Buscar

Texto Negros Pintores. Emanoel Araújo

Esta é uma pré-visualização de arquivo. Entre para ver o arquivo original

Texto curatorial, exposição Negros Pintores. Museu Afro Brasil, 
2008.
Disponível em: http://www.vitruvius.com.br/revistas/read/
arquitextos/09.100/107 
Esta nova Exposição do Museu Afro Brasil é uma visita ao acervo de 
pintores negros da Academia de Belas Artes, século XIX, incluindo 
mais três outros artistas já do século XX, mas que – de certa 
maneira – traduzem em suas obras laços profundos com a tradição 
acadêmica, mais em espírito do que na complexidade técnica da 
produção pictórica. São eles Benedito José Tobias, Benedito José 
de Andrade e o gaúcho Wilson Tibério.
Os dois primeiros são de São Paulo e viveram aqui no resquício da 
prática figurativa de pintar; o outro trabalhou e viveu por longos 
anos na França, onde morreu. Talvez o distanciamento da pátria fez 
com que Tibério se dedicasse a uma arte voltada à representação de 
aspectos da cultura afro-brasileira. Seria nostalgia do exílio ou 
uma posição política por ele adotada para evidenciar suas mágoas e 
sua condição de revolta com as injustiças do mundo? Ele próprio já 
havia experimentado certo fracasso no Senegal quando se envolveu 
num movimento de revolta dos mineiros lhe valendo a expulsão 
daquele país africano. A inclusão de suas obras nessa exposição, 
longe está de uma representação ideal, mesmo porque pouco se 
conhece da sua produção mais recente, antes de seu falecimento na 
França. Contudo, as cinco obras do acervo do museu, representam 
uma homenagem póstuma à sua vida longe do Brasil.
Quanto a Benedito José Tobias e Benedito José de Andrade, pouco se 
investigou sobre suas obras. De Tobias, além do que se conhece – 
os pequenos retratos de negros e negras executados a óleo sobre 
madeira ou a guache sobre papel, com maestria e com uma certa 
tensão expressionista – há algumas pinturas de paisagens, de onde 
surgiria um belo pintor perdido pelas agruras da vida de severos 
tempos.
Sobre ele, disse José M. Silva Neves: “Numa vida inquieta e 
estabanada, desperdiça seu talento e a fortuna em imóveis e 
terrenos que herdara dos pais, passando então a viver 
exclusivamente de sua arte. Nessa quadra de sua existência, sentiu 
toda a dolorosa beleza da vida. Sentindo as harmonias do pobre, do 
barato, a beleza dos atos vulgares, conhecendo as pequenas e as 
grandes misérias, olhava tudo com olhar compassivo, tendo pelas 
fraquezas dos outros suma tolerância sem igual. Estava embriagado 
com o licor da vida. Mas a pintura era sua preocupação dominante. 
Por ela sofreu humilhações e duras desilusões.”
Quanto ao Andrade, seus trabalhos se notabilizaram pela 
representação animalista de verdadeiras parábolas para armar 
situações como esta descrita pelo Jornal do Brasil de 1951. “A 
cena é pitoresca. O papagaio (tão vivo) parece um daqueles louros 
amazonenses em plena selva. Do alto grita, vozeia. Os habitantes 
do terreiro aplaudem enquanto que o galo surrado, desolado, 
deposto, jaz sujo e sem força para discutir. Um quadro real. 
Idéia. Técnica. O papagaio como qualquer. O dos papagaios homens, 
vence a parada pelo verbo, pela retórica, astuciosamente. Galo 
também como qualquer mandão homem, sofre no orgulho abatido, na 
queda inesperada... Que cena, Sr. Andrade! Que concepção 
filosófica e que modelos condescendentes! Muito bem, sim senhor.”
Desde A Mão Afro Brasileira, quando começamos a tratar de mostrar 
esses pintores, uma espécie de arqueologia vem se processando na 
descoberta de novas obras e sua devida valorização no mercado de 
