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Porque fotoslivros são importantes

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PORQUE FOTOSLIVROS SÃO IMPORTANTES 
Nos últimos anos, o fotolivro – um tipo particular de livro fotográfico, em que as 
imagens predominam sobre o texto e em que o trabalho conjunto do fotógrafo, do editor 
e do designer gráfico contribui para a construção de uma narrativa visual – vem 
recebendo uma atenção inaudita, seja com o lançamento de histórias e antologias, seja 
com o florescente mercado de colecionadores. Para ser notado, todo jovem fotógrafo 
que pretende construir um nome precisa publicar um fotolivro. Inúmeras carreiras 
importantes foram impulsionadas por um fotolivro de sucesso – dos americanos Alec 
Soth e Ryan McGinley a Doug Rickard e a espanhola Cristina de Middel. A tecnologia 
digital pôs essa possibilidade ao alcance de qualquer um, e, ao que parece, todo mundo 
está preparando um fotolivro. O interesse por esse tipo de obra tende a persistir, a 
despeito de toda uma gama de publicações ruins, dignas de esquecimento. 
Por que, então, de repente o fotolivro passou a ser tão prestigiado? Ele existe 
quase desde o nascimento da própria fotografia, em 1839 – foi inventado mais ou menos 
como um meio de publicação, e, já por volta de 1843, pioneiros vitorianos como Anna 
Atkins e William Henry Fox Talbot começavam a colar fotografias em álbuns e livros. 
Contudo, foi apenas recentemente que se percebeu o real significado desse tipo de livro. 
Uma das razões para tanto está na natureza da própria fotografia. Sua história é 
marcada pela luta para ser reconhecida como arte, pelo empenho para ser entendida 
como algo tão complexo e acabado como a pintura. 
Finalmente, o momento da fotografia despontou por volta da década de 1970, 
quando a tradição ocidental das artes plásticas parecia ter chegado ao fim, afigurando-se 
exaurida, sobretudo aos olhos de artistas mais ambiciosos. 
Naquela década, a vanguarda já não se concentrava na pintura, mas em diversos 
gêneros da arte conceitual, incluindo os meios que usam lente e os artistas que 
trabalham com fotografia. 
Nos anos 1980, com a Academia de Arte de Düsseldorf e artistas como o alemão 
Andreas Gursky, o triunfo da fotografia parecia completo. Ampliada por esses artistas 
para dimensões de dois metros ou mais, a humilde fotografia parecia ter-se 
transformado, e adquirido a seriedade e a importância da pintura, que ela aparentemente 
havia substituído. 
É o que acontece hoje. Basta entrar em uma das muitas galerias de arte 
contemporânea para ver as fotografias ocupando os espaços antes frequentados pela 
pintura. Hoje, fotógrafos são tratados como artistas, e, de fato, apresentam-se como tais; 
produzem imagens calculadas, marcadas pelo reducionismo, dispostas em séries 
conceituais que transmitem aos colecionadores a impressão de uma assinatura visual 
coerente. Todos nós conhecemos essa tendência. Fotografa-se algo bem restrito. 
Fotografa-se de modo restrito, mas com alto impacto gráfico. 
Depois, amplia-se em formato grande, e pronto: temos arte fotográfica 
instantânea e um artista fotográfico comercializável. 
Mas… será mesmo? Em alguns casos, com certeza é assim. Há fotógrafos, como 
o alemão Thomas Struth ou o canadense Jeff Wall, que sabem o que estão fazendo. 
Com frequência, porém, o que se vê são fotografias superampliadas, pretensiosas, sem 
nada de notável, acompanhadas, é claro, de uma ladainha teórica ilegível, que visa 
ganhar o mundo para sua mediocridade. 
