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Sofrimento Psiquico nas Organizações saúde mental e trabalho Codo & Sampaio

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CODO, W. & SAMPAIO, J. (orgs). Sofrimento Psíquico nas Organizações. Petrópolis, 
 RJ: Vozes,1995. 
 
Sofrimento Psíquico nas 
Organizações - Saúde Mental & 
Trabalho 
 
Wanderley Codo 
José Jackson Coelho Sampaio 
(organizadores) 
Índice 
 
Á guisa de apresentação......................................................................3 
 
Parte 1. Como fazer?........................................................................6 
Capítulo 1. Ideologia e Reprodução.....................................................10 
(Alberto H. Hitomi) 
Capítulo 2. O conhecimento do trabalhador 
e a teoria das representações sociais.................................38 
(Leny Sato) 
Capítulo 3. Saúde mental e trabalho, um novo (velho) campo 
para a investigação da subjetividade....................................................47 
(Ricardo Augusto de Carvalho) 
Capítulo 4. Saúde e trabalho: Uma abordagem do processo e 
jornada de trabalho............................................................................53 
(José Jackson Coelho Sampaio, Alberto H. Hitomi, 
Erasmo Miessa Ruiz) 
Capítulo 5. Saúde mental e trabalho: um modelo de investigação...........71 
(José Jackson Coelho Sampaio, Wanderley Codo, 
Alberto H. Hitomi) 
 
Parte II. Mulher e trabalho............................................................94 
Capítulo 6. A saúde da mulher trabalhadora........................................96 
(Isabel Cristina Ferreira Borsoi) 
2 
Capítulo 7. Professora primária, amor e dor......................................107 
(Hilma Tereza Tôrres Khoury Carvalho) 
Capítulo 8.Enfermagem, trabalho e cuidado......................................118 
(Isabel Cristina Ferreira Borsoi, Wanderley Codo) 
Capítulo 9.Trabalho e identidade em telefonistas...............................129 
(Isabel Cristina Ferreira Borsoi, Erasmo Miessa Ruiz, 
José Jackson Coelho Sampaio) 
Capítulo 10. Relações creche-família...............................................148 
(Wandeley Codo, Ana Maria de A. Mello) 
Capítulo 11 Histeria em creches.......................................................................156 
(Wanderley Codo) 
 
Parte III. Sofrimento psíquico no trabalho....................................... 
Capítulo 12.Saúde mental e trabalho: Trabalhadores 
Industriais de usina de cana de açúcar............................................168 
(José Jackson Coelho Sampaio, Lucia Helena Soratto) 
Capítulo 13. Saúde mental e trabalho têxtil......................................191 
(José Jackson Coelho Sampaio, Cleide Carneiro) 
Capítulo 14. Saúde Mental e Trabalho na clínica psicológica (a ser introduzido) 
(Maria Celeste A.G. Almeida) 
Capítulo 15. Os efeitos das novas tecnologias sobre 
os trabalhadores e suas organizações.............................................205 
(Luis Antonio Lima, Leila Maria Arnaldo 
Nonnenmacher) 
3 
Capítulo 16.Paranóia e Trabalho....................................................232 
(Wanderley Codo, Alberto H. Hitomi, José Jackson Coelho Sampaio, 
Erasmo Miessa Ruiz) 
Capítulo 17. A síndrome do trabalho vazio em bancários.................251 
Wanderley Codo, José Jackson Coelho Sampaio, Alberto H. Hitomi, 
Marin Bauer) 
Bibliografia.................................................................................264 
4 
À guisa de apresentação 
 
