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Aula 3 MANCE, André Eixos de Luta e a Central de Movimentos Populares

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09/06/2016 Eixos de Luta e a Central de Movimentos Populares
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Eixos de Luta e a Central de Movimentos Populares
Euclides André mance 
CMP ­ Curitiba, PR 
INTRODUÇÃO
O modo de articulação dos diversos movimentos populares e de unificação de lutas deve
ser  definido  a  partir  da  elaboração  de  uma  estratégia  global  que  possibilite  o  avanço
concreto  de  suas  lutas  específicas  e  imediatas  rumo  à  transformação  das  estruturas  do
capitalismo,  a  fim  de  superá­lo,  compondo,  portanto,  a  realização  dos  objetivos
conjunturais  com  o  acúmulo  de  forças  para  a  realização  dos  objetivos  históricos.  As
propostas  que  afirmam  ser  necessário  organizar  os movimentos  populares  por  local  de
moradia  ou  por  eixos  de  luta,  advém  da  compreensão  diferenciada  do  papel  dos
movimentos populares no enfrentamento do capitalismo.
Por outro lado, os objetivos que os movimentos perseguem e o modo de organizarem o
povo  na  luta  por  tais  objetivos  estão  vinculados,  explícita  ou  implicitamente,  a
determinadas estratégias e projetos políticos. Algumas dessas estratégias são constituídas
democraticamente  pelos  movimentos;  outras  são  elaboradas  no  interior  de  partidos,
igrejas e  tendências, definindo o papel e o modelo de organização para os movimentos
que passam a ter uma função tática na realização de tais estratégias.
Como toda  luta, ou ação dos movimentos populares contribui para a  implementação de
um determinado projeto político, para que possamos tratar corretamente de nosso tema ­
apresentando  a  proposta  de  organização  dos  movimentos  populares  a  partir  de  eixos
estratégicos  de  luta  que  lhes  possibilitem  potencializar  o  seu  enfrentamento  do
capitalismo  ­,  será  necessário  compreender  o  que  significa  a  ação  histórica  de  tais
movimentos  como  um dos momentos  de  enfrentamento  estrutural  do  capitalismo.  Para
tanto será necessário a análise do sistema capitalista como totalidade estruturada, o que
significa,  entre  outras  coisas,  analisar  o  seu modo  de  reprodução  como  um  todo,  bem
como compreender a  relação  entre  a  ação dos movimentos populares  e  a  efetivação de
projetos  políticos  e  estratégias  partidárias  de  manutenção  ou  de  transformação  do
capitalismo. Com esse intuito, faremos uma análise da reprodução do capitalismo, tanto
na exploração da força de trabalho quanto na exploração da reprodução social da força de
trabalho,  como  também  da  dominação  cultural  e  do  papel  do  Estado.  Na  seqüência
analisaremos a constituição dos eixos de  lutas para seu enfrentamento, bem como, duas
estratégias  que  propõem  modelos  de  organização  distintos  para  o  conjunto  dos
movimentos populares em  função de  tal  enfrentamento. Em  seguida  apresentamos uma
proposta de estrutura organizativa para a Central de Movimentos Populares.
 
1.  MOVIMENTO  POPULAR,  PROJETOS  POLÍTICOS  E  ESTRATÉGIAS
PARTIDÁRIAS
Se  por  um  lado  é  consenso  afirmar  que  a  luta  pela  conquista  de  objetivos  imediatos
desenvolvida  pelos movimentos  populares  contribui  para  a  implementação  de  projetos
políticos, por outro lado, nem todos têm a clareza de distinguir os projetos políticos e suas
estratégias de realização dos projetos e estratégias partidárias, sindicais e de movimentos
populares.
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O  objetivo  dos  projetos  políticos  é  alcançar  ou  manter  uma  certa  organização  da
sociedade; organização essa que significa o modo de produção das  riquezas materiais  e
culturais  necessárias  à  satisfação  das  necessidades  e  desejos  humanos,  bem  como,  de
circulação  e  distribuição  dessas  riquezas,  e  ainda  da  maneira  de  governar  sobre  a
organização dessa sociedade. A palavra  POLÍTICO, deriva de POLIS, que não significa
apenas CIDADE, mas uma forma de organização da convivência entre as pessoas, isto é,
da organização da sociedade, em seus aspectos econômicos, culturais, de gestão do poder,
etc.
No  Brasil  das  últimas  décadas  foram  sendo  delineados  três  projetos  políticos  que
ganharam contornos um pouco mais definidos no período eleitoral de 1989.
Um primeiro projeto político propõe a abertura total da economia brasileira aos interesses
do capital internacional, defende o "livre­mercado", a redução do controle estatal sobre a
economia, inclusive em áreas estratégicas. Tal projeto que ganhou expressão no Brasil ­
em certo  sentido  ­  com  o Governo  de  Juscelino Kubitschek  de Oliveira,  com  a  ampla
instalação  das  multinacionais  no  país  com  inúmeros  privilégios  ,é  retomado
vigorosamente com o neoliberalismo do Governo Collor, tendo como expressão partidária
os partidos de direita ­ ente outros, PDS, PFL, PL, PRN, PTB e setores do PMDB ­, como
expressão  sindical  a  Força  Sindical,  a  USI,  e  como  expressão  frustrada  a  nível  de
movimento  popular  o  arremedo  de  constituição  da  Confederação  Brasileira  das
Associações de Moradores ( COBRAM ) ­ hoje praticamente inexistente.
Um  segundo  projeto  político  propõe  a  reforma  parcial  do  capitalismo,  defendendo  os
interesses do capital nacional, diminuindo um pouco a concentração de renda, diminuindo
os graves conflitos sociais e os riscos de revoltas mais graves, assegurando alguns direitos
sociais à população, mas mantendo a exploração no trabalho e do consumo em um nível
que garanta a classe dominante permanecer com seus privilégios. Uma das vertentes de
tal projeto nacionalista remonta às décadas de 30 e 50 e mais recentemente ao governo de
João  Goulart.  Tal  projeto  é  retomado  atualmente  pela  Social­Democracia,  tendo  como
Expressão partidária  o PDT  e  o  PSDB,  com  pouca  implantação  a  nível  de movimento
sindical, e a nível de movimento popular dividindo a direção da Confederação Nacional
das Associações de Moradores (CONAM).
O terceiro projeto político nasceu das lutas dos movimentos sociais a partir da metade da
década de 70 que partindo  das  lutas  por melhores  condições  de  vida  para  a  população
avançou  no  enfrentamento  da  ditadura  militar  exigindo  a  democratização  real  da
sociedade  brasileira,  a  constituição  de  uma  sociedade  socialista,  formulando  o  projeto
político democrático­popular. Tal projeto político  tem como expressão partidária o P.T.,
também a ele se aglutinando progressivamente o PCB, PCdoB, PV e o PSB;  tem como
expressão sindical a CUT e a nível de movimento popular a Pró­Central de Movimento
Popular.
Na  implementação  de  cada  um  desses  três  projetos  políticos  existem  ­  segundo  a
correlação que apresentamos para debate ­ diversos atores sociais, partidos, movimentos
sindicais e populares, entre muitos outros.
A  grande  diferença  entre  os  diversos  partidos  que  se  aglutinam  em  torno  desses  três
projetos reside na estratégia partidária que adotam na implementação do projeto político
que defendem, nas diferenças de análise da estrutura de funcionamento do capitalismo, na
compreensão na correlação de forças na sociedade e dos métodos para alterá­la.
Claro está que  toda prática de cooptação,  clientelismo e  assistencialismo adotada pelos
partidos  de  direita  e  lideranças  populares  contribuem para  a  implementação  do  projeto
político de manutenção do sistema como um todo ou de sua reforma superficial. Nestes
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casos o movimento popular tem um papel tático na eleição de certos políticos e partidos,
na implementação de certos programas governamentais, etc.
Por outro lado, na implementação das estratégias partidárias que buscam a superação do
capitalismoencontramos  a  atribuição  de  diferentes  papéis  aos  movimentos  sindicais  e
populares.
