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1 PODER CONSTITUINTE ORIGINÁRIO 1. Conceito É o poder que se revela como uma questão de força ou de autoridade política para, em uma determinada situação concreta, criar uma nova ordem constitucional, rompendo por completo com a ordem jurídica precedente. É o capaz de fazer nascer uma nova constituição, é o poder atravé s do qual o povo escreve uma nova constituição para conduzir os seus destinos. Tem a natureza jurídica política (pré-jurídico), antecede a formação. 2. As três experiências histórico-constituintes Inglaterra: poder constituinte como processo histórico de revelação da “Constituição da Inglaterra” Aqui, o modo específico e próprio de garantir os direitos e de estabelecer limite ao poder não era o de criar uma lei fundamental, as sim o de confirmar a existência de privilé gios e liberdades já previstos no direito costumeiro e num reduzido número de documentos escritos. Nesse sentido, a essas Magnas Cartas é estranha a dimensão projetante de uma nova ordem política criada por um ator abstrato (povo ou nação) Ademais, é possível afirmar que o constitucionalismo histó rico repugna a ideia de um poder constituinte com força e competência para, por si mesmo, desenhar o modelo polí tico de um povo. Estados Unidos: poder constituinte como processo de criaçã o de normas jurídicas superiores e invioláveis A Constituição não é um projeto para o futuro, mas uma forma de garantir direitos e de limitar poderes. Ela é um instrumento funcional para estabelecer as regras do jogo. O poder constituinte não tem autonomia, não é um poder supremo Criação de uma Constituição para registrar em um documento escrito um conjunto de regras superiores inviolá veis em que se afirmasse: a ideia de povo como autoridade ou poder político superior; a subordinação do legislador e das leis produzidas às normas da Constituição; a inexistê ncia de poderes supremos ou absolutos e afirmação de poderes constituídos e autorizados pela constituição em atuação coordenada; a garantia de direitos 2 França: poder constituinte como prerrogativa da nação de criação de uma nova ordem de ruptura com o regime anterior Revolução francesa Ideias de poder constituinte e de assembleia constituinte Nação como titular do poder constituinte 3 Nova ordem política e social prospectivamente dirigida ao futuro e, simultaneamente, de ruptura com o passado Nação como titular do poder constituinte Nação é identidade de língua, cultura e raça. Povo é parte da nação que habita determinado território Poder originário, autônomo e onipotente Ideia de assembleia constituinte 3. Teorias sobre o poder constituinte John Locke e o “supreme power” 1681 a 1683 A expressão “poder constituinte” não surgiu na obra de Locke de forma clara. Contudo, esse autor sugeriu a distinç ão entre: poder do povo, destinado a alcançar uma nova forma de governo; e poder ordinário do legislativo e do governo, encarregado de prover a elaboração e a aplicação das leis Pressupostos teóricos da sugestão de um “supreme power” : O estado de natureza de caráter social: nele os indivíduos tem uma esfera de direitos naturais antecedentes ou preexistentes à formação de qualquer governo; O poder supremo é conferido à sociedade ou comunidade e não a qualquer soberano; O contrato social através do qual o povo consente o poder supremo do legislador não lhe confere um poder geral, mas sim limitado e específico; Só o corpo político reunido no povo tem autoridade política para estabelecer a constituição política da sociedade Sieyès e o “pouvoir constituant” Luta contra a monarquia absoluta Momentos fundamentais: poder constituinte da nação entendido como originário e soberano Liberdade da nação para criar uma constituição, sem submissão a limites ou condições preexistentes Teoria desconstituinte e reconstituinte- contra forma moná rquica Instauração de uma nova ordem política fundamentada numa constituição 4. Titularidade 4 Povo: pluralidade de forças culturais, sociais e políticas, tais como partidos, grupos, igrejas, associações, personalidades influenciadoras da formação de opiniões políticas nos momentos pré-constituintes e nos