 
 O livro que ora entregamos a julgamento, embora tenha sua independência 
para qualquer leitor que por ele se aventure, segue a trilha de o " Indivíduo, 
Trabalho e Sofrimento", lançado pela Vozes em 1993. 
 Aquele trabalho refletiu os primeiros vôos do Projeto Saúde Mental & 
Trabalho, o qual coordeno, tratava-se de lidar com questões básicas para quem 
quis desenvolver uma área de pesquisa, afinal? de que trabalho estamos falando, 
de tripalium ou poiesis?, afinal? como conceituar saúde/doença mental? Se até 
agora as teorias que abordam o tema foram construídas à distância dos portões das 
fábricas? Tratou-se de uma reunião de ensaios articulados, capaz, os autores 
concordávamos, de compartilhar nossas caminhadas e, com sorte, auxiliar a quem 
faz do trabalho alheio motivo de reflexão. 
 Este livro parte das constatações reportadas em o "Indivíduo, Trabalho e 
Sofrimento", agora enfocando categorias profissionais que foram, durante estes 
anos, objetos de investigação. 
 Talvez seja útil saber sua história. 
 Em 1990/91, enquanto estava na Europa, em busca do aperfeiçoamento de 
metodologia para o PSM&T, o Dr. Jackson me substituiu na coordenação do 
projeto, entre as espinhosas incumbências que acordamos, estava a realização de 
um congresso sobre SM&T, seria uma chance de ouvir e debater com os colegas 
envolvidos com o tema. 
 A montagem que o Dr. Jackson realizara, nos fez perceber que tinhamos 
diante de nós um painel, o mais completo possível à época, desta área no Brasil; 
5 
resolvemos então o pedido das contribuições por escrito, com a mente voltada para 
a realização deste livro. 
 Seria, portanto, em um primeiro momento, a publicação de anais do 1º 
Encontro Nacional de SM&T. O congresso ocorreu e com aquelas características 
que imaginávamos, o mesmo não se deu com este livro. Algumas pessoas não 
entregaram o texto, outras apenas rascunhos que por mais instigantes não se 
prestavam à publicação. Avaliado o material que tinhamos à mão, com excessão 
de dois artigos, restava o nosso grupo e seus desdobramentos em outros estados. 
Uma pena que vários pesquisadores não puderam estar presentes, em 
compensação o livro que ora vem a público ganhou mais unidade, reflete, com 
suas riquezas e idiossincrasias nossa produção de 1988 até 1992. 
 Jackson Sampaio e Alberto Hitomi dividiram comigo a tarefa de direção do 
projeto, o primeiro encarregado de Psiquiatria e Epidemiologia, o segundo 
coordenando as nossas incursões em sociologia do trabalho. Os psicólogos Isabel 
Cristina Borsoi e Erasmo Ruiz estavam praticamente em tempo integral conosco, 
se responsabilizando na prática por vários estudos aqui publicados. Lúcia e Cleide 
eram estagiárias dedicadas que participaram de perto do projeto, como bolsistas. 
 Alhures, Luis Lima e Leila Maria trabalhavam em uma firma de consultoria 
em Porto Alegre utilizando o mesmo método e em parceria conosco. Hilma fazia o 
mesmo com sua tese de mestrado, orientada por mim em Belém do Pará. Martin 
Bauer foi meu parceiro, valioso e ocasional na London School of Economics, ao 
formular a "síndrome do trabalho vazio" na Inglaterra e Ana Maria Mello me 
auxiliou com sua experiência e senso inovador no estudo sobre Creches. 
 Leny Sato e Ricardo de Carvalho comparecem aqui como dois 
pesquisadores dedicados e produtivos que são nesta área, Leny vem atuando 
sistematicamente no DIESAT, Departamento Intersindical de Estudos de Saúde do 
Trabalhador, atuando como pesquisadora sobre o conceito de penosidade, sua 
contribuição neste livro é sobre o tema, Ricardo coordena e descreve aqui a 
6 
experiência do NESTH, Núcleo de Estudos sobre Saúde do Trabalhador de Minas 
Gerais, ligado à UFMG, na minha opinião um centro interdisciplinar importante e 
único do país. Se notará as ligeiras diferenças de abordagem em seus artigos, mas 
o que deve ser ressaltado é a unidade de propósitos em cada um dos modos de 
atuação. 
 Não seremos nós a dizer sobre a validade destes estudos para a melhor 
compreensão e intervenção na saúde mental no trabalho. Se houver alguma ela se 
deve, na minha opinião à uma forma de se engajar na lida científica que vale a 
pena explicitar. 
 Quando garoto, leitor assíduo de história em quadrinhos, me lembro de uma 
ficção (se não me engano tratava-se de "Mandrake"),onde havia invasores 
observando a terra visando uma posterior invasão, ao passear com sua nave por 
uma fazenda, e depois pelo jockey clube notaram que homens serviam comida aos 
cavalos, concluiram portanto que os equinos eram os senhores aqui, os primeiros a 
serem dominados, portanto. Já iniciando a minha carreira científica, no 
departamento de Psicologia Experimental da USP, intrigou-me o fato de que um 
colega de pós-graduação escolhera como animal para suas pesquisas a periplaneta 
americana, nome vulgar; barata, sua resposta: "Estudo baratas porque por elas não 
posso ter o mínimo sentimento". 
 Iniciei minha carreira como behaviorista, e talvez tenha abandonado os 
canones de Skinner exatamente pela crítica ao estranhamento como método de 
aquisição do conhecimento. 
 Em uma rápida conversa que tive com Christophe Dejours em Paris, ele 
pediu que descrevesse o método com que trabalhávamos, quando falava que 
costumávamos realizar uma observação detalhada do processo de trabalho, de 
preferência com vídeo, ele discordou profundamente ("Nous sommes anti 
objetiviste"), me explicava que a observação atrapalha a atenção ao discurso do 
trabalhador, que a palavra dele deveria ser a única fonte de dados. 
7 
 Pois bem, ouso discordar também deste tipo de miopia: Sei e abuso da 
importância de ouvir, cuidadosamente, carinhosamente os trabalhadores, mas não 
foi a psicanálise, exatamente os postulados que orientam o trabalho de Dejours 
que nos ensinou a todos que não sabemos, ou queremos esquecer as razões do 
nosso sofrimento? 
 Um exemplo deve bastar: 
 Em 1981, para a minha tese de doutoramento, olhando o controle de 
qualidade de uma fábrica de eletro eletrônicos, dei-me conta de um osciloscópio 
simplificado que atestava a qualidade de alguns circuitos. Ao entrevistar o 
trabalhador ele me dizia de um aparelho extremamente complicado, com "milhares 
de curvas", conclui na época que o trabalhador estava valorizando subjetivamente 
o próprio trabalho, já que sabia (inconscientemente?) que poderia ser substituído 
por qualquer um. O discurso apenas poderia nos revelar isto? 
 O projeto saúde mental & trabalho, cuja parte dos resultados são mostrados 
neste livro, busca a objetividade mas desconfia dela, checa com o próprio sujeito a 
validade de suas observações, respeita o discurso alheio como critério de verdade, 
mas não permite que ele seja o único farol a descortinar o caminho. 
 Tecnicamente falando, desenvolvemos uma fusão entre o método dedutivo 
e o método indutivo, que tem se mostrado, a nós pelo menos, como altamente 
produtiva. Às vezes, é claro, nos perdemos no caminho, mas quando achamos 
algo, as descobertas tem resistido ao crivo da praxis ou à exigência da ciência 
rigorosa. 
Que se examine o resultado. 
 Wanderley Codo 
8 
Parte I. 
Como Fazer 
9 
 saúde e\ou doença mental nos atinge no que temos de mais subjetivo, no 
sentido de pertencente estritamente ao sujeito, territórios inexpugnáveis ao 
outro, e via de regra a nós mesmos, não há, não pode haver dois delírios 
iguais: as dores que o histérico/hipocondríaco inventa, doem na exata medida de 
sua radical idiossincrasia, da sua impossibilidade também radical de 
compartilhamento, da ausência de uma racional exteriorizada, de seu desrespeito à 
anatomia, quem sofre é o sujeito, não mais os músculos do seu pescoço. A 
saúde/doença mental obriga o pesquisador a enfrentar o dilema do indivíduo, 
sempre outro no momento em que a lógica ousa desvendá-lo. 
A 
 No entanto, e não raro, a doença mental é determinada exteriormente ao 
indivíduo, por fatores que chamaremos de objetivos, no sentido de independentes 
do sujeito: algumas drogas, por exemplo, provocam invariavelmente alucinações, 
os efeitos dos traumas sexuais na infância são conhecidos o suficiente para 
permitir aos educadores traçar uma rota profilática na escola ou na família. Eis o 
pesquisador obrigado, agora a percorrer caminho inverso: impõe-se a 'eliminação' 
da idiossincrasia, a busca de invariantes, o que, apesar das nossas diferenças 
individuais está provocando aqueles sintomas? 
 É assim, particularmente na área que Le Guillant chamava de 
psicopatologia do trabalho, e que hoje chamamos de saúde mental no trabalho, por 
mais que o trabalho compareça como estranho ao sujeito que o realiza, por mais 
que crave a sua história em momentos alhures á existência deste trabalhador em 
particular, tem-se revelado capaz de provocar sofrimentos, no sentido mais 
intimista que esta palavra pode ter. 
 Eis a principal armadilha que esta área de conhecimento esconde, eis 
também, para mim, o seu principal fascínio: A necessidade de olhar 
cuidadosamente a árvore, a imposição de não olvidar a floresta. Nada mais 
racional do que o trabalho, nada mais insensato do que a doença mental (tantas 
vezes insensatez aparece como sinônimo de loucura), o trabalho preso 
10 
inelutavelmente ao que a trama social tem de mais objetivo, a doença mental 
escrava do que o sujeito preserva como seu, intransferível, inominável. 
 Tema complexo este, como se costuma dizer quando a nossa ignorância é 
maior do que podemos suportar. 
 Que seja uma experiência pessoal. 
 Ao lecionar Saúde mental e trabalho no curso de Psicologia em Ribeirão 
Preto, adquiri o hábito de fornecer leituras sobre os quadros psicopatológicos desta 
ou daquela categoria profissional, e depois solicitar a um trabalhador que nos 
conceda uma entrevista em profundidade, para que os alunos possam checar o 
material de leitura com a experiência sensível do trabalhador, tal e qual o 
trabalhador o reporta. Em um destes exercícios, pedi a leitura do clássico "A 
neurose das telefonistas", de Le Guillant, e entrevistei uma telefonista do campus, 
enquanto os alunos observavam. 
 Não há como disfarçar o espanto; outro país, outras condições sociais e de 
trabalho, outra pessoa e, no entanto, visivelmente o mesmo quadro descrito a tanto 
tempo pelo médico francês. Não há também como iludir o fato de que, por 
melhores que sejam as descrições sobre o trabalho da telefonista e suas neuroses, 
por mais que cada pesquisador desta área tente sua incursão no problema, ainda 
não a compreendemos. 
 Tenho para mim que as telefonistas estão encalacradas em uma linha muito 
tenue entre a comunicação e o silêncio, e que não se compreenderá suas neuroses 
enquanto não se compreender aqueles mistérios. Mas sabemos tão pouco sobre a 
linguagem e sequer temos idéia do que é o silêncio! Como compreender as dores 
d'alma que acometem aquelas trabalhadoras postas diante, milhares de vezes por 
dia ante um dilema tão velho? Outra vez, como passear entre a árvore e a floresta, 
sem perder de vista qualquer um dos dois universos, ou o que é pior, sem se deixar 
encantar por um deles, apagando inconscientemente o outro? 
11 
 A primeira parte deste livro é dedicada a este problema. 
 O primeiro texto foi escolhido por lidar com um rigor raro sobre a questão 
da ideologia, apesar de não abordar diretamente a questão da saúde mental no 
trabalho. Alberto Hitomi consegue passear com ousadia entre as várias 
formulações que o conceito vem sofrendo, exercitando uma crítica aguda e sempre 
com um mesmo eixo; como a História é capaz de produzir estórias, ou ainda, 
como a organização objetiva da produção produz e reproduz representações, que 
apesar de coletivas, ainda trazem a marca da subjetividade do seu tempo. Penso 
que Hitomi consegue mapear o problema (ninguém ousaria pedir para resolvê-lo, 
retomando escritos de Marx e seguidores a partir deles mesmos, sabendo ler, com 
acuidade cada uma das formulações, por mais provisórias que apareçam nos 
clássicos. Será inútil,suponho, discorrer sobre a importância do conceito de 
ideologia para as pesquisas de Saúde Mental no Trabalho. 
 É ao mesmo problema, embora com outra abordagem que Leny Sato se 
dedica, percorre as formulações (basicamente francesas) de representação social, 
em busca de compreender o intercruzamento entre objetividade e subjetividade na 
formulação do conceito de trabalho penoso, chama a atenção para a necessidade 
do conhecimento científico ter em conta um outro conhecimento, que vai se 
estruturando no cotidiano de quem sofre e precisa reconhecer as mazelas do 
trabalho cotidiano. 
 Ricardo Augusto relata as experiências de um grupo de Minas, há tempos e 
com seriedade dedicado aos problemas de saúde no trabalho, particularmente no 
que tange ao trabalhador enquanto sujeito, e aos modos de operar com esta 
subjetividade, o texto está aqui para que se ressalte a importância metodológica do 
discurso na compreensão do sofrimento do trabalhador. 
 Jackson Sampaio, Hitomi e Erasmo Ruiz comparecem com uma discussão 
importante sobre processo e jornada de trabalho em um texto que procura mapear 
as variáveis que devem ser tomadas em conta no processo de trabalho, se 
12 
quisermos aprofundar nosso conhecimento sobre a forma como os trabalhadores 
adoecem na produção. 
 Esta seção fecha com um texto que descreve a forma como o projeto Saúde 
Mental e Trabalho vem enfrentando a questão do método, propositalmente 
esquemático, o texto procurou ser um guia de atuação em pesquisa nesta área, um 
"how to do", que não pretende aprofundar em cada uma das direções apontadas. 
Além de seu valor intrínsico, para quem se interessa pela área, o texto evita que se 
decline a metodologia em cada um dos estudos apresentados a seguir, já que quase 
todos seguem os mesmos parâmetros apontados aqui. 
 Wanderley Codo 
13 
Capítulo 1. 
IDEOLOGIA E REPRODUÇÃO 
 ALBERTO H. HITOMI 
I – INTRODUÇÃO 
 
