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1 VISTA POR SERRANO NEVES GOIÂNIA, SETEMBRO DE 2010 COLEÇÃO TÊMIS DESVENDADA A Culpabilidade vista por Serrano Neves Da eficácia executória do dispositivo condenatório na sentença penal. Serrano Neves Procurador de Justiça Criminal http://www.serrano.neves.nom.br serrano@serrano.neves.nom.br pmsneves@gmail.com com contribuições de Humberto Rodrigues Moreira REVISÃO 0.1 em 28/08/2010 EDITORA LIBER LIBER CALCPEN, calculadora de pena privativa de liberdade complementa este e-Book 2 apresentada em 4 formatos no CD SUGESTÕES PARA LEITURA E IMPRESSÃO Formato A5 paisagem para leitura no vídeo, gerado com BrOffice.Writer 3.2 e convertido para PDF com BrOffice.Writer 3.2 A largura original do formato A5 corresponde a 794x559 pixels, ou seja, é menor que a menor resolução de vídeo que é de 800x600 pixels. Melhor leitura com o ADOBE READER, mas foi testado também no FOXIT READER. O formato permite impressão de duas páginas por folha A4 (testado em EPSON Stylus C110 Series) A impressão pode ser ajustada para somente Preto & Branco ou somente Tinta Preta (testado em EPSON Stylus C110 Series). Ajuste o leitor de PDF para melhor visualização na tela e acesso ao índice. Agradecemos reportagem de problemas com formato ou impressão para pmsneves@gmail.com 3 Sumário 1 NOÇÃO DE CULPA E CULPABILIDADE.................................................................................9 1.1 O torcedor de futebol......................................................................................................................................................9 1.2 Quem comeu o meu biscoito........................................................................................................................................10 1.3 O alfaiate.......................................................................................................................................................................11 1.4 Culpabilidade NÃO PENAL........................................................................................................................................12 2 INTRODUÇÃO.....................................................................................................................14 2.1 I. As várias acepções do termo culpabilidade no direito penal:....................................................................................14 2.2 II. Conceito de Culpabilidade como elemento/estrato do crime:..................................................................................15 2.3 III. Concepções dogmáticas da culpabilidade:.............................................................................................................16 2.4 IV. Elementos da culpabilidade normativa pura...........................................................................................................17 2.5 V. Esquema da Imputabilidade na Culpabilidade.........................................................................................................18 3 SENTENÇA DE EFICÁCIA RESTRINGIDA......................................................................20 4 DO FIM DA PERSEGUIÇÃO PUNITIVA...........................................................................39 5 A CULPABILIDADE............................................................................................................54 5.1 Consistente Legal..........................................................................................................................................................55 5.2 Exame da Hipótese.......................................................................................................................................................56 5.3 Orientação.....................................................................................................................................................................60 5.4 AS ELEMENTARES DA CULPABILIDADE.............................................................................................................68 5.5 Uma Visita à Imputabilidade........................................................................................................................................77 6 DA FIXAÇÃO DA PENA BASE........................................................................................101 6.1 A declaração................................................................................................................................................................104 6.2 Suficiência na declaração............................................................................................................................................104 7 DOS COMANDOS NORMATIVOS...................................................................................108 8 A MEDIDA DA CULPABILIDADE...................................................................................112 9 A NECESSIDADE DE ATRIBUIR UMA MEDIDA...........................................................116 10 A BUSCA DA EFICÁCIA.................................................................................................120 4 10.1 Do Interesse na Eficácia...........................................................................................................................................120 10.2 Discussão da ineficácia.............................................................................................................................................123 10.3 Da natureza declaratória...........................................................................................................................................127 10.4 Momentos da declaração..........................................................................................................................................131 10.5 Conclusão..................................................................................................................................................................141 11 DA