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1 FISIOLOGIA DA PALMA FORRAGEIRA Everardo. V.S.B. Sampaio Departamento de Energia Nuclear, UFPE. Av. Prof. Luís freire 1000, Recife, PE. 50740-540. esampaio@ufpe.br Resumo: A fisiologia de Opuntia fícus-indica e Nopalea cochenilifera foi revisada, com ênfase nos aspectos relacionados à produção de forragem. Apenas referências foram listadas sobre a sobre produção de frutos e nopalitos porque não são produzidos no Brasil, apesar de sua potencial importância. A palma segue o processo fotossintético MAC, (Metabolismo Ácido das Crassulaceae) que implica em absorção do CO2 durante a noite (fosfoenol piruvato carboxilase) e produção de malato, que é decarboxilado durante o dia e o CO2 liberado é refixado (ribulose difosfato carboxilase) para formação de carboidratos. A abertura dos estômatos à noite leva a grande eficiência no uso da água (50-100 kg água por kg de biomassa, contra 300-500 das plantas C4 e 700-1000 das C3) e a adaptação a condições semiáridas, com alta produtividade (até > 40 Mg ha -1 ). As grandes espessuras do clorênquima, do parênquima e da cutícula e a baixa densidade e eficiência de fechamento dos estômatos dos cladódios garantem boa reserva de água e manutenção da fotossíntese mesmo em condições climáticas secas. Apenas cerca de 10% da massa da plantas está no sistema radicular, que é superficial (15 cm) e extenso horizontalmente (> 2,5 m). A palma forma um tipo de raiz (raiz de chuva) de poucos dias de vida, especializada em captar água em seguida a eventos de chuva de baixa intensidade. As condições ideais de cultivo são dias quentes (25-35 o C) e noites mais frias (15-20 o C), com umidades relativas altas. As características fisiológicas da palma têm sido pouco estudadas e pouco usadas para pesquisa no Brasil. 2 Palavras-chave: planta MAC, sistema fotossintético, fixação de CO2, Opuntia fícus- indica, Nopalea cochenilifera Abstract The physiology of Opuntia fícus-indica and Nopalea cochenilifera was reviewed, with emphasis on aspects related to forage production. References related to fruit and nopalito production were only listed because they are not produced in Brazil, in spite of their potential importance. Forage cacti belong to the CAM photosynthetic group (Crassulaceae Acid Metabolism) which absorb CO2 at night (phosphoenol pyruvate carboxylase), accumulating malate, which is decarboxylated during the day and the liberated CO2 refixed (ribulose biphosphate carboxylase) to produce carbohydrates. Opening the stomata at night results in a high water efficiency use (50- 100 kg of water per each kg of biomass, versus 300-500 of C4 plants and 700-1000 of C3 plants) and in a high adaptation to semiarid conditions, with high productivity (up to > 40 Mg ha -1 ). The large thickness of chlorenquyma, parenchyma and cuticle and the low frequency and high closure efficiency of the stomata lead to a good water reservoir and maintenance of photosynthesis even under dry climatic conditions. Only about 10% of the plant biomass is allocated to the roots, which are superficial (15 cm) and horizontally long (>2.5 m). The plants form a short-lived type of root (rain roots) specialized in absorbing water after rainfall events of low intensity. The ideal cropping conditions are hot days (25-35 o C) and cooler nights (15-20 o C) with high relative humidity. The peculiar physiological characteristics of CAM plants have been little studied and little used for research purposes in Brazil. Keywords: CAM plant, photosynthesis system, CO2 fixation, Opuntia fícus- indica, Nopalea cochenilifera 3 Introdução Palma é o nome que se generalizou no Brasil para as espécies de cactáceas Opuntia fícus-indica (L.) Mill e Nopalea cochenilifera (L.) Salm-Dick. Já foram denominadas também de palmatória e são distinguidas pelos nomes das variedades, como