A questão, no entanto, é: será que a própria ideia de produzir obras de arte 
fotográfica singulares, únicas, não discrepa daquilo que constitui a verdadeira força 
desse meio de expressão? Em outras palavras, será que a fotografia é arte da mesma 
maneira que a pintura o é? Uma arte que, em teoria, se traduz na realização, numa única 
imagem, de tudo aquilo que o artista é capaz de fazer? Ou será a fotografia uma arte de 
outro tipo, uma arte seriada – como o filme ou o romance – cujo verdadeiro potencial só 
pode ser plenamente realizado mediante uma sequência de imagens? 
Ou seja, não seria a fotografia, em essência, uma arte literária, uma arte em que 
o fotógrafo não é propriamente um manipulador de formas no interior da moldura 
fotográfica, mas antes um narrador que se vale de imagens em vez de palavras, alguém 
que conta uma história? 
Com isso, não estou dispensando o bebê formalista junto com a água do banho. 
Um fotógrafo ainda precisa dispor formas dentro do espaço delimitado pela moldura 
fotográfica, isto é, precisa fazer uma “boa” foto. O que me parece, no entanto, é que, 
concentrando-se na apresentação de seus trabalhos em forma de livro, e, além disso, 
com a prodigalidade propiciada pela câmera digital, muitos fotógrafos não estão 
prestando a devida atenção à feitura da imagem. 
Mesmo com uma boa “história”, inserir imagens malfeitas em um livro pode 
dissipar num instante a qualidade do trabalho como um todo. A forma é parte integrante 
do conteúdo, além de fundamental na fatura de um fotolivro. 
Pode-se, é claro, optar por uma abordagem antiformalista, contanto que essa seja 
uma decisão consciente; penso, porém, que muitos fotógrafos contemporâneos parecem 
negligenciar a forma. Hoje, veem-se aos montes imagens malfeitas ou desleixadas. 
Em 1938, o Museu de Arte Moderna de Nova York, então relativamente novo, 
dedicou sua primeira exposição individual de fotografia a um jovem chamado Walker 
Evans, que chegara à fotografia depois de estudar literatura, sobretudo a escola realista 
francesa do século 19. As fotos, ampliadas em formato pequeno e enfileiradas nas 
paredes do Rockefeller Center, onde ficava então o MoMA, foram em grande parte 
esquecidas (a não ser pelo fato de o museu possuir aquela que é, provavelmente, a mais 
bela coleção de fotos antigas de Evans hoje existente), mas a publicação que 
acompanhava a mostra, não. Fotografias americanas (AmericanPhotographs, 1938) 
pode ser considerado o mais importante de todos os fotolivros. 
Ele não só deu uma ideia do que um fotolivro era capaz de fazer, mas também 
do que a própria fotografia podia ser – um meio que não era apenas um método de 
documentação ou um acessório à arte “de verdade”, e sim, ele próprio, uma arte dotada 
de estrutura intricada e de coerência intelectual. 
Fotografias americanas demonstrou, como pretendia Evans, que a fotografia era 
em essência uma arte literária, na qual fotos ordenadas em uma sequência específica 
podiam dizer algo mais que a mera soma de suas partes isoladas. 
O chamado “fotoensaio” não era uma ideia nova – ele havia atingido um nível 
sofisticado nas revistas e livros ilustrados dos anos 1920 e 1930. Evans, contudo, 
elevou-o a um novo patamar, na medida em que não se valeu apenas da relação visual 
entre as imagens, mas fez uso também da metáfora e do símbolo para introduzir no 
fotoensaio uma profundidade e uma complexidade novas. Como observou o professor e 
pesquisador Alan Trachtenberg, Evans “inseriu dificuldadena fotografia moderna”. Isso 
já diz tudo. Fotografias americanas definiu o padrão para todas as publicações 
posteriores. 
Não é, em absoluto, um livro perfeito – ele começa bem melhor do que termina. 
Mas a primeira sequência de, digamos, dez ou 12 fotos é muito significativa. Conciso 
poema visual sobre o estado em que se encontrava o país e sobre o lugar da fotografia 
na sociedade, essa sequência demonstra à perfeição como a fotografia, valendo-se do 
fotolivro como meio, poderia “falar” de maneira complexa e literária. 
