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1 DIREITO CONSTITUCIONAL PROF. PAULO ADIB CASSEB HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL Compreende, em sentido amplo, a análise da validade, vigência, aplicabilidade, interpretação e integração das normas constitucionais. VALIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS Norma válida é aquela elaborada de acordo com o processo legislativo prescrito no ordenamento, é a chamada validade formal. Além disso, a norma válida possui o conteúdo compatível com o ordenamento vigente, é a chamada validade material. Estes conceitos de validade formal e validade material servem para as normas jurídicas em geral. Validade das normas constitucionais originárias (produzidas pelo poder constituinte originário): as normas constitucionais originárias são sempre válidas, afinal são produzidas por um poder ilimitado, incondicionado. Sendo assim, essas normas originárias que nascem com a Constituição serão sempre válidas do ponto de vista formal e do ponto de vista material. Houve discussão sobre a possibilidade ou não de aplicação da tese do alemão Otto Bachof, que sustenta a possibilidade do reconhecimento da inconstitucionalidade das normas constitucionais originárias, o que ficou conhecido como “Fenômeno da Inconstitucionalidade de Normas Constitucionais”. A matéria chegou ao Supremo Tribunal Federal e na ADIN nº 815 o STF rejeitou a aplicação desta tese no Brasil. Portanto, se a norma é produzida pelo poder constituinte originário, não cabe a um poder constituído como o Judiciário invalidá-la. Deste modo, todas as normas constitucionais originárias da CF/88 são válidas. Destacou o STF que as cláusulas pétreas do nosso modelo constituem apenas uma limitação ao poder de reforma, e não ao poder constituinte originário. Assim sendo, o STF desbancou no Brasil a tese de Otto Bachof, para quem seria possível o reconhecimento da inconstitucionalidade de norma originária da Constituição que contrariasse num primeiro momento um direito suprapositivo como, por exemplo, o direito natural ou então que contrariasse o núcleo central da própria Constituição, do próprio direito constitucional positivo. As duas hipóteses aventadas por Bachof foram repelidas pelo STF. Portanto, no direito brasileiro as normas constitucionais originárias são sempre válidas. Validade das normas constitucionais derivadas (produzidas pelo poder de emenda, pelo poder constituinte derivado reformado): para estas normas existe a possibilidade de se questionar sua constitucionalidade. Exatamente porque foram produzidas por um poder derivado, que é subordinado, limitado, condicionado, estas normas se sujeitam a análise de sua constitucionalidade. Portanto, é possível questionar a validade das normas constitucionais derivadas. Deve-se atentar às questões de concurso que apresentam a matéria de forma muito genérica. Imagine-se uma questão no seguinte sentido: “no Brasil não se admite a hipótese da inconstitucionalidade de normas constitucionais”. Tal afirmação está correta ou errada? Colocada assim de modo genérico está errada, porque o que não se admite é a 2 DIREITO CONSTITUCIONAL PROF. PAULO ADIB CASSEB inconstitucionalidade de normas constitucionais originárias, mas admite-se a inconstitucionalidade de normas constitucionais derivadas. VIGÊNCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS Vigência: é a qualidade da norma que dá a ela compulsoriedade, força executória. Neste sentido, as normas da Constituição possuem vigência imediata, salvo disposição em contrário. Portanto, a vigência das normas constitucionais é imediata, tanto das normas constitucionais originárias quanto das normas constitucionais derivadas, salvo expressa previsão em contrário no corpo da própria norma constitucional. É importante ter presente a repercussão da vigência da nova Constituição em relação ao ordenamento jurídico anterior, tanto em relação ao ordenamento constitucional quanto em relação ao ordenamento infraconstitucional. Consequências da vigência de uma nova Constituição em relação à Constituição anterior: no Brasil prevalece o entendimento de que a vigência de uma nova constituição provoca a revogação total da Constituição anterior, ou seja, a ab-rogação da Constituição anterior, salvo expressa menção em sentido contrário na nova Constituição. Foi o que ocorreu, de forma parcial, em relação à CF/88: o art. 34 do ADCT da CF/88 estatui que as normas da Constituição anterior sobre o sistema tributário permaneceriam ainda vigentes por um certo tempo. Portanto, por força de dispositivo da nova Constituição, manteve-se por um certo tempo a vigência das normas da Constituição anterior sobre sistema tributário. Há um outro fenômeno que não é reconhecido no Brasil, mas que merece menção pois já apareceu em diversas provas, que é a figura da desconstitucionalização. Por este fenômeno, as normas das Constituição anterior que não foram reproduzidas pela nova Constituição e que não contrariam a nova Constituição permaneceriam vigentes. Haveria, então, um aproveitamento de parte da Constituição anterior não conflitante com a nova Constituição. Porém, como seria inviável a convivência de duas Constituições, essas normas não conflitantes da Constituição anterior continuariam vigentes, mas com natureza de legislação infraconstitucional. Aquilo que era norma constitucional perde essa natureza, passa a ser legislação comum, daí o nome desconstitucionalização. Este fenômeno é próprio de estados que passaram por forte crise política, instabilidade política, o que acaba gerando instabilidade constitucional devido à adoção de sucessivas constituições em pouco tempo. Assim, para preservar a própria sociedade de um caos institucional, aproveita-se o que a Constituição anterior previa e que a nova não reproduziu, desde que não haja colidência. Isto foi aplicado, por exemplo, na França, que teve uma sucessão impressionante de Constituições desde o final do século XVIII. Admite-se na doutrina tanto a desconstitucionalização expressa quanto a desconstitucionalização tácita. Como no Brasil não se admite a aplicação da desconstitucionalização, só é possível ter esse fenômeno se eventualmente uma futura Constituição brasileira expressamente fizer previsão da desconstitucionalização da CF/88. 