procedimentos constituintes Não são somente os cidadãos ativos, os que podem votar 5 Povo em sentido político: grupo de pessoas que agem segundo ideias, interesses e representações de natureza política 5. Procedimento e forma de seu exercício O desencadeamento de procedimentos constituintes tendentes à elaboração de constituições associa-se a momentos constitucionais extraordinários, como revoluções, nascimentos de novos estados, transições constitucionais, golpes de Estado e etc. Nesse momento, estabelecem-se também as linhas orientadoras do procedimento constituinte propriamente dito: regras quanto à iniciativa, discussão, votação, promulgação e etc da nova constituição. Decisões pré-constituintes: decisões de iniciativa de elaboração e aprovação de uma nova constituição; decisão atributiva do poder constituinte a uma assembleia constituinte; definição do procedimento jurídico a) Outorga: caracteriza-se pela declaração unilateral do agente revolucionário. Ex: Constituições de 1824, 1937 e EC 1/69; b) Assembleia nacional constituinte ou convenção: nasce da deliberação popular. Ex: Constituições de 1891, 1934, 1956 e 1988. Assembleia constituinte soberana: procedimento constituinte representativo Assembleia constituinte não soberana: referendo ou plebiscito 6. Limites ao seu exercício Alguns autores defendem a existência dos seguintes limites ao poder constituinte originário: Princípios de justiça , suprapositivos, supralegais Princípios éticos e sociais Princípios de direito internacional 7. Características O poder constituinte originário é: a) Inicial – não existe nem poder de fato e nem direito acima dele; inicia toda a normatividade jurídica. b) Autônomo – não convive com nenhum outro poder que tenha a mesma hierarquia; só o soberano, o titular, pode dizer o seu conteúdo. c) Incondicionado – não se sujeita a nenhuma outra norma jurídica. d) Ilimitado – nenhum limite de espécie alguma, muito menos imposto pela ordem jurídica anterior. Obs: alguns autores defendem a existência de alguns 6 limites, tal como exposto acima. e) Permanente: é permanente, já que o poder constituinte originário não se esgota com a edição da nova Constituição, sobrevivendo a ela e fora dela como forma e expressão da liberdade humana, em verdadeira ideia de subsistência. 8. Direito adquirido em face do poder constituinte originário Inquestionável é que o Poder Legislativo, de qualquer das esferas da federação, é destinatário da norma constante do art. 5º, XXXVI, da Constituição de 1988 (“A lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurí dico perfeito e a coisa julgada”). Indaga-se, entretanto, se o referido preceito vincula o legislador constitucional, ou seja, se o Poder Constituinte Originário e o Poder Constituinte Derivado sujeitam-se a alguma espécie de limitação, no que tange ao direito adquirido. Em relação ao Poder Constituinte Originário, o problema refere-se à aquisição de direito que se deu por força da ordem jurídica revogada e que, com o advento da nova Constituição, passou a contrariar as novas disposições constitucionais. Questiona-se, portanto, se é possível a alegação de direito adquirido em face da Constituição, tal como originariamente posta. Desde muito tempo, já é pacífico na doutrina e na jurisprudência brasileiras que o Poder Constituinte Originário não tem a necessidadede respeitar direitos adquiridos fundamentados nas normas ordinárias ou constitucionais anteriormente em vigor, ou seja, que não há direito adquirido contra a Constituição. Alega-se que a norma constitucional é o centro do qual emana a validade do ordenamento que se lhe segue. Assim, circunstância alguma, anteriormente estabelecida pelo Direito Constitucional Positivo e posta de forma diversa pela norma constitucional inaugurada, teria força jurídica para manter-se. Nesse sentido, afirma-se que, contra a eficácia plena e imediata da norma constitucional, não se pode alegar direito adquirido, pois ela é o ato criador de uma nova ordem. Esse foi e continua sendo o posicionamento do STF. Por exemplo, para o STF (AI 829502 AgR/RS- DJ de 24/09/2012), o substituto do titular de serventia extrajudicial de cartório