Se Fotografias americanas não chega a ser perfeito, outro livro inspirado no 
exemplo de Evans o é com certeza. Os americanos (The Americans, 1958), de Robert 
Frank, mostrava uma jornada independente pelos Estados Unidos que casava com a 
atmosfera reinante em uma sociedade pós-Segunda GuerraMundial, em que uma 
prosperidade jamais vista (pelo menos no mundo ocidental e no Japão) se fazia 
acompanhar da ameaça onipresente de aniquilação nuclear. Frank conseguiu sugerir 
tudo isso num livro que também abrigava uma nova tendência da arte rumo à expressão 
pessoal. Os americanos era tanto um diário das viagens de seu autor como um 
documento objetivo. 
Outro volume que exerceu enorme influência, Nova York (New York, 1956), de 
William Klein, exemplifica igualmente o pendor individualista e existencialista da arte 
dos anos 1950, embora revele uma abordagem um pouco diferente. Klein levou para a 
fotografia a energia despreocupada da action painting – energia que, depois, investiu 
numa obra que, em essência, era uma colagem gigantesca, à maneira das assemblages 
que o pintor Robert Rauschenberg fazia na mesma época, com sua mensagem 
codificada que dizia respeito a tudo, de política mundial e cultura popular às mais 
profundas questões pessoais. 
A exuberância e complexidade dessa visão caleidoscópica da cidade – a de Klein 
– era muito presente, principalmente na grande cultura do fotolivro que é o Japão. A 
cidade contemporânea aparecia como um tema caro à fotografia japonesa, porque tinha 
implicações pessoais e políticas para a arte produzida no país, provenientes do 
relacionamento difícil do Japão com os Estados Unidos – um sentimento que poderia 
ser descrito como amor e ódio. Os jovens japoneses sentiam-se fortemente estimulados 
por certos aspectos da cultura norte-americana, mas eram também bastante críticos da 
política externa dos Estados Unidos (no Vietnã, por exemplo), além de carregarem 
consigo a eterna lembrança de Hiroshima e Nagasaki. Armados do estilo cru e direto de 
Frank e Klein, muitos fotolivros japoneses exploraram ativamente a atitude algo 
esquizoide que a população experimentava em relação aos Estados Unidos. Isso também 
se aplica a muitos fotolivros da América Latina. 
 
 
 
Assim, publicações como Por uma linguagem futura (Kitarubeki kotoba no tame 
ni, 1970), de Takuma Nakahira, e Adeus, fotografia (Shashin yo sayonara, 1972), de 
Daido Moriyama, conduzem a linguagem expressiva de Klein à beira da incoerência. 
Sua atmosfera psicológica é incerta, borrando as fronteiras entre realidade e irrealidade, 
entre júbilo e angústia. Não sabemos se estamos experimentando a cidade em sonho ou 
em pesadelo. Os dois livros são ostensivamente não políticos, mas sua mensagem 
política – o compósito norte-americano de bondade e maldade – revela-se sob a 
superfície ambígua de sua expressiva poesia. 
 
 
Mas agora convém recuar. Comecei a falar do fotolivro em termos políticos 
porque sinto que esse é um dos grandes motivos pelos quais ele é tão significativo. Não 
necessariamente porque ele deva ser político, no sentido ideológico e estabelecido do 
termo, mas porque tem aptidão para refletir a visão de mundo do autor. Costumo citar o 
fotógrafo norte-americano John Gossage e sua definição de fotolivro, que consta do 
primeiro volume da história dessa publicação que organizei com o fotógrafo Martin 
Parr, em 2004. Gossage enumerou os quatro critérios necessários ao sucesso no gênero: 
“Em primeiro lugar, o fotolivro deve conter um excelente trabalho. Em seguida, precisa 
fazer que esse trabalho funcione como um mundo conciso dentro do próprio livro. 
Depois, é necessário que possua um projeto gráfico que enalteça o que está sendo 
tratado. Por fim, ele deve tratar de conteúdo que mantenha o interesse do leitor”. 