palma gigante e palma redonda para a primeira espécie e palma miúda e palma doce para a segunda. O nome de palma também tem sido dado a palmeiras, da antiga família Palmae, hoje Arecacae, e, recentemente, tem sido cada vez mais usado para designar o dendezeiro e seus produtos (óleo de palma, por exemplo), gerando certa confusão. Com isto, cresce a tendência a designar as cactáceas como palmas forrageiras. Evita a confusão, mas leva ao entendimento que têm apenas esta utilidade. É verdade que, no Brasil, este é quase o único uso, mas, em outros países, especialmente no México, de onde são originárias, os usos são muitos (Menezes et al. 2005). Lá, como em muitos países europeus e do oriente próximo, a produção de frutos comestíveis é um dos principais usos. No Brasil, este uso é praticamente inexistente. Por isto, esta revisão dará ênfase à fisiologia voltada para a produção de forragem. Aspectos mais ligados à produção de frutos podem ser vistos em Walker (2011), Ledermann (2005), Stintzing et al. (2001) e Lopez (1995), à produção de cladódios jovens para serem consumidos como verdura (nopalitos) podem ser vistos em Ramirez-Tobias et al. (2010), Flores- Hernandez et al. (2004) e Lopez (1995) e à produção de corante em Chávez-Moreno et al. (2009). A fisiologia básica das palmas tem sido objeto de várias revisões e trabalhos no exterior e no Brasil. No exterior, os vários trabalhos de Nobel e colaboradores (Nobel 1995a, 1995b, 1995c, 1994; Pimienta-Barrios et al. 2007, 2005; Drennan & Nobel 2000; Raveh & Nobel 1999; Cui & Nobel 1994; Goldstein et al. 1991) são referência obrigatória sobre o tema, além de trabalhos de outros pesquisadores (Barbera -1995; Andrade et al. 2007). No Brasil, Sampaio (2005) resumiu os principais conhecimentos, em sua breve revisão. O presente texto avança pouco sobre o que já foi escrito porque o básico da fisiologia é o mesmo e porque houve pouco avanço na pesquisa sobre o tema neste poucos últimos anos, especialmente sobre aspectos ligados à produção de forragem. Assim, o presente texto deve ser visto como uma nova divulgação dos conhecimentos já revisados, aproveitando a oportunidade deste Congresso de Cactáceas. 4 Sistema fotossintético A fotossíntese da palma segue o processo conhecido como CAM, da sigla em inglês de “Crassulaceae Acid Metabolism”, que tem sido adaptada para o português como MAC (Metabolismo Ácido das Crassulaceae). O processo MAC é uma evolução em relação ao processo conhecido como C3 (via ciclo de Calvin), o mais comum entre as plantas, e deve ter surgido como uma adaptação progressiva a condições de baixa disponibilidade hídrica. Como a maioria dos processos evolutivos, faz uso de ferramentas bioquímicas adaptadas de outros processos e que também foram usadas em rumos evolutivos distintos, como o das plantas C4. Por outro lado, o processo de mudanças evolutivas levou a uma condição de fotossíntese totalmente nova, cujo aspecto mais notável é a abertura dos estômatos e a absorção do CO2 atmosférico durante a noite e não durante o dia, como ocorre com as plantas dos outros dois processos fotossintéticos (C3 e C4). Nas outras plantas, a fixação do CO2 ocorre praticamente de forma simultânea a todo o processo de aproveitamento da energia luminosa solar para redução do CO2 a carboidratos, as fases luminosa e escura da fotossíntese (chama-se fase escura porque não precisa da luz naquele exato momento mas as duas fases ocorrem durante o dia). Na palma e outras plantas de metabolismo MAC, a absorção do CO2 durante a noite, quando não há luz do sol, levou à aparente separação temporal das duas fases da fotossíntese. Na verdade, o processo de fotossíntese básico das C3 continua a ocorrer nas plantasMAC e durante o dia, mas a ele foi adicionado um mecanismo, que funciona durante a noite, de absorção de CO2 e estoque em compostos que podem ser