DECLARAÇÃO..........................................................................................................143 11.1 Do conteúdo da declaração.......................................................................................................................................143 11.2 Do Dever de Fundamentar........................................................................................................................................144 11.3 Necessário e Suficiente.............................................................................................................................................149 11.4 A Natureza da Verdade..............................................................................................................................................151 12 EXPOSIÇÃO DO CASO...................................................................................................154 12.1 Breve Histórico dos Vícios.......................................................................................................................................158 12.2 Dispositivo arbitrário................................................................................................................................................162 12.3 Anulação arbitrária do dispositivo............................................................................................................................165 13 RECURSO EXCLUSIVO DA DEFESA...........................................................................169 13.1 Convalidação arbitrária do dispositivo.....................................................................................................................174 13.2 Do Interesse para Recorrer.......................................................................................................................................17714 DOS PONTOS CONTROVERSOS..................................................................................181 15 DA NULIDADE ABSOLUTA...........................................................................................188 16 CASO E PROPOSIÇÃO...................................................................................................190 17 POSIÇÃO DO GABINETE...............................................................................................192 17.1 Da Ilegalidade e do Abuso de Poder.........................................................................................................................193 17.2 Da violação do texto constitucional..........................................................................................................................194 17.3 Do devido processo legal..........................................................................................................................................205 17.4 Da dignidade da pessoa humana...............................................................................................................................207 17.5 Da sociedade livre, justa e solidária..........................................................................................................................208 18 UMA METODOLOGIA PARA MEDIR A CULPABILIDADE........................................210 18.1 O que medir..............................................................................................................................................................214 19 RESUMO DOUTRINÁRIO..............................................................................................227 19.1 OBJETIVO...............................................................................................................................................................229 20 ANOTAÇÕES SOBRE O DIAGRAMA..........................................................................230 5 20.1 condição de punibilidade..........................................................................................................................................230 20.2 Equação do inteiramente incapaz.............................................................................................................................232 20.3 Equação do não inteiramente capaz..........................................................................................................................233 20.4 Do advérbio “inteiramente”......................................................................................................................................235 20.5 Entender inteiramente o caráter ilícito do fato..........................................................................................................235 20.6 Determinar-se de acordo com esse entendimento.....................................................................................................236 20.7 Condição de reprovabilidade....................................................................................................................................237 20.8 Demonstração...........................................................................................................................................................237 20.9 A culpabilidade como princípio (nulla poena sine culpa) (culpável)........................................................................238 20.10 A culpabilidade como elemento dogmático do delito (culpado).............................................................................239 20.11 A culpabilidade como legitimante da pena (culpabilizável)...................................................................................239 20.12 Caso concreto de ausência de culpabilidade...........................................................................................................241 20.13 Simulação de dispositivo........................................................................................................................................242 20.14 Dispositivo quase perfeito em caso