimento de pós-graduação disciplinar? Será possível fortalecer uma área, consolidar seu corpo de conhecimento, sem perder de vista as interfaces com outras áreas deixando os temas transversais de lado ? O debate quanto à natureza inter, intra, multi e transdisciplinar da Educação Física é recorrente na área. Praticamente todas as propostas de pós-graduação da área apresentam este questionamento. Entretanto, a defesa de um corte epistemológico que dê identidade à área parece contraditório. Há aqueles que defendem que essa identidade não existe e nem poderá existir. No entanto, se admitirmos essa premissa, perderemostotalmente um motivo para aglutinação da área. Talvez, seja esse, o próximo desafio posto à Pós-graduação em Educação Física. S e m in á r io P ó s -g r a d u a ç ã o e m E d u c a ç ã o F ís ic a / C iê n c ia s d o E s p o r te
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