arte, apesar do ostracismo, dos maus-tratos, da ignorância e 
insensibilidade com que se trata no Brasil a história e a memória 
iconográfica da arte do século dezenove e do primeiro quartel do 
século vinte.
Durante muito tempo pouco se sabia sobre esses pintores, pouco se 
conhecia de sua produção artística, aliás, até os dias atuais 
essas obras ainda surpreendem quando aparecem no mercado de arte, 
sendo que muitos desses artistas continuam congelados nos acervos 
ou nos depósitos dos museus sem que uma política de revisão e de 
novas aquisições se faça para resgatar em profundidade essa 
produção artística.
Nessa visita à coleção do Museu Afro Brasil vamos, sobretudo, 
celebrar as novas aquisições dos Irmãos Timótheo – João e Arthur, 
que chegaram ao século XX. Esses dois pintores merecerão um dia, 
uma grande exposição que revelará a força de seus talentos e o 
requinte técnico de suas obras. Algumas delas como “Alguns 
Colegas”, de 1921, do acervo do Museu Nacional de Belas Artes e 
“Carnaval”, de 1913, são obras memoráveis da feitura de Arthur 
Timótheo da Costa assim como algumas obras do Museu Afro Brasil do 
período do novecentos, mas são as pequenas paisagens ue revelam a 
sensibilidade atenta de João Timótheo da Costa. Em ambos se 
percebe o nascimento de uma pintura vigorosa, densa, texturada, 
nervosamente grafada com liberdade e exuberância colorista. Se a 
morte não tivesse ceifado tão prematuramente suas vidas, eles, por 
certo, seriam os primeiros artistas modernos do Brasil. Dos negros 
pintores, veremos a obra de Rafael Pinto Bandeira, fluminense que 
se matou, atirando-se da barca que fazia a travessia Rio - 
Niterói. O Museu Parreiras detém uma coleção apreciável de suas 
obras, assim como o Museu Nacional de Belas Artes do Rio de 
Janeiro. São paisagens intimistas e bucólicas que mostram o 
caráter introspectivo do artista. Algumas figuras, paisagem e 
retratos, inclusive do aluno Conceição, que aparece recebendo aula 
com o pintor quando este lecionava no Liceu de Artes e Ofícios de 
Salvador, em rara fotografia do final do século XIX – pertencem ao 
Museu Afro Brasil.
Firmino Monteiro, outro raro pintor de belas e luminosas 
paisagens, pintou também temas históricos e de costumes; seu 
famoso quadro “Fundação da Cidade do Rio de Janeiro”, mereceu este 
comentário de Machado de Assis: “Não faltou quem levasse consigo 
um pouco de receio – o receio de uma desilusão - mas ninguém 
desceu que não se desse por bem pago do tempo e do esforço. Com 
efeito, o quadro do Sr. Firmino revela qualidades reais de 
artista: é bem desenhado, bem composto, bem colorido, a impressão 
geral é excelente. Não entramos, por falta de competência, no 
inventário das belezas técnicas do trabalho, ou ainda dos senões, 
se os tem; damos uma impressão de espectador.”
Outro artista surpreendente, há pouco tempo descoberto pelo 
marchand Rafael Kastoriano é Emmanuel Zamor, nascido na Bahia e 
levado ainda muito jovem para França, onde viveu e tornou-se 
pintor. Suas obras foram mostradas pela primeira vez no Museu de 
Arte de São Paulo, em 1985 e, depois, na Fundação Armando Álvares 
Penteado, em 1990. O nome de Emmanuel Zamor começou a ecoar nos 
ouvidos do marchand em 1984 quando um tio seu, antiquário, 
comentou em família que havia feito uma grande descoberta. Durante 
um leilão, ele se viu frente à obra de um curioso artista do qual 
nunca tinha ouvido falar, mas que lhe pareceu muito interessante. 
Ao saber que o pintor era brasileiro, arrematou as 37 telas – 
algumas feitas sobre madeira de caixa de charuto – que estavam à 