Já se tornou um lugar comum afirmar que a concepção de ideologia expressa em 
"A Ideologia Alemã" deve ser entendida como falsas idéias. Esta interpretação 
surge a partir da analogia que Marx e Engels estabelecem entre a produção de 
idéias, de representações, da consciência e a inversão da imagem na retina. 
 Esta compreensão é expressa, por exemplo, por Durham (1984): 
 "Desde os ideólogos franceses até o jovem Marx da Ideologia Alemã e 
permeando em seguida boa parte tanto da tradição marxista quanto da positivista, 
está a convicção de que 'idéias falsas' ou distorcidas (superstições para os 
ideólogos, ideologia para Marx) são produto de instrumento de opressão política 
de uma classe; e, inversamente, que 'idéias' verdadeiras, construídas pela ciência 
(ou pelo proletariado, ou pela ciência verdadeira que é a do proletariado) são 
armas e instrumentos necessários na luta contra a opressão da classe dominante" 
(pág. 11). 
 Ou ainda por Boudon (1989): 
 "Consideremos, a título de exemplo, algumas definições clássicas. Em 
primeiro lugar a célebre definição de Marx da Ideologia Alemã: 
 A produção de idéias, de representações, da consciência é, antes de tudo, 
direta e intimamente imbricada na atividade material e comércio material dos 
homens. Ela é a língua da vida real. As representações, o pensamento e o comércio 
intelectual dos homens aparecem, aqui também, como emanação direta de seu 
14 
comportamento material (...). Se em toda ideologia os homens e suas relações 
parecem estar de cabeça para baixo, como dentro de uma câmara obscura, isto 
resulta de seu processo de vida histórica, exatamente como a inversão dos objetos 
na retina resulta de seu processo de vida diretamente física. 
 As ideologias aparecem aqui como idéias falsas - estão de cabeça para 
baixo - que o 'comércio material' inspira aos homens, necessariamente" (págs 26-
27). 
 É um procedimento pouco usual e até reprovável - diríamos até mesmo 
indelicado - citar a citação que Boudon faz de Marx e Engels. Porém, neste caso, 
isso foi absolutamente necessário. 
 A partir apenas e tão somente desse trecho, Boudon conclui que a 
concepção ou definição de ideologia presente em "A Ideologia Alemã" é a de 
idéias falsas. Boudon entende a analogia das inversões das representações e das 
imagens na retina como falsidade. O estar "de cabeça para baixo" é entendido 
como falso. 
 Lendo mais atentamente o trecho vemos que em nenhum momento aparece 
o termo falsa. Por que então estar de cabeça para baixo, estar invertido significaria 
necessarimente ser falso? Na verdade, a noção de falsidade é uma das 
interpretações já consolidadas pela tradição, ossificada por toda uma linha de 
intérpretes e, quase sempre, contraposta à verdade. É mais o peso dessa tradição, 
do que o trecho que Boudon destaca dos escritos de Engels e Marx, que permite a 
este autor concluir que a ideologia é aí entendida como falsas idéias. E ao fazê-lo 
cometer um equívoco: uma citação que não comprova nada e uma interpretação 
que na verdade é um pressuposto de Boudon e não uma interpretação desse trecho 
em particular. É também verdade que essa compreensão - ideologia enquanto 
idéias "falsas" - pode emergir de uma leitura de "A Ideologia Alemã". 
15 
 Mas existe um outro modo de se entender essa inversão. Chauí (1984), por 
exemplo, diz: 
 "A ideologia é uma ilusão, necessária à dominação de classe. Por ilusão não 
devemos entender 'ficção', 'fantasia', 'invenção gratuita e arbitrária', 'erro', 
'falsidade', pois com isto suporíamos que há ideologias falsas ou erradas e outras 
que seriam verdadeiras e corretas. Por ilusão devemos entender: abstração e 
inversão. Abstração (...) é o conhecimento de uma realidade tal qual ela se oferece 
à nossa experiência imediata, como algo dado, feito e acabado, que apenas 
classificamos, ordenamos e sistematizamos, sem nunca indagar como tal realidade 
foi concretamente produzida por um determinado sistema de condições que se 
articulam internamente de maneira necessária. Inversão (...) é tomar o resultado de 
um processo como se fosse seu começo, tomar os efeitos pelas causas, as 
consequências pelas premissas, o determinado pelo determinante" (pág. 104). 
 Uma representação ideológica é uma representação imediata da realidade, 
por isso, abstrata e ilusória, ou seja, invertida da realidade, pois esta não se 
apresenta imediatamente à consciência, apresenta-se mediatamente. 
 Uma outra maneira de entender a inversão, em outro contexto, porém a este 
relacionado, é também apontado por Chauí (1984): 
 "Quando Marx e Engels afirmam que as relações sociais capitalistas 
aparecem tais como são, que o aparecer e o ser da sociedade capitalista se 
identificaram, eles o dizem porque houve uma gigantesca inversão na qual o social 
vira coisa e a coisa social" (pág 59). 
 São duas as inversões: a primeira refere-se à reificação das relações sociais, 
na qual "o social vira coisa e a coisa social"; a segunda ocorre no interior da 
consciência, o próprio processo de conhecimento da realidade. A representação 
imediata, a expressão consciente da forma como os homens atuam e produzem 
16 
materialmente é uma representação invertida porque os resultados do processo de 
intercâmbio aparecem como causa dessa relação. 
 Dizer que ideologia são idéias falsas que o "comércio material inspira aos 
homens" (Boudon) ou que são "idéias invertidas" (Durham) é simplesmente perder 
este sentido da inversão, a noção de inversão enquanto ilusão e abstração, mas 
principalmente enquanto reificação. 
 Cremos que é este sentido que Marx irá desenvolver, em sua forma 
científica, em sua crítica à Economia Política, em "O Capital". Quando Marx diz, 
por exemplo, no capítulo do processo de troca que os homenssão os guardiões da 
mercadoria, os seus representantes (personificações de forças econômicas), e que 
esta, como não tem pés, tem de ser levada até o mercado para ser trocada. A 
inversão é aí expressa enquanto fetiche da mercadoria. E não é falsa, é verdadeira. 
 Ou ainda, no capítulo da maquinaria, quando Marx, entre outras coisas, 
afirma que não é a força de trabalho que usa as condições de trabalho, mas que são 
as condições de trabalho que usam a força de trabalho. Formulações que reforçam 
a compreensão da inversão como realidade, como gigantesca inversão no qual o 
social vira coisa e a coisa social. 
 Não queremos afirmar que Marx sempre foi marxista, é evidente. Alguns 
poderiam dizer que estamos tomando dois textos qualitativamente diferentes da 
produção teórica de Marx, diferentes não apenas cronologicamente: um "pré-
marxista" e outro marxista. 
 Tomemos então um texto anterior e veremos que a inversão aparece ainda 
com mais força e mais realidade. Referimo-nos aos "Manuscritos Econômico-
Filosóficos" de 1844. No terceiro manuscrito, no item [Dinheiro], Marx (1985) 
escreve: 
 "Aquilo que mediante o dinheiro é para mim, o que posso pagar, isto é, o 
que o dinheiro pode comprar, isso sou eu, o possuidor do próprio dinheiro. Minha 
17 
força é tão grande como a força do dinheiro. As qualidades do dinheiro - 
qualidades e forças essenciais - são minhas, de seu possuidor. O que eu sou e o 
que eu posso não são determinados de modo algum por minha individualidade. 
Sou feio, mas posso comprar a mais bela mulher. Portanto, não sou feio, pois o 
efeito da feiúra, sua força afugentadora, é aniquilado pelo dinheiro" (pág. 30). 
 Marx fala explícita e inequivocamente em inversão das individualidades: 
 "A inversão e confusão de todas as qualidades humanas e naturais, a 
irmanação das impossibilidades - a força divina - do dinheiro repousa na sua 
essência genérica, alienante e auto-alienante do homem. O dinheiro é a 
capacidade alienada da humanidade" (pág. 31). 
 Eis portanto o significado crítico, porque real, da inversão. O poder das 
mercadorias em "modificar" e transformar em seu contrário as qualidades 
humanas. É claro que Marx, aqui e nos trechos referidos de "O Capital" não está 
tratando de ideologia, mas de seus fundamentos, explicita os limites e 
pressupostos nos quais os indivíduos desenvolvem suas atividades. 
 Voltemos à questão da inversão das representações. A interpretação da 
ideologia associada à noção de falsidade é, talvez, autorizada por Engels. Refere-
se, porém, à falsidade da consciência. Na famosa carta a Mehring, Engels (1978) 
escreve: 
 "A ideologia é um processo que se opera por parte do chamado pensador 
conscientemente, com efeito, mas com uma consciência falsa. As verdadeiras 
forças propulsoras que o movem, permanecem ignoradas para ele; de outro modo 
não seria tal processo ideológico. Se imagina, pois, forças propulsoras falsas ou 
aparentes. Como se trata de um processo discursivo, deduz seu conteúdo e sua 
forma do pensar puro, seja o seu próprio ou de seus predecessores" (pág.523, trad. 
minha). 
18 
 Althusser também sustentou a interpretação da inversão como falsidade, 
como irrealidade. Em "Aparelhos Ideológicos de Estado" (Althusser, 1983) afirma 
que a ideologia aparece, em "A Ideologia Alemã" num contexto positivista e que é 
concebida como pura ilusão, puro sonho vazio e vão, bricolage imaginário (cf. 
pág. 83). Novamente a realidade da inversão e o seu significado crítico são 
ignorados. 
 O que mais surpreende nessas interpretações é que justamente no texto de 
"A Ideologia Alemã" Marx e Engels elaboraram uma teoria materialista da história 
e tentam justamente mostrar a historicidade das idéias e também da ideologia. Em 
"A Ideologia Alemã" Engels e Marx demonstram que mesmo as ideologias 
possuem uma base material de existência, possui uma história que no entanto está 
fora delas (da história das idéias e do discurso dessas idéias). Escreveram eles: 
 "A existência de idéias revolucionárias numa determinada época já 
pressupõe a existência de uma classe revolucionária" (Marx e Engels, 1984, 
pág.73). 
 Ou que: 
 "Com efeito, cada nova classe que toma o lugar da que dominava antes dela 
é obrigada, para alcançar os fins a que se propõe, a apresentar seus interesses 
como sendo o interesse comum de todos os membros da sociedade, isto é, para 
expressar isso mesmo em termos de idéias: é obrigada a emprestar às suas idéias a 
forma de universalidade, a apresentá-las como sendo as únicas racionais, as únicas 
universalmente válidas. A classe revolucionária surge, desde o início, não como 
classe; aparece como a massa inteira da sociedade frente à única classe dominante. 
Ela consegue isso porque no início seu interesse realmente ainda está ligado ao 
interesse coletivo de todas as classes não-dominantes e porque, sob a pressão das 
condições prévias, esse interesse ainda não pôde desenvolver-se como interesse 
particular de uma classe particular. Sua vitória é útil, também, a muitos indivíduos 
de outras classes que não alcançaram uma posição dominante, mas apenas na 
19 
medida em que coloque agora esses indivíduos em condições de elevar-se à classe 
dominante. Quando a burguesia francesa derrubou a dominação da aristocracia, 
permitiu que muitos proletários se elevassem acima do proletariado, mas 
unicamente na medida em que tornaram-se burgueses" (pag.75) (grifos meus, 
A.H.H.) 
 No início, diz Marx, o interesse da classe revolucionária está realmente 
ligada ao interesse coletivo, a oposição entre não-dominantes e a classe dominante 
realmente acontece durante o período revolucionário, e os indivíduos realmente 
conseguem elevar-se à classe dominante, como os proletários franceses. 
 A ideologia é entendida em "A Ideologia Alemã", portanto, 
fundamentalmente enquanto ação, enquanto prática, porém, ao mesmo tempo, 
possui uma expressão subjetiva, uma expressão cognitiva, que nada mais é do que 
as representações ou reflexões nascidas dessa prática ou do conhecimento de seus 
limites ou pressupostos; ou ainda das aspirações. 
 Diríamos até que a ideologia possui uma estória, pois se funda na biografia 
ou numa história de uma subcoletividade, e não na história efetiva. 
 Ideologia é, então, uma realidade material, pois é um conjunto de práticas, 
seja de um indivíduo ou de subcoletividades. 
 No entanto, as idéias, as representações ou a própria consciência nascem, 
em "A Ideologia Alemã", imediatamente das práticas, das ações ou, como 
escreveram Marx e Engels, do processo de vida real, como "emanação direta do 
comportamento material". Em "A Ideologia Alemã" não existem mediações entre 
a ação e a consciência, entre a história e a biografia. Chamaríamos isso de 
mecanicismo? Hoje talvez sim. Vemos, entretanto, como a exposição de 
pressupostos de uma nova concepção: o materialismo histórico. 
 