As  estratégias  de  alguns  partidos  de  esquerda  acentuadamente  marcados  por  teses  de
centralismo, atribuem ao Partido Político e à sua direção o papel de vanguarda primeira e
direção  de  todo  o  processo  revolucionário,  que  tem  por  ator  principal  o  movimento
operário e que supõem um momento de transição para uma nova sociedade sob a direção
de um único partido. Aos movimentos  sindicais  e  populares cabe a  implementação das
estratégias  de  tal  partido,  especialmente  combatendo  ou  apoiando  respectivamente  os
inimigos  ou  aliados  do  partido,  sejam  permanentes  ou  conjunturais,  fazendo
manifestações  de  massa,  levando  à  população  as  palavras  de  ordem  do  partido,
acentuadamente nos períodos eleitorais.
Para  realizar  tais  tarefas  ao  âmbito  do  movimento  popular  foram  organizados,  por
exemplo, na Capital de São Paulo em 1945 os Comitês de Defesa Popular, os CDP's, que
duraram  até  1947,  servindo  de  inspiração  para  os  posteriores  Comitês  Distritais  e  de
certas práticas das SABs ­ Sociedades Amigos de Bairros.
Por  atribuir  um  papel  tático  ao movimento  popular  no  enfrentamento do  capitalismo e
compreender a revolução a partir de uma direção centralizada rigidamente, tais partidos
propõem  como  modelo  organizativo  para  o  movimento  popular  uma  estrutura
extremamente  verticalizada  e  hierarquizada,  devendo  as  decisões  das  instâncias
superiores ­ as que estão mais próximas do topo da estrutura ­ serem implementadas pelas
instâncias inferiores, mais próximas à base da estrutura. Como o que importa é mobilizar
taticamente a massa, implementando sigilosamente ­ na maioria das vezes ­ a estratégia
do  Partido,  difundindo  em  momentos  oportunos  certas  palavras  de  ordem  bem  como
fazendo prevalecer a autoridade do dirigente que liderará as ações práticas determinadas
pelas  instâncias  superiores,  o  ideal  é  organizar  a  população  pelo  local  de  convivência
comunitária,  pelo  local  de moradia,  privilegiando  as  associações de moradores  como a
melhor organização da população em movimentos comunitários,  tanto por  ter uma rede
de  comunicação  mais  pessoal  bem  como  por  aproveitar  as  estruturas  de  influência  e
autoridade pessoal constituídas na convivência  cotidiana, na qual  se  sobressaem  líderes
que devem ser cooptados pelo partido.
Contudo, propor a organização de todo o movimento popular a partir do local de moradia
, ao invés de propor a sua organização por eixos de luta, é um erro analítico e político.
É  um  erro  analítico  porque  resulta  de  uma  análise  equivocada  da  reprodução  do
capitalismo,  tanto  no  que  se  refere  à  reprodução  social  da  força  de  trabalho,  como  da
reprodução  social  da  cultura  dominante  ­  tanto  de  massas  quanto  popular­  em  seus
aspectos ideológicos, que se referem à compreensão da realidade, como em seus aspectos
mais  subjetivos  e  inconscientes  de  reprodução  de  ações  alienadas,  em  investimentos
alienados de desejos nas relações do cotidiano, tão bem exploradas pela mídia ( a análise
da reprodução do capitalismo faremos mais à frente ).
Por não resultar de uma análise das estruturas de reprodução do capitalismo, tal modelo
organizativo não consegue enfrentá­las satisfatoriamente. Dito de outra forma, tal modelo
organizativo é ineficiente para a superação do capitalismo.
As estratégias de outros partidos de esquerda que buscam a implementação de um projeto
político democrático e popular, que refutam a ditadura do proletariado e as teses de um
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partido único na transição para uma nova sociedade, afirmam a autonomia e a democracia
dos movimentos sindicais e populares como princípios básicos no encaminhamento das
suas  lutas.  Tais  partidos  não  têm  hoje  uma  proposta  organizativa  para  o  movimento
popular, também tratando­os taticamente em várias conjunturas.
Por outro lado têm a clareza de que o socialismo democrático somente se constrói com o
fortalecimento dos diversos atores sociais, partidos, movimentos, entidades da sociedade
civil,  em  torno de um projeto político de  superação do modo capitalista de organizar  a
produção de riquezas, a reprodução social, a gestão do poder político em todos os níveis,
e da dominação cultural.
Assim,  todos  os  atores  sociais  revolucionários,  mais  do  que  propagar  uma  ideologia,
devem desenvolver práticas de luta e modos organizativos de gestão do poder que afetem
as estruturas do sistema capitalista, não as reproduzindo , construindo já, por outro lado,
novas  organizações,  modelos  e  mecanismos  de  produção,  gestão,  etc,  que  seriam
plenamente  desenvolvidos  como  instrumentos  de  implantação  do  Socialismo
Democrático.
 
2. MOVIMENTO POPULAR E ENFRENTAMENTO DO CAPITALISMO.
Ora se todos os movimentos sindicais e populares que buscam a superação do capitalismo
devem  combatê­lo  em  suas  ações,  é  necessário  definir  uma  estratégia  de  tal
enfrentamento que resulte de uma análise de suas estruturas de funcionamento bem como
das correlações de forças na sua manutenção ou dissolução.
2.1 ANÁLISE DA REPRODUÇÃO DO CAPITALISMO
Ao  analisar  a  reprodução  do  sistema  capitalista  é  necessário  compreender  tanto  a
exploração da força de trabalho, quanto a exploração capitalista que a população sofre ao
desenvolver  as  atividades destinadas à  reprodução  social da  sua  força de  trabalho, bem
como a dominação cultural que modela a subjetividade das massas de modo a produzir,
consumir  e  se  comportar  ética  e  politicamente  segundo  os  interesses  das  classes
dominantes. Cumpre analisar também o caráter e o papel do Estado, quanto ao processo
de manutenção/superação do capitalismo.
2.1.1 Exploração do Trabalho.
Ao  restringir preferencialmente a  análise do  sistema capitalista no Brasil  ao aspecto da
exploração da força de trabalho, considerou­se durante as últimas décadas que apenas o
movimento sindical  tivesse um potencial estratégico no enfrentamento das estruturas de
manutenção do capitalismo, sendo que os demais movimentos populares ­ por não terem
ainda  desenvolvido  seu  potencial  que  agora  vai  se  impondo  e  terem  permanecido  no
apoio  tático  ao  movimento  sindical  e  partidário­  acabaram  ficando  relegados  a  um
segundo plano.
2.1.2 Exploração da Reprodução Social da Força De Trabalho
A ampliação do conceito de REPRODUÇÃO na  tradição  marxista  incorporou  todos os
processos considerados necessários à continuação da existência de um determinado modo
de produção englobando assim as instâncias ou práticas econômica, política e ideológica,
devendo todas elas serem reproduzidas a fim de que o modo de produção como totalidade
estruturada possa se reproduzir.
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Muitos autores enfatizam, ao âmbito da reprodução econômica, que a reprodução social
se abre em dois níveis: a) o da reprodução da força de  trabalho através do consumo, b)
bem  como o  da  reprodução  biológica  da  força  de  trabalho,  com  a  reprodução  de  seres
fornecedores potenciais de  força de  trabalho. No primeiro  item enfatizou­se o papel  do
trabalho doméstico na  transformação  do  salário  em  força  de  trabalho,  e  no  segundo,  o
controle social sobre a mulher como reprodutora biológica, analisando­se a relação entre
a diferença sexual e o conjunto de diferentes papéis potenciais na reprodução humana.
Merecerá  atenção  ,  aqui,  a  exploração  capitalista  da  reprodução  social  da  força  de
trabalho no momento do consumo.
Os  trabalhadores,  após  a  jornada  de  trabalho,devem  gastar  os  salários  recebidos  pelo
período de produção a fim de substituir sua força de trabalho nela consumida. Portanto,
para  que  continue  existindo  o  acúmulo  de  mais  valia  que  resulta  da  exploração  do
trabalho é necessário que o trabalhador esgotado recupere as suas forças, isto é, reproduza
a sua própria força de trabalho.
Para  reproduzir  a  sua  força  de  trabalho  extremamente  esgotada  ao  final  da  jornada  de
trabalho, o trabalhador necessita deslocar­se para seu local de moradia, ingerir alimentos,
medicar­se  se  for  necessário,  repousar,  distrair­se,  etc.  Portanto,  para  que  haja  a
reprodução satisfatória da força de trabalho são necessários transportes, postos de saúde,
moradias, abastecimento alimentar, rede de água, esgoto, luz, etc.