3 DIREITO CONSTITUCIONAL PROF. PAULO ADIB CASSEB Consequências da vigência de uma nova Constituição em relação à legislação infraconstitucional anterior: a legislação infraconstitucional anterior que não contrariar a nova Constituição permanecerá vigente, será recepcionada. Aplica-se, portanto, o chamado “Princípio da Recepção”. Trata-se de ficção jurídica criada para evitar caos jurídico instaurado com o advento de uma nova Constituição, afinal, em tese, como a Constituição é o fundamento de validade de todo o ordenamento jurídico, o advento de uma nova Constituição imporia a reelaboração de toda a legislação inferior, o que geraria, na prática, grande confusão; daí a figura da recepção. O que ocorre na realidade é verdadeira novação da legislação anterior. A legislação anterior compatível passa por uma novação porque adquire um novo fundamento de validade. Tecnicamente a lei é a mesma, mas com novo fundamento de validade. A nova Constituição impõe um juízo de conformidade material entre a legislação anterior e a nova Constituição. Isto significa que, para que se identifique a recepção, basta a compatibilidade material, de conteúdo, entre a lei anterior e a nova constituição. Não importa eventual discrepância formal: para que ocorra recepção é suficiente que o conteúdo da lei anterior seja materialmente compatível com a nova constituição. Assim, imagine-se que uma nova Constituiçãoexija Lei Complementar para a disciplina de certa matéria, e já havia uma lei anterior sobre essa mesma matéria, porém Lei Ordinária. Havendo compatibilidade de conteúdo está lei será recepcionada, mesmo diante desta incompatibilidade formal. Isto não pode ser confundido com uma outra situação: imagine-se a hipótese de uma lei anterior à nova Constituição e que já era, à luz daquela Constituição anterior incompatível, formal e/ou materialmente. Esta lei não será recepcionada pela nova Constituição. Em síntese, não haverá recepção de lei que já era inconstitucional do ponto de vista material ou formal, diante da Constituição anterior, afinal a nova Constituição não recepciona lei que já era inconstitucional à luz da Constituição anterior. O que ocorre se a lei anterior conflitar com a nova Constituição? Lei anterior que seja contrária à nova Constituição não é recepcionada. Para o STF, a não recepção gera a revogação da lei anterior. A doutrina discute bastante essa terminologia ainda empregada pelo Supremo, pois, técnica e tradicionalmente, o termo revogação é destinado apenas a normas de mesmo patamar hierárquico; assim, norma constitucional revoga norma constitucional e norma legal revoga norma legal. Porém, o Supremo mantém a terminologia e prefere usar a palavra revogação para designar a consequência da lei anterior à Constituição que não é recepcionada. Alguns autores, como o português Jorge Miranda, sugerem que se diga que houve a caducidade da lei. Há também a tese de que a lei anterior não recepcionada geraria a figura da inconstitucionalidade superveniente, porque a lei era válida à luz da Constituição anterior e tornou-se inconstitucional com o advento da nova Constituição. Há segmento doutrinário que prefere conceber esse fenômeno, contudo no Brasil não prevalece tal entendimento, prevalece que a não recepção da legislação anterior implica revogação. Isso tem repercussão prática concreta: se a não recepção gera revogação, se não há a figura da inconstitucionalidade superveniente, não é possível utilizar ação direta de 4 DIREITO CONSTITUCIONAL PROF. PAULO ADIB CASSEB inconstitucionalidade para questionar leis anteriores à Constituição. Portanto, para questionar a não recepção há, no âmbito do controle concentrado, apenas a figura da “Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental” (ADPF). Além disso, é possível questionar a não recepção de leis por meio do controle difuso, pela via de exceção ou defesa. APLICABILIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS Eficácia da norma é a possibilidade que ela tem de produzir efeitos, ao passo que aplicabilidade é a sua concretização. Para a doutrina clássica, as normas constitucionais poderem ser divididas, quanto à aplicabilidade: em normas autoexecutáveis (self-executed) e normas não-autoexecutáveis (not self-executed). a) normas autoexecutáveis: seriam as normas completas e, portanto, de aplicabilidade imediata. b) normas não-autoexecutáveis: por dependerem de regulamentação posterior, seriam meras recomendações ao legislador, não teriam caráter impositivo, seriam praticamente normas “não jurídicas”, recomendações, conselhos que o legislador pode seguir se assim desejar. Para a doutrina contemporânea, por outro lado, não há norma constitucional sem eficácia, todas possuem eficácia jurídica, todas possuem caráter coercitivo, e o que varia é o grau de aplicabilidade. Atualmente, a classificação mais utilizada das normas constitucionais quanto à aplicabilidade é a seguinte: 1. NORMAS CONSTITUCIONAIS DE EFICÁCIA PLENA: São as normas constitucionais completas, claras, que já contém as informações essenciais para sua compreensão, portanto, os elementos necessários para sua incidência direta e imediata. Por este motivo as normas constitucionais de eficácia plena possuem aplicabilidade imediata. A CF/88 está repleta destas normas, inclusive, o ideal é que esta seja a regra geral. Portanto, no momento em que a Constituição diz que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer algo senão em virtude de lei”, a norma é clara, completa e tem aplicabilidade imediata. Da mesma forma, quando a constituição diz que “são brasileiros natos aqueles que nascerem no território nacional”, a essência da norma pode ser compreendida, logo a norma tem aplicabilidade imediata. 