decarboxilados ao longo do dia, liberando o CO2 para o processo comum C3. Durante o dia, a energia luminosa é capturada por intermédio de vários compostos, dos quais as clorofilas são os mais conhecidos, e transferida por uma cadeia transportadora de elétrons para compostos ricos em energia, principalmente NADPH (nicotinamida adenina dinucleotide fosfato ou fosfato de dinucleotídeo de nicotinamida e adenina) e ATP (adenosina trifosfato ou trifosfato de adenosina). Estes compostos ricos em energia são usados para a síntese de cadeias de carbono, a partir da redução do CO2. Este é o processo comum a todas as plantas, que envolve o ciclo de Calvin e que 5 tem como enzima inicial a ribulose bifosfato carboxilase/oxigenase (abreviadamente chamada de rubisco). Difere nas plantas MAC porque o CO2 reduzido ao longo do dia não é absorvido diretamente da atmosfera, mas vem da decarboxilação dos compostos formados durante a noite. Como não absorvem CO2 durante o dia, os estômatos das plantas MAC podem permanecer fechados. Também difere porque parte da energia dos compostos NADPH e ATP é usada para a síntese de fosfoenolpiruvato, um composto também rico em energia, com uma cadeia básica de três carbonos. Durante a noite, as plantas MAC abrem os estômatos e o CO2 atmosférico reage com o fosfoenolpiruvato, formando ácidos com cadeia de quatro carbonos, principalmente malato (ácido málico). A reação é mediada pela enzina fosfoenol piruvato carboxilase (conhecida como PEP carboxilase). Os ácidos formados vão sendo estocados, ao longo da noite, nos vacúolos das células do clorênquima. No dia seguinte, os ácidos são decarboxilados e o fosfoenolpiruvato volta a ser regenerado. A PEP carboxilase é mais eficiente na fixação do CO2 que a rubisco, principalmente porque esta última também reage com o O2, em um processo denominado de fotorrespiração, resultando em formação de CO2. A rigor, este processo não é uma “respiração” no sentido clássico de aproveitamento da energia metabólica proveniente da oxidação das cadeias de carbono e que mantém todos os processos vivos. Mas é uma liberação de CO2, em oposição à fixação da fotossíntese, e funciona como um “vazamento” da eficiência fotossintética. Numa ilustração de como a evolução se dá aproveitando mecanismos já existentes, este processo extra de fixação de CO2 descrito para as plantas MAC também ocorre nas plantas C4, com a diferença que não ocorre com separação temporal, mas com separação espacial. A vantagem evolutiva para as plantas C4 é a maior eficiência da PEP carboxilase e a quase ausência de perda de CO2 por fotorrespiração, resultando em grandes taxas fotossintéticas e grande produção de biomassa. A vantagem evolutiva para as MAC é a abertura noturna dos estômatos, resultando em grande eficiência de uso da água. Esta eficiência se dá porque, em geral, a temperatura à noite é mais fria que durante o dia. Com a redução da temperatura do ar ocorre aumento da umidade relativa e redução da perda de água por transpiração. Esta perda é função do gradiente de umidade entre o interior dos estômatos, onde em geral a umidade relativa está próxima 6 de 100%, e a umidade atmosférica. Quanto mais próxima da saturação esta última estiver, menor a tendência de perda. A perda é também função da temperatura: para uma mesma umidade relativa, quanto maior a temperatura maior a tendência à perda de água. Se a temperatura cair ao ponto de condensação de orvalho, a planta pode até absorver água em vez de perder com a transpiração. Abrindo os estômatos à noite, os cladódios evitam ainda o aumento da temperatura interna pela insolação direta que também leva a maior transpiração. A enorme vantagem ecológica do processo de fixação MAC pode ser apreciada comparando com os processos das plantas C4 e C3 em relação à quantidade de água necessária para a produção de uma unidade de