Notem que conter um “excelente trabalho” é o primeiro critério. Com isso, 
concordo inteiramente. Contudo, o último dos critérios mencionados por Gossage 
também é crucial para mim: “ele deve tratar de conteúdo que mantenha o interesse do 
leitor”. Em outras palavras, o grande fotolivro não se constitui simplesmente de um 
punhado de fotos feitas por um único e mesmo fotógrafo, não importa quão boa cada 
uma delas seja. O grande fotolivro precisa ter um tema, uma ideia abrangente, e deve 
funcionar, como me disse Gossage numa conversa, como “um mundo próprio”. Ou seja, 
ele deve mostrar uma voz autoral única – talvez única apenas para esse volume em 
particular. Indo além na definição do fotolivro, quando se olha para trás, para os livros 
de Evans, Frank, Klein e para os demais que mencionei, eles tratam: 1) do fotógrafo, 
refletindo suas opiniões; 2) do meio, ajudando de alguma forma a ampliar suas 
fronteiras; e 3) do mundo, das questões que preocupam o autor. 
Um dos argumentos em favor do fotolivro é que, nele, é menor a necessidade de 
o fotógrafo manter aquele estilo visual que é sua assinatura e que as galerias demandam. 
Susan Sontag já argumentou que a noção de estilo fotográfico nem sequer faz sentido, 
pelo menos em termos dos critérios modernistas estritos aplicados aos pintores. Onde 
está a coerência estilística nas várias obras do inglês Eadweard Muybridge – ela se 
pergunta –, se tomamos como exemplos a “reportagem” sobre o Panamá, as paisagens 
do Parque Nacional de Yosemite, e seus famosos estudos científicos sobre o 
movimento? Não há nada, ela afirma, que ligue as paisagens do parque aos estudos 
sobre o movimento, a não ser o fato de que sabemos que são do mesmo autor. Portanto, 
o estilo em fotografia, conclui Sontag, mais parece um subproduto do assunto abordado 
do que um tratamento autoral. 
É claro que, se ele assim o desejar, nada impede que um fotógrafo pratique, em 
seus livros, o reducionismo típico das galerias de arte na busca por coerência estilística. 
Muitos o fazem, aliás, porque querem degustar a entrada, representada pelo fotolivro, 
mas também o prato principal, que são as galerias – e fotolivros rendem belos catálogos. 
Embora o fotolivro seja um fim em si mesmo para um número crescente de 
fotógrafos, muitos ainda o veem como um cartão de visita, uma forma de divulgar a 
obra e garantir presença nas galerias. Nos últimos anos, ele se tornou tão internacional 
que é capaz de levar o trabalho de um fotógrafo a lugares que as galerias não alcançam, 
ainda que o mercado esteja avançando rapidamente. Em certa medida, sempre foi assim. 
Os fotógrafos japoneses se interessaram por Klein e Frank depois que os livros de 
ambos foram publicados no Japão, e o Ocidente (ainda que de forma mais gradual) só 
passou a atentar para a fotografia japonesa quando exemplares dos livros de fotógrafos 
de lá apareceram na Europa e nos Estados Unidos. 
Além desse seu internacionalismo, o fotolivro, assim como a internet, ensejou 
uma nova democracia das imagens fotográficas, um novo ecletismo, que pode ser 
verificado em muitos dos trabalhos atuais. Fotógrafos podem passear por gêneros 
diversos, se assim o desejarem, refletindo sobre o modo como diferentes tipos de 
fotografia nos informam – ora objetivamente, ora de modo expressivo, em cores ou em 
preto e branco. Contanto que o livro constitua uma declaração compreensível e 
integrada, vale tudo. 