2. NORMAS CONSTITUCIONAIS DE EFICÁCIA CONTIDA: Alguns autores denominam essas normas como “Normas de Integração Restringíveis ou Redutíveis” ou ainda “Normas Constitucionais de Eficácia Relativa”. 5 DIREITO CONSTITUCIONAL PROF. PAULO ADIB CASSEB A Norma Constitucional de Eficácia Contida é aquela que também é completa, clara, que pode ser compreendida por aquilo que está no próprio texto e, portanto, também possui aplicabilidade imediata. Porém, esta norma prevê a possibilidade ou a necessidade da prática de um ato posterior, de uma providência posterior pelo poder público, de uma lei posterior que reduza o alcance da própria norma constitucional, que restrinja o efeito consagrado na própria norma constitucional. Assim, ela não se confunde com as normas que dependem de regulamentação para serem aplicadas: as normas de eficácia contida, por serem completas, já são aplicadas de imediato e o papel da lei ou ato posterior é o de conter, reduzir o alcance da norma. O exemplo mais conhecido (e com grande incidência em provas) é o inciso XIII do art. 5º da CF/88: XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer; A primeira parte do inciso dispõe que “é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão”, ou seja, norma clara, de aplicabilidade imediata. Porém, o restante do dispositivo preceitua o atendimento das qualificações profissionais que a lei estabelecer, o que significa que a lei poderá, ao fixar qualificações profissionais, restringir aquela liberdade, reduzir o alcance daquela norma constitucional. É exatamente o caso da Lei Federal que prevê o Exame de Ordem como requisito para o exercício da profissão de advogado. O STF já reconheceu essa norma do inciso XIII como norma de eficácia contida. Segundo José Afonso da Silva, também são normas de eficácia contida aquelas que preveem algumas providências do Poder Público ou a contenção de direitos em situações de calamidade pública, necessidade, utilidade pública, interesse social, necessidade de manutenção da ordem, grave comprometimento da ordem, iminente perigo público, dentre outras, porque nestes casos o indivíduo normalmente exerce plenamente o direito, porém, em razão do surgimento de uma circunstância, haverá um ato estatal que restringirá tal direito. Como exemplo, o inciso XXV do art. 5º da CF/88, que prevê a figura da requisição temporária de bens particulares: XXV - no caso de iminente perigo público, a autoridade competente poderá usar de propriedade particular, assegurada ao proprietário indenização ulterior, se houver dano; Referido dispositivo prevê que na hipótese de iminente perigo público poderá ocorrer a requisição de bens particulares e apenas se houver dano haverá indenização. Portanto, neste caso não se trata de desapropriação, apenas a requisição temporária de um bem devido à circunstância de iminente perigo público. 3. NORMAS CONSTITUCIONAIS DE EFICÁCIA LIMITADA: Também conhecidas como “Normas de Integração Completáveis” ou ainda “Normas de Eficácia Relativa Dependentes de Complementação”. As normas anteriormente tratadas eram normas de aplicabilidade imediata, por serem normas completas. As normas constitucionaisde eficácia limitada são normas incompletas e, 6 DIREITO CONSTITUCIONAL PROF. PAULO ADIB CASSEB portanto, sua aplicabilidade depende de regulamentação posterior. Por isso, são conhecidas como normas de aplicabilidade diferida ou mediata. Pela leitura da norma constitucional não é possível compreender sua essência e seus objetivos e, portanto, não é possível implementá-la de imediato, há a necessidade de regulamentação. Um dos exemplos mais conhecidos é a norma constitucional que prevê que “lei complementar instituirá o imposto sobre grandes fortunas” – é apenas o que diz a Constituição, que remeteu à legislação inferior a disciplina, ou seja, pelo que dispõe a própria Constituição não é possível aplicar o tributo, há a necessidade da regulamentação. O outro exemplo, que foi considerado como tal pelo STF, é a previsão constitucional do direito de greve do servidor público. Havia grande divergência na doutrina e na jurisprudência sobre a natureza desta norma constitucional, alguns classificando como norma de eficácia contida e outros como norma de eficácia limitada. O STF optou por considerá-la norma constitucional de eficácia limitada, ou seja, há necessidade de regulamentação para permitir sua compreensão e, portanto, sua incidência direta. Por isso, o Supremo admitiu mandado de injunção para viabilizar o exercício do direito de greve do servidor público, afinal mandado de injunção serve exatamente para viabilizar as normas constitucionais ou exercício de direito previstos em normas constitucionais de eficácia limitada. Alguns autores, como José Afonso da Silva, identificam entre as normas constitucionais de eficácia limitada duas modalidades: normas institutivas ou de princípio institutivo e normas programáticas ou de princípio programático. Normas Institutivas: são aquelas que preveem a necessidade ou possibilidade de criação, disciplina ou organização de competências de instituições, órgãos em geral e até mesmo de entes políticos como municípios, estados-membros, territórios federais. Daí o nome “institutivas”, a Constituição prevê, de forma bem genérica, uma determinada instituição ou determinado órgão que deverá ser criado por lei ou cujas competências deverão ser disciplinadas por lei. Enquanto não houver essa regulamentação a norma constitucional não é aplicada. É o exemplo