concreto..........................................................................................................245 21 CAMINHO CRÍTICO DO EXAME DA CULPABILIDADE NOS TRÊS MOMENTOS 247 21.1 Momento I (fig. 13a).................................................................................................................................................247 21.2 Momento II (fig. 13b)...............................................................................................................................................250 21.3 Momento III – (fig. 13c)...........................................................................................................................................251 22 DA FUNDAMENTAÇÃO DA CULPABILIDADE..........................................................262 22.1 DA INDIVIDUALIZAÇÃO.....................................................................................................................................264 22.2 ANÁLISE DA CULPABILIDADE..........................................................................................................................266 22.3 DO CARÁTER DECISÓRIO DA FIXAÇÃO DA PENA.......................................................................................269 22.4 DO RECEBIMENTO (REJEIÇÃO) DA DENÚNCIA............................................................................................270 22.5 DA (IN)PROCEDÊNCIA DA DENÚNCIA.............................................................................................................271 22.6 MOTIVOS DE FATO E DE DIREITO.....................................................................................................................272 22.7 LIVRE CONVENCIMENTO MOTIVADO.............................................................................................................275 22.8 DA EXTENSÃO DA MOTIVAÇÃO.......................................................................................................................283 22.9 FUNDAMENTAÇÃO DA SENTENÇA..................................................................................................................289 22.10 CONCLUSÃO........................................................................................................................................................292 23 EMBARGOS DE COERÊNCIA(*)...................................................................................294 23.1 FUNDAMENTAÇÃO DAS DECISÕES QUE RESTRINGEM A LIBERDADE.................................................294 23.2 DO EXAME DE CASOS CONCRETOS................................................................................................................294 23.3 JURISPRUDÊNCIA.................................................................................................................................................302 6 24 EPÍLOGO..........................................................................................................................310 24.1 Momento I da culpabilidade.....................................................................................................................................311 24.2 Momento II da culpabilidade....................................................................................................................................312 24.3 Momento III da culpabilidade...................................................................................................................................313 25 CALCULADORA DE PENA............................................................................................314 25.1 Tela Inicial - Calculadora em formulário - roda no BrOffice.Calc...........................................................................315 25.2 Instruções - Calculadoraem formulário - roda no BrOffice.Calc...........................................................................316 25.3 Cálculo da Pena Base - Calculadora em formulário - roda no BrOffice.Calc..........................................................317 25.4 Ajuda do Cálculo da Pena Base - Calculadora em formulário - roda no BrOffice.Calc...........................................318 25.5 Ajuda do cálculo da Pena Base - Calculadora em formulário - roda no BrOffice.Calc...........................................319 25.6 Cálculo das Agrantes e Atenuantes - Calculadora em formulário - roda no BrOffice.Calc.....................................320 25.7 Cálculo dos Aumentos e Diminuições - Calculadora em formulário - roda no BrOffice.Calc...............................321 25.8 Ajuda do cálculo dos Aumentos e Diminuições - Calculadora - roda no BrOffice.Calc.........................................322 25.9 Tela Única (com ajudas) - Calculadora em planilha - roda no BrOffice.Calc..........................................................323 25.10 Tela Única (com ajudas) - Calculadora em planilha - roda em Excel (97/2003 e 2007/2010)...............................324 26 CONTEÚDO DO CD...............................................................................................325 7 1 NOÇÃO DE CULPA E CULPABILIDADE CULPA E CULPABILIDADE SÃO NOÇÕES NATAS E LEIGAS. A palavra culpa é usada para designar o vínculo entre uma pessoa e sua conduta censurável. 1.1 O torcedor de futebol O art. 654 do Código de Processo Penal expõe duas chaves mestras do instituto do Habeas Corpus: “qualquer pessoa” (caput) e “conterá” (§1º). “O técnico é culpado pela vitória do time” é uma afirmação no mínimo estranha para os ouvidos leigos. Técnicos de futebol sempre são apontados como culpados pela derrota do time. Os torcedores de futebol sabem muito bem atribuir culpas. E mais, sabem analisar a pessoa culpada diante das circunstâncias da conduta. E mais ainda, sabem distribuir sanções proporcionais. Sabem, aquele jogo perdido? Pois é, o atacante goleador estava com o joelho doente, mas o técnico o escalou assim mesmo, tem que, no mínimo, levar uma multa. Ora! Diz outro torcedor: o cara é sério, e se escalou o jogador foi porque o médico liberou, logo, tem que pagar multa também. 