E contanto que ele seja “sobre alguma coisa”. Quando, com Martin Parr, eu 
estava às voltas com o material para o terceiro volume de nossa série, as grandes 
questões que preocuparam fotógrafos do mundo todo ao longo dos últimos 50 ou 60 
anos vieram à tona e decidimos estruturar o livro em torno delas. O protesto e o desejo 
(a revolução sexual), por exemplo, foram importantes nas décadas de 1960 e 1970, duas 
facetas da jovem contracultura que se desenvolveu naquele período. Como sempre, era 
crucial retratar sociedades e lugares; em décadas mais recentes, a memória e a 
identidade tornaram-se temas importantes, assim como investigações acerca da própria 
fotografia como meio. 
O exame de grande númerode livros publicados ao longo de seis décadas 
demonstrou que o fotolivro, em especial, exemplifica uma tendência na fotografia que 
teve início na década de 1950, mas que se intensificou no século 21, quando a 
tecnologia digital tomou conta do meio e influenciou não apenas a maneira como as 
fotografias se disseminam e são vistas, mas também o que elas dizem. 
Chamo essa tendência, provavelmente estimulada mais pelo fotolivro que pela 
corrida da fotografia às galerias de arte, de “personalização” do meio. 
O primeiro a falar dela foi John Szarkowski, então diretor do Departamento de 
Fotografia do Museu de Arte Moderna de Nova York, na apresentação de sua 
exposição Novos Documentos (1967). Naquela que talvez seja uma das 
declarações sobre a fotografia de mais longo alcance do final do século 20, Szarkowski 
observou o seguinte: “Na última década, uma nova geração de fotógrafos 
documentaristas voltou sua abordagem documental para fins mais pessoais. Seu 
objetivo não é transformar a vida, e sim conhecê-la. Suas obras revelam certa 
solidariedade, uma quase afeição em relação às imperfeições e fragilidades da 
sociedade. A despeito de seus horrores, eles gostam do mundo real como fonte de toda 
maravilha, fascinação e de todo valor. O fato de esse mundo ser irracional não o torna 
menos precioso.”. 
Tenho certeza de que, à época, Szarkowski não se deu conta da abrangência 
dessa afirmação (levei cerca de 30 anos para apreendê-la), mas sua observação define o 
rumo que a fotografia tomou a seguir. Ele sugeria que é inútil tentar mudar o mundo por 
intermédio da fotografia; mas utilizá-la para “conhecer o mundo”, como afirmou, é 
preocupar-se com esse mundo, em todas as suas alegrias, mas também em todos os seus 
defeitos. Como disse o grande fotógrafo reformista americano Lewis Hine – em uma 
afirmação que todo fotógrafo deveria ter sempre presente: “Eu quis fazer duas coisas. 
Quis mostrar as coisas que precisavam ser corrigidas e quis mostrar as coisas que 
deveríamos valorizar”. 
Podem-se extrair duas conclusões sobre a personalização da fotografia. Em 
primeiro lugar, penso que ela fez do fotolivro o veículo mais importante para a 
disseminação de ideias fotográficas, sobretudo as pessoais, e mesmo as muito íntimas. 
A familiaridade que o livro propicia, a sensação de uma conversa a dois, é ideal. Em 
segundo lugar, porém, a personalização não implica que a fotografia tenha se tornado 
menos política – longe disso. Quando Szarkowski escrevia suas palavras premonitórias, 
feministas e outros jovens ativistas políticos tinham por slogan “o pessoal é o político”. 
(Além, é claro, de seu corolário natural: “o político é o pessoal”.) Na verdade, a geração 
dos jovens “contempladores de si mesmos” das décadas de 1960 e 1970 exibia mais 
idealismo que boa parte da geração mais velha, idealismo que se reflete em uma 
bibliografia fotográfica voltada tanto para dentro como para fora – do Quase 
adulto (Almost Grown, 1978), do americano Joseph Szabo, que lançava um olhar para a 
vida pessoal de adolescentes de Long Island, ao É 77 (È il ’77, 1978), do italiano Tano 
D’Amico, que mostrava os protestos dos jovens pelas ruas de Roma. 