do art. 134 da CF/88 que prevê que cada estado criará uma Defensoria Pública, trata-se de norma de eficácia limitada institutiva, pois a CF/88 remeteu a regulamentação à lei, sem a instituição por parte do estado, não há a implementação da norma constitucional. É interessante notar que as normas institutivas podem ser impositivas ou facultativas. Por vezes, a norma constitucional impõe a criação da instituição, como é o caso do art. 134, que trata das Defensorias Públicas, é uma norma institutiva impositiva, não há liberdade para a criação ou não, elas devem ser criadas. Na norma institutiva facultativa a Constituição faculta a criação de determinada instituição, de determinado ente político como, por exemplo, está disposto no art. 18, §§ 2º, 3º e 4º da CF/88, que faculta a criação de territórios federais, novos estados-membros e novos municípios. Normas Programáticas: são aquelas que impõem ao Poder Público a implementação de programas sociais e econômicos, como ocorre com o dispositivo constitucional, que prevê que cabe ao poder público implementar políticas de contenção do risco de doenças e outros agravos. 7 DIREITO CONSTITUCIONAL PROF. PAULO ADIB CASSEB Tem prevalecido o entendimento de que as normas programáticas têm aplicabilidade progressiva, uma vez que dependem da disponibilidade orçamentária e financeira do Poder Público, não são implementadas de imediato, a aplicabilidade é progressiva. Porém, como tem destacado o STF, quanto ao “mínimo existencial” elas devem ser implementadas, independentemente de disponibilidade orçamentária e financeira porque estas normas também vinculam, também são cogentes. Portanto, quanto ao “mínimo existencial” devem ser imediatamente implementadas. É importante frisar uma última observação quanto às normas de eficácia limitada. Deve-se atentar para as perguntas de prova que se colocam da seguinte maneira: “norma constitucional de eficácia limitada é aquela que não possui eficácia, pelo menos antes da regulamentação?”. Cuidado! O nome da norma já indica, não são normas constitucionais sem eficácia, são normas constitucionais de eficácia, porém limitada. Portanto, um mínimo de efeitos todas as normas constitucionais produzem de imediato, inclusive as de eficácia limitada como, por exemplo, o fato de provocarem a não recepção da legislação anterior com elas incompatível. Isso é um efeito imediato. Mesmo que a norma tenha eficácia limitada, dependa de regulamentação para ser aplicada, um efeito imediato ela já produziu, qual seja, a não recepção do que havia antes da Constituição e que conflitasse com ela. Também condiciona a atuação futura do legislador, de modo que a norma não poderá ser aplicada porque não há regulamentação, mas também o legislador não poderá contrariá- la. É um outro efeito imediato. 4. NORMAS CONSTITUCIONAIS DE EFICÁCIA EXAURIDA: Também conhecidas como “Normas Constitucionais de Eficácia Esgotada ou Esvaída”, são aquelas que já cumpriram todos os seus objetivos, todos os seus propósitos. As disposições transitórias têm inúmeros exemplos, tais como o art. 2º, que previu a realização, em 1993, de um plebiscito sobre a forma e o sistema de governo. 5. NORMAS CONSTITUCIONAIS DE EFICÁCIA ABSOLUTA: São as cláusulas pétreas. INTERPRETAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS Para a interpretação da Constituição, a doutrina e o próprio STF têm usado também métodos clássicos de interpretação das normas em geral, como, por exemplo, o método histórico de interpretação, segundo o qual o intérprete deve buscar a vontade do legislador (no caso da Constituição, a vontade do Constituinte), ou seja, deve buscar as justificativas das propostas, os debates parlamentares (no caso de uma Assembleia Constituinte, os debates dos constituintes), das comissões que integram esses órgãos, buscando assim identificar a vontade daquele que preparou a norma jurídica. Hoje não é considerado um dos métodos mais avançados, mas por vezes ainda é utilizado. Outro método clássico que também é empregado na interpretação constitucional é o método teleológico, segundo o qual o intérprete busca identificar a finalidade da norma. 8 DIREITO CONSTITUCIONAL PROF. PAULO ADIB CASSEB Também há o método de interpretação gramatical, literal, que é considerado o ponto de partido de todos os outros mecanismos de interpretação constitucional e interpretação das normas em geral. Por vezes é o único que pode ser utilizado. Por exemplo: a CF/88 diz que são 11 (onze) os ministros do STF. Não há outro método interpretativo que possa ser utilizado neste caso, apenas o literal. É importante lembrar que no plano constitucional há a figura da interpretação autêntica, que é aquela realizada por ato de mesma natureza daquele que foi interpretado. Por exemplo, a edição de uma lei para interpretar outra lei, a edição de uma emenda para interpretar uma norma constitucional, é isso o que a doutrina denomina interpretação autêntica. Outros métodos clássicos de interpretação também são aproveitados para a interpretação constitucionais. Existem também alguns métodos e princípios que são utilizados, alguns exclusivamente e outros não exclusivamente, mas principalmente, para a interpretaçãoconstitucional. 1. PRINCÍPIO DA SUPREMACIA CONSTITUCIONAL A Constituição é primeira norma de toda a cadeia normativa, logo este princípio é utilizado exclusivamente para a interpretação constitucional. 2. PRINCÍPIO DA UNIDADE CONSTITUCIONAL Significa que as normas constitucionais devem ser interpretadas como um sistema, um conjunto de normas válidas de mesma estatura hierárquica, um corolário de interpretação sistemática. 3. PRINCÍPIO DO EFEITO INTEGRADOR Sempre que possível, é preciso dar à Constituição uma interpretação que favoreça ou promova a integração política e social do Estado e da sociedade, que garanta a unidade política do Estado. 