biomassa. Em números aproximados, as MAC usam 50 a 100 kg de água para cada kg de matéria seca; as plantas C4, de 300 a 500 kg; e as plantas C3, de 700 a 1000 kg. Não surpreende, portanto, que as MAC sejam típicas de locais áridos, semiáridos ou com baixa disponibilidade local de água, como superfícies de lajedos, construções, fios e ramos de árvores (epífitas). As plantas MAC também podem aproveitar o CO2 liberado nos tecidos do cladódio pelo processo comum de respiração. Em plantas submetidas a estresse hídrico, com os estômatos fechados a noite e sem perda de água por transpiração, Goldstein et al. (1991) observaram aumento da acidez, correspondendo à fixação do CO2 respirado e equivalente a 27% da taxa fotossintética máxima. É uma forma de manter o metabolismo funcionando com uma perda mínima de água e reciclando o C. Outra característica de várias plantas MAC é que o processo de fotossíntese extra pode ser desativado e elas passam a funcionar como plantas C3 comuns. Geralmente, isso só ocorre quando elas crescem em condições de ampla disponibilidade hídrica. Neste caso, não há vantagem da abertura dos estômatos à noite e a planta ganha mais com a simultaneidade das fases luminosa e escura da fotossíntese. Entretanto, esta reversão de processo fotossintético não é automática e nem sempre é observada em plantas crescidas mesmo em condições de conforto hídrico. Em geral, Opuntia fícus- indica mantém o processo MAC mas os cladódios jovens fotossintetizam seguindo o processo C3 (Drennan & Nobel 2000). As plantas podem ainda estender o período de fixação de CO2, começando antes do anoitecer e acabando depois do amanhecer. Assim, o processo fotossintético das plantas MAC tem sido dividido em quatro fases: I – absorção de CO2 durante a noite; II - absorção de CO2 no início da manhã; III – 7 liberação de CO2 durante o dia; e IV - absorção de CO2 ainda à tarde (Pimienta – Barrios et al. 2005). O processo fotossintético MAC, por causa da fixação inicial do CO2 pelo PEP carboxilase, tem uma discriminação contra o 13 C (o isótopo estável mais pesado de carbono) menor que a das plantas C3 e equivalente aos das plantas C4. Com isto suas concentrações de 13 C são maiores que as das plantas C3 (δ13C de -10 a -15 contra δ13C de -25 a -30). Como as plantas MAC costumam ter maior eficiência de uso da água que as C4, a discriminação contra o 2 H (o isótopo estável mais pesado de hidrogênio) difere entre as plantas MAC e as C4. Assim, a dupla análise de 13 C e 2 H permite identificar qualquer produto ou seus derivados originado de plantas MAC, C3 e C4. Permitem também que se determinem as contribuições relativas das plantas em qualquer sistema ambiental. Em função do aumento já ocorrido e da previsão de maior aumento da concentração de CO2 na atmosfera, têm sido estudadas as respostas fotossintética das plantas MAC a concentrações elevadas de CO2 (Drennan & Nobel, 2000; Cui & Nobel, 1994). As taxas fotossintéticas aumentam, mas, depois de alguns meses, podem voltar a níveis semelhantes aos anteriores, por aclimação ou inibição por retro-alimentação; em alguns casos mantém-se maiores mesmo um ano depois (Drennan & Nobel, 2000). Junto com o aumento nas taxas, em geral, aumentam os níveis de amido, açúcares solúveis, malato e glucomanana (provavelmente uma reserva de carbono para PEP), a produção de biomassa (até 40% mais com o dobro da concentração de CO2 na atmosfera) e a eficiência de uso de água e prolonga-se a fixação de CO2 sob estresse hídrico e decrescem a condutância de vapor, a concentração de clorofilas e a razão clorofila a:b, a concentraçãoe a afinidade da PEP carboxilase e a concentração da rubisco. Esses efeitos são potencialmente maiores a temperaturas mais elevadas. Morfologia e anatomia A palma, como muitas outras cactáceas, não tem folhas. Assim, a fotossíntese é feita nos caules adaptados, os