não tem direito adquirido a ser efetivado no cargo de titular na hipótese de ter ocorrido a vacância após a vigência da Constituição da República de 1988, que exige a realização de concurso público. Ele não tem esse direito adquirido, apesar de preencher os requisitos para a efetivação regulamentados pelo art. 208 da Constituição Federal de 1967, com as alterações introduzidas pela EC 22/83, pois não se pode alegar direito adquirido em face da nova Constituição. Em que pese o posicionamento assentado na doutrina e na jurisprudê ncia quanto à inexistência de direito adquirido em face da Constituição, ouso discordar desta ideia em meu livro “Direito adquirido: uma questão em aberto”, publicado pela Editora Saraiva em 2012. É da própria natureza das coisas que todas as normas, enquanto expressões de dever ser, sejam prospectivas e irretroativas. A noção de irretroatividade precede a qualquer regulação normativa, sendo, portanto, oriunda do direito natural e aplicável a qualquer norma, o que inclui as 7 normas constitucionais. Nesse sentido, pode-se dizer que é contrário à natureza das coisas que qualquer norma retroaja para prejudicar o direito adquirido. Ademais, o princípio do direito adquirido é ínsito ao princípio do Estado Democrático de Direito, estruturante do Estado Brasileiro, e considerado um dos fundamentos da República (art. 1º, caput, da Constituição de 1988). Sob esse aspecto, há de se enfatizar que o próprio Poder Constituinte Originário, para existir nesse Estado Democrático de Direito, tem de ser democrático. E, sob pena de contradição, só o será democrá tico se respeitar a essência do Estado Democrático de Direito, que compreende os princípios da certeza jurídica, da segurança jurídica, da irretroatividade das leis e do direito adquirido. 8 Assim, consiste em tarefa do Poder Constituinte Originário, como poder de um Estado Democrático de Direito, dispor sobre normas constitucionais que viabilizem, da forma mais perfeita, o cumprimento da finalidade desse Estado, que é a efetividade dos direitos fundamentais. O princípio do direito adquirido, como direito fundamental, apresenta-se como uma das condições de possibilidade do Estado Democrático de Direito. Surge como um dos instrumentos hábeis a proporcionar a garantia da certeza jurídica e, consequentemente, de segurança jurídica. Ambas as garantias são requisitos essenciais desse Estado para sua caracterização tanto como Democrático, quanto de Direito . Nesse sentido, é inconcebível que um ordenamento jurídico que prime pela democracia admita que normas constitucionais retroajam para prejudicar situações jurídicas consolidadas na ordem jurídica anterior. No que tange ao argumento de que a própria Constituição de 1988 teria excepcionado o princípio do respeito ao direito adquirido com a previsão do art. 17 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), da Constituição de 1988, tal ilação não merece prosperar. Para sustentar a afirmação, cumpre, inicialmente, rever o teor do mencionado art. 17 do ADCT, que assim dispõe: “Art. 17. Os vencimentos, a remuneração, as vantagens e os adicionais, bem como os proventos de aposentadoria que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição, serão imediatamente reduzidos aos limites dela decorrentes, não se admitindo, neste caso, invocação de direito adquirido ou percepção de excesso a qualquer título.” Ora, é de se notar que o ADCT narra uma determinada situação (vencimentos, remuneração, vantagens, adicionais e proventos de aposentadorias que estejam sendo percebidos em desacordo com a Constituição de 1988) e apenas dá-lhe um novo enquadramento diante da Constituição de 1988 (imediata redução aos limites decorrentes da Constituição de 1988). Registre-se, portanto, que o Constituinte não fez a previsão do desrespeito ao direito adquirido naquela situação. Ele tão somente inadmitiu a invocação de direito adquirido, o que não significa que a percepção de vencimentos, remuneração, vantagens, adicionais e proventos de aposentadorias, de acordo com a ordem jurídica anterior, seja considerada necessariamente direito adquirido. Ademais, o Constituinte em nenhum momento ordenou que se devolvesse o valor percebido em desacordo com a Constituição de 1988, o que evidencia o caráter prospectivo daquele enunciado. Diante do acima exposto, pode-se concluir que há, sim, direito adquirido em face da Constituição, estando, por consequência, o Poder Constituinte Originário vinculado não propriamente à norma do art. 5º, XXXVI, da Constituição de 1988, mas à ideia de que qualquer norma, em um Estado Democrático de Direito, não deve retroagir para prejudicar direitos adquiridos. 