Para a população, moradia, transporte, atendimento médico, educação, etc,  tem valor de
uso. Entretanto , para os capitalistas, estas necessidades da população são possiblidade de
exploração e expropriação para acúmulo de mais capital. Para eles, moradia, transporte,
atendimento médico,  educação,  etc,  tem valor  de  troca,  que  se materializa  no preço do
aluguel, da terra, da passagem de ônibus, na mensalidade escolar, etc.
Como o  que  importa,  em última  instância,  não  é  satisfazer  os  interesses  da população,
mas  acumular  mais  capital,  é  preferível  para  o  capitalista  do  transporte  coletivo,  por
exemplo,  que  os  ônibus  trafeguem  superlotados,  pois  isso  dá  mais  lucro;  que  nos
domingos hajam menos ônibus trafegando para dar menos prejuízo.
É  correto  afirmar  que  o  acúmulo  de  capital  em  tais  serviços  advém  da  exploração  dos
trabalhadores  que  os  executam, mas  é  preciso  salientar  que  tal  capital  é mediatamente
expropriado  do  usuário  que  paga  pelo  serviço  um valor  exorbitante,  acima  do  seu  real
valor material de custo.
A  lógica  da  exploração  da  reprodução  social  está  presente  em  toda  a  organização  da
cidade.  A  cidade  é  a  resultante  da  permanente  produção  social  e  coletiva,  pois  nela
participam  inúmeros  agentes:  desde  grandes  empresas  imobiliárias,  loteadores,
construtoras e Governos, até mesmo o setor lumpen que, ao fazer de uma periferia deserta
uma pequena vila, faz com que os vazios próximos se valorizem, ou ainda o Movimento
Popular que, ao conquistar  linhas de ônibus,  creches,  escolas e anti­pós para os bairros
periféricos,  faz  com  que  haja  uma  valorização  financeira  daquela  área  intermediária
reservada à especulação  imobiliária que passa a  ser atendida pelas  linhas de  transporte,
água, esgoto e energia elétrica que a população conquista.
Contudo, se para a população a cidade tem um valor de uso, o capitalista a explora pelo
seu valor de  troca. Embora ela  e  seu valor  sejam produzidos  coletivamente,  a  cidade  é
apropriada  individualmente,  pois  é  organizada  e  produzida  sob  a  égide  da  propriedade
privada.  Os  interesses  da  população  (uso)  e  do  capitalista  (troca),  são  antagônicos  em
toda a destinação da cidade (infra­estrutura, uso do solo, saúde, educação, transporte, etc).
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A  forma  de  exploração  capitalista  quanto  ao  espaço  urbano,  especificamente,  possui  a
seguinte  lógica.  Uma  certa  área  da  cidade  possui  um  valor  de  troca  (vt1)  e  um
determinado  valor  de  uso.  Inúmeros  agentes  sociais,  em  especial  a  população  aplicam
trabalho sobre aquela área e fazem daquele espaço vazio um bairro. Este trabalho produz
um novo valor de uso e também um novo valor de troca atual (vt2). A diferença entre o
valor  de  troca  atual  e  o  antigo  valor  daquela  área  (vt2­vt1)  é  um  valor  produzido
coletivamente  ­  inclusive pelos próprios movimentos populares  ­ mas que  é  apropriado
individualmente por aquele que especula com os vazios urbanos,  terrenos baldios ou de
"engorda", ou que cobra aluguéis, por exemplo.
2.1.3 Dominação Cultural
O grande avanço da dominação  ideológico­ cultural no capitalismo deveu­se ao fato de
desenvolver  equipamentos  que  possibilitam  manipular  a  subjetividade  dos  indivíduos,
composta  de  razão  e  sentimento;  consciência,  necessidades,  desejos, medos,  interesses,
etc.
Nas  sociedades  em  que  os  processos  de  comunicação  de  massa  e  informatização  vão
sendo sofisticados ­ como o Brasil ­ a cada dia as dinâmicas de dominação ideológica vão
sendo aprimoradas e modificadas. Muito mais que universalizar uma certa compreensão
do  real  produzida  pela  classe  dominante  que  acoberte  as  contradições  do  capitalismo,
passa  a  ocorrer  a  produção  da  subjetividade, mobilização  de  anseios,  desejos  e  outros
"sentimentos" com códigos que atingem o inconsciente das pessoas, fazendo com que as
mesmas  tenham  comportamentos  segundo  os  interesses  das  classes  dominantes,  e  pior
que isto, fazendo com que as próprias pessoas co­elaborem o discurso que justifique a sua
ação alienada e alienante. Por outro lado, muitas pessoas sabem que são exploradas e, até
mesmo, compreendem as contradições básicas do capitalismo mas não se mobilizam na
transformação do sistema, porque sua subjetividade, de certa forma, é induzida a outras
aspirações. De fato, a subjetividade consciente e inconsciente dos indivíduos é produzida
em  tramas  de  forças  difusas  por  todas  as  relações  de  poder  social,  sejam  políticas,
pedagógicas,  eróticas,  religiosas,  econômicas,  etc,  que  podem  passar  por  instituições
como  família,  escola,  Igrejas,  partidos,  sindicatos,  etc,  potencializados  ou  não  pelos
meios massivos de comunicação. Nesta produção da subjetividade o capitalismo realiza
uma  sobrecodificação  de  todas  as  relações  sociais  fazendo  com  que  o  indivíduo
constituído  nessas  tramas  de  forças  assuma  papéis  dentro  de  regras  ou  códigos
estabelecidos pelo próprio "sistema".
Assim, o desenvolvimento de  tecnologias produtivas  atinge a capacidade de produzir o
indivíduo  especializado que opera  tecnicamente  a  PRODUÇÃO,  bem  como  produzir  o
indivíduo  ­  recortado  na  sociedade  de massa  ­  que  se  individualiza  na medida  em  que
CONSOME segundo os padres que lhe são postos ou que assume a identidade que se lhe
é  apresentada  para  destacar­se  dos  demais,  realizando  com  suas  práticas,  de  fato,  os
interesses  dos  que  comandam  os  processos  produtivo  e  de  consumo.  Economia,
psicologia,  sociologia,  antropologia  e  demais  ciências  humanas  tornam­se  instrumentos
de  produção  de  saber  que  possibilitam  moldar  o  comportamento  de  produtores  e
consumidores, de produzi­los como tais, com estas ou aquelas competências,  com estes
ou aqueles desejos.
Na  esfera  do  consumo,  além  de  criação  de  novas  necessidades  culturais,  há  também  ­
mesmo  em  um  país  de  pobres  e  miseráveis,  como  o  é  em  grande  parte  o  Brasil  ­  o
agenciamento  do  desejo  de  consumir  determinados  produtos  associados  à  fama,  à
vantagem, ao prazer, ao poder, etc, com apelos mais passionais que racionais, pois apenas
visam mover o desejo do consumidor em adquiri­lo e não argumentar que o produto seja
realmente de boa qualidade por tais e tais razões.
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No processo de modelização da subjetividade, para se garantir o desempenho de produtor
e  consumidor  e,  em  especial,  a  manutenção  do  capitalismo,  sobrecodifica­se  todas  as
relações de poder no cotidiano, conferindo­lhes uma dimensão de manutenção de todo o
sistema. Assim, a discriminação sexual, por exemplo, que já existia antes do capitalismo,
passa, com este, a vincular­se diretamente também na manutenção do interesse da classedominante  que  legitima  suas  práticas  de  exploração  do  trabalho  da  mulher  ,  pagando
menores  salários  a  ela  que  a  um  homem  pelo  mesmo  serviço,  argumentando  teses
preconceituosas presentes na cultura popular.
Assim,  as mais  variadas  formas  de  violência  e  discriminação  contra  negros, mulheres,
deficientes, menores de rua, homossexuais, etc, ­ que são expressão de todo um conjunto
de  forças  difusas  no  campo  popular  que  se  exercem  seguindo  determinados  padres
introjetados nas pessoas ­ , são utilizadas pelo capitalismo para manter padres e conceitos
que equacionam tais conjuntos de forças à manutenção do sistema como um todo.