 
A personalização da fotografia prosseguiu, sobretudo com o advento das 
câmeras digitais e das mídias sociais. Estas se tornaram plataformas até mesmo para a 
fotografia documental jornalística, transformando o mercado do fotojornalismo. Mesmo 
repórteres fotográficos em áreas de guerra passaram a categorizar seu trabalho como 
“meu diário de viagem com as tropas”, em vez de adotar o velho estilo do observador 
profissional, desinteressado e objetivo. 
Na maioria dos casos, esses trabalhos nos parecem conhecidos. A imagem em si 
não mudou tanto quanto o nosso reconhecimento de que a fotografia sempre foi pessoal. 
Ela sempre esteve ligada ao ponto de vista do fotógrafo, embora esse ponto de vista 
tenha se imiscuído de um tom de intimidade, uma nota confessional, ideal para o 
fotolivro. O estilo de fotógrafos como os americanos Danny Lyon e Nan Goldin, 
aparentado ao do diário, transformou-se em diário fotográfico de fato, com obras como 
(para mencionar apenas dois exemplos) Emergindo (Surfacing, 2011), em que a sueca 
Katinka Goldberg trata do relacionamento com sua mãe, e Um período de prosperidade 
juvenil (A Period of Juvenile Prosperity, 2012), em que o americano Mike Brodie faz 
uma crônica de suas viagens clandestinas em trens norte-americanos. 
 
Tomemos agora alguns exemplos do Brasil. Amazônia (1978), de Claudia 
Andujar e George Love, é uma mescla singular de política e pessoalidade. Num 
primeiro nível, pode-se vê-lo como um fotolivro importante que trata de questões 
ambientais e defende tanto a preservação da floresta amazônica como o respeito pelos 
índios ianomâmis. No entanto, também reflete um interesse pelo plano espiritual, como 
era explorado por meio de drogas alucinógenas – um interesse das décadas de 1960 e 
1970 não restrito apenas aos ianomâmis. 
Paranoia (1963), de Roberto Piva, um dos grandes fotolivros brasileiros de 
todos os tempos, combina a poesia amarga do autor com paisagens urbanas captadas por 
Wesley Duke Lee, num raro caso inteiramente bem-sucedido de livro que alia imagens e 
texto, retratando uma cidade-pesadelo, quase alucinatória – tema comum em todo o 
mundo urbanizado nos anos 1960. 
 
Dois outros livros significativos tratam de questões mais locais e de culturas 
específicas. Bares 
cariocas (1980), de Luiz Alphonsus, com o aspecto rudimentar, quase trivial, 
dos zines de hoje ou dos livros digitais autopublicados, traz um olhar penetrante e 
afetuoso dos bares de bairros do Rio de Janeiro. E Laróyè! (2001), de Mario Cravo 
Neto, dá prosseguimento a sua fascinação não apenas pela cultura afro-brasileira da 
Bahia, mas também pela beleza do corpo. 
Assim, nesses quatro livros – cada um bem diferente do outro e iluminando um 
aspecto da sociedade brasileira, mas nenhum deles “documental” no sentido estrito –, 
uma imagem começa a se formar. Se combinarmos esses quatro com outros fotolivros 
brasileiros, e depois com fotolivros do restante da América Latina, o resultado será uma 
história do continente semelhante àquela que encontramos em romances e filmes do 
mesmo período. De quebra – cortesia do fotolivro –, somos também transportados para 
lá. Nunca estive na Amazônia, no Rio nem na Bahia, mas esses fotógrafos me levam até 
esses locais de um modo muito específico, transmitindo seu ponto de vista (mais amplo 
ou restrito, conforme o caso) sobre a história e a sociedade brasileiras. O fotolivro faz 
isso de um modo particular – complexo, intrigante e criativo. 
Para mim, a verdadeira importância do fotolivro é essa. Menos do que escolher 
entre parede ou livro, se a fotografia é arte ou literatura – e por que não os dois? –, trata-
se do lugar em que se acredita que a fotografia entoe sua canção mais plena e 
significativa. ///

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