9 10 PODER CONSTITUINTE DERIVADO 1. Expressões sinônimas O Poder Constituinte derivado recebe diversas denominações, a depender do doutrinador. É também denominado poder constituinte secundário, instituído, constituí do, de segundo grau ou remanescente. Alguns autores utilizam como sinônimas as expressões poder constituinte derivado e poder constituinte de reforma. Outros defendem que o poder constituinte de reforma é uma das espécies do poder constituinte derivado. Para fins deste estudo, adotaremos o segundo posicionamento e colocaremos o poder constituinte de reforma como uma das espécies do poder constituinte derivado. 11 2. Conceito É o poder, criado e instituído pelo poder constituinte originário, que tem a competência de alterar o texto da constituição, através de emendas constitucionais e revisões, em razão da evolução dos fatos sociais exigir, muitas vezes, alterações no texto da constituição, para que ela possa adaptar-se à realidade. Aceita-se, assim, que a Constituição seja alterada, justamente com a finalidade de regenerá-la, conservá-la na sua essência, eliminando as normas que não mais se justificam política, social e juridicamente. Importante destacar que o tema do poder constituinte derivado somente ganha relevância quando se está tratando de constituições rígidas, ou seja, aquelas que somente são alteráveis por meio de procedimentos especiais, mais complexos e difíceis do que aqueles próprios à atividade comum do Poder Legislativo. 3. Características a. Derivado: decorre do poder constituinte originário e da constituiçã o; b. Subordinado: hierarquicamente em plano inferior, ou seja, está abaixo do poder constituinte originário. c. Condicionado ou Limitado: só pode ser exercitado nos casos previstos pelo poder constituinte originário, que estabelece regras que determinam a contenção do seu exercício. É o poder para alterar uma ordem constitucional pré-existente. 4. Espécies (reformador, decorrente e revisor): a. Poder constituinte derivado reformador: i. Conceito 1. É aquele que tem a capacidade de modificar a Constituição Federal, por meio de um procedimento específico, estabelecidopelo originá rio, sem que haja uma verdadeira revolução. 2. Sua manifestação se dá através das emendas constitucionais (art. 59, I e art. 60 da CF/88) 3. É condicionado pelas regras colocadas pelo originário. ii. Limitações Limitações formais ou procedimentais: Previsão constitucional: art. 60, I, II, III e §§ 2º, 3º e 5º 12 A CF exige quórum especialmente qualificado para a aprovação de emenda à Constituição. É preciso que a proposta de emenda reúna o voto favorável de 3/5 dos membros de cada Casa do Congresso Nacional e em dois turnos de votação em cada uma. Ambas as Casas devem anuir ao texto da emenda, para que ela prospere. A CF também indica quem pode apresentar proposta de Emenda Constitucional: 1/3, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; o Presidente da República; mais da metade das Assembleias Legislativas das unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. Não se prevê a iniciativa popular de proposta de emenda. Proíbe-se, por igual, a reapresentação, na mesma sessão legislativa, de proposta de emenda nela rejeitada ou tida por prejudicada. OBS: o STF, no julgamento da ADI 4357, em 07/03/2013, sobre a constitucionalidade da EC 62/2009, que alterou o art. 100 da CF e instituiu regime especial de pagamento de precatórios, decidiu, ao interpretar o art. 60, § 2º, da CF, que os dois turnos de discussão da PEC em cada casa pode ocorrer no mesmo dia, com menos de 1 hora de intervalo entre ambas. Limitações circunstanciais Previsão constitucional: Art. 60, § 1º A Constituição