Este misto de cultura popular que mantém relações micro­políticas de opressão ­ como no
caso do machismo e da discriminação  racial,  entre  outras  ­  que  é  sobrecodificada  pelo
capitalismo e de cultura de massas que destrói referências de comportamento inadequadas
ao interesses do estágio de desenvolvimento do capitalismo no Brasil, resulta não apenas
em uma certa maneira de compreender o mundo, mas fundamentalmente em um modo de
se  comportar  face  às  inúmeras  relações  de  poder  vividas  no  cotidiano  e  em  relação  a
estruturas  maiores  de  poder  no  âmbito  da  sociedade  civil  e  Estado,  como  sindicatos,
entidades de movimento popular, partidos, governos, etc.
De fato, muitos são os fatores que regem os comportamentos individuais e coletivos, isto
é, a práxis social como um todo. Alguns desses fatores são de ordem  racional; outros de
ordem  passional.  Daí  o  fato  de  que  grupos  sejam  mobilizados  passionalmente  a  agir
contrariamente  aos  seus  próprios  interesses  manifestos  e  contrariamente  aos  objetivos
estratégicos da própria classe a que pertencem.
Tal  modelização  da  subjetividade,  que  chega  a  este  ponto,  é  realizada  por  uma
intervenção sobre o inconsciente dos indivíduos influenciando diretamente sua dinâmica
passional.  é  nesse  espaço  que  se  entrelaçam,  efetivamente,  os  motores  da  práxis.  Tal
espaço é anterior à oposição  realidade­representação, e portanto, anterior ao âmbito das
ideologias, anterior à consciência significadora.
Assim, na efetivação dos processos de dominação, os Equipamentos Coletivos, meios de
comunicação  e  publicidade  são  usados  intervindo  nos  níveis  mais  íntimos  da  vida
subjetiva, orientando, inconscientemente o indivíduo à busca de determinada capacitação
produtiva, a consumir determinados produtos, a aderir e eleger a determinados políticos ­
que são propagandeados pela mídia como qualquer outro produto de comércio ­, etc.
A  partir  deste  estágio  do  desenvolvimento  das  forças  produtivas  e,  em  especial,  pelo
desenvolvimento  dos  equipamentos  e  saberes  necessários  para  a  intervenção  sobre  a
dinâmica  passional  das  massas  e  indivíduos  pelas  classes  dominantes  agenciando
comportamentos em seu interesse de classe, a  luta  ideológica é recolocada em um novo
nível que não apenas o da compreensão e representação do real, mas o da capacidade de
reverter  essas  dinâmicas  de  agenciamento  de  desejos,  vontades,  etc.  Permanecer  no
âmbito  da  afirmação  do  discurso  crítico  é  permanecer  no  âmbito  da
compreensão/representação, que não consegue intervir sobre a dinâmica de modelização
da  subjetividade  como  um  todo,  que  não  se  restringe  apenas  à  atividade
cognitiva/racional.  No  atual  estágio  do  capitalismo  periférico  brasileiro  a  dinâmica  de
superação  da  alienação  das  massas  exige  mais  do  que  por  às  claras  os  processos  de
exploração  do  capitalismo, mas  agenciar  o  desejo  de  construir  uma  nova  sociedade,  a
utopia­concreta. Sem a desalienação dos desejos  e  a  reconstrução de uma  sensibilidade
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ética e política, não haverá como derrotar as classes dominantes.
2.1.4 O Caráter e o Papel do Estado
Não  se  pode  afirmar  que  o  Estado  seja  invariavelmente  instrumento  de  coerção  das
economicamente  dominantes  em  favor  de  seus  interesses.  Sendo  o  Estados  uma  das
mediações das  contradições  entre  classes  e  grupos  sociais,  no  seu  interior  também  se
manifestam  as  contradições  das  forças  sociais  que  disputam  a  implementação  de  seus
projetos políticos.
Nas democracias formais, o Estado também se torna espaço e instrumento de disputa pela
hegemonia.
Há,  portanto,  uma  relação  entre  Sociedade  Civil  e  Estado  na  qual  estão  presentes  as
tensões  relativas à disputa de  implementação dos diversos projetos políticos defendidos
por diversos atores sociais.
Assim, o caráter e o papel do Estado variam conforme variam os grupos hegemônicos no
exercício  de  seu  poder,  e  nas  diversas  formas  de  sua  relação  com  as  organizações  da
sociedade civil.
É  justamente  atuando  nesta  relação  ­  quer  sobre  a  perspectiva  da  pressão  externa  da
"sociedade civil" através dos movimentos e organizações sociais, quer através de ações na
esfera da "Sociedade Política" através dos partidos, parlamentares, governos, etc ­ que se
afetam o caráter e o papel do Estado que tanto poderá defender os interesses das classes
economicamente  dominantes,  como  assegurar  os  avanços  conquistados  pelas  lutas
populares.
 
2.2  ESTRATÉGIA  DE  ENFRENTAMENTO  DA  REPRODUÇÃO  DO
CAPITALISMO.
Para  enfrentar  a  exploração  capitalista  da  reprodução  social  da  força  de  trabalho  e  da
dominação  cultural,  é  necessário,  por  um  lado,  definir  eixos  de  luta  que  confiram  um
caráter  estratégico  às  diversas  lutas  fragmentadas  ­  e, muitas  vezes,  conjunturais  ­  dos
movimentos populares e não apenas organizar os movimentos por local de moradia; por
outro  lado,  é  necessário  elevar  o  grau  de  mobilização,  qualificação  e  articulação  dos
movimentos para seu fortalecimento tanto na ação direta quanto institucional.
2.2.1 A Constituição dos Eixos de Luta.
De  fato  é  necessário  estabelecer  eixos  de  luta  em  torno  dos  quais  os  movimentos  se
articulem desenvolvendo lutas que avançando nas resoluções das necessidades imediatas
acumulem  forças  para  irem  implementando  transformações  estruturais,  ou  pelo  menos
construindo o consenso na sociedade da necessidade de tais mudanças. Portanto, um eixo
de luta deve articular as lutas imediatas, conjunturais, de maneira tal que passem a ter um
peso estratégico, afetando as estruturas do capitalismo.
Assim, um eixo de luta reúne diversas lutas fragmentadas sobre questões específicas em
uma  luta  mais  ampla  assumida  pelos  vários  movimentos  específicos  que  passam  a
desenvolver  ações  articuladas  em  torno  de  tal  eixo,  sem  negar  suas  outras  bandeiras
particulares. Desta forma,  todas as  lutas específicas reunidas em torno daquele eixo são
fortalecidas  por  serem  tratadas  com  um  caráter  estratégico,  avançando  na  luta  por
mudanças estruturais que resultem na conquista das diversas lutas específicas.
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Normalmente  cada movimento possui  as  suas  bandeiras  de  lutas. Tais  bandeiras,  quase
sempre, expressam os objetivos que o movimento quer atingir, por exemplo, na questão
da saúde, educação, moradia.
Contudo, o capitalismo paleativamente atende  ­ e pode melhorar consideravelmente  ­ a
situação  de  saúde,  moradia,  educação  da  população,  sem  entretanto,  modificar  suas
estruturas  de  exploração,  como  no  caso  dos  regimes  social­democratas..  é  preciso  ter
clareza  de  que  o  movimento  por  creches  conquistou  muitas  creches  no  Brasil,  o
movimento  de  luta  contra  o  desemprego  conquistou  algumas  alternativas  para  os
desempregadosem 1984 e 85; inúmeras favelas e ocupações organizadas são hoje, áreas
regulamentadas;  inúmeras  novas  linhas  de  ônibus  foram  abertas  sobre  pressão  dos
movimentos;  etc,  etc,. Entretanto,  a exploração capitalista, estruturalmente, permaneceu
do mesmo  jeito.  Considere­se  ainda  que  inúmeros  vereadores,  deputados  ,  prefeitos  e
políticos  em  geral,  se  reelegeram  por  terem  atendido  clientelisticamente  algumas
reivindicações dos movimentos populares, difundindo a idéia da colaboração de classes,
reforçando  estereótipos machistas  e  discriminações.  Isso  ocorre  porque  os movimentos
não  articulam  suas  lutas  em  torno  de  eixos  que  avancem  para mudanças  estruturais  na
sociedade.
Portanto, definir um eixo de luta não é apenas encontrar uma luta prioritária que, em um
dado momento mobilize muitas pessoas e movimentos em ações conjuntas. Mais do que
isso,  um  eixo  de  luta  deve  sempre  ligar  à  realidade  imediata,  conjuntural,  os  objetivos
estratégicos de construção da nova  sociedade, o que  supõe a  superação do capitalismo.