cladódios, também conhecidos como raquetes ou palmatórias. Os cladódios são estruturas com alto conteúdo líquido, principalmente na 8 sua parte mais interna, constituída pelos tecidos esbranquiçados e compactos do parênquima. Mais próximos das superfícies dos cladódios estão os tecidos do clorênquima, caracterizados pela cor esverdeada, decorrente da presença dos cloroplastos, ricos em clorofila e onde ocorre o processo de captação de luz. Recobrindo o clorênquima estão os tecidos da epiderme. As células do clorênquima de O. ficus-indica são cerca de 20 vezes menores que as do parênquima e a espessura do tecido cerca de duas vezes menor (clorênquima em torno de 6 mm e parênquima de 13 mm). O clorênquima de O. ficus-indica ,como o de outras plantas MAC, é bem mais espesso que o da maioria das plantas C3 e C4, que, em geral, têm apenas entre 100 e 300 µm de espessura (Pimienta-Barrios et al. 2005). As células têm vacúolos grandes, que facilitam a estocagem do malato produzido durante a noite, e conteúdo relativamente diluído, com potencial hídrico alto. Maiores concentrações de CO2 na atmosfera levam a maior número de camadas de células e maiores espessuras do clorênquima e do parênquima e, conseqüentemente, aumento da espessura dos cladódios, que podem variar de 10 a 20% dependendo da ordem de posição na planta (Drennan & Nobel 2000). Em situações de deficiência hídrica temporária, água acumulada no parênquima pode ser transferida para o clorênquima assegurando a continuidade da abertura dos estômatos e da fixação de CO2 (Goldstein et al. 1991). A epiderme é constituída por uma única camada de células, envolvendo todo o cladódio, exceto onde ele se liga a outros cladódios, flores e frutos. A área destas ligações, geralmente, ocupa menos de 5% da sua área periférica (Nobel, 1995). As células epidérmicas são recobertas pela camada de ceras da cutícula, que tem entre 1 e 5 centésimos de mm de espessura, aparentemente delgada mas 10 a 50 vezes maior que a das folhas da maioria das plantas. Esta cutícula torna a superfície dos cladódios praticamente impermeável à entrada ou saída de ar e de líquidos, exceto nos pontos de abertura, como os dos estômatos. O número de estômatos nos cladódios é baixo (10 a 30 por mm 2 ), cerca de 10 vezes menos que o da maioria das folhas das plantas C3 e C4, mas seu tamanho é similar ao dos estômatos de folhas de muitas espécies de plantas. Em condições de elevada concentração de CO2 atmosférico (Drennan & Nobel 2000), a camada de cera cuticular aumenta até 60% e a espessura da cutícula até 30%, enquanto a freqüência estomatal decresce até 20%. 9 Na maioria das plantas, a luz ativa a abertura dos estômatos mas não plantas MAC que abrem os estômatos a noite. Esta reversão do mecanismo resultou do complexo processo evolutivo descrito anteriormente, com muitas alterações metabólicas, e em uma nítida vantagem na economia de água. A palma tem uma relação de biomassa de raízes para biomassa das partes aéreas relativamente baixa. A relação, em geral, fica em torno de 0,08 a 0,14, ou seja, apenas cerca de 10% da massa da plantas está no sistema radicular (Snyman 2006a, 2006b, 2007). Esta baixa relação tem sido ligada às baixas taxas de transpiração e grande economia do uso de água (Drennan & Nobel 2000). Entretanto, o sistema radicular pode ser bastante complexo, com quatro tipos de raízes (Sudzuki-Hills, 1995): 1) raízes estruturais; 2) raízes absorventes; 3) raízes esporas; e 4) raízes originadas nas aréolas dos cladódios. A maior parte destas raízes concentra-se nas camadas superficiais do solo, até 15 cm de profundidade, mas pode estender-se horizontalmente por mais de 2,5 m de distância de seu ponto de inserção no caule (Snyman 2006a). No sistema usual de propagação da palma, enterrando-se parte de um cladódio, as raízes desenvolvem-se das aréolas, que podem ser