venda e, de quebra, levou uma foto do artista atribuída ao 
parisiense Maurice Nadar, fotógrafo que registrou as imagens dos 
mais famosos intelectuais e artistas da França do final do século 
XIX. Zamor é considerado um pré-impressionista, suas paisagens 
feitas ao ar livre, naturezas mortas ou ainda recantos bucólicos 
são o fascínio desse artista revelado pela astúcia de um 
descobridor.
A Europa sempre foi o fascínio dos artistas do século XIX e esse 
foi o destino do sergipano de Laranjeiras, Horácio Hora, que 
morreu muito moço – com
37 anos, deixando uma obra muito pequena e 
hoje no acervo do Museu Histórico de Sergipe, em São Cristóvão. 
Pintor cuja carreira desenvolveu-se quase toda na França, Horácio 
Hora pode ainda ser reclamado como artista de nítidas preocupações 
brasileiras, pois fiel aos postulados românticos que o fizeram 
criar, por exemplo, Peri e Ceci. Comenta José Roberto Teixeira 
Leite: “A exposição apresenta apenas uma paisagem delicada e de 
múltiplos planos e de requintada e minuciosa pincelada do pintor.”
A vida de cada um desses artistas será uma interminável batalha, 
um grande esforço pessoal e de uma tenacidade inimagináveis pela 
afirmação e reconhecimento de suas obras. Só o fato de seus nomes 
terem permanecido na história da arte brasileira já credenciaria a 
raça negra ao reconhecimento da nação pela sua contribuição à 
construção da cultura brasileira. Entretanto, há algo mais. 
Estevão Silva pode ser tomado como caso exemplar da busca de uma 
expressão. "Descendente de africanos, conservando ainda traços 
profundos e radicais, era o que se pode chamar um belo tipo, 
retinto, forte, fisionomia insinuante, onde havia o quer que fosse 
de franco e bom.". Assim o crítico Gonzaga Duque descreve Estevão 
Roberto da Silva. Apesar das convenções de estilo de uma época, 
apesar do preconceito, a alma negra ultrapassa os limites que a 
aprisionam e encontra um modo de manifestar-se em pujança. Como os 
demais artistas acadêmicos, Estevão Silva não toma o negro por 
tema ou modelo, atendo-se, ao contrário, a uma temática 
tradicional, sobretudo pelo gênero em se especializa – a natureza 
morta. "Quem como ele vem de uma rude raça oprimida e vem 
sofrendo, e vem lutando, não tem a nebulosidade grisata, 
dificultosa, meândrica, enovelada dos finos; vê sempre sangüíneo, 
vê sempre desesperadamente amarelo. Repare-se agora o contraste 
brusco das sombras cuja cor nunca conseguira perder, apesar do tom 
pesado, algumas vezes muito violento que punha nos seus quadros. É 
negro sem leveza, sem transições. O colorido quente, intenso, 
gritalhão de seus frutos reunidos á escuridão das sombras, dão aos 
quadros, mesmo aos menores, um aspecto de rudeza que domina e 
destrói a macieza aveludada, a delicadeza voluptuosa com que 
tratava alguns espécimes da natureza dos trópicos.". Mas sua obra 
tem uma integridade ímpar pela qualidade de suas invenções, pelas 
cores sedosas e quentes de seus frutos tropicais e sensuais. 
“Ninguém pintou frutos iguais ao de Estevão”, observou um outro 
critico de arte. Ninguém foi como ele em sua inteireza como 
artista, soberbo aquele Diamante Negro, gritando: “Recuso!” – uma 
insubordinação diante do júri de premiação, imperdoável atitude, 
perante o Imperador D. Pedro II quando se sentiu injustiçado com 
seu prêmio como aluno da última turma da Academia Imperial de 
Belas Artes. Valente esse Estevão, grande sua agonia, brilhante o 
seu gesto.

Teste o Premium para desbloquear

Aproveite todos os benefícios por 3 dias sem pagar! 😉
Já tem cadastro?

Continue navegando