Para tanto, é necessário afetar as suas estruturas econômicas, políticas e ideológicas. Isso
somente ocorrerá quando os movimentos estiverem articulados em torno de eixos de luta,
mobilizando, avançando as organizações populares e fazendo formação política de massa
nas lutas do cotidiano, nas lutas do dia­a­dia de cada movimento.
2.2.1.1 Eixos  de  Luta  no  Enfrentamento  da  Exploração  da  Reprodução  Social  da
Força de Trabalho.
Efetivamente  os movimentos  populares  travam  lutas  que  podem afetar  as  estruturas  de
exploração  da  reprodução  social  da  força  de  trabalho  quando  as  diversas  lutas  por
moradia, saúde, transporte, saneamento e demais elementos ligados à reprodução da força
de trabalho se articulem em torno ao eixo de luta pela REFORMA URBANA, que avança
não apenas para a democratização do uso do solo  ­ coibindo a especulação  imobiliária,
enfatizando  a  função  social  da  terra  em  detrimento  ao  direito  de  propriedade  ­,  como
também  em  direção  da  participação  popular  no  planejamento  permanente  da  cidade  ­
definido novas linhas de ônibus, tarifas, localização de equipamentos públicos tais como
creches, escolas, seus horários de funcionamento, etc ­ bem como a gestão popular dos
bens e serviços públicos em detrimento dos interesses das empresas privadas que sempre
deles se beneficiam.
Assim, ao invés de exigir que todo movimento de saúde, de transporte, saneamento,, etc
tenha  que  se  organizar  pelo  local  de  moradia,  o  correto  é  desenvolver  uma  estrutura
organizativa que articule os variados movimentos que atuam na área de reprodução social
da força de trabalho em torno da REFORMA URBANA.
2.2.1.2 Eixos de Luta no Enfrentamento da Dominação Cultural .
O erro analítico da proposta de organizar todo o movimento popular por local de moradia,
reduzindo­o  a  apoiador  de  lutas  comunitárias  é  ainda  mais  acentuado  pelo  fato  de
desconsiderar  a  organização  real  dos  movimentos  culturais  e  seu  papel  estratégico  no
enfrentamento  da  cultura  de  massas  e  dos  elementos  reacionários  da  cultura  popular,
ambos utilizados para a manutenção do capitalismo.
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Por outro lado, o conjunto dos movimentos populares que atuam no plano cultural sobre
questões  como  o machismo,  a  discriminação  racial,  discriminação  de  deficientes,  entre
outros,  contribuem  significativamente  na  reformulação  de  padres  éticos  incompatíveis
com  a  utopia  que  queremos  realizar.  Ao  afirmarem  a  necessidade  da  mudança  do
exercício  de  poder  nas  práticas  cotidianas  resgatando  a  sensibilidade  mutilada  pela
cultura  de massas,  criticando  os  elementos  reacionários  da  cultura  popular  e  padres  de
comportamento  alienados  agenciados  pelos  meios  de  comunicação  de  massa,  tais
movimentos  contribuem  no  enfrentamento  da  dominação  ideológico­cultural  das  elites
sobre a massa e contribuem para a elaboração de uma cultura popular revolucionária do
capitalismo,  do  machismo,  do  racismo  e  de  outras  formas  de  exercício  autoritário  do
poder nas relações micro­políticas do cotidiano.
Tomemos  como  exemplo  da  importância  desse  enfrentamento  as  lutas  desenvolvidas
pelos movimentos  de mulheres,  em  seu  aspecto  feminista.  Embora  hajam variações  de
forma de exercício de machismo, em razão da diversidade de padres culturais e morais do
modo de organização das relações cotidianas no campo e na cidade, as relações machistas
têm a mesma  identidade de violência e alienação da mulher nas práticas  do  cotidiano  ­
seja  no  campo,  seja  na  cidade  ­  e  sofrem  a  mesma  sobrecodificação  ideológica  do
capitalismo podendo  justificar,  por  exemplo,  atitudes  autoritárias  de  exercício de poder
político  que  são  aprovadas  pelo  povo  graças  à  sua  vinculação  ao  que,  no  imaginário
popular, são consideradas atitudes eticamente corretas.
Tenha­se como exemplo da significação política do machismo na totalidade do sistema a
sua  sobrecodificação  como  uma  das  ideologias  de  suporte  da  campanha  política  e  do
Governo Collor que justificou e justifica ­ no imaginário popular de parcelas machistas da
população (tanto homens quanto mulheres) ­ o exercício autoritário do poder.
Na campanha e no Governo Collor estiveram e estão presentes os códigos e as práticas
machistas. O estereótipo do homem forte, que não  leva desaforo para casa, que  fazia o
tradicional gesto da banana para os adversários e que vinculou sua postura política frente
ao  governo  com  o  fato  de  já  ter  nascido  "com  aquilo  roxo",  trazem  um  significado
político  ao machismo  no  imaginário  popular  que,  indiretamente,  serve  de  ideologia  de
suporte  às  suas  atitudes  autoritárias.  não  é  sem  razão  que,  quando  o  Plano  Collor
bloqueou os cruzados novos, escutou­se dizer nos ônibus e praças que o presidente havia
mostrado que realmente era um "homem macho mesmo".
Contudo,  os  eixos  de  luta  que  vêm  se  constituindo  na  prática,  mas  que  se  revelam
incapazes  de  compor  unificadamente  as  lutas  de  todos  os  movimentos  ideológico­
culturais,  tem  sido  "cidadania"  e  "contra  a  discriminação",  este  último  mais  ligado  a
negros,  mulheres  e  deficientes,  ainda,  entretanto,  com  um  caráter  incipiente  de
enfrentamento  das  estruturas  ideológico­culturais  do  capitalismo,  uma  vez  que  poderia
existir  capitalismo  sem  racismo  e  discriminação  sexual,  ou  de  deficientes  físicos.  Por
outro  lado  é mister  reafirmar  o  caráter  estratégico  de  tais movimentos  na mudança  do
exercício de poder nas relações cotidianas.
O caráter estratégico de um eixo de lutas neste âmbito não pode ser apenas o de eliminar
do  cotidiano  a  discriminação  e  o  pré­conceito,  mas  fundamentalmente  o  de  construir
novas  relações  interpessoais  liberadas  de  todos  os  códigos  culturais  opressivos,
possibilitando  a  vazão  do  desejo  em  práticas  singularizantes  que,  sendo  incompatíveis
com  as  dinâmicas  e  códigos  de  reprodução  do  capitalismo,  avancem  como  revolução
cultural,  afirmando uma nova sensibilidade  ética  e  estética  ­  horizonte  necessário  a  um
novo projeto político.
2.2.2.3 Eixos de Luta na Relação dos Movimentos Populares com o Estado.
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O enfrentamento do movimento popular em relação ao Estado, não é menos  importante
que o seu enfrentamento direto do capitalismo na esfera da reprodução social da força de
trabalho. Se por vezes o enfrentamento do capital se dá na ação direta, outras vezes ele se
dá  mediatizadopelo  Estado.  Dependendo  da  maneira  como  esse  embate  é  realizado,
desmascara­se o papel ideológico e de classe do Estado burguês, ou pode­se avançar para
a  implantação  de  uma  gestão  democrático­popular,  como  ocorre  ainda  incipientemente
em algumas prefeituras no país. De fato, o Estado é o responsável em grande parte, pelos
equipamentos  e  serviços  como  transporte,  escolas,  praças,  pelo  abastecimento  de
mercadorias  para  o  consumo  da  população,  bem  como,  por  definir  também  certos
parâmetros do uso do solo, etc. Por tudo isto, o Estado é também um alvo importante da
ação dos movimentos populares.
A definição de eixos de luta possibilita aos movimentos  terem uma ação mais articulada
na sua relação com o Estado. Tal relação hoje, ainda ­ em sua maioria ­ desarticulada e
desunida realiza­se de  três formas: parte dos movimentos populares permanece atrelada
aos governos, outra parcela significativa desenvolve ações de enfrentamento com gestões
populistas  ou  autoritárias,  sendo  que  outra  parcela  vem  realizando  a  "participação
popular" nas gestões democrático­populares.