não pode ser alterada em algumas circunstâncias, sob o fundamento legitimador de que o ânimus do legislador estará alterado: estado de defesa- art. 136; estado de sítio- art. 137 a 139 e intervenção federal- 34 a 36 (§ 1o. do art. 60). Esse limite é provisório. Nas circunstâncias em questão, o país está em uma situação crítica, na qual não pode ser modificada a CF. O constituinte confiou nos mecanismos que a CF tem para atravessar esse momento, inclusive a guerra. O constituinte não quer que a CF seja modificada em momento de exceção. Limitações materiais ou cláusulas pétreas -Conceito: São as restrições impostas ao poder de reforma no que tange ao conteúdo das emendas constitucionais, para que a identidade básica do texto seja preservada. Perfazem o núcleo essencial do projeto 13 do poder constituinte originário que se intenta preservar de quaisquer mudanças institucionalizadas. - Natureza jurídica das cláusulas pétreas: há 3 correntes doutrinárias: 1) A dos que disputam a sua legitimidade e eficácia jurídica→ não há diferença substancial ou superioridade entre o poder constituinte derivado e o originário; 2) A dos que admitem a restrição, mas a têm como relativa, sustentando que ela pode ser removida pelo mecanismo da dupla revisão→ aceita-se que o poder constituinte originário estabeleça que certas cláusulas estejam ao abrigo de mudanças, mas se propõe que essa determinação somente deverá ser observada enquanto ela própria estiver em vigor, podendo ser revogada pelo poder de revisão (dupla revisão); 3) A dos que aceitam a limitação material e a têm como imprescindível e incontornável→ o poder constituinte de reforma, criado pela Constituição, deve conter-se dentro do parâmetro das opções essenciais feitas pelo constituinte originário. Seu propósito não é criar uma nova constituição, mas sim ajustá-la – mantendo a sua identidade – às novas conjunturas. As cláusulas pétreas, portanto, além de assegurarem a imutabilidade de certos valores, além de preservarem a identidade do projeto do constituinte originário, participam, elas próprias, como tais, também da essê ncia inalterável desse projeto. Eliminar a cláusula pé trea seria enfraquecer os princípios básicos do projeto do constituinte originário garantidos por ela. Predomina no Brasil o entendimento propugnado pela última das correntes. - Finalidade da cláusula pétrea: seu significado está em prevenir um processo de erosão da Constituição. Ela tem a missão também de inibir a mera tentativa de abolir o seu projeto básico. Pretende-se evitar que a sedução de apelos próprios de certo momento político destrua um projeto duradouro. -Alcance da proteção da cláusula pétrea: a cláusula pétrea não tem por escopo proteger dispositivos constitucionais, mas os princípios neles modelados. A mera alteração redacional de uma norma componente do rol das cláusulas pétreas não importa inconstitucionalidade, desde que não afetada a essência do princípio protegido e o sentido da norma. De acordo com o STF (MS 23.047-MC), conquanto fique 14 preservado o núcleo essencial dos bens constitucionais protegidos, isto é, desde que a essência do princípio permaneça intocada, elementos circunstanciais ligados ao bem tornado cláusula pétrea poderiam ser modificados ou suprimidos. De toda sorte, saber quando uma modificação de tema ligado à cláusula pétrea afete- a, ou não, exige avaliação caso a caso. Nesse sentido, se deve compreender o art. 60, parágrafo 4º, da CF, como proibição à deliberação de proposta tendente a abolir, isto é, a mitigar, a reduzir, o significado e a eficácia da forma federativa do Estado, do voto direto, secreto, universal e periódico, a separação dos poderes e os direitos e garantias individuais. - Cláusulas pétreas em espécie: + Forma federativa do Estado: Não é passível de deliberação a proposta de emenda que desvirtue o modo de ser federal do Estado, em que se divisa uma organização descentralizada, tanto administrativa, como politicamente, erigida sobre uma repartição de competência entre o governo central e os locais, onde os estados federados participam das deliberações da União, sem dispor do direito de secessão (direito de retirada