8 Deixa disso, sô ! O médico é meu vizinho de quintal, sujeito bom, se fez isso foi porque levou uma cartolada, esse cartola tem que ser desmoralizado. Qualé, mané! O cartola do time é meio enrolado, mas estou sabendo que o patrocinador ameaçou romper o contrato se o atacante não fosse escalado, a assembleia tem que demitir essa diretoria vendida. Disse eu: quem de qualquer modo concorre para o “crime” incide nas penas a este cominadas na medida da sua culpabilidade. 1.2 Quem comeu o meu biscoito Archeobaldo chegava em casa mais cedo nas quintas-feiras e comia biscoitos de queijo que sua dedicada esposa preparava. Certa quinta-feira o Juninho comeu os biscoitos e quando a mãe viu já não dava tempo de fazer outros. Archeobaldo chegou, não encontrou os biscoitos e partiu furioso para cima da esposa, mas esta – que não mentia – apontou Juninho como autor da façanha. Archeobaldo pegou o chinelo para exemplar Juninho quando sua esposa o interrompeu: “Não faça isto ! Eu fiz os biscoitos como sempre, mas há hora do lanche do Juninho eu estava fazendo as contas da casa para economizar seu suado dinheiro e não dei atenção aos seus reclamos. Ele estava com fome e comeu os biscoitos. Ora, Archeobaldo, o Juninho é uma criança, não podia entender essa sua mania de comer biscoitos às quintas-feiras; estava com fome, eu não lhe dei atenção, ele não achou outra coisa para comer. Então, não merece chineladas, mas deve ganhar 9 um sermão para não crescer achando que pode fazer tudo.” E eu, refletindo: imputabilidade especial, potencial consciência do injusto, exigibilidade de conduta diversa, analisadas de acordo com as circunstâncias do fato e o domínio sobre elas. 1.3 O alfaiate Comprei um terno no Magazine Machon. Ficou perfeito porque meu corpo tem as medidas padrão do manequim 48. O primeiro amigo que encontrei disse que eu não precisava usar terno de indústria mesmo que servissem certinho no corpo, pois havia um monte de gente usando os mesmos ternos, com pequenas variações de tecido e cor. Recomendou-me um alfaiate, e lá fui. Doutor, primeiro vamos tirar as medidas. Tirou e concluiu que eram padrão do manequim 48. O terno é para trabalho ou festa, doutor? Para trabalho, respondi. Então o doutor precisa de um tecido mais leve e um corte mais folgado para lhe dar mais conforto. Escolhido o tecido perguntou sobre a feijoada dos sábados e acresceu dois centímetros na cintura, ao mesmo tempo em que sugeria algibeiras e bolsos traseiros com alça para fechar no botão ao invés de casa. Aceitei a sugestão da casa na lapela, quando ele disse que dava um toque de elegância no doutor. 10 Provado estar ajustado e arrematado, estava usando o terno feito pelo alfaiate quando reencontrei o mesmo amigo: “Caramba! Dá para ver que foi feito para você.” E eu pensei com os botões do terno: resultado da individualização do pano, digo, da pena. 1.4 Culpabilidade NÃO PENAL Em destaque que vendedor do magazine me entregou um terno pronto que servia, mas o alfaiate realizou uma operação de normatização individualizada, o mesmo tendo sido realizado pelos torcedores e pela mãe do Juninho. Apropriando-se de fatos e valores referidos às pessoas e suas circunstâncias fizeram seus juízos e produziram resultados bem adequados aos casos. Os casos dos torcedores de futebol e da criança que comeu os biscoitos estão mostrando que pessoas leigas podem censurar condutas na conformidade da capacidade do agente, sua potencial consciência do injusto e exigibilidade de conduta diversa. A culpabilidade como censura à conduta do autor de uma ação, e mesmo a graduação da culpabilidade, é aplicável, no cotidiano, a situações que passam ao largo do direito penal. Em todos os casos leigos incide censura leiga, independente de existir norma escrita e sanção prevista. No mundo leigo existe, sim, um alto grau de arbitrariedade dada a inexistência de tipos e faixas de sanção, mas existe, em contrapartida, um esforço de razoabilidade na análise e na imposição de sanção em razão da pessoa. No caso dos biscoitos é válido fazer o exercício de ir aumentando a idade do 11 agente e reanalisando em função do aumento da capacidade para lidar com a conjuntura biscoitos-fome, formar a consciência do injusto de comer os biscoitos e conduzir-se de forma a não comê-los se existirem alternativas. Este é o mundo leigo, mundo dos humanos julgando humanos. O que ocorre no "mundo jurídico" como dessemelhança fundamental com o mundo leigo é: a) existência de pessoa investida com o poder de analisar; b) existência de tipos e sanções previstos na lei; c) existência de especial compreensão (doutrina jurídica). Decerto, no "mundo jurídico" humanos continuam analisando a conduta de humanos, impostas as limitações da "nulla poena sine lege previa" e chamada à presidência da concreticidade da sanção a razoabilidade ou proporcionalidade. É possível – afirmo na falta de pesquisa científica – que os maus tratos à culpabilidade no âmbito das sentenças penais condenatórias derivem da “tradicional” especialização do discurso jurídico. Everardo da Cunha Luna, in O Resultado no Direito Penal, comenta sobre a criação de um “mundo jurídico” no qual as coisas devem acontecer independentemente da realidade fática. Tal mundo jurídico – comento eu – se vale de uma linguagem própria, rica em expressõessinalagmáticas, rebuscamentos e hermetismo de linguagem, enfim, discursos capazes de revelar que o autor sabe mais do que os comuns mortais que lhes submetem à apreciação seus direitos e poderá um dia saber tanto quanto os que, eventualmente, revisarão seus discursos, como querem demonstrar. Bem, o sujeito dos direitos em apreciação que tenha um Advogado que também 12 habite tal mundo jurídico e que tenha habilidade e coragem para construir uma versão inteligível para os comuns mortais. Na área criminal é considerado que o cidadão só precisa saber a quantidade de pena e o regime de cumprimento. Afinal, cometeu um crime. Negar ao cidadão a fundamentação inteligível e individualizada sobre a relação entre a sua culpabilidade e a quantidade de pena é ato de poder, simplesmente: se foi o magistrado que disse então está certo. Revelar ao cidadão a fundamentação inteligível e individualizada é um ato de dever, ou como queira ato de poder-dever (ato de governo), ou melhor e atendendo a embargos de declaração: ato do poder para cumprir o dever. Doze laudas para dizer que o crime existe e doze linhas para tirar parte da liberdade do cidadão fazem parecer que o bem jurídico protegido é a integridade do tipo e que a liberdade é apenas um bem expropriável, e até pode ser assim esterilmente tratada desde que antecedida de prévia e justa indenização, digo, fundamentação, como garante a Constituição aos jurisdicionados. 