Os  eixos  de  luta,  articulando  as  lutas  por  conquistas  conjunturais  com  os  acúmulos  de
força  e  politização  da  população  para  a  conquista  de  objetivos  mais  estratégicos  que
afetem  o modo  de  reprodução  do  capitalismo,  são  referências  tanto  para  a  ação  direta
quanto para a ação institucional.
Tomemos  como  exemplo  a  Reforma Urbana. As  ocupações  dos  sem­teto  tanto  podem
avançar  para  a  exigência  de  uma  Reforma  Urbana  ­  na  definição  do  planejamento
permanente da cidade, em especial quanto à ocupação do espaço urbano, na definição das
políticas  de  habitação  e  gestão  popular  das  verbas,  equipamentos  e  serviços  públicos  ­
como pode ser apenas uma forma de resolver um problema imediato.
Por  outro  lado,  o  movimento  de  saúde  tanto  pode  avançar  na  conquista  da  Reforma
Urbana ­ com a população gerindo as verbas da saúde, definindo a localização de postos,
etc ­ como permanecer na  reivindicação, que poderá  ser  atendida  sem alterar  o  repasse
das verbas públicas da saúde para a iniciativa privada.
Ao articular­se ­ efetivamente e não apenas em palavras de ordem ­ em torno de um eixo
de  lutas,  os  movimentos  saem  do  patamar  reivindicatório  e  atingem  um  patamar
propositivo, pois passam a ter clareza dos objetivos estratégicos que pretendem atingir.
Os movimentos, portanto, na  sua  relação com o Estado, não podem apenas  reivindicar,
pois  suas  reivindicações  podem  ser  atendidas  parcialmente  ­  ou  até  totalmente  ­  pelo
próprio Estado sem com isso afetar as estruturas de exploração capitalista da reprodução
social, sendo condição inclusive de servir aos interesses do capital privado. é o que ocorre
quando,  por  exemplo,  a  reivindicação  por  extensão  de  uma  linha  de  ônibus  é  atendida
pela  prefeitura  com  um  percurso  que  é  definido  com  o  interesse  de  valorizar  vazios
urbanos  há muitas  quadras  distantes  das  áreas  a  serem  atendidas  pela  reivindicação  da
população.  Assim,  o  nível  da  reivindicação  deve  ser  superado  pelas  práticas  de
proposição de políticas públicas.
A relação do Movimentos Populares com o Estado passa a  ter um caráter estratégico na
medida em que propõem e influenciam ­ à base da pressão ­ a definição das políticas de
construção, desenvolvimento e gerenciamento da cidade,  isto é, afirmando e exigindo a
gestão  popular  dos  serviços  e  equipamentos  públicos.  A  definição  de  tais  políticas  e
gestão popular  do  complexo urbano podem afetar  a  estrutura  da  cidade organizada  aos
moldes  capitalistas  ­  que  coloca  a  coisa  pública  ao  serviço  da  acumulação  privada dos
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grupos econômicos ­ e apontar para uma socialização na apropriação coletiva da cidade.
Contudo, as experiências reais desse tipo de intervenção são mínimas e  tem encontrado
dificuldades de implementação. Os Conselhos Populares são espaços propícios para este
tipo  de  intervenção,  havendo  também  os  mecanismos  de  iniciativa  popular  de  lei,
plebiscito, tribunas livres ­ em alguns municípios, etc.
Deve ficar explícito, no entanto, para os  integrantes do movimento, que  tipo de projeto
político  norteia  ou  vai  sendo  implementado  pela  ação  conjunta  da  população  nas  suas
mais diferenciadas frentes de luta, e também, por outro lado, que tipo de projeto político
vai sendo implementado pela administração  , pelo Governo, em suas políticas públicas,
independentemente das siglas partidárias que o compõem.
Para  que  tenha  uma  ação  estratégica,  o  movimento  popular  não  pode  ficar  atrelado  a
nenhum  partido,  por  mais  revolucionário  que  pretenda  ser  o  partido.  O  caráter
suprapartidário do Movimento Popular possibilita a aglutinação da população explorada
em  movimentos  democráticos,  o  que  significa  respeitar  a  decisão  da  maioria
independentemente de suas filiações ou não a partidos.
Evidentemente, os eixos de  luta articulam os movimentos para mudanças estruturais do
modo de reprodução do capitalismo e portanto, na prática, são a negação de determinado
projeto  político  de  manutenção  do  capitalismo  e  implementação  de  um  outro  projeto
político que o subverte. Contudo, não se pode confundir projeto político com estratégias
partidárias.
Assim, os projetos políticos que se formulam no interior dos partidos devem orientar seus
militantes que atuam nas diversas frentes de luta a propor estratégias e táticas ao conjunto
dos movimentos. O  debate  e  a  discussão  política  no  interior  dos movimentos  deve  ser
fomentado,  amplo,  aberto  à  pluralidade.  Entretanto,  tal  debate  deve  ter  como  contra­
partida  a  unidade  de  ação,  independentemente  dos  projetos  particulares  de  tal  ou  qual
partido,  desta  ou  daquela  tendência,  que  não  tenha  conquistado  no  debate  a  adesão
majoritária às suas teses. Os movimentos populares não podem se constituir em braços de
partidos ou de governos.
 
2.3 A  CENTRAL COMO ORGANIZAÇÃO ESTRATÉGICA DO  MOVIMENTO
POPULAR NO ENFRENTAMENTO DO CAPITALISMO.
2.3.1 ARTICULAÇÃO DOS MOVIMENTOS POPULARES E UNIFICAÇÃO DE
LUTAS COMO NECESSIDADE HISTÓRICA.
A  construção  da Central  do Movimento  Popular  vem  se  concretizando  como  resultado
das experiências práticas de articulação de movimentos  e  unificação de  lutas  na última
década,  buscando  a  superação  do  imediatismo,  da  atomização  das  lutas,  propondo  a
articulação  dos  movimentos  populares  em  torno  de  eixos  de  lutas  estratégicos  no
enfrentamento do capitalismo ­ como a Reforma Urbana, por exemplo. Esse processo de
articulação de movimentos e unificação de  lutas  foi  ocorrendo historicamente  ao  longo
dos anos 80.
Por volta do ano de 1985, após terem adquirido o papel de interlocutores junto ao Estado,
as  parcelas  mais  combativas  dos  movimentos  populares  enfrentavam  dois  leques  de
dificuldades.
Por um lado os movimentos não tinham CAPACITAÇÃO TÉCNICA E POLÍTICA para
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desempenhar seu papel de interlocutores junto ao Estado. Assim, a reivindicação pelo não
aumento do preço da passagem de ônibus, por exemplo, era respondido pelo Estado com
base em planilhas complexas de cálculos de desgaste de equipamentos, índices de custos
de insumos, etc, que por trás de todo um conjunto complicado de equações escondiam a
exploração capitalista realizada por empresas privadas na área do transporte coletivo. Por
outro lado, as reivindicações do movimentos ­ por falta de uma definição mais precisa de
objetivos históricos e estratégicos­ ficavam apenas no caráter conjuntural, imediato, não
avançando para intervenções sobre elementos mais estruturais da organização da cidade e
da sociedade.
A  outra  dificuldade  dos  movimentos  era  a  FRAGMENTAÇÃO  E  DISPERSÃO  DAS
LUTAS. A multiplicação de movimentos atuando  com os mais diversos objetivos,  com
diversificadas formas de organização, levou a uma grande dispersão de forças em várias
áreas.  Por  outro  lado,  inúmeros  militantes  de  movimentos  populares  acabavam
participando de vários movimentos simultaneamente, tendo, em seu cotidiano, um grande
desgaste físico e psicológico, bem como em suas relações familiares ­ pois a convivência
afetiva reduzia­se a um tempo mínimo­, etc. Era comum o comentário que em reuniões de
diversos movimentos acabam aparecendo, várias vezes, as "mesmas caras".
Com  esses  dois  grandes  problemas  o  movimento  popular  reflui  e  entra  em  crise,
percebendo a necessidade de melhorar a sua capacitação técnica e política, e de formular
uma estratégia que lhe possibilitasse intervir em tantas áreas diferenciadas sem reduzir o
poder de fogo em cada uma delas, superando a fragmentação e dispersão.