4. PRINCÍPIO DA COLOQUIALIDADE Os termos e as palavras empregadas pela Constituição devem ser interpretados, sempre que possível, no sentido não-técnico, ou seja, no sentido coloquial. Isto porque a Constituição é um documento essencialmente político, feito indiretamente pelo povo e, portanto, deve ser por ele compreendido. Daí a lógica da coloquialidade que rege a redação constitucional. Por exemplo, no momento em que o art. 5º da CF/88 faz referência à liberdade de associação – associação aí é considerada em sentido coloquial, não no sentido técnico do Direito Civil, que distingue sociedade de associação. 9 DIREITO CONSTITUCIONAL PROF. PAULO ADIB CASSEB 5. PRINCÍPIO DA CEDÊNCIA RECÍPROCA Significa que, diante de eventual conflito entre normas constitucionais, é preciso buscar uma interpretação conciliatória, que permita a aplicação de todas elas – por isso alguns denominam tal princípio como “Princípio do Efeito Harmonizador” – o objetivo deste princípio é promover a harmonização, a conciliação das normas constitucionais para que todas elas sejam aplicadas. 6. PRINCÍPIO DA MÁXIMA EFETIVIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS Segundo este princípio, é preciso dar à Constituição uma interpretação que permita que suas normas alcancem de forma efetiva seus objetivos. Portanto, entre múltiplas interpretações é recomendável que se escolha aquela que aproxime a norma constitucional da concretização de seus objetivos. 7. PRINCÍPIO DA MÁXIMA EFETIVIDADE DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS Em primeiro lugar, sempre que possível é preciso dar às normas constitucionais que tratam de direitos fundamentais uma interpretação que favoreça sua aplicabilidade imediata. Em segundo lugar, diante de eventual conflito entre uma norma que trate de direitos fundamentais e outra de tema diverso, é preciso dar primazia à primeira. 8. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E DA PROPORCIONALIDADE Há um segmento minoritário da doutrina que identifica esses princípios, porém a maioria diferencia um do outro. Razoabilidade é um parâmetro de valoração das normas e dos atos do Poder Público para verificar se eles estão imbuídos do ideal de justiça. Pressupõe moderação, equilíbrio, ação segundo o senso comum. Não há dúvida que isso leva a concepções um tanto quanto subjetivas, não fosse assim o nome do princípio não seria razoabilidade. Evidentemente, na tentativa de tornar esse princípio menos subjetivo, a doutrina tem enfatizado que a identificação da razoabilidade deve tomar como critérios os valores tradicionais de toda organização estatal, como paz, justiça, ordem, solidariedade. Por exemplo, diante de duas possibilidades interpretativas, seria razoável, diante de uma situação concreta, aquela que favorecesse a solidariedade. São, portanto, parâmetros que procuram tornar menos subjetiva a figura da razoabilidade. A doutrina consente também que a razoabilidade deve ser limitada pelo próprio ordenamento jurídico interno de um país, é o que se chama de razoabilidade interna. E também consente que a razoabilidade deve se adequar aos objetivos da própria Constituição, é a chamada razoabilidade externa. O Princípio da Proporcionalidade significa que os atos do Poder Público devem ser implementados apenas na exata medida do necessário. Por isso o Princípio da Proporcionalidade também é conhecido como Princípio da Proibição do Excesso. São requisitos do Princípio da Proporcionalidade: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito. Adequação significa que é preciso constatar que de fato não havia outro meio apto para que o Estado atingisse sua finalidade – aquele meio 10 DIREITO CONSTITUCIONAL PROF. PAULO ADIB CASSEB escolhido é realmente o meio apto para tanto, portanto o meio adequado. A necessidade significa que é preciso verificar se não há outro meio menos oneroso para que o Estado atinja seus objetivos. Finalmente, a proporcionalidade em sentido estrito significa que é necessário promover uma ponderação, verificando se o ônus acarretado pelo ato do Poder Público não supera as vantagens decorrentes deste ato o que, portanto, justificaria sua prática. Estas mesmas noções são utilizadas para a interpretação das normas constitucionais. Com grande frequência o STF tem utilizado esses princípios como instrumentos de ponderação até mesmo entre direitos fundamentais. Com base nesses princípios, o STF reconheceu que, excepcionalmente, com base na razoabilidade e na proporcionalidade e diante das circunstâncias concretas, seria possível admitir prova obtida de forma ilícita, apesar da redação constitucional clara e rigorosa, que veda expressamente a admissão de provas obtidas de forma ilícita. 9. MÉTODO EVOLUTIVO DE INTERPRETAÇÃO Em oposição ao método histórico, pelo método evolutivo cabe ao intérprete buscar a interpretação que dá à norma utilidade à luz da realidade presente. Portanto, permite ao intérprete que, alterada a realidade social, extraia um novo significado da Constituição por meio de uma interpretação que dê mais utilidade diante desta nova realidade social, por isso é considerado um dos mecanismos mais avançados de interpretação constitucional e este método evolutivo é instrumento importantíssimo para a viabilização da chamada mutação constitucional. Mutação constitucional designa o fenômeno de alteração da Constituição por instrumentos informais, não oficiais de reforma, exatamente como a fixação de uma nova interpretação. Para finalizar a questão da interpretação constitucional, destaca-se uma consideração de Peter Häberle, que é frequentemente cobrada em provas, no sentido de que a interpretação constitucional moderna não deve ser exclusiva dos juízes: na verdade, deve ser atribuída a toda sociedade, a todos os segmentos sociais, a todos os órgãos públicos. É o que ele denominou de “Sociedade Aberta dos Intérpretes da Constituição”. INTEGRAÇÃO DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS A matéria refere-se às lacunas da Constituição, às omissões da Constituição e aos mecanismos que a doutrina admite para a solução dessas lacunas. PRINCIPAIS MECANISMOS DE INTEGRAÇÃO CONSTITUCIONAL: 1. ANALOGIA CONSTITUCIONAL É o emprego de norma que disciplina certa situação fática para regular situação semelhante. Evidentemente, só se admite a figura da analogia constitucional entre normas da própria Constituição. 