dos Estados da federação) + Separação dos poderes: A emenda que suprima a independência de um dos poderes ou que lhes retire a autonomia é imprópria. O STF já decidiu na ADI 3367 que a criação do CNJ pela emenda 45 não ofendeu a cláusula pétrea da separação dos poderes, pois foi preservada a função jurisdicional do Poder Judiciário. Por causa dessa cláusula pétrea, alega-se não ser possível a edição de emenda constitucional que crie o parlamentarismo no Brasil. + Voto direto, secreto, universal e periódico Não é possível eleições indiretas, por meio de colégio eleitoral. Uma emenda não pode excluir o voto universal, ou seja, do analfabeto, do menor entre 16 e 18 anos. Os cargos políticos não podem ser vitalícios ou hereditários, em razão do voto ser periódico. + Direitos e garantias individuais Predomina a interpretação de que esses direitos são os enumerados no título II da CF (DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS), o que abrange não só os direitos individuais, mas também os coletivos, difusos 15 e sociais, além de outros que não estão previstos no catálogo. Ex: para o STF, o princípio da anterioridade tributária e o princípio da anterioridade eleitoral são clá usulas pétreas, ainda que não estejam enumerados no capítulo I do título II da CF (Dos direitos e deveres individuais e coletivos). - Criação de novas cláusulas pétreas Não faz sentido que o poder constituinte derivado crie cláusulas e limite a si próprio. Somente o originário pode fazer isso. É possível, contudo, que uma emenda constitucional acrescente dispositivos ao catálogo dos direitos fundamentais, sem que, na realidade, esteja criando novos direitos (Ex: o art. 5º, LXXVIII foi acrescido pela emenda constitucional n. 45 e trouxe a previsão explícita e específica do princípio da razoável duração do processo. Contudo esse direito fundamental já era implícito e derivava do direito de acesso à justiçae do direito ao devido processo legal, devidamente previstos no art. 5º da CF, em sua redação original. - Cláusulas pétreas implícitas: de acordo com a doutrina, existem, no texto constitucional, cláusulas pé treas implícitas. São elas: a) as normas concernentes ao titular do poder constituinte; b) as normas concernentes ao titular do poder reformador; c) as normas que disciplinam o próprio procedimento de emenda. iii. Poder constituinte derivado reformador e direito adquirido Existem dois posicionamentos doutrinários quanto à necessidade de respeito ao direito adquirido pelo poder constituinte derivado reformador. O poder constituinte derivado reformador é aquele que tem a capacidade de modificar a Constituição Federal, por meio de um procedimento específico, estabelecido pelo poder constituinte originário. Sua manifestação verifica-se através das emendas constitucionais. 16 De acordo com um primeiro posicionamento doutrinário, inexiste a necessidade de respeito ao direito adquirido em face das emendas constitucionais, pois somente a lei, em sentido formal, estaria proibida de desrespeitar esse tipo de direito, e não as emendas constitucionais, que teriam uma hierarquia superior à da lei. Para o segundo posicionamento doutrinário, o poder constituinte derivado reformador também deve respeitar o direito adquirido, quando da edição de emendas constitucionais, em razão do disposto no art. 60, § 4º, da CF, que trouxe as denominadas limitações materiais do poder constituinte derivado, também chamadas cláusulas pétreas. Prescreve o referido dispositivo que não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a abolir os direitos e garantias individuais. Sendo o direito adquirido um direito individual previsto no art. 5º da CF/88, encontra- se ele amparado pelas limitações materiais ao poder de reforma da Constituição e deve ser respeitado pelas emendas constitucionais. O Supremo Tribunal Federal acolheu o segundo posicionamento doutrinário e entende que o poder constituinte derivado reformador deve, també m, respeitar o direito adquirido, quando da edição das emendas constitucionais. Precedentes: MS 24875, RE 635011-AgR, AI 764942-AgR, MS 27565, RE 464254.
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