2 INTRODUÇÃO Por Humberto Moreira 2.1 I. As várias acepções do termo culpabilidade no direito penal: 1) Culpabilidade como antônimo de inocência. Nullum crimen sine culpa. Nesse caso, a culpabilidade é um conceito amplo, que se refere ao fato de alguém ter sido condenado definitivamente por um crime praticado. Quem está nesta situação, tem 13 seu nome lançado no “rol dos culpados”. 2) Culpabilidade como circunstância judicial a ser aferida na aplicação da pena (art. 59 CP). A pena será maior ou menor conforme o grau de culpabilidade verificado. 3) Culpabilidade como referencia à ideia de culpa lato sensu. Trata-se do elemento subjetivo do crime (dolo ou culpa stricto sensu), localizado no tipo. Não há responsabilidade penal objetiva. 4) Culpabilidade como elemento do conceito analítico / dogmático / estratificado de crime. É o juízo de reprovabilidade ou censurabilidade da conduta típica e antijurídica do autor. 2.2 II. Conceito de Culpabilidade como elemento/estrato do crime: Conceito simplificado: REPROVABILIDADE PESSOAL DA CONDUTA TÍPICA E ANTIJURÍDICA. ZAFFARONI: “Já fornecemos o seu conceito geral: é a reprovabilidade do injusto ao autor. O que lhe é reprovado? O injusto. Por que se lhe reprova? Porque não se motivou na norma. Por que se lhe reprova não haver-se motivado na norma? Porque lhe era exigível que se motivasse nela. Um injusto, isto é, uma conduta típica e antijurídica, é culpável, quando é reprovável ao autor a realização desta conduta porque não se motivou na norma, sendo-lhe exigível, nas circunstâncias em que agiu, que nela se motivasse. Ao não se ter motivado na norma, quando podia e lhe era exigível que o fizesse, o autor mostra uma disposição interna contrária ai direito”. CIRINO: “O componente de culpabilidade do fato punível é um juízo de reprovação sobre o sujeito que realiza um tipo de injusto, cujos fundamentos são a capacidade 14 geral de compreender e de querer as proibições ou mandados da norma jurídica (capacidade de culpabilidade), o conhecimento real ou possível da proibição concreta do tipo de injusto específico (consciência real ou potencial da antijuridicidade) e a normalidade das circunstâncias do fato (exigibilidade de comportamento diverso)”. Injusto: tipicidade e antijuridicidade >>> Culpabilidade Objeto da valoração >>> juízo de valoração DAMÁSIO: “Para a existência do crime, segundo a lei penal brasileira, é suficiente que o sujeito haja praticado um fato típico e antijurídico. Objetivamente, para a existência do crime, é prescindível a culpabilidade”. 2.3 III. Concepções dogmáticas da culpabilidade: Teoria psicológica - tem como ponto fundamental o modelo causal da ação. É a relação subjetiva entre o fato e seu autor, isto é, o nexo psicológico que liga o agente ao fato. (von Liszt) Manifesta-se através do dolo e da culpa. Por conter somente o dolo e a culpa, é denominada “psicológica”. ZAFFARONI: “A culpabilidade, entendida como relação psíquica, dá lugar à chamada teoria psicológica da culpabilidade. Dentro deste conceito, a culpabilidade não é mais do que uma descrição de algo, concretamente, de uma relação psicológica, mas não contém qualquer elemento normativo, nada de valorativo, e sim a pura descrição de uma relação”. Teoria psicológica-normativa ou teoria complexa da culpabilidade - foi a primeira 15 teoria a reconhecer um elemento normativo (exigibilidade de conduta diversa) (Frank). Porém, não retirou o elemento psicológico. A normatividade consiste na emissão de um juízo de reprovabilidade sobre o fato praticado, consistente na aferição da exigibilidade de comportamento diverso. São elementos da culpabilidade nessa teoria: 1) imputabilidade; 2) elemento psicológico - dolo ou culpa; 3) elemento normativo - exigibilidade de conduta diversa. Teoria normativa pura – vincula-se à doutrina finalista da ação, de Welzel. Segundo esta teoria, a culpabilidade contém apenas elementos normativos, destituídos de elementos psicológicos. O dolo e a culpa migram para a tipicidade. Seus elementos passam a ser: a) imputabilidade; b) potencial conhecimento do injusto; c) exigibilidade de conduta diversa. 2.4 IV. Elementos da culpabilidade normativa pura Imputabilidade ou capacidade de culpabilidade: REGIS PRADO: “É a plena capacidade (estado ou condição) de culpabilidade, entendida como capacidade de entender e de querer, e, por conseguinte, de responsabilidade criminal (o imputável responde pelos seus atos). Costuma ser definida como o ‘conjunto das condições de maturidade e sanidade mental que permitem ao agente conhecer o caráter ilícito do seu ato e determinar-se de acordo com esse entendimento’. Essa capacidade possui, logo, dois aspectos: cognoscitivo ou intelectivo (capacidade de compreender a ilicitude do fato); e volitivo ou de determinação da vontade (atuar conforme essa compreensão).” 16 2.5 V. Esquema da Imputabilidade na Culpabilidade ZAFFARONI/SERRANO Inimputabilidade por • Incapacidade de compreensão da antijuridicidade ou injusto • Incapacidade para determinar-se conforme a compreensão da antijuridicidade Efeitos: • Elimina a culpabilidade, porque cancela a possibilidade exigível de compreensão da antijuridicidade. Isenta de pena. • Elimina a culpabilidade, porque estreita demasiado o âmbito de autodeterminação do sujeito. Isenta de pena Semi-imputabilidade por • Redução capacidade de compreensão da antijuridicidade ou injusto • Reduzida capacidade para determinar-se conforme a compreensão da antijuridicidade Efeitos: • Reduz a culpabilidade porque cancela a possibilidade exigível de compreensão da antijuridicidade. Reduz a pena. • Elimina a culpabilidade, porque reduz consideravelmente o âmbito de autodeterminação do sujeito. Reduz a pena a ser aplicada. 