11 DIREITO CONSTITUCIONAL PROF. PAULO ADIB CASSEB 2. COSTUME CONSTITUCIONAL Mecanismo pouco utilizado no Brasil, tratam-se de práticas reiteradas que reconhecem poderes e faculdades a cidadãos e autoridades. Como todo costume, há divisão de seus elementos em objetivos e subjetivos. O elemento objetivo do costume (elemento externo) é a própria prática reiterada sem a oposição do Estado e da sociedade. O elemento subjetivo ou interno é a convicção social de que determinadocomportamento, determinada prática reiterada é necessária e obrigatória. 3. PRINCÍPIOS GERAIS DO CONSTITUCIONALISMO São princípios que informaram as primeiras Constituições (no sentido contemporâneo de Constituição) e que, em razão de sua importância, de seu valor para figura da Constituição foram preservados ao longo da evolução do constitucionalismo. São princípios como a separação de poderes e o princípio democrático 4. TEORIA DOS PODERES IMPLÍCITOS Significa que sempre que a Constituição atribui expressamente competências e poderes a órgãos e autoridades, implicitamente atribui também todos os instrumentos necessários para viabilizar plenamente o exercício desses poderes, dessas competências Foi com base nesta teoria que a Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal admitiu que o Ministério Público tem poder de investigação: se ele é o titular da ação penal, recebeu da Constituição os poderes necessários para viabilizar esta atribuição. Foi também com fundamento da Teoria dos Poderes Implícitos que no Brasil reconheceu-se a figura da reclamação para preservação da autoridade das decisões do STF e de sua competência. Antes que houvesse previsão constitucional, antes que houvesse previsão no Regimento do Supremo, o Pleno já havia reconhecido essa figura da reclamação com base na Teoria dos Poderes Implícitos, pois, se a Constituição reconhece o STF como seu guardião, implicitamente deve assegurar também um instrumento necessário para preservar a autoridade de suas decisões e sua competência. Estes são os principais mecanismos de integração constitucional. É importante lembrar que o próprio STF reconheceu que algumas lacunas da Constituição são propositais. São omissões que não podem ser sanadas, não podem ser supridas. É o que se denomina “silêncio eloquente”, lacunas propositais. Exemplo disso, o STF reconheceu como silêncio eloquente o que consta do art. 102, I, “a”, da CF/88, que prevê que cabe ao STF apreciar, julgar a ação direta de inconstitucionalidade de leis e atos normativos federais ou estaduais em face da Constituição Federal. A norma silencia a respeito de leis atos normativos municipais, portanto o Supremo entendeu que se trata de um silêncio eloquente, porque a Constituição não quis ADIN para questionar lei municipal em face da Constituição Federal. TIPOS DE INCONSTITUCIONALIDADE A figura da inconstitucionalidade, especialmente num modelo jurídico como o brasileiro, que adota o princípio da rigidez constitucional e em consequência, o da supremacia formal da Constituição, pode ser analisada, estudada sob várias perspectivas, de modo de pode ser classificada de várias maneiras: 12 DIREITO CONSTITUCIONAL PROF. PAULO ADIB CASSEB 1. INCONSTITUCIONALIDADE POR AÇÃO E INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO Inconstitucionalidade por ação: é aquela que decorre da edição de leis e atos normativos contrários à Constituição, daí a literalidade da expressão “inconstitucionalidade por ação”, que designa a inconstitucionalidade decorrente da prática de um ato de conteúdo normativo, porque a figura da inconstitucionalidade no seu sentido estrito pressupõe um conflito normativo – uma norma inferior que contraria a norma suprema. Inconstitucionalidade por omissão: designa a falta de regulamentação das normas constitucionais de eficácia limitada, ou seja, as normas constitucionais cuja aplicabilidade depende de uma regulamentação, de uma providência posterior do poder público. Não havendo tal regulamentação, a vontade da Constituição é desrespeitada, afinal aquela norma constitucional não pode ser aplicada enquanto não houver a regulamentação. A inconstitucionalidade por omissão não decorre de uma ação, e sim da inércia do Poder competente para a regulamentação da Constituição. A doutrina reconhece a figura da omissão total, omissão pura e da omissão parcial. A omissão pura é a própria ausência de regulamentação, ao passo que na omissão parcial a regulamentação existe, mas é insuficiente para atingir aos desígnios da Constituição, para atingir os objetivos da norma constitucional regulamentada. Um exemplo reconhecido pelo Supremo é a regulamentação do inciso IV do art. 7º da CF/88, dispositivo que trata do salário mínimo. Trata-se de norma de eficácia limitada porque remete à lei a definição do valor do salário mínimo. A regulamentação existe, mas não atinge em sua plenitude aquilo que espera o inciso IV do art. 7º, que prevê um salário mínimo que atenda às necessidades do trabalhador, de modo que se depara com exemplo de omissão parcial. 2. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL E INCONSTITUCIONALIDADE FORMAL Inconstitucionalidade material: é aquela que está no conteúdo da lei ou do ato normativo. Pode ser total ou parcial, dependendo da extensão do vício. Inconstitucionalidade formal: como o próprio nome indica, não está no conteúdo, é encontrada no processo legislativo, no processo de elaboração da lei ou do ato normativo. Portanto, a doutrina fala em inconstitucionalidade formal por vício subjetivo e inconstitucionalidade formal por vício objetivo. Por vício subjetivo é a inconstitucionalidade formal verificada na iniciativa legislativa. Por exemplo, a CF/88 prevê a iniciativa exclusiva do Presidente da República para certas matérias. Se o projeto for apresentado por um parlamentar, haverá inconstitucionalidade formal por vício subjetivo. A inconstitucionalidade formal por vício objetivo é aquela detectada nas demais etapas do processo legislativo. Em geral, a inconstitucionalidade formal é total, o que significa que invalida toda a lei. No exemplo anterior, o vício de iniciativa (projeto seria de iniciativa exclusiva do Presidente da República e é o parlamentar que apresenta), o vício compromete a íntegra do ato, há inconstitucionalidade total. Num outro exemplo, se determinado projeto deveria ter sido aprovado por maioria absoluta e foi por maioria simples, também há comprometimento da íntegra do ato e a inconstitucionalidade é total. 13 DIREITO CONSTITUCIONAL PROF. PAULO ADIB CASSEB Contudo, excepcionalmente, em situações muito específicas, pontuais, admite-se a inconstitucionalidade formal parcial. É o caso, por exemplo, de uma Lei Ordinária que apenas em alguns de seus dispositivos tenha invadido campo reservado a Lei Complementar. Portanto, apenas aqueles dispositivos são inconstitucionais, haverá inconstitucionalidade formal parcial. Este exemplo é clássico de inconstitucionalidade formal, pois houve a opção por um instrumento legislativo diferente, a Constituição exigia Lei Complementar e foi editada Lei Ordinária, portanto há inconstitucionalidade formal. No exemplo, se isso ocorreu apenas em alguns dispositivos da lei, haverá, então, inconstitucionalidade formal parcial. Há ainda um tipo de inconstitucionalidade formal que merece referência, a inconstitucionalidade formal orgânica, que é aquela que se refere às leis que contrariam a repartição constitucional de competências. Por exemplo, uma lei municipal que tenha invadido competência de estado-membro – o vício é formal, o conteúdo da lei pode não ter contrariado a Constituição, o vício está na forma, a Constituição reservou a matéria para lei estadual e foi editada lei municipal. A inconstitucionalidade formal orgânica pode ser parcial se o vício estiver apenas em alguns dispositivos da lei. 3. INCONSTITUCIONALIDADE DIRETA, INCONSTITUCIONALIDADE POR ARRASTAMENTO E INCONSTITUCIONALIDADE REFLEXA Inconstitucionalidade Direta: é a hipótese de uma lei que contraria frontalmente o texto constitucional. Inconstitucionalidade por arrastamento também é chamada de inconstitucionalidadepor atração, inconstitucionalidade consequente ou inconstitucionalidade por derivação: Neste caso, uma lei apresenta, em princípio, uma inconstitucionalidade parcial. Porém, como sem essa parte tida por inconstitucional o restante perde o sentido, outros dispositivos ou todo o restante daquela mesma lei também será declarado inconstitucional. Por isso é chamada inconstitucionalidade por arrastamento, uma inconstitucionalidade arrasta a outra. Por exemplo, imagine-se uma lei que tenha cinco artigos. Só o art. 1º contraria a Constituição, os outros não. Porém, todos os demais artigos fazem referência ao art. 1º, então embora os artigos não contrariem diretamente a Constituição, sem o art. 1º eles perdem o sentido, portanto, todos serão considerados inconstitucionais, por conta da inconstitucionalidade por arrastamento. Também é possível a inconstitucionalidade por arrastamento numa outra situação: uma lei é inconstitucional e, por consequência, o decreto que a regulamenta também o será, porque se uma lei contraria a Constituição frontalmente, o decreto que a regulamentou não subsiste sozinho, também será inconstitucional. A fórmula que o Supremo utiliza para reconhecer a inconstitucionalidade por arrastamento é muito simples: declara a inconstitucionalidade, por exemplo, do art. 1º da Lei X e, por arrastamento, dos arts. 2º, 3º, 4º, etc. Ou então, declara a inconstitucionalidade da Lei Y e por arrastamento do Decreto Z que a regulamentou. Inconstitucionalidade reflexa, também chamada inconstitucionalidade oblíqua: não deve ser confundida com a hipótese anterior. Neste caso, um ato regulamentar contraria a lei por ele regulamentada. Na verdade, é uma situação de ilegalidade, mas toda ilegalidade respinga na Constituição, quando há ilegalidade a Constituição é, de modo oblíquo ou 14 DIREITO CONSTITUCIONAL PROF. PAULO ADIB CASSEB reflexo, atingida, viola-se o princípio da legalidade, por isso é denominada inconstitucionalidade reflexa ou oblíqua. Mas, como na verdade se trata do fenômeno da ilegalidade, o STF não admite ADIN para questionar inconstitucionalidade reflexa. 4. INCONSTITUCIONALIDADE PROGRESSIVA Enquanto as normas da Constituição não forem implementadas, é possível admitir em determinadas situações a preservação da disciplina legal anterior sobre a matéria, ainda que conflitante com a disciplina constitucional, pelo menos por um certo tempo, até que surja a nova disciplina. Por isso, se fala em leis ainda constitucionais ou leis em trânsito para a inconstitucionalidade. Por exemplo, o STF reconheceu a inconstitucionalidade progressiva do art. 68 do Código de Processo Penal, que prevê a competência do Ministério Público para a propositura de determinadas ações judiciais em benefício de desfavorecidos economicamente. Ora, pela CF/88 essa atribuição nitidamente coube à Defensoria Pública. Porém o Supremo entendeu que enquanto não surgirem Defensorias em todos os Estados, persiste essa competência do MP. Este é o caso de uma norma em trânsito para a inconstitucionalidade – que estará consumada quando surgirem Defensorias nos termos da Constituição. 