A  tentativa  de  superação  dessas  dificuldades  estratégicas  levou,  por  um  lado,  à
organização  de  articulações  nacionais  de  movimentos  ou  de  militantes  em  torno  de
questões  específicas  como  a  Articulação  Nacional  do  Solo  Urbano  (  ANSUR  ),  a
Articulação Nacional da Luta pelo Transporte (ANLUT) ­ possibilitando um melhor nível
de  capacitação  às  lutas  ­,  e  movimentos  nacionais  como  o  Movimento  de  Defesa  do
Favelados, o Movimento Nacional de Meninos e Meninas de Rua, entre outros ­ que se
fortaleceram com a organização a nível nacional  ­, algumas Federações de Associações
de  Moradores  que  foram  construídas  efetivamente  a  partir  das  lutas  populares,  a
Confederação  Nacional  das  Associações  de  Moradores  ­  em  certo  sentido  ­,  as
articulações  de  militantes  e  assessores  de  diversos  movimentos  como  a  Articulação
Nacional do Movimento Popular e Sindical ( ANAMPOS ).
Contudo,  as  articulações  e  federações  que  aglutinavam  um  determinado  movimento
específico  pouco  contribuíram  na  superação  da  fragmentação  entre  os  diversos
movimentos  constituídos  em  torno  de  questões  próximas,  mas  que  permaneciam
organizativamente  isolados,  como  por  exemplo,  saúde,  habitação  e  infra­estrutura  em
geral.
A  partir  de  todas  essas  experiências  foram  se  materializando  duas  propostas  de
organização dos movimentos  tendo  em vista  a  superação  dos  desafios  já mencionados.
Numa  delas  se  idealizou  uma  estratégia  que  unificava  diversos  movimentos  sob  uma
mesma entidade legal que era a associação de moradores.
A outra estratégia partia de uma profunda reflexão sobre  a prática de lutas dos diversos
movimentos  populares  e  não  apenas  dos  movimentos  comunitários  e  de  sua
complementariedade para a construção de um nova sociedade justa e fraterna. Ao invés
de  idealizar  uma  estratégia  e  propor  a  união  dos  movimentos  sob  a  Associação  de
Moradores,  propunha  a  ARTICULAÇÃO  DOS  DIVERSOS  MOVIMENTOS  e  a
UNIFICAÇÃO  DE  LUTAS,  respeitando  a  total  autonomia  organizativa  dos  diversos
movimentos,  que  se  articulariam  para  desenvolver  lutas  conjuntas  e  prioritárias  numa
perspectiva  que  afetasse  o  capitalismo  na  área  da  reprodução  social,  pressionasse  o
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Estado  e  combatesse  as  ideologias  de  exploração  e  dominação. Tais  lutas  deveriam  ser
definidas democraticamente pelos próprios movimentos em plenárias e fóruns conjuntos.
Para  tanto  seria necessário construir uma Entidade Nacional de Movimentos Populares,
que mais tarde veio a ser denominada CENTRAL DE MOVIMENTOS POPULARES.
Esta segunda estratégia de articulação dos movimentos e unificação de lutas vai ganhando
consistência,  especialmente  a  partir  de  1986.  A  implantação  do  Congresso  Nacional
Constituinte  e  as  brechas  conquistadas  para  a  participação  do  M.P.  no  processo  de
elaboração  da  nova  constituição,  obrigaram  os movimentos  a  atuarem  com  firmeza  no
embate  institucional  e  substituir  a  simples  reivindicação  de  soluções  localizadas  e
conjunturais para seus problemas pela elaboração ­ com assessoria técnica ­ de emendas
populares  de  lei  que  buscavam  a  resolução  desses  problemas  com  transformações
estruturais a nível nacional. Assim, naquela conjuntura, a luta reivindicatória que durante
vários  anos  havia  acumulado  experiência  em  diversas  áreas  específicas,  como  infra­
estrutura,  saúde,  educação,  transporte,  moradia,  etc,  era  sistematizada  para  o  novo
embate, que agora se dava no espaço da ação institucional. As emendas populares eram,
de  certa  forma,  expressão  dos  conhecimentos  acumulados  nos  diversos  campos  da  luta
direta,  reorganizados  numa  perspectiva  política  mais  estratégica  e  numa  formulação
técnica apropriada.
O  que  ocorre  de  mais  interessante,  porém,  é  que,  em  vários  casos,  reivindicações  de
diversos  movimentos  eram  articuladas  em  uma  única  emenda. A  emenda  da  Reforma
Urbana tratava tanto da ocupação de terras urbanas quanto da disposição de equipamentos
públicos  ­ como postos de saúde, escolas, etc  ­, como do planejamento permanente das
cidades  que  envolvem,  entre  outras  coisas,  a  definição  de  novas  linhas  de  transporte,
novas creches, etc.
Se na prática, por um lado, o que estava acontecendo era a UNIFICAÇÃO DE VÁRIAS
LUTAS EM TORNO DE ALGUNS EIXOS, por outro lado havia a ARTICULAÇÃO DE
INÚMEROS  MOVIMENTOS  se  entre­apoiando  na  conquista  de  assinaturas  para
apresentarem as emendas ao Congresso Constituinte.
De  fato,  somente  o  conjunto  das  lideranças  mais  de  frente  conseguiu  refletir
profundamente  todo  aquele  processo  e  aprender  com a prática. A  cada dia  estava mais
claro a importância estratégica da Central do Movimento Popular. Era preciso articular os
movimentos,  unificar  lutas,  continuar  mobilizando  nas  ações  diretas  e  não  mais
reivindicar , mas propor politicamente projetos viáveis e na luta articular o enfrentamento
do capital, do Estado e das ideologias de exploração e dominação.
Portanto,  claro  está  que  a  estratégia  que  pretende  organizar  todo o movimento popular
sob as associações de moradores advém de um erro analítico de compreensão do papel
que  o  movimento  popular  pode  desempenhar  no  enfrentamento  do  capitalismo,  bem
como de um erro político que é desconsiderar a organização real que os movimentos não­
comunitários  desenvolveram  para  o  acúmulo  de  forças  no  avanço  de  suas  lutas
específicas.
Por  outro  lado,  somente  uma  Central  de  Movimentos  Populares  articulando  os  mais
variados movimentos  populares  em  torno  de  eixos  de  lutas  estratégicos  possibilitará  o
avanço das lutas dos movimentos populares na superação do capitalismo.
De outra parte, qualquer organização de movimento popular, para desenvolver uma ação
estratégica de enfrentamento do capitalismo, deverá ter amplo poder de mobilização e a
capacidade  de  formar  suas  bases  e militantes  para  uma  intervenção politicamente mais
qualificada e não apenas por solidariedade às lideranças e dirigentes que são respeitados
por  deterem  certos  conhecimentos  e  capacidades  que  não  socializam  com  os  demais
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justamente para se manter no poder. Triste exemplo deste tipo de prática de manipulação
da população por dirigentes que se perpetuam no topo de estruturas verticalistas de poder
podem  serencontrados  na maioria  das  Federações  de Associações  de Moradores,  cuja
estrutura organizativa possibilita e foi construída para decisões e direção centralizadas.
 
2.3.2 A ORGANIZAÇÃO ESTRATÉGICA DOS MOVIMENTOS POPULARES
O modo  de  organizar  o movimento  popular  é,  ele  próprio,  um  elemento  que  deve  ser
definido  a  partir  de  uma  estratégia  de  enfrentamento  do  modo  de  reprodução  do
capitalismo.
Alguns, baseados em uma análise equivocada do capitalismo, advogam a tese de que as
lutas dos movimentos populares não têm como afetar as estruturas básicas do capitalismo,
uma  vez  que  não  incidiriam  sobre  a  contradição  CAPITAL  X  TRABALHO.  Daí
resultaria  o  fato  de  que  o  movimento  popular  deva  ter  um  papel  tático  em  tal
enfrentamento, apoiando o movimento sindical e executando as tarefas determinadas pelo
partido.
A posição defendida neste texto, pelo contrário,  explicitou que as lutas dos movimentos
populares podem ter um caráter de enfrentamento do modo de reprodução do capitalismo
­  nos  aspectos  da  reprodução  social  da  força  de  trabalho,  na  dominação  cultural  e  no
enfrentamento  do  Estado  ­  quando  articulam  os  diversos  movimentos  e  suas  lutas
fragmentadas em torno de eixos de luta.
