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Atenção ao Adulto 291Manual de Condutas Médicas www.ids-saude.org.br/medicina Acidente Vascular Cerebral Quadro Clínico e Epidemiologia Os acidentes vasculares cerebrais (AVCs) constituem a primeira causa de morte entre as doenças cardiovasculares no Brasil, principalmente entre mulheres, onde os coeficientes são dos mais elevados quando comparados a países do hemisfério ocidental. Há grande impacto das doenças cerebrovasculares sobre a sociedade como um todo, tanto no aspecto relativo às perdas econômicas quanto ao custo social gerado pela doença cerebrovascular. Por outro lado, as doenças cerebrovasculares representam uma das áreas da medicina que experimentam progressos cada vez mais rápidos. Pessimismo e negativismo, atitudes comuns há menos que duas décadas, deram lugar a avanços fantásticos nos seus aspectos diagnósticos, de conduta e prevenção. A doença cerebrovascular pode ser classificada em três grandes grupos (e cada um deles com inúmeras sub-divisões, caracterizando doenças específicas): isquêmico, hemorragia intracerebral e hemorragia sub-aracnóide. A apresentação inicial de todos estes eventos é quase sempre aguda, motivando a procura de pronto-socorro. Em São Paulo, os isquêmicos são responsáveis 63,5% dos casos atendidos, a hemorragia intracerebral por 20,8% e a hemorragia subaracnóide por 15,7%. A hipertensão arterial é o fator de risco principal para o acidente vascular cerebral, de tal forma que a mortalidade e a incidência do AVC podem ser consideradas como marcadores da prevalência da hipertensão em uma localidade. Outros fatores, como o tabagismo, o diabetes e o colesterol elevado também contribuem, porém com intensidade menor do que ocorre com o risco de um infarto do miocárdio. O AVC isquêmico associa-se ao processo aterotrombótico no território carotídeo e basilar ou a embolia cardíaca. A hemorragia intracerebral pode estar associada a malformações vasculares e ao uso de drogas em indivíduos com idade inferior a 40 anos; a hipertensão arterial predomina no grupo mais afetado entre os 40-69 anos. Diagnóstico O diagnóstico de AVC depende, fundamentalmente, de uma anamnese acurada, obtida do próprio paciente ou seus familiares. Déficit neurológico focal, central, de instalação abrupta é apanágio de praticamente todo AVC. Ocasionalmente alguns pacientes poderão apresentar manifestações clínicas de difícil localização, tais como comprometimento de memória e rebaixamento do nível de consciência, além de sintomatologia progressiva em várias horas ou mesmo alguns dias. Tais exceções devem sempre ser acompanhadas de investigação minuciosa visando excluir diagnósticos alternativos, tais como hipoglicemia, epilepsia, infecções do sistema nervoso central ou mesmo hematoma subdural. O AVC isquêmico predomina sobre o hemorrágico, abrangendo entre 70 e 80% dos casos. Sua diferenciação com as formas hemorrágicas (hemorragia intracerebral e hemorragia subaracnóide) é importante em termos de manejo na fase aguda, prognóstico e prevenção secundária. Embora vários sistemas de escore clínico tenham sido criados para diferenciar o AVC isquêmico do hemorrágico, os exames de imagem, particularmente a tomografia computadorizada, são imprescindíveis para esse fim. O exame do líquido cefaloraquidiano (LCR) pode ser utilizado apenas para a confirmação do diagnóstico de hemorragia subaracnóide quando os exames de imagem forem duvidosos a esse respeito. A investigação de um paciente com AVC isquêmico pode ser dividida em três fases: básica, complexa e de risco. A investigação básica, compreendendo hemograma, velocidade de hemossedimentação, glicemia, uréia, creatinina, eletrólitos, triglicérides, colesterol total e frações, provas de coagulação, radiografia do tórax, eletrocardiograma e tomografia de crânio, é aplicável a todo paciente com AVC