5. INCONSTITUCIONALIDADE SUPERVENIENTE A inconstitucionalidade superveniente não foi reconhecida no Brasil na hipótese do advento de uma nova Constituição. Seria a hipótese de uma lei válida que passaria a ser inconstitucional diante do advento de uma nova Constituição. No Brasil isso não foi admitido, o Supremo tem entendido que leis anteriores incompatíveis com a nova Constituição não são recepcionadas, o que significa que foram revogadas, o STF não admite a inconstitucionalidade superveniente. Mas, e diante de uma emenda à Constituição? Ou seja, não se trata de nova Constituição, e sim atuação do poder derivado. Uma lei é válida até que a Constituição é reformada por uma emenda e, à luz deste texto remodelado a lei se torna com ela incompatível. Haveria, nesta hipótese, inconstitucionalidade superveniente? Embora alguns autores defendam que sim, o STF entendeu que também neste caso não há inconstitucionalidade superveniente, haverá simplesmente a não recepção provocada pela atuação do poder de reforma. É bom lembrar que alguns autores defendem a figura da inconstitucionalidade superveniente como uma consequência de uma mutação constitucional, uma reforma “informal” da Constituição. Por exemplo, uma lei válida torna-se inválida porque houve uma mutação constitucional, foi dada nova interpretação a um dispositivo constitucional e, com essa nova interpretação, aquela lei anteriormente válida tornou-se incompatível. Alguns autores sustentam que nesta hipótese poderia ser reconhecida a inconstitucionalidade superveniente. 15 DIREITO CONSTITUCIONAL PROF. PAULO ADIB CASSEB 6. INCONSTITUCIONALIDADE PARCIAL SEM REDUÇÃO DE TEXTO Neste caso, uma lei é considerada, em princípio, válida, mas será inconstitucional se for aplicada a determinadas situações; por isso parcial e sem redução de texto, porque nenhum trecho desta lei será eliminado ou invalidado, ela apenas não poderá ser aplicada a determinadas situações. Por exemplo, o STF declarou a inconstitucionalidade parcial sem redução de texto de uma norma estadual que concedia isenções fiscais. O STF disse que a norma era válida desde que se referisse a ICMS, porque para tanto haveria necessidade de convênio, dentre outros requisitos. Portanto, a norma estadual seria inconstitucional naquela situação. É uma norma válida, aplicável à sociedade, porém inconstitucional se aplicada a determinadas situações. 7. INTERPRETAÇÃO CONFORME A CONSTITUIÇÃO Para concluir, é importante observar que antes de invalidar uma lei, o STF deve tentar preservá-la. Assim, se o STF perceber que determinada lei comporta múltiplas interpretações, visualizando uma interpretação que pode tornar a lei compatível com a constituição, sem que sua finalidade seja alterada, o Supremo dirá que esta lei só será válida com aquela interpretação definida pela Corte. É o que se denomina “Interpretação Conforme a Constituição”. É o mecanismo que o STF utilizou para julgar ação que discutia dispositivo do Código Civil que fala da união entre homem e mulher. O Supremo reconheceu a possibilidade de união homoafetiva entendendo que este dispositivo do Código Civil deve ser interpretado em consonância com a Constituição, o dispositivo constitucional que trata da vedação à discriminação. Portanto, o Supremo promoveu uma interpretação conforme a Constituição. 16 DIREITO CONSTITUCIONAL PROF. PAULO ADIB CASSEB PERGUNTAS: 1) O que é hermenêutica constitucional? 2) Qual a diferença entre validade formal e material? 3) Todas as normas constitucionais são sempre válidas? 4) O que é vigência das normas constitucionais? Quais suas consequências? 5) O que é desconstitucionalização? É possível no Brasil? 6) O que é recepção? 7) Uma lei inconstitucional pode ser recepcionada com a nova constituição? 8) A lei anterior não recepcionada é revogada ou inconstitucional? Qual a conseqüência desta discussão? 9) O que a aplicabilidade das normas constitucionais? Como se classifica pela doutrina clássica? 10) O que são normas constitucionais de eficácia plena? 11) O que são normas constitucionais de eficácia contida? Dê exemplos. 12) O que são normas constitucionais de eficácia limitada? Dê exemplo. 13) O que são normas institutivas? 14) O que são normas programáticas? Qual a forma de sua aplicação? 15) A norma constitucional de eficácia limitadatem eficácia antes de ser regulamentada por lei? 16) O que são normas constitucionais de eficácia exaurida? 17) O que são normas constitucionais de eficácia absoluta? 18) Quais os métodos de interpretação das normas constitucionais? 19) O que é o princípio da supremacia constitucional? 20) O que é o princípio da unidade constitucional? 21) O que é o princípio do efeito integrador? 22) O que é o princípio da coloquialidade? 23) O que é o princípio da cesdência recíproca? 24) O que é o princípio da máxima efetividade das normas constitucionais e dos direitos fundamentais? 25) Qual a diferença entre os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade? 26) O que é o método evolutivo de interpretação? 27) É possível analogia constitucional? 28) O que é costume constitucional? 29) O que são princípios gerais do constitucionalismo? 30) O que é teoria dos poderes implícitos? Dê exemplo. 31) O que é silêncio eloquente? 32) Qual a diferença entre inconstitucionalidade por ação e omissão? 33) Qual a diferença entre inconstitucionalidade material e formal? 34) Qual a diferença entre inconstitucionalidade direta por arrastamento e reflexa? 35) O que é inconstitucionalidade progressiva? 36) O que é inconstitucionalidade superveniente? É possível no Brasil? 37) O que é inconstitucionalidade sem redução de texto? 38) O que é interpretação conforme a constituição?
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