II - IDEOLOGIA: UM TERMO, TRES QUESTÕES 
20 
 
 Após a concepção de ideologia expressa em "A Ideologia Alemã", ou 
melhor, difundida a partir da compreensão de Marx e Engels sobre ideologia, a 
questão da ideologia e da consciência se tornou uma verdadeiro quiproquó - como 
diria Marx. Quiproquó: ideologia como erro, como reflexo, falsidade, mistificação, 
manipulação. Quiproquó: consciência falsa, reificada, infeliz, desdobrada, 
fragmentada, possível, etc. Qual a noção de consciência para Marx e Engels? Há, 
na verdade, uma dupla compreensão: enquanto conjunto de representações ou 
idéias e enquanto ação. É este segundo sentido que é perdido em todos esses 
anexos adjetivadores, essas qualificações da consciência. 
 A compreensão da ideologia pendeu entre o erro e a mistificação 
maquiavélica.A consciência, e junto com ela a compreensão da questão, se 
fragmentou em adjetivos a ela aglutinados. 
 Examinemos um pouco melhor esse quiproquó através de Boudon. Na obra 
"A Ideologia" (1989), Boudon resumiu os principais tipos de definição de 
ideologia e os principais tipos de explicação. Neste trabalho, Boudon argumenta 
em favor da definição de ideologia de tipo Marx-Aron-Parsons e denine-a "como 
doutrinas que repousam sobre teorias científicas, mas que são teorias falsas ou 
duvidosas ou indevidamente interpretadas, às quais se dá uma credibilidade que 
não merecem" (pag. 44). Critica a "definição moderna (de tipo Shills-Geertz-
Althusser)" argumentando que esta "tem todo tipo de lacuna, a ponto de não 
percebermos claramente o que ela pretende designar" (pag.40). Complementa 
dizendo que "se definirmos a ideologia pela noção de ação simbólica, ela incluirá 
tanto os teoremas matemáticos (...) até o conjunto de todas as opiniões políticas. E 
é mesmo para uma confusão desse gênero que tende uma definição como a de 
Althusser, que subsume sob o vocábulo ideologia as idéias, conceitos, imagens, 
teorias, representações morais, filosóficas, religiosas etc." (pág. 41) 
 Teríamos, esquematicamente, as definições de ideologia: 
21 
Tipos de definição de ideologia 
Tipos de Tradição 
 Referidos ao critério de 
verdadeiro e falso 
Não referidos ao critério de 
verdadeiro e falso 
Tradição Marxista 
 Marx: 
A ideologia como ciência 
falsa 
Lenin: 
A ideologia como arma na luta 
de classes 
 Os teóricos da 
consciência-reflexo 
Althusser: 
A ideologia, atmosfera 
indispensável 
à respiração social 
 Aron: 
A ideologia não advinda 
diretamente, 
mas indiretamente do 
verdadeiro e do 
falso 
Geertz: 
A ideologia como ação 
simbólica 
Tradição Não-Marxista 
 Parsons: 
A ideologia, desvio em 
relação à objetividade 
científica 
Shils: 
A ideologia, tipo particular de 
sistema 
de crenças 
 (Boudon, 1989, págs 32-33) 
 
22 
 Esta não é a classificação final sobre os tipos de definição de ideologia que 
Boudon formula. Ele modificará e sintetizará a sua posição mais adiante (cf. pág. 
87). Porém, para os nossos objetivos, essa classificação intermediária é mais 
importante. 
 Dentre as definições de ideologia encontram-se: falsa consciência, 
consciência como reflexo, atmosfera indispensável à respiração social, desvio em 
relação à objetividade científica, ação simbólica, tipo particular de crenças. 
 Vemos agora, a partir da diversidade das definições, que não se trata de 
uma única questão, são pelo menos três. Poderíamos distinguir, sem muito rigor, 
estas problemáticas como: 
 1 - Gnosiológica ou da Teoria do Conhecimento: a velha questão de como 
se adquire, ou melhor, como se constrói o conhecimento. Que, por sua vez, se 
desdobra em outras duas: o conhecimento científico (Ciência) e o processo de 
conhecimento do indivíduo - que talvez pudesse ser incluída no item 2. (falsa 
consciência, desvio das representações em relação à objetividade científica). 
 2 - Ontológica: O que é e em que consiste a consciência? (consciência 
como reflexo, ação simbólica). 
 3 - Política: Função da ideologia no sistema social (atmosfera indispensável 
à respiração social, tipo particular de crenças). 
 Estas distinções e inclusões das definições nestas problemáticas devem ser 
consideradas como uma primeira aproximação, são, portanto, provisórias. Nosso 
objetivo é somente o de indicar a presença dessas problemáticas nas definições de 
ideologia e mostrar os distintos níveis de realidade envolvidos. 
 Estas definições de ideologia, portanto, não possuem a homogeneidade 
pretendida por Boudon, que é o pressuposto para juntá-las numa mesma tabela. 
Referem-se a pelo menos três problemáticas distintas, embora sejam totalmente 
imbricadas. 
23 
 
III - IDEOLOGIA E REPRODUÇÃO 
 Em grande parte das formulações a partir da década de 60 notamos uma 
profunda alteração nas definições e tratamento dados à ideologia. Ela é menos 
idéia e mais prática, ação; menos discurso que comportamento. 
 Este novo sentido pode ser visto em Bourdieu com a noção de habitus, em 
Althusser como práticas dos aparelhos ideológicos de Estado, em Habermas como 
ideologia enquanto técnica e ciência. O caso extremo, dentro desta ótica, é o 
consumo enquanto força produtiva e ideologia, tal como postulado por 
Baudrillard. 
 Gramsci, como bem lembrou Althusser, foi o único que já havia avançado 
nessa perspectiva. Essa perspectiva poderia ser encontrada, já em Gramsci, quando 
este assinala a mudança na função e na ação dos intelectuais nas sociedades 
contemporâneas. Eles passam de uma função retórica para o desempenho de 
funções dirigentes e organizativas. Interessante observar que é somente a partir da 
década de 60 que Gramsci começa a ser traduzido para o inglês, francês e 
português. 
 Habermas e a Escola de Frankfurt em geral, Althusser, Bourdieu, Gramsci e 
Baudrillard sublimam uma modificação no caráter das ideologias: menos 
concepção de mundo que ação no mundo, menos representação do que ação 
representativa. Remetem também a um momento de maior complexidade das 
superestruturas e à maior intervenção do Estado, quer na economia, quer na 
legitimação dos sistemas sociais. 
 Outras mudanças poderiam ser apontadas: Mais concreta, pois inserida no 
processo de reprodução social global das formações sociais. Mais integrada, ação 
social e controle; envolve os pólos subjetivo e objetivo. Mais científica e menos 
filosófica. Até interdisciplinar em alguns casos, com pesquisas empíricas. Neste 
24 
último item lembramos o célebre estudo de Adorno, nos anos 40, sobre a 
Personalidade Autoritária. 
 Em "O Capital", Marx (1894), no capítulo da reprodução simples, já 
analisava o consumo individual do trabalhador como momento da produção e 
reprodução do capital: 
 "O consumo individual do trabalhador continua sendo, pois, um momento 
da produção e reprodução do capital, quer ocorra dentro, quer fora da oficina. (...) 
A constante manutenção e reprodução da classe trabalhadora permanece a 
condição constante para a reprodução do capital. O capitalista pode deixar 
tranquilamente seu preenchimento a cargo do impulso de auto-preservação e 
procriação dos trabalhadores" (pág. 157). 
 Althusser é o único a explorar, de um modo sistemático, porém parcial, 
estas indicações de Marx. Enuncia da seguinte forma a perspectiva da reprodução, 
condição necessária para a caracterização das instâncias superestruturais: 
 "Pensamos que é a partir da reprodução que é possível e necessário pensar 
o que caracteriza o essencial da existência e natureza da superestrutura. Basta 
colocar-se no ponto de vista da reprodução para que se esclareçam muitas questões 
que a metáfora espacial do edifício indicava a existência sem dar-lhes resposta 
conceitual" (Althusser, 1983, pág. 62). 
 Examinemos, brevemente, como algumas dessas questões se apresentam 
nos autores citados. Comecemos por Bourdieu. 
 