consideradas gemas axilares, situadas cerca de 2 mm abaixo da epiderme dos cladódios. Em geral, a maior parte das aréolas da parte em contato com o solo forma raízes, entre três dias e três semanas do plantio. Em experimento conduzido por Snyman (2006b) apenas 3% das aréolas não formaram raízes e cada aréola formou, em média, três raízes. O maior crescimento das raízes pivotantes foi de 42 mm dia -1 e as raízes laterais cresceram 8 mm dia -1 . As raízes mais grossas (cerca de 9 mm) desenvolvem-se diretamente do cladódio. Uma importante adaptação do sistema radicular das cactáceas é a formação de raízes absorventes denominadas de raízes de chuva (rain roots, Snyman 2006b). São raízes esbranquiçadas, formadas poucas horas depois que o solo é re-umedecido, em raízes já estabelecidas, e que têm vida curta, em geral menos de três dias. Elas podem crescer até 7 mm dia -1 , chegando a pouco mais de 20 mm de comprimento. São importantes na rápida e eficiente captação de água nas camadas superficiais do solo, apesar de captarem apenas cerca de 25% do total de água até quatro dias depois do re-umedecimento (Snyman 2006b). Submetendo plantas de O. ficus-indica a diferentes níveis de estresse hídrico, Snyman (2007) observou redução da massa radicular mas aumento do comprimento das raízes, principalmente das raízes laterais, e redução da eficiência do 10 uso da água. Uma chuva de apenas 11 mm foi suficiente para que os cladódios voltassem ao estado de hidratação mesmo nos tratamentos que antes tinham reduzido a água disponível a menos de 25%. De acordo com Snyman (2006b), o sistema radicular de O. ficus-indica tem as seguintes adaptações à seca: 1) redução da superfície radicular e da permeabilidade à água; 2) capacidade de absorção até de pequenas quantidades de água (pouca chuva), pelas raízes de chuva; e 3) potencial hídrico muito negativo que reduz a transpiração das raízes. Elevação da concentração de CO2 atmosférico leva a aumento de até 100% na razão raízes: parte aérea de O. ficus-indica, mas não modifica a arquitetura das raízes, especialmente número de raízes laterais e diâmetros das raízes (Drennan & Nobel 2000). Implicações práticas Apesar deste trabalho focar na produção de forragem, não se pode deixar de começar pelo registro de que todo o potencial das palmas não está sendo explorado no Brasil. A produção de frutos, tanto para o mercado interno quanto para exportação, é muito promissora e não vem recebendo a devida atenção. Isto é especialmente válido para os Estados do Nordeste, onde o cultivo da palma forrageira já alcança grandes áreas, e, especialmente, para as áreas semiáridas, onde poucas culturas têm potencial de produção rentável. A palma, tanto para produção de forragem quanto de frutos, é uma das culturas permanentes adaptadas a regiões secas de maior potencial de produção de biomassa, graças a seu sistema fotossintético MAC. Há registros de produções de mais de 40 Mg ha -1 de matéria seca, maiores que as produções da maioria das culturas de plantas C3 e comparáveis às de C4 (Drennan & Nobel 2000). A única outra cultura permanente MAC no semiárido nordestino com algum peso econômico é o agave mas de muito menor expressão que a palma. As regiões com condições ideais de cultivo no Nordeste são as que têm noites frias em relação à temperatura do dia, com gradientes de mais de 10 o C, que fazem com que a umidade relativa do ar suba bastante. Nestas condições (por exemplo, 33 o C11 durante o dia e 20 o C durante a noite), as perdas de água pelos estômatos abertos à noite são reduzidas e eficiência do uso da água pode ser grande. Estas condições ocorrem nos meses de final de outono e início de inverno na região semiárida nordestina, que, na porção mais leste, coincidem com os meses de final da época de chuvas e início da estação seca. A produção de novos cladódios, que ainda bem