É a partir da constituição dos eixos de  luta que os movimentos podem se articular com
um  peso  estratégico  no  enfrentamento  do  capitalismo.  Para  tanto  será  necessário  a
organização de fóruns para debates e deliberações acerca dos encaminhamentos das lutas
articuladas dos movimentos em torno de eixos.
Afirmamos anteriormente que pretender organizar todo o movimento popular por local de
moradia resulta de um erro analítico de compreensão do funcionamento do capitalismo, e
também  político,  de  conceber  uma  estratégia  que  desconsidera  o  modo  real  de
organização que os movimentos populares não comunitários desenvolveram as partir dos
anos 80.
De  fato,  a  estratégia  que  prioriza  o  local  de  moradia  como  espaço  de  organização  do
movimento  popular  como  um  todo  é  insatisfatória,  sendo  talvez  muito  mais  o
desdobramento  prático  de  estratégias  partidárias  do  que  resultado  de  uma  ampla
REFLEXÃO e análise de funcionamento do capitalismo e das práticas dos movimentos
populares nas últimas décadas na implementação de determinados projetos políticos.
Se por um  lado as associação de moradores  são organizações  legítimas da população  e
devem ser fortalecidas como espaço de encaminhamento de lutas populares e de disputa
hegemônica  de  projetos  políticos,  por  outro  lado,  elas  são  apenas  uma  das  formas  de
organização popular, sendo também, apenas, uma das parcelas do movimento popular.
Sob a estrutura dos Associações de Moradores poder­se­ia  organizar vários movimentos
de base  comunitária. Entretanto,  como articular  os  demais movimentos  específicos  que
não  se  restringem  a  lutas  de  uma  região  geográfica  ou  não  se  articulam  por  local  de
moradia  como  o  movimento  Nacional  de  Meninos  e  Meninas  de  Rua,  como  os
Movimentos de Negros, os Movimentos Ecológicos, os Movimentos de Mulheres e tantos
outros ?
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Propor que tais movimentos reformulem suas estruturas organizativas construídas a partir
do acúmulo de suas lutas que são hoje as  formas ainda mais apropriadas de avançar na
conquista  de  seus  objetivos,  para  se  submeterem  a  tornarem­se  departamentos  de
associações de moradores, ou organizarem­se semelhantemente a tais associações, é uma
proposta injustificável sob o ponto de vista do acúmulo do forças para a conquista de tais
objetivos específicos pelos quais os movimentos se organizaram, sendo, em muitos casos,
algo  inclusive  impossível  de  ser  realizado,  como  no  caso  do  movimento  de  mulheres
marginalizadas,  dos movimentos  de  indígenas  desaldeados  e  tantos  outros movimentos
populares.
 
2.3.3 UMA ESTRUTURA NECESSÁRIA
As estruturas rígidas, verticalistas e hierarquizadas das Confederações da Associações de
Moradores, se prestam tanto ao manobrismo cupulista por parte de dirigentes de direita,
quanto  podem  ser  uma  expressão  de  uma  certa  concepção  de  revolução  cuja  direção  é
fortemente  centralizada,  cabendo  somente  a  uma  vanguarda  esclarecida  o  papel  de
direção  e  às  bases  o  papel  de  implementação  das  ações  táticas  definidas  pelo  grupo
dirigente. não é por acaso que, durante  longo  tempo, havia uma composição entre PFL,
PCB, PC do B e outros partidos na direção da CONAM.
Tal estrutura sob o ponto de vista da superação do capitalismo,  somente é adequada ao
movimento popular como um todo se lhe atribuirmos exclusivamente e equivocadamente
apenas  um  papel  tático  em  relação  aos  projetos  estratégicos  do  movimento  sindical  e
partidário.
Pelo contrário, a estrutura que os movimentos populares necessitam para implementarem
suas lutas articuladas em torno de eixos estratégicos e promoverem um amplo processo
de formação política de massa, base,  lideranças  e dirigentes deve  ser  a mais  horizontal
possível,  e  ter  a mínima  dimensão  possível,  sendo  organizada  na  exata  proporção  das
necessidades do avanço das lutas dos movimentos populares no afetamento das estruturas
de reprodução do sistema capitalista.
Para  avançar  as  lutas  dos  movimentos  populares  como  um  todo  numa  perspectiva
estratégica, será necessário organizar uma Central com uma estrutura de funcionamento
adequada às exigências reais do fortalecimento dos movimentos e suas lutas na conquista
de seus objetivos, imediatos e históricos.
Os fóruns municipais/regionais, estaduais e nacionais, promovidos pela Central, poderão
ser  instâncias privilegiadas de debates  ,  articulação e definição de encaminhamentos de
lutas.  Tais  fóruns  seriam  abertos  a  todos  os  movimentos  populares,  filiados  ou  não  à
Central, e à população em geral, organizada ou não, em pastorais, movimentos sindicais,
etc.
Contudo,  os  fóruns  nada  deliberariam  em  relação  à Central.  Por  isso,  além  dos  fóruns
abertos  à  participação  de  toda  a  população,  as  plenárias  dos  movimentos  filiados  à
Central  ­  também  realizadas  a  nível  municipal/regional,  estadual  e  nacional  ­  são
indispensáveis  na  definição  das  estratégias  da  própria  Central,  tendo  em  vista  seus
processos de organização, formação e mobilização.
Como órgãos auxiliares poderão ser organizados departamentos ou comissões  temáticas
que teriam por finalidade elaborar propostas de políticas para essas áreas e táticas de ação
conjunta  a  serem  levadas  aos  fóruns  de  debates,  explicadas,  reformuladas  e  aprovadas
pelos  participantes  dos  movimentos  como  propostas  a  serem  implementadas  na  ação
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direta e institucional.
Além  destas  instâncias,  a  nossa  prática  tem  exigido  a  organização  de  coordenações  e
executivas  a  nível  municipal/regional,  estadual  e  nacional.  Tais  coordenações  devem
priorizar mais o papel de coordenação, propriamente dito, que o de direção ­ para o qual
também  possuem  a  autoridade  conferida  pela  escolha  democrática  nas  plenárias  ­,
evitando­se , assim, o distanciamento das instâncias que representam na direção política,
mas que  têm por  tarefa principal coordenar e articular. é  triste constatar que em muitas
organizações de movimentos sociais e partidários, aqueles que pertencem a coordenações
e diretórios dificilmente estão próximos à base, absorvidos que estão em disputas  entre
tendências  na  definição  de  posicionamentos  frente  às  conjunturas  a  fim  de  dar  direção
política a essas mesmas bases.Tal preocupação advém da necessidade de tolher da proposta de estrutura organizativa da
Central  quaisquer  elementos  que  apontem  para  consideráveis  possibilidades  de  sua
burocratização. é preciso também criar mecanismos de elaboração coletiva que impeçam
que  as  comissões  ou  departamentos  tornem­se  espaço  de  disputa  política  entre  grupos,
tendências e movimentos, ficando aberta a possibilidade de serem elaboradas,  inclusive,
várias propostas diferenciadas que seriam debatidas nos fóruns.
Assim, é salutar evitar todo e qualquer dispositivo organizativo que tenha normalmente se
burocratizado nas demais entidades.
A estrutura da Central, como a concebemos, possibilita articular os diversos movimentos
e  a  população  ainda  não  organizada  em  torno  de  eixos  de  luta  estratégicos  ­  como  os
fóruns ­, avançando na capacitação técnica e proposição de políticas públicas ­ elaboradas
nas  comissões  ou  departamentos  setoriais  e  debatidas  e  aprovadas  nos  fóruns  ­;  busca
evitar  a  burocratização,  valoriza  a  dimensão  horizontal  da  estrutura,  com  a  ampla
participação  democrática  ­  plenárias­  ,  garante  a  total  autonomia  organizativa  para  os
movimentos,  e  tenta  impedir  o  distanciamento  entre  direção  e  base,  pois  cabe
primordialmente  à  direção  o  papel  de  coordenar,  o  que  só  é  possível  acompanhando
presentemente o desenvolvimento das lutas.
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*  Euclides  André  Mance  foi  membro  da  Coordenação  Nacional  da  Pró­Central  de
Movimentos Populares no período de agosto/90 a outubro/91.
Eixos de Luta e a Central de Movimentos Populares 
Revista de Cultura Vozes. N. 6, Ano 85 ­ volume 85 ­ novembro/dezembro de 1991, p. 645­
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