Bourdieu: a mediação entre sujeito e história 
 Bourdieu (1983) define habitus como "sistema de disposições duráveis e 
transponíveis que exprime, sob a forma de preferências sistemáticas, as 
necessidades objetivas" (pág. 82). 
25 
 Para Bourdieu (1983) o habitus é produzido pelas condições de existência 
das classes: 
 "As estruturas constitutivas de um tipo particular de meio (as condições 
materiais de existência características de uma condição de classe), que podem ser 
apreendidas sob a forma de regularidades associadas a um meio socialmente 
estruturado, produzem habitus, sistema de disposições duráveis, estruturasestruturadas predispostas a funcionarem como estruturas estruturantes, isto é, 
como princípio gerador e estruturador das práticas e das representações que podem 
ser objetivamente 'reguladas' e 'regulares' sem ser o produto de obediência a 
regras, objetivamente adaptadas a seu fim, sem supor a intenção consciente dos 
fins e o domínio expresso das operações necessárias para atingí-los; e 
coletivamente orquestradas, sem ser o produto da ação organizadora de um 
regente" (págs 60-61). 
 Ortiz (1983) considera o conceito de habitus, no interior da construção 
bourdieana, como a mediação reencontrada entre sujeito e história: 
 "Enquanto para Sartre, para a construção de uma teoria da prática, encontra 
a mediação entre sujeito e história no conceito de projeto, que sublinha a 
especificidade de uma ação colocada no tempo futuro, Bourdieu recupera a velha 
idéia escolástica de habitus que enfatiza a dimensão de um aprendizado passado" 
(pág. 14). 
 
Althusser: AIE - prática e imaginário 
 Na obra "Aparelhos Ideológicos de Estado", Althusser pretende elaborar 
uma teoria da ideologia em geral a partir da discussão sobre a reprodução das 
condições sociais de produção. Antes, Gramsci já havia caminhado nessa direção, 
e o próprio Althusser (1983) assinala numa nota: 
26 
 "Ao que saibamos, Gramsci é o único que avançou no caminho que 
retomamos. Ele teve a idéia "singular" de que o Estado não se reduzia ao aparelho 
(repressivo) de Estado, mas compreendia, como dizia, um certo número de 
instituições da "sociedade civil": a Igreja, as Escolas, os Sindicatos etc. 
Infelizmente, Gramsci não sistematizou suas intuições, que permaneceram no 
estado de anotações argutas, mas parciais" (pag.67). 
 E, antes de Gramsci, Marx e Engels, em "A Ideologia Alemã" (1895), já 
escreviam: 
 "Como o Estado é a forma na qual os indivíduos de uma classe dominante 
fazem valer seus interesses comuns e na qual se resume toda a sociedade civil de 
uma época, segue-se que todas as instituições comuns são mediadas pelo Estado e 
adquirem através dele uma forma política (pag.98) (grifos meus A.H.H.) 
 Grande parte do esforço de Althusser é o de esclarecer de que forma se dá, 
concretamente, essa mediação e demonstrar a forma política que assumem as 
instituições. 
 Althusser parte da formulação de Marx acerca da reprodução e da 
circulação do capital social total (Marx, 1985, seção III, livro II) para elaborar sua 
teoria dos aparelhos. Sintetiza da seguinte forma o processo de reprodução 
expresso no livro II: 
 "Toda formação social para existir, ao mesmo tempo que produz, e para 
poder produzir, deve reproduzir as condições de sua produção. Ela deve, portanto, 
reproduzir: 
 1) as forças produtivas 
 2) "as relações de produção existentes" (Althusser, 1983, pag.54) 
 A reprodução das forças produtivas consiste na reprodução dos meios de 
produção e na reprodução da força de trabalho. O "meio material" da reprodução 
da força de trabalho é o salário; porém, a reprodução da qualificação profissional - 
27 
segundo Althusser - é feita pela escola, e que ele entende como um conjunto de 
técnicas e conhecimentos e as regras do bom comportamento. Para Althusser a 
necessidade de reprodução da qualificação se impõe porque a força de trabalho 
deve ser competente, deve ser "apta a ser utilizada no sistema complexo do 
processo de produção" (pag. 57), sendo, portanto, uma das condições sociais de 
produção. E esta qualificação é reproduzida pela escola, ou melhor, pelo Aparelho 
Ideológico Escolar , como designa Althusser. Por Aparelho Ideológico de Estado 
(AIE) deve-se entender: 
 "Designamos pelo nome de AIE um certo número de relidades que 
apresentam-se ao observador imediato sob a forma de instituições distintas e 
especializadas" (pag.68). 
 Entre os AIE encontram-se: AIE religiosos, escolar, familiar, jurídico, 
político, sindical, de informação e cultural. Althusser distingue ainda entre o 
Aparelho Repressivo de Estado (ARE) - o governo, a administração, o exército, 
polícia, prisões etc. - e os AIE: o ARE "funciona através de violência" ao passo 
que os AIE "funcionam através da ideologia" (pag.69). Segundo Althusser o ARE 
e os AIE são os reponsáveis pela reprodução das relações de produção e pela 
reprodução da superestrutura jurídico-política e ideológica. 
 Na construção althusseriana "o aparelho de Estado que assumiu a posição 
dominante nas formações capitalistas maduras, após uma violenta luta de classe 
política e ideológica contra o antigo aparelho ideológico de Estado dominante (a 
Igreja), é o AIE escolar" (pag.77). Isso porque: 
 "Ela (a escola) se encarrega das crianças de todas as classes desde o 
maternal, e desde o maternal ela lhes inculca, durante anos, precisamente durante 
aqueles anos em que a criança é mais vulnerável". Ao final do processo de 
escolarização-inculcação "cada grupo dispõe da ideologia que ele deve preencher 
na sociedade de classe: papel de explorado, (...) papel de agente da exploração, 
(...) de agente da repressão, (...) ou de profissionais da ideologia" (pag.79). 
28 
 Na parte final do trabalho, na qual Althusser formula suas teses e oferece 
um exemplo da ideologia religiosa cristã, é onde ele faz suas críticas a Marx. Diz 
que a concepção da ideologia em "A Ideologia Alemã" não é marxista (sic!), e 
argumenta: 
 "Na Ideologia Alemã, esta fórmula (a de que a ideologia não tem história) 
aparece num contexto nitidamente positivista. A ideologia é concebida como pura 
ilusão, puro sonho, ou seja, nada. Toda a realidade está fora dela. 
 (...) 
 A ideologia é então para Marx uma bricolage imaginário, puro sonho, vazio 
e vão, constituído pelos "resíduos diurnos" da única realidade plena e positiva, a 
da história concreta dos indivíduos concretos, materiais, produzindo materialmente 
sua existência. 
 (...) 
 Na ideologia alemã a tese de que a ideologia não têm história é portanto 
uma tese puramente negativa que significa ao mesmo tempo que: 
 1) a ideologia não é nada mais do que puro sonho (fabricada não se sabe 
por que poder a não ser pela alienação da divisão do trabalho, porém esta 
determinação é negativa). 
 2) a ideologia não tem história, o que não quer dizer que ela não tenha uma 
história (pelo contrário, uma vez que ela não é mais que o pálido vazio invertido 
da história real) mas que ela não tem uma história sua" (pag.83). 
 Para terminar a exposição da formulação de Althusser resumamos suas 
teses sobre a ideologia: 
 Tese 1 (forma imaginária da ideologia): "A ideologia representa a relação 
imaginária dos indivíduos com suas condições reais de existência" (pag. 85). 
29 
 Tese 2 (materialidade da ideologia): "A ideologia tem uma existência 
material; no aparelho e em suas práticas" (pag. 88) 
 Tese 3 : "A ideologia interpela os indivíduos enquanto sujeitos. 
 3.1: Sua submissão ao Sujeito 
 3.2: Reconhecimento mútuo 
 3.3: Garantia de que tudo está bem" (pag. 102-103) 
 E Althusser conclui: "É, certamente, em última instância, a reprodução das 
relações de produção e demais relações que dela derivam" (pag. 104). 
 Gramsci: uma teoria das superestruturas? 
 Em Os Intelectuais e a Organização da Cultura (I), Gramsci teoriza sobre 
as instâncias superestruturais. Diz que em grandes traços podem ser distinguidos 
dois grandes planos superestruturais: 
1o Plano: Sociedade Civil, constituída pelo conjunto de organismos ditos privados 
"que corresponde à função de hegemonia que o grupo dominante exerce em toda a 
sociedade". 
2o Plano: Sociedade Política ou Estado, "que corresponde à função de domínio 
direto ou de comando que se expressa no Estado e governo jurídico." (cf. I: pág. 
11)Segundo Gramsci "os intelectuais são os 'comissários' do grupo dominante 
para o exercício das funções subalternas da hegemonia e do governo político", isto 
é: 
 1) do consenso 'espontâneo' dado pelas grandes massas da população à 
orientação impressa pelo grupo fundamental dominante à vida social, consenso 
que nasce 'historicamente' do prestígio (...) que o grupo dominante obtém, por 
causa de sua posição e de sua função no mundo da produção; 
30 
 2) do aparato de coerção estatal que asssegura 'legalmente' a disciplina dos 
grupos que não 'consentem', nem ativa nem passivamente, mas que é constituído 
para toda a sociedade, na previsão dos momentos de crise no comando e na 
direção, nos quais fracassa o consenso espontâneo" (cf. I: pág. 11). 
 Diz ainda em I que a principal instância para a elaboração de intelectuais é 
a escola. E estabelece uma analogia entre a complexidade do processo produtivo 
de um determinado país e as suas máquinas e a complexidade da formação social e 
a elaboração dos intelectuais pela rede de escolas: 
 "A escola é o instrumento para elaborar os intelectuais de diversos níveis. A 
complexidade da função intelectual nos vários Estados pode ser objetivamente 
medida pela quantidade das escolas especializadas e pela sua hierarquização: 
quanto mais extensa for a 'área' escolar e quanto mais numerosos forem os 'graus' 
'verticais' da escola, tão mais complexo será o mundo cultural, a civilização, de um 
determinado Estado. Pode-se ter um termo de comparação na esfera da técnica 
industrial: a industrialização de um país se mede pela sua capacidade de construir 
máquinas que construam máquinas e na fabricação de instrumentos que construam 
máquinas, etc. (...) Do mesmo modo ocorre na preparação dos intelectuais e nas 
escolas destinadas a tal preparação, escolas e instituições de alta cultura são 
similares. Neste campo, igualmente, a quantidade não pode ser destacada da 
qualidade" (I: pág. 9). 
 Em Concepção Dialética da História (CDH) Gramsci (1987) propõe uma 
relação das instâncias que compõem a "organização cultural que movimenta o 
mundo ideológico em um determinado país e cuja investigação seria necessária 
para o exame de seu funcionamento prático": 
 "A escola - em todos os seus níveis - e a igreja são as duas maiores 
organizações culturais em todos os países, graças ao número de pessoal que 
utilizam. Os jornais, as revistas e a atividade editorial, as instituições escolares 
privadas, tanto enquanto integram a escola de Estado, como enquanto instituições 
31 
de cultura do tipo das universidades populares. Outras profissões incorporam em 
sua atividade especializada uma fração cultural não desprezível, como a dos 
médicos, dos oficiais do exército, da magistratura. Entretanto, deve-se notar que 
em todos os países, ainda que em graus diversos, existe uma grande cisão entre as 
massas populares e os grupos intelectuais, inclusive os mais numerosos e mais 
próximos à periferia nacional, como os professores e os padres" (CDH: pág.29). 
 Gramsci acrescenta ainda que é o conjunto das superestruturas que mediam 
a relação entre os intelectuais e o mundo da produção, "como no caso dos grupos 
sociais fundamentais", dos quais os intelectuais são os "funcionários" (cf. CDH: 
pág. 10). 
 Vemos agora, com clareza, o que constitutem as "anotações agudas mas 
parciais" a que Althusser se referia quando falava da obra de Gramsci na 
formulação de uma teoria sobre a ideologia e as instâncias superestruturais. 
Destaquemos apenas "alguns indícios" presentes nestas "intuições parciais": 
 - Uma nova formulação ou interpretação da teorização marxista clássica da 
superestrura jurídico-política e ideológica (sociedade civil e sociedade política), 
indicando a dinâmica específica de cada plano superestrutural: o funcionamento 
através da hegemonia e de domínio ou comando. 
 - A mediação realizada pelos intelectuais entre a base econômica e a 
superestrutura, que unificam a formação social através do consenso espontâneo e 
da coerção. Indica também uma mudança na característica dos intelectuais, que 
deixam a função retórica para desempenhar funções organizativas e técnicas. 
 - Formulação de uma teoria da ideologia enquanto realidade material: 
materialidade expressa nas organizações culturais que "movimentam o mundo 
ideológico". 
 - Importância que a organização escolar desempenha na elaboração dos 
intelectuais nas sociedades ocidentais; e o papel que desempenham na reprodução 
32 
da qualificação profissional e na hierarquização dos intelectuais em "criadores das 
várias ciências, da filosofia, da arte". os "admnistradores" e os "divulgadores" (cf. 
I: págs 11-12) 
 Rouanet (1978) é ainda mais veemente, e diz que não pode ser identificada 
qualquer contribuição original de Althusser às formulações gramscianas, "para o 
desenvolvimento das observações argutas, mas parciais": 
 "Pois a teoria dos AIE é, do princípio ao fim, (com uma ressalva 
importante, que mencionaremos mais tarde), a teoria gramsciana do 
funcionamento da hegemonia na sociedade civil. Gramsciana, a extensão do 
conceito de Estado, para abranger não apenas o aparelho repressivo, funcionando à 
base da violência, como também o aparelho ideológico (Gramsci fala, 
explicitamente, em aparelho hegemônico) funcionando à base do consenso. 
Gramsciano, o objetivo dos AIE: assegurar a reprodução das relações sociais de 
produção, termo novo para designar o que Gramsci chamaria, simplesmente, de 
preservação da hegemonia burguesa, através do cimento ideológico. Gramsciano, a 
enumeração dos AIE: a religião, a escola, o sistema político, o sistema cultural. 
Gramsciana, a primazia atribuída à escola entre os AIE" (pág. 102). 
 