jovens seguem o sistema fotossintético C3, seria favorecida na estação de chuvas, quando a umidade do ar e do solo são mais altas, permitindo a abertura dos estômatos durante o dia, sem maior risco de desidratação. Finda a estação de chuva, a produção manter-se-ia alta no período de noites frias. No final do outono, antes das chuvas e, principalmente em áreas da Depressão Sertaneja com noites quentes, a capacidade fotossintética reduz-se a poucas horas por noite (ou até nenhuma), reduzindo a produção de biomassa, mas as plantas podem manter-se vivas por vários meses. O plantio consorciado da palma com outras plantas C3 ou C4 é favorecido pelas diferenças temporais na absorção de CO2 pela fotossíntese e liberação de CO2 pela respiração. Durante a noite as plantas C3 e C4 estão respirando, isto é, liberando CO2 para a atmosfera, criando um ambiente mais rico em CO2 no espaço entre o solo e a parte superior destas plantas. Esta maior concentração de CO2 leva a um processo de fotossíntese mais intenso na palma (Nobel 1995). O processo inverso ocorre durante o dia, com a palma respirando e as outras plantas fixando este CO2 extra. Assim, ambos os tipos de planta são favorecidos. Tanto na consorciação quanto em plantios isolados de palma é preciso tomar cuidado com as capinas e limpezas de mato, por causa do sistema radicular superficial da palma. O aumento de concentração de CO2 na atmosfera que já vem ocorrendo e possíveis aumentos que ainda virão favorecem a maior produção de biomassa da palma, apesar da fixação inicial pela PEP carboxilase não ser muito beneficiada. Neste favorecimento, elas estão mais próximas das C3, que terão grandes aumentos, que das C4 que terão aumentos menores. O sistema MAC presta-se a várias análises características que têm sido muito pouco exploradas no Brasil. Uma é a variação na acidez nos cladódios ao longo do dia. Em condições normais de fixação de CO2, no início da madrugada os cladódios estão 12 carregados de ácido málico que vai sendo metabolizado em carboidratos ao longo do dia, reduzindo a acidez até no final da tarde. O momento do corte das raquetes pode ser escolhido de forma que a forragem tenha maior ou menor acidez. A variação da acidez também pode ser usada, medindo-se o pH interno da palma, para verificar a intensidade do processo de fotossíntese. Outra característica é a possibilidade de separação de produtos a partir da análise dos isótopos estáveis 13 C e 2 H. Permitem que se identifique e quantifique a contribuição da forragem da palma para qualquer produto animal (leite, carne, esterco) em mistura com outros componentes da ração (originados de plantas C3 e/ou C4). Permitem que se quantifique a contribuição da plantas de palma ao C do solo (massa radicular, CO2 liberado, matéria orgânica total e quaisquer de suas frações). É um enorme campo de possibilidades praticamente inexplorado no Brasil (Sampaio 2005). Referências Andrade J.L.; Barrera, E.; Reyes-Garcia, C.; Ricalde, M.F.; Vargas-Soto, G.; Cervera, J.C. 2007. Crassulacean acid metabolism: diversity, environmental physiology and productivity. Boletin de la Sociedad Botánica de México 81: 37-50. Barbera, G; Iglese, P.; Pimienta-Barrios, E.; Arias-Jiménez, E. 1995. Agroecology, cultivation and uses of cactus pear. Roma, FAO. 216p. Chávez-Moreno, C.K.; Tecante, A.; Casas, A. 2009. The Opuntia (Cactaceae) and Dactylopius (Hemiptera: Dactylopiidae) in Mexico: a historical perspective of use, interaction and distribution. Biodiversity and Conservation 18: 3337-3355. Cui, M. & Nobel, P.S. 1994. Gas-exchange and growth-responses to elevated CO2 and light levels in the CAM species Opuntia-ficus-indica. Plant Cell and Environment 17: 935-944. Drennan, P.M. & Nobel, P.S. 2000. Responses of CAM species to increasing atmospheric CO2 concentrations. 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