17 Potencial consciência da ilicitude: é a possibilidade de o agente ter o conhecimento e entender o caráter injusto do fato, no momento da ação ou omissão. Não é o conhecimento efetivo. Exigibilidade de outra conduta: é a possibilidade de exigir-se do sujeito outra conduta, diversa dapraticada (criminosa). CIRINO: “finalmente, o último estágio da pesquisa consiste no exame da normalidade/anormalidade das circunstâncias de realização do injusto típico por um autor capaz de culpabilidade, com conhecimento real ou possível da proibição concreta: circunstâncias anormais podem constituir situações de exculpação que excluem o juízo de exigibilidade de comportamento conforme ao direito: o autor culpável ou reprovável pela realização não-justificada de um tipo de crime, com conhecimento real ou possível da proibição concreta, é exculpado pela comunidade jurídico-social, representada pelo Estado-juiz”. Exemplos • . revólver na cabeça de alguém para obrigá-lo a fazer algo – coação psicológica • . compreensão da agressão, no contexto sociocultural do autor, como instrumento legítimo de realização da justiça. Zaffaroni: “Essa concepção do direito penal (que sustenta ser a pena uma retribuição pela reprovabilidade), é o chamado direito penal de culpabilidade." Para admitir a possibilidade de censura a um sujeito, é necessário pressupor que o sujeito tem a liberdade de escolher, isto é, de autodeterminar-se. Isso implica que esse direito penal pressupõe ser o homem capaz de escolher entre o bem e o mal. Há, pois, uma opção por uma determinada concepção do homem (concepção antropológica): a que o 18 concebe como um ser com autonomia ética (um ser com autonomia moral é uma pessoa). Em síntese: o direito penal de culpabilidade é aquele que concebe o homem como pessoa. Por outro lado, quando se sustenta que o homem é um ser que somente se move por causas, isto é, determinado, que não goza de possibilidade de escolha, que a escolha é uma ilusão e que, na conduta se distinga dos outros fatos da natureza, nessa concepção não haverá lugar para a culpabilidade. Dentro desse pensamento, a culpabilidade será uma enteléquia, o reflexo de uma ilusão. Por conseguinte, em nada servirá para a quantificação da pena. Somente será considerado o grau de determinação que tenha o homem para o delito, ou seja, a periculosidade. Esse será, assim, o direito penal de periculosidade, para o qual a pena terá como objeto (e também como único limite) a periculosidade”. Direito Penal de culpabilidade e de periculosidade Zaffaroni“: Na culpabilidade de ato, entende-se que o que se reprova ao homem é a sua ação, na medida da possibilidade de autodeterminação que teve no caso concreto. Em síntese, a reprovabilidade de ato é a reprovabilidade do que o homem fez. Na culpabilidade de autor, é reprovada ao homem a sua personalidade, não pelo que fez e sim pelo que é. 3 SENTENÇA DE EFICÁCIA RESTRINGIDA Em princípio, se verificado após o trânsito em julgado para a acusação que existe obscuridade, ambiguidade, contradição ou omissão na sentença condenatória, poder-se- ia, sem demora, classificá-la como de eficácia comprometida. Matéria de embargos de declaração não podem, nem mesmo em nome da ordem 19 pública, serem tratadas como erros materiais corrigíveis ao correr da pena, sem que esteja sendo caracterizada uma hipertrofia de poder, consistente em um custo extraordinário para a realização do direito penal. Custo extraordinário sim, eis que o esclarecimento acontecerá num tribunal superior, suprimindo não só a instância como o interesse e a iniciativa cabíveis ao órgão acusador. Acontece que, para não incorrer em hipertrofia de poder - falo dos recursos julgados pelo Tribunal de Justiça de Goiás - a sentença "embargável" no interesse da acusação, e para esta transitada em julgado, é justificada. A justificação se dá - e isto é anotado nos meus pareceres - tendendo para o limite do "se o juiz condenou e fixou pena é porque sabia o que estava fazendo". Foi o bordejar desses limites pelo tribunal ao qual oficio que me conduziu a estudar, no gênero, a espécie singular de sentença de eficácia restringida, que nada mais é do que uma sentença que está abaixo no nível de satisfatória (Capítulo III). Preferi, neste primeiro traçado, fazer uma abordagem nuclear, visto que a força que imprime eficácia à sentença esta concentrada na fundamentação. É a fundamentação ausente ou incompleta, insuficiente ou deficiente, portanto, que esvazia as conclusões, transformando-as em juízo sem raciocínio, e a sentença, no todo ou em parte, num ato arbitrário. A preferência no exame da eficácia tem o propósito simples de fazer assegurar a prática do regime democrático declarado na Constituição (art. 127), visto doze anos não terem sido suficientes para a assimilação do devido processo legal nos seus aspectos procedimental e substancial. Assim, não tratando a espécie como sentença arbitrária, 20 faço valer, à semelhança penal, que estou examinando a potencial consciência do regime democrático, o que aloca o meu trabalho no quadro que vejo. Ausência de fundamentação é uma hipótese radical que não gera problemas, mas a insuficiência tende a receber um juízo suplementar à moda de um "deu para entender" ou "esse cidadão precisa ficar (ou ir) para a cadeia". Baixei o nível da linguagem propositadamente, pois neste particular passo pretendo que os leigos me entendam, também, e necessariamente. Meu ponto de vista será mais bem compreendido a partir da execução penal, mais precisamente a partir da Guia de Recolhimento, suporte do título penal, da qual a sentença condenatória é parte, e cuja execução passa pelas mesmas presidências do título cível: certeza, liquidez e exigibilidade, e deve realizar-se, também como no cível, com a menor gravosidade para o condenado (devedor). Em ligeiras anotações, em sede de execução penal a menor gravosidade pode ser tratada como a não imposição de gravame não previsto em lei, enquanto a certeza se calça na existência de lei prévia, de processo e sentença; a liquidez se traduz na fixação de tempos e verbas de condenação; e a exigibilidade se fulcra em a decisão não ter sido atingida por causa extintiva da punibilidade. Sentença atingida pela prescrição é inexigível. Sentença que não fixa tempo ou verba de condenação é ilíquida. Esses dois casos são de clara ineficácia restringida: não se executa. De clara incerteza seria a Guia de Recolhimento que não estivesse acompanhada da sentença, chegando mesmo, no meu modo de entender, a descaracterizar-se por falta de elemento essencial, vez que a fé pública do escrivão na formação da guia não supre. 21 Também, se nas peças que compõe a guia não for possível determinar o juízo da condenação, incerto fica ter existido processo. Bem, o diretor do estabelecimento penal, diante dos casos já citados, poderia escolher qual atitude tomar: não recebe o condenado, ou o recebe e pede "esclarecimentos". Imagino eu também que tais casos são raros, mas como dos quatro já enfrentei, na prática, os três primeiros, são todos válidos e facilitam encaminhar o raciocínio. Bem, não conheço caso em que o diretor do estabelecimento não tenha recebido o condenado (?), mas as razões para tal não são jurídicas nem legais, estão no rol da via das dúvidas, na mão de direção que prejudica o cidadão. Justificável cautela? Ficar preso uns dias não faz mal a ninguém ! O quê? Inválido invocar a ordem pública como substitutivo do despreparo, da omissão e da falta de iniciativa ou de recursos humanos ou materiais. O último caso é mais sutil, e corresponde a uma Guia de Recolhimento aparentemente perfeita, mas, na qual, a sentença contém vícios cuja apreciação já não pode mais ser feita por vias ordinárias ou administrativas. Tais vícios, que restringem a eficácia, nem sempre são evidentes, eis que as conclusõesda própria sentença os mascaram, como por exemplo a declaração de procedência da denúncia ou de que o réu é culpado, ou a fixação de tempos e verbas de condenação. 22 Comparando, os vícios que restringem a eficácia da sentença são comparáveis aos erros no lançamento de parcelas numa operação de adição, ou seja, a soma estará sempre correta, matematicamente falando, mas estará incorreta quando examinados os fundamentos para o lançamento das parcelas. As consequências de uma fundamentação obscura, ambígua, contraditória ou omissa, pode ser de tal gravidade que sua eficácia passa a depender de outros atos arbitrários para que a execução aconteça. Seja, por exemplo, a culpabilidade no artigo 59 do Código Penal. 50. A diretrizes para fixação da pena estão relacionadas no art. 59, segundo o critério da legislação em vigor, tecnicamente aprimorado e necessariamente adaptado ao novo elenco de penas. Preferiu o Projeto a expressão "culpabilidade" em lugar de "intensidade do dolo ou grau de culpa", visto que graduável é a censura, cujo índice, maior ou menor, incide na quantidade da pena. Exposição de Motivos da Nova Parte Geral O grau de censura fixado pelo juiz sentenciante deve ser obtido, necessariamente, através de um raciocínio. Esse raciocínio consiste em examinar as elementares da culpabilidade e declarar uma medida. A obrigatoriedade da declaração da medida aparece no artigo 29 do Código Penal: Art. 29 - Quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade. O artigo 29 é aplicável a todos os participantes, autores e partícipes. Como o artigo 59 que arrola a culpabilidade é aplicável a cada um dos autores ou partícipes, não 23 é possível interpretar que a última parte só se aplica ao crime plurissubjetivo sem estar interpretando que a individualização da pena deve ser feita de modo desigual para o autor solitário. Como a interpretação sugerida é proibida, resta, em síntese, que a culpabilidade deve ser medida para todos, eis que a medida declarada terá repercussão para cada um, conforme previsões: Art. 44 - As penas restritivas de direitos são autônomas e substituem as privativas de liberdade, quando: III - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do condenado, bem como os motivos e as circunstâncias indicarem que essa substituição seja suficiente. Art. 71 - Quando o agente, mediante mais de uma ação ou omissão, pratica dois ou mais crimes da mesma espécie ... Parágrafo único - Nos crimes dolosos, contra vítimas diferentes, cometidos com violência ou grave ameaça à pessoa, poderá o juiz, considerando a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias, aumentar a pena ... Art. 77 - A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que: II - a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício; Esses comandos se realizam no juízo sentenciante, mas, em existindo recurso sobre algum deles exatamente porque não existe fixação da medida da culpabilidade, a obscuridade, ambiguidade, contradição, deficiência, insuficiência ou omissão, exigiria 24 que o tribunal superior de "algum modo" encontrasse a medida que não está declarada, e esse encontrar de algum modo é proibido, vez que a regra é de que a fundamentação conduza, necessariamente, à conclusão. Ora, invadir a instância inferior, ou aplicar um entendimento superior, para encontrar a culpabilidade representaria uma arbitrariedade, qual seja o esforço de declarar o que declarado não está para formar o antecedente necessário ao exame das arguições Isto é perigoso, pois abre caminho para que as sentenças sejam "refeitas" como preliminar para exame do recurso, criando a desordem pública. Se a medida da culpabilidade determina a pena, sua substituição, aumento ou suspensão, e essa medida não está declarada, a única solução do regime democrático e do Estado Democrático de Direito para esse poder mal exercido, é conceder os benefícios solicitados ou eliminar