Habermas: Racionalização - trabalho e interação 
 No artigo "Técnica e Ciência enquanto Ideologia" Habermas (1993) irá 
desenvolver o conceito weberiano de racionalização, retomado por Marcuse, para 
examinar a mudança no caráter da ideologia nas sociedades industriais avançadas. 
Este processo de racionalização progressiva está associado, segundo Habermas, à 
institucionalização do progresso técnico e científico. A aplicação da razão técnica 
seria, ao mesmo tempo, dominação e ideologia. Este processo de racionalização 
seria uma novidade na história mundial: 
33 
 "Ao nível do seu desenvolvimento técnico-científico, as forças produtivas 
parecem portanto entrar numa nova constelação com as relações de produção: elas 
agora funcionam não mais como fundamento da crítica das legitimações em vigor 
para os fins de um iluminismo político, mas, em vez disso, convertem-se elas 
próprias no fundamento de legitimação. Isso é concebido por Marcuse como uma 
novidade na história mundial" (pág. 315). 
 A técnica e a ciência tornam-se, segundo Habermas, as principais forças 
produtivas, "caindo por terra as condições de aplicação da teoria do valor do 
trabalho de Marx" (cf. pág. 330). Porém, ao mesmo tempo, a técnica e a ciência se 
tornam ideologia, pois: 
 "Elas substituem as legitimações tradicionais de dominação, ao se 
apresentarem com as pretensões da ciência moderna e ao se justificarem a partir 
da crítica da ideologia. As ideologias e a crítica da idelogia são co-originárias. 
Nesse sentido não pode haver ideologias pré-burguesas" (pág. 326). 
 Não apenas a teoria do valor de Marx perderia a sua aplicação universal, 
mas até mesmo o conceito de classes e de ideologia: 
 "A sociedade capitalista modificou-se a tal ponto que as duas categorias 
chaves da teoria de Marx, a saber, luta de classes e ideologia, não podem ser 
aplicadas sem restrições". 
 Sobre o fundamento do modo de produção capitalista a luta de classes 
constitui-se como tal pelaprimeira vez, criando assim uma situação objetiva a 
partir da qual foi possível reconhecer retrospectivamente a estrutura de classe das 
sociedades tradicionais, cuja constituição era imeditamente política. O capitalismo 
regulado pelo Estado, surgido a título de reação contra as ameaças ao sistema, 
geradas pelo antagonismo aberto entre as classes, vem apaziguar o conflito de 
classes. O sistema de capitalismo em fase tardia é definido por uma políotica de 
indenizações que garante a fidelidade das massas assalariadas, isto é, por meio de 
34 
uma política de evitar conflitos, de tal modo que o conflito que, tanto agora como 
antes, é incorporado na estrutura da sociedade, com a valorização do capital à 
maneira privada, é aquele conflito que permanece latente com uma probabilidade 
relativamente maior. Ele recua face a outros conflitos que decerto também 
dependem do modo de produção, porém, que não podem tomar a forma de um 
conflito de classes (pág.323). 
 Dado esse - sombrio - quadro, voltemos a examinar como Habermas 
desenvolve o conceito de racionalização. Para reformular esse conceito Habermas 
(1983) começa estabelecendo a distinção entre trabalho e interação: 
 "Entendo por 'trabalho', ou agir-racional-com-respeito- a-fins, seja o agir 
instrumental, seja a escolha racional, seja a combinação dos dois. O agir 
instrumental rege-se por regras técnicas baseadas no saber empírico. Elas 
implicam, em cada caso, prognósticos condicionais sobre acontecimentos 
observáveis, físicos ou sociais; esses prognósticos podem se evidenciar como 
corretos ou como falsos. O comportamento de escolha racional é regido por 
estratégias baseadas no saber analítico. Elas implicam derivações a partir de regras 
de preferência (sistemas de valores) e de máximas universais." 
 Por outro lado, entendo por agir comunicativo uma interação mediatizada 
simbolicamente. Ela se rege por normas que valem obrigatoriamente, que definem 
as expectativas de comportamento recíprocas e que precisam ser compreendidas e 
reconhecidas por, pelo menos, dois sujeitos agentes. Normas sociais são 
fortalecidas por sanções. Seu sentido se objetiva na comunicação mediatizada pela 
linguagem corrente" (pág. 321). 
 Estabelecida a distinção entre trabalho - como agir instrumental ou agir 
racional - e interação - como agir comunicativo, Habermas (1983) passa a 
classificar os sistemas sociais segundo a predominância de um ou outro tipo de 
ação. Para ele são dois os subsistemas, o quadro institucional e os sistemas do 
agir-racional-com-respeito-a-fins, que são assim definidos: 
35 
 "O quadro institucional de uma sociedade consiste de normas que guiam as 
interações verbalmente mediatizadas. Mas existem subsistemas, tais como o 
sistema econômico e o aparato de Estado, para ficarmos com os exemplos de Max 
Weber, nos quais são institucionalizadas principalmente proposições sobre ações 
racionais-com-respeito-a-fins. Do lado oposto, encontram-se subsistemas, tais 
como família e parentesco, que decerto são conectados a um grande número de 
tarefas e habilidades, mas que repousam principalmente sobre as regras morais da 
interação. Assim, no plano analítico convém distinguir, de modo geral: (1) o 
quadro institucional de uma sociedade ou o mundo do viver sócio-cultural e (2) os 
subsistemas do agir racional-com-respeito-a-fins 'encaixados nesse quadro 
institucional" (págs 321-322). 
 