isquêmico. Na fase complexa, vários exames podem ser acrescidos à investigação básica, devendo ser Fábio Iuji Yamamoto1 1Serviço de Neurologia Clínica da Divisão de Clínica Neurológica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP 292 Atenção ao Adulto Manual de Condutas Médicas www.ids-saude.org.br/medicina solicitados se os dados clínicos aventarem a possibilidade de alguma causa subjacente. Por exemplo, antecedentes de tromboses venosas e abortos de repetição sugerem que se proceda à dosagem de anticorpos antifosfolípide. O exame do LCR deve ser solicitado quando houver suspeita de vasculite, infecciosa ou não. O ecocardiograma, tanto transtorácico quanto transesofágico, além da sorologia para a doença de Chagas, devem ser indicados se o quadro clínico ou exames complementares básicos sugerirem o coração como fonte embólica. O Doppler transcraniano pode ser realizado se houver suspeita clínica de estenose arterial intra/extracraniana e o duplex de carótidas e vertebrais continua sendo o exame subsidiário mais importante para selecionar os pacientes que devam ser submetidos à investigação angiográfica, seja angiografia por ressonância magnética (RM), angiotomografia helicoidal ou mesmo a angiografia digital, esta fazendo parte da investigação dita invasiva ou de risco. Tratamento Aspecto particularmente importante é a necessidade de reconhecimento precoce, por parte da população, dos principais sintomas iniciais do AVC, permitindo-se, desta forma, o rápido encaminhamento desses pacientes a serviços médicos de emergência, possibilitando-se assim o acesso para maior número de pacientes à terapêutica trombolítica. Todos os pacientes com AVC deverão ter seus fatores de risco vascular determinados e tratados. Antiagregantes plaquetários são apropriados à maioria dos pacientes com AVC isquêmico. A aspirina reduz o risco de um novo AVC, de infarto do miocárdio e morte vascular. Utilizamos doses diárias entre 200 e 500 mg. Anticoagulantes: pacientes com fibrilação atrial constituema única indicação de anticoagulação, nesse caso com warfarin, na prevenção do AVC. Outras indicações compreendem estenose arterial intracraniana severa sintomática, oclusão aguda de artérias extracranianas com trombo intraluminal, dissecções arteriais cérvico-cefálicas, estados de hipercoagulabilidade, placas aórticas com trombos (trombose venosa cerebral e AVC progressivo devido a piora de mecanismos tromboembólicos. Encaminhamento Em unidades básicas de saúde, a maioria dos pacientes com doença cerebrovascular apresenta seqüelas as mais variadas de um evento prévio. Deverão receber todo apoio de reabilitação e controle rigoroso de fatores de risco cardiovascular. Não há necessidade de encaminhamento a serviços de neurologia quando o quadro estiver estabilizado. O clínico geral deve estar atento ao fato de que muitas das queixas podem ser novos eventos cerebrovasculares e, principalmente de insuficiência coronária. Em ambos os casos, devem ser encaminhados a unidade de emergência com relato explícito de novo evento ou possível isquemia miocárdica. BIBLIOGRAFIA Boden-Albala B., Sacco R. L. The stroke prone individual. Rev. Soc Cardiol Estado de São Paulo 1999;4:501-8. Yamamoto FI. Fibrinólise: indicações e perspectivas. In: Gagliardi RJ, Reimão R (eds). Clínica Neurológica. São Paulo: Lemos-Editorial, 1998: 57-64. Yamamoto FI, Massaro AR, Tinone G, Waksman S, Bahia VS, Hirsch R, Scaff M. Acidente vascular cerebral: intervalo entre o início dos sintomas e o atendimento médico e a realização da tomografia computadorizada. Arq Neuropsiquiatr 1996;54 (Suppl):O 327. Yamamoto FI. Fisiopatologia da hemorragia intracerebral. In: Doenças Cerebrovasculares: bases para o próximo milênio. 2o Congresso Brasileiro de Doenças Cerebrovasculares. Pousada do Rio Quente, GO. 1999:34- 41.
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