Baudrillard: o sistema de necessidades como força produtiva 
 Baudrillard (s/ d.) em A Sociedade de Consumo, a exemplo de Habermas, 
identifica e assinala as modificações no caráter da ideologia no capitalismo em sua 
fase tardia: 
 "Em termos breves e sumários, diremos que o problema fundamental do 
capitalismo contemporâneo não é a contradição entre 'a maximização do lucro' e a 
'racionalização da produção' (ao nível do empresário), mas entre a produtividade 
virtualmente ilimitada (ao nível da tecno-estrutura) e a necessidade de vender os 
produtos. Nesta fase, é vital para o sistema controlar não só o aparelho de 
produção, mas a procura de consumo; não apenas os preços, mas o que se 
procurará a tal preço. O efeito geral, que por meios anteriores ao próprio acto de 
produção (sondagens, estudo de mercado) quer posteriores (publicidade, 
'marketing', condicionamento), é 'roubar' ao compredor - esquivando-se nele a 
todo o controlo - o poder de decisão e transferí-lo para a empresa, onde poderá ser 
manipulado" (págs 79-80). 
36 
 Elabora um genealogia do consumo para demonstrar, o progressivo 
movimento de racionalização do sistema industrial, no qual o sistema de 
necessidades torna-se "força consumptiva": 
 "Ao longo da história do sistema industrial, pode-se rastrear-se a genealogia 
do consumo: 
 1. A ordem de produção produz a máquina/força produtiva abstrata, sistema 
técnico radicalmente diferente do instrumento tradicional; 
 2. Produz o capital/força produtiva racionalizada, sistema de investimento e 
de circulação racional, radicalmente diferente da 'riqueza' e dos anteriores modos 
de troca. 
 3. Produz a força de trabalho assalariado, força produtiva abstrata, 
sistematizada, radicalmente diferente do trabalho concreto, do trabalho tradicional. 
 4. Produz assim as necessidades, o sistema das necessidades, a 
procura/força produtiva como conjunto racionalizado, integrado, controlado, 
complementar dos outros três no processo de total controlo das forças produtivas e 
dos processos de produção. As necessidades enquanto sistema diferem 
radicalmente da fruição e da satisfação. São produzidas como elementos de 
sistema e não como relação de um indivíduo ao objeto" (pág. 84). 
 Mais adiante Baudrillard afirma que o consumo, ao se tornar força 
produtiva, torna-se, ao invés de esfera de realização das necessidades e da 
liberdade, a dimensão da coação: 
 "As necessidades e as satisfações dos consumidores são forças produtivas, 
atualmente forçadas e racionalizadas como as outras (forças de trabalho, etc.). O 
consumo, onde quer que o explorávamos (com dificuldade), contra a intenção da 
ideologia vivida, como dimensão da coação: 
 1. Dominado pelo constrangimento de significação, ao nível da análise 
estrutural. 
37 
 2. Dominado (pelo constrangimento de produção e do ciclo da produção, na 
análise estratégica (sócio-econômica-política)" (págs 93-94). 
 Para Baudrillard o sistema de consumo juntamente com o sistema eleitoral 
são as duas fontes principais de legitimação do sistema industrial: 
 "A mística bem alimentada (...) da satisfação e da escolha individuais, 
ponto culminante de uma civilização da 'liberdade', constitui a própria ideologia 
do sistema industrial, justificando a arbitrariedade e todos os danos coletivos: lixo, 
poluição, desculturação - de fato, o consumidor é soberano em plena selva de 
fealdade em cujo seio se lhe impôs a liberdade de escolha. A fieira invertida (ou 
seja, o sistema de consumo) completa, e vem revezar, no plano ideológico, o 
sistema eleitoral. O 'drugstore' e a cabine de voto, lugares geométricos da 
liberdade individual, são também as duas mamas dos sistema" (pág. 81). 
IV - CAPITAL MONOPOLISTA: A base material da racionalização e da 
ideologia 
 O ponto comum a todas essas formulações de ideologia é, além daquelas já 
apontadas, a associação das alterações à passagem do capitalismo concorrencial 
para o capitalismo em sua fase e estruturação monopolista. Recentemente alguns 
autores falam de uma nova e mais radical ruptura: as sociedades pós-industriais 
fundadas na tecnologia informatizada. Em alguns momentos Baudrillard (s/ d.), 
em "A Sociedade de Consumo", alterna os termos sociedade industrial e sociedade 
pós-industrial (cf., por exemplo, pág.47). Não teremos, infelizmente, 
oportunidade de abordar essa. 
 Braverman (1981) assim caracteriza o capital monopolista, indicando a 
passagem do capitalismo concorrencial para monopolista a partir 1870-1880: 
 "Concorda-se geralmente que o capital monopolista teve início nas últimas 
duas ou três décadas do século XIX. Foi então que a concentração e centralização 
do capital, sob a forma dos primeiros trustes, cartéis e outras formas de 
38 
combinação, começaram a firmar-se; foi então, consequentemente, que a estrutura 
moderna da indústria e das finanças capitalistas começou a tomar forma. Ao 
memo tempo a rápida consumação da colonização do mundo, as rivalidades 
internacionais e os conflitos armados pela divisão do globo em esferas de 
influência econômica ou hegemonia inauguraram a moderna era imperialista. 
Desse modo, o capitalismo monopolista abrange o aumento de organizações 
monopolistas no seio de cada país capitalista, a internacionalização do capital, a 
divisão internacional do trabalho, o imperialismo, o mercado mundial e o 
movimento mundial do capital, bem como as mudanças na estrutura do poder 
estatal" (págs 215-216). 
 Para Habermas (1983) a ruptura ou transição se dá, aproximadamente, a 
partir de 1875: 
 "Até a metade do século XIX, o modo de produção capitalista se impôs a 
tal ponto, na Inglaterra e na França, que Marx pôde reconhecer o quadro 
institucional da sociedade nas relações de produção e, ao mesmo tempo, criticar o 
fundamento de legitimação da troca dos equivalentes. Ele elaborou a crítica da 
ideologia burguesa em forma de economia política: sua teoria do valor trabalho 
destruiu a aparência de liberdade, na qual a relação de violência social, subjacente 
à relação do trabalho assalariado, tornara-se irreconhecível pela instituição jurídica 
do livre contrato de trabalho". 
 (...) 
 "Desde a última quarta parte do século XIX, nos países capitalistas mais 
avançados, duas tendências de desenvolvimento podem ser notadas: (1) um 
acréscimo da tendência intervencionista do Estado, que deve garantir a 
estabilidade do sistema, e (2) uma crescente interdependência entre a ciência e a 
técnica, que transformou a ciência na principal força produtiva. Ambas as 
tendências perturbam aquela constelação do quadro institucional e dos 
39 
subsistemas do agir racional-com-respeito-a-fins, pela qual se caracterizava o 
capitalismo desenvolvido dentro do liberalismo" (págs 327-328). 
 Esse novo estágio altera até mesmo a concepção marxista de formação 
social, a relação entre o sistema econômico e o sistema de dominação: 
 "Política não é apenas mais um fenômeno de superestrura. Se a sociedade 
não continua mais a se auto-regular de 'maneira autônoma' como uma esfera 
subjacente ao Estado e por ele pressuposta - e essa era a verdadeira novidade do 
modo capitalista de produção - a sociedade e o Estado não estão mais numa 
relação que a teoria marxista determinou como relação entre a base e a 
superestrutura. Mas, então, uma teoria crítica da sociedade também não pode mais 
ser formulada exclusivamente em termos de uma crítica da economia política" 
(Habermas, 1983, pág. 328). 
 Gramsci identifica uma alteração na relação entre sociedade civil e 
sociedade política a partir de 1848. Em diversos pontos de "Maquiavel, a Política e 
o Estado Moderno" (MPE) Gramsci (1989) apresenta a distinção entre as 
sociedades oriental e ocidental, que apresentam diferentes configurações de 
sociedade civil e sociedade política. A distinção é traçada na polêmica de Gramsci 
contra as concepções revolucionárias de Trotski e Rosa Luxenburg. Para 
caracterizá-la destacaremos três trechos: 
 "A técnica política moderna mudou completamente depois de 1848, depois 
da expansão do parlamentarismo, do regime associativo sindical e partidário, da 
formação de amplas burocracias estatais e 'privadas' (político-privadas, partidárias 
e sindicais) e das transformações que se verificaram na política num sentido mais 
largo, isto é, não só do serviço estatal destinado à repressão da delinquência, mas 
do conjunto das forças organizadas pelo Estado e pelos particulares para tutelar o 
domínio político e econômico das classes dirigentes" (pág. 65). 
40 
 "No Oriente, o estado era tudo, a sociedade civil era primitiva e gelatinosa; 
no Ocidente, entre o Estado e a sociedade civil havia uma justa relação, e em 
qualquer abalo do Estado imediatamente descobria-se uma poderosa estrutura da 
sociedade civil. O Estado era apenas uma trincheira avançada por trás da qual se 
situava uma robusta cadeia de fortalezas e casamatas" (pág. 75). 
 "Conceito político da chamada 'revolução permanente', surgido antes de 
1848, como expressão cientificamente elaborada das experiências jacobinas de 
1789 em Termidor. A fórmula é própria de um período histórico em que não 
existiam ainda os grandes partidos políticos de massa e os grandes sindicatos 
econômicos, e a sociedade estava ainda, por assim dizer, no estado de fluidez sob 
muitos aspectos: maior atrazo do campo e monopólio quase completo da eficiência 
político-estatal em poucas cidades ou numa só (Paris para França); aparelho estatal 
relativamente pouco desenvolvido e maior autonomia da sociedade civil em 
relação à atividade estatal; determinado sistema das forças militares e do 
armamento nacional; maior autonomia das economias nacionais no quadro das 
relações econômicas do mercado mundial, etc" (pág. 91-92). 
 A diferença fundamental entre as sociedades oriental e ocidental, ou das 
sociedades anteriores e posteriores a 1848, é justamente a maior complexidade dos 
planos superestruturais presentes nas segundas, que pode ser constatada na 
expansão do parlamentarismo, nos grandes partidos de massa e sindicatos 
econômicos, na expansão das burocracias, dos serviços estatais, etc. No oriente o 
Estado era o centro do poder e da vida nacional, por isso a sociedade civil era 
"primordial e gelatinosa". 
 É a partir da distinção entre oriente e ocidente que Gramsci elabora sua 
estratégia revolucionária para as sociedades ocidentais: a fórmula da hegemonia 
civil. 
41 
 A mesma temática pode ser encontrada em Pollock, associando a passagem 
do capitalismo concorrencial para o capitalismo de Estado e a alteração nas formas 
ideológicas. Cohn (1986) diz: 
 "A universalização do primado do valor de troca sobre o valor de uso, da 
equivalência sobre a diferença qualitativa, imprime à sociedade como um todo a 
lógica da ideologia. (...) O todo, para se reproduzir como tal, é o falso: apóia-se na 
falsidade necessária e portanto nuito real da ideologia. Mas isso, a rigor, aplica-se 
ao capitalismo concorrencial. No capitalismo monopolista concebido por Pollock, 
ou seja, como capitalismo de Estado, em que as relações diretas de poder 
substituem as relações de poder mediadas pelo lucro e pela propriedade, abre-se a 
possibilidade de se ter a mercadoria sem a contrapartida ideológica da igualdade. 
O nome disso é fascismo" (pág. 13). 
 A ideologia passa assim a ser uma das condições de reprodução da 
sociedade burguesa: 
 "Na versão da TCS [Teoria Crítica da Sociedade], sobretudo devido à 
contribuição de Horkheimer, mas com a adesão de Adorno, a elaboração da idéia 
de que a reprodução da sociedade burguesa se faz por processos que 
necessariamente passam pela consciência dos homens é levada um passo adiante, 
para chegar-se à formulação de que, na realidade, ela passa pela configuração 
socialmente determinada dos próprios homens que, no final, a reproduzem. Vale 
dizer, a questão de como se sustenta e se reproduz o sistema, recebe uma resposta - 
a ideologia - e passa-se a outra questão, sobre quem a sustenta. E aqui a respostacombina a análise ideológica com a pesquisa sóciopsicológica, em busca dos tipos 
de personalidade social" (Cohn, 1983, pág. 14). 
 A este novo estágio de desenvolvimento do modo de produção capitalista, a 
este novo caráter da ideologia, correspondem formas de sustentação e reprodução 
também novos, ou seja, novas formas de controle. Não mais normativos, mas 
baseados em excitantes externos: 
42 
 "As sociedades industrialmente desenvolvidas parecem aproximar-se do 
modelo de um controle de comportamento que, em vez de ser guiado por normas, 
é antes dirigido por excitantes externos. A direção indireta por estímulos 
estabelecidos aumentou, principalmente nos setores da liberdade aparentemente 
subjetiva (comportamento nas eleições, no consumo, no tempo livre). A rubrica 
social-psicológica da nossa época é caracterizada menos pela personalidade 
autoritária do que pela desestruturação do superego. Um aumento do 
comportamento adaptativo é apenas o reverso da medalha de um processo de 
dissolução da esfera de interação verbalmente mediatizada, dentro da estrutura do 
agir racional-com-respeito-a-fins" (Habermas, 1983, págs 332-333). 
 Gramsci, em "Americanismo e Fordismo" (Gramsci, 1989, MPE: págs 375-
413) analisava o americanismo e o fordismo no contexto da passagem do 
individualismo econômico para a economia programática: 
 "No geral, pode-se dizer que o americanismo e o fordismo derivam da 
necessidade iminente de organizar uma economia programática e que os diversos 
problemas examinados deveriam ser os elos da cadeia que assinalam exatamente a 
passagem do velho individualismo econômico para a economia programática. 
Estes problemas surgem em virtude das diversas formas de resistência que o 
processo de desenvolvimento encontra, resistência provocada pelas dificuldades 
inerentes à societas rerum e à societas hominum. Um movimento progressista 
iniciado por uma determinada força social não deixa de ter consequências 
fundamentais: as forças subalternas, que deveriam ser 'manipuladas' e 
racionalizadas de acordo com os novos objetivos, resistiram inevitavelmente" 
(págs 375-376). 
 E em que reside precisamente essa dificuldade? Gramsci responderá que a 
racionalização do processo de produção e de trabalho, através da introdução de 
novos métodos, cria, e, ao mesmo tempo, pressupõe, uma nova ética sexual: 
43 
 "Toda crise de coerção unilateral no campo sexual acarreta um delírio 
"romântico" que pode ser agravado pela abolição da prostituição legal e 
organizada. Todos estes elementos complicam e tornam dificílima qualquer 
regulamentação do problema sexual e qualquer tentativa de criar uma nova ética 
sexual que esteja de acordo com os novos métodos de trabalho e de produção. Por 
outro lado, é necessário criar essa regulamentação e uma nova ética. Deve-se 
destacar o relevo que os industriais (especialmente Ford) se interessaram pelas 
relações sexuais dos seus dependentes e de suas famílias; a aparência do 
'puritanismo' assumida por este interesse (como no caso do proibicinismo) não 
deve levar a avaliações erradas; a verdade é que não é possível desenvolver o novo 
tipo de homem solicitado pela racionalização da produção e do trabalho, enquanto 
o instinto sexual não for absolutamente regulamentado, não for também ele 
racionalizado" (MPE: págs 391-392, grifos meus, AHH). 
 Assim sendo, a modificação no modo de vida, ao mesmo tempo em que é 
condicionada pelos novos métodos de produção e de trabalho, torna-se também 
uma condição para o sucesso da implantação desses novos métodos, ou seja, a 
nova ética sexual torna-se uma das condições sociais da produção em moldes 
fordianos, e essa ética reproduzirá a forma das relações de produção: será 
racionalizada e regulamentada. 
 Mais adiante Gramsci (1989) observa: 
 "É interessante notar que não se tentou aplicar ao americanismo a fórmula 
de Gentile sobre a 'filosofia que não se enuncia através de fórmulas, mas se afirma 
na ação'; isto é significativo e instrutivo, porque se a fórmula tem valor, é 
exatamente o americanismo que pode reivindicá-la. Ao contrário, quando se fala 
de americanismo, diz-se que ele é 'mecanicista', grosseiro, brutal, isto é, 'pura 
ação', opondo-se a ele a tradição, etc. (...) Esta contradição pode explicar muitas 
coisas: por exemplo, a diferença entre a ação real que modifica essencialmente 
tanto o homem como a realidade exterior (a cultura real), o que é o americanismo, 
44 
e o esgrimismo galhofeiro que se autoproclama ação, mas só modifica o 
vocabulário, não as coisas; o gesto exterior, não o homem interior. A primeira está 
criando um futuro que é intrínseco à sua atividade objetiva e sobre a qual prefere 
silenciar. O segundo apenas cria fantoches aperfeiçoados, moldados sobre um 
figurino retoricamente prefixado, e que cairão no nada quando forem cortados os 
fios externos que lhe dão a aparência de movimento e de vida" (págs 401-402). 
 Vemos, portanto, nesses autores, que a problematização da ideologia é 
inserida na reprodução global das formações sociais. Em Althusser a necessidade 
de reprodução liga-se, ou melhor, expressa-se enquanto necessidade de reprodução 
da qualificação profissional; em Habermas, a reprodução do agir racional, a razão 
capitalista, está vinculado diretamente ao crescimento das forças produtivas; em 
Baudrillard o sistema de necessidades é elemento que integra o próprio sistema 
produtivo; em Bourdieu os estilos de vida e os gostos de classe reproduzem as 
condições de existência das classes. 
 Constitui também um ponto comum a racionalização progressiva de todas 
as esferas da vida social: racionalização do instinto e da produção para Gramsci; 
do trabalho e da interação para Habermas; do trabalho e do tempo livre para 
Baudrillard. 
 Gramsci parece ser o primeiro a pensar a unidade base/superetruturas na 
perspectiva da reprodução global das formações sociais. Pensa essa unidade em 
termos políticos: designa-a de bloco histórico, cimentado pela hegemonia do 
grupo dominante que é difundida pelos intelectuais. 
 O momento da ruptura é consenso: a partir das últimas décadas do século 
XIX, na passagem para o capitalismo monopolista. As alterações indicadas por 
Gramsci, já a partir de 1848, são avaliações predominantemente políticas, do que 
do ponto de vista do desenvolvimento das forças produtivas, como em Braverman 
e Habermas. 
45 
 Outra questão a ser investigada também é histórica: os contextos 
semelhantes em que Gramsci e A Escola de Frankfurt elaboram suas teorias: 
regimes totalitários, fascista e nazista. 
 Se é verdade que existem semelhanças nas formulações e contextualizações 
da ideologia entre os autores que aqui analisamos, o mesmo não é valido para os 
seus pressupostos e perspectivas. Apontemos algumas incompatibilidades: 
Althusser e Gramsci conservam como pressuposto as lutas de classes. Na Escola 
de Frankfurt a luta de classes entra num estado de latência, elas são suspensas 
através de programas substitutivos de satisfação, pela distribuição e pela barganha 
(cf. Habermas, 1983, pág. 334). Gramsci vê possibilidade de ruptura do ciclo de 
reprodução, ou seja, uma perspectiva revolucionária através da estratégia de 
hegemonia civil. Em Alguns Temas da Questão Meridional, Gramsci (1978) 
demostra que para o proletariado romper o ciclo de reprodução global da formação 
social italiana, este deve resolver as questões meridional e vaticana. 
 Permitam-nos, agora, propor algumas esquematizações desses movimentos: 
 Como vimos, para Althusser o ARE e os AIE são os reponsáveis pela 
reprodução das relações de produção e pela reprodução da superestrutura jurídico-
política e ideológica: 
 ARE e AIEs -->>

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