os prejuízos apontados. Não passou desapercebido para o leitor que os antecedentes, a conduta social e a personalidade são também contribuintes para a análise da substituição, aumento ou suspensão. Art. 59 - O juiz, atendendo à culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime, bem como ao comportamento da vítima, estabelecerá, conforme seja necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime: Todas as ditas circunstâncias judiciais do artigo 59 contribuem para a fixação da pena. A culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e a personalidade atuam especificamente na substituição, aumento ou suspensão, que são indicadores para a 25 execução da pena. Os motivos, circunstâncias, consequências, e comportamento da vítima não produzem flexões posteriores e, quando muito, na fase de execução da pena, podem ser vistos como vetores criminológicos. Algum excesso no exemplo está justificado porque as repercussões apontadas foram extraídas da lei, mas existirão repercussões não autorizadas quando, diante da obscuridade, ambiguidade, contradição, deficiência, insuficiência ou omissão de algum comando legal, na fase da execução da pena tal tenha de ser recuperado. É que a recuperação não ocorrerá por obra dos especialistas em proporcionar condições para a harmônica integral social (segunda parte do artigo 1º da LEP), mas pelo esforço de indivíduos mal preparados cuja experiência é de combate ao criminoso. Dizem que na prática a teoria é outra, mas isso sempre me soou como uma declaração de impotência intelectual ou instrumental. Na realidade da prática, não existe boa aceitação em se gastar pólvora inglesa com inhambu, ou seja, gastar a Constituição e suas garantias para colocar esses criminosos vagabundos em pocilgas. Então, ficam a Constituição e suas garantias reservadas para os jacus (aves nobres de colarinho branco) que, por qualquer fumaça de pólvora piquete vão parar no STF. A sociedade não aceita bem quando um colarinho branco é solto pelo STF porque a decisão era de eficácia restringida, quando não radicalmente nula. Mas a sociedade não se apavora, eis que o ladrão do dinheiro público não usa arma de fogo nem mata ninguém com as próprias mãos. Mas se apavorará quando, por eficácia restringida o latrocida é posto de volta na rua. 26 O comum em relação àquele que não recorrerá ao STJ ou STF tem sido a segunda instância interpretar a obscuridade, ambiguidade, contradição, deficiência, insuficiência ou omissão em favor da sociedade, ou seja, dando eficácia plena àquilo que tem eficácia restringida visível nos próprios termos da declaração. O direito não pode ser a ciência do vago nem da autoridade. Situado na área do sensível, o direito se tornaria arbitrário se a sensibilidade pudesse ser dimensionada pela política criminal, em outras palavras: a sensibilidade do judiciário aos clamores sociais, em detrimento da sensibilidade ao justo formal e substancial, fá-lo decair da nobre posição de serviço público para a de serviçal público. No tocante à exigibilidade pouco existe para comentar, embora eu gostasse de ver, logo adiante da sentença fadada a receber declaração da prescrição, o despacho de retorno para o ato de ofício se transitada em julgado para a acusação sem recurso.Sobra que a sentença esteja restringida no tocante à certeza e à liquidez. Da liquidez enfrentam-se mais comumente casos em que o regime de cumprimento da pena não foi fixado ou foi fixado a menor. Não estando o condenado cumprindo por outra causa regime mais grave, a tendência é de manter o regime a menor determinado na sentença transitada em julgado para a acusação, em homenagem ao princípio da declaração. Essa orientação deveria ser seguida quando não fixado o regime e não estando o condenado cumprindo por outra causa. Neste último caso, a existência de obscuridade, ambiguidade, contradição, deficiência, insuficiência ou omissão, determinaria que o regime fosse fixado simplesmente pela quantidade de pena. Evidentemente, a eficácia da execução estaria restringida, vez que, embora o "caso" comportasse cumprimento mais gravoso, não existem declarações na sentença 27 que conduzam ao regime legal mais grave. No entanto, já colecionei decisões superiores que anotavam ser o cumprimento integralmente fechado previsto em lei especial independente de declaração, de aplicação automática e derrogador de qualquer outro regime diferente fixado. Nessas decisões, explícita ou implicitamente, era invocada a ordem pública, conquanto sem deixar claro se a ordem pública invocada era aquela que a polícia militar tem a atribuição de manter (§5° do art. 144 da CF) ou a decorrente do regime e dos princípios adotados pela Constituição (arts. 1º, 2º, e §2º do art. 5º da CF). Essa falta de clareza abre um espaço gigantesco de manobra entre a ordem pública institucional e a ordem pública operacional, apontando que o tribunal superior, ora pode descer ao local do fato e manter o criminoso na cadeia por conta de clamores sociais presumidos, latentes ou concretos, em detrimento da ordem pública institucional; ora pode alçar os píncaros e firmar que o devido processo legal existe e deve ser efetivado. Esse abaixa-sobe remove da cabeça do cidadão qualquer noção de garantia processual, eis que pode esperar tudo o que está na doutrina, na lei e fora delas. No tocante à certeza é preciso relembrar o caso clássico do negócio subjacente, ou "causa debendi", que permite a execução de um título cível ou comercial. Em paralelo a não ter força executiva uma nota promissória que não tenha um negócio subjacente, o que é verificável como exceção porque não é essencial a declaração da causa no documento, na sentença é exigida a declaração da "causa debendi" e, transitada em julgado para a acusação sem a declaração, não é possível, nem por exceção de ordem pública (?) verificar essa causa e fazer declaração posterior, ou declarar "causa presumida". 28 Não que o direito penal seja mais rigoroso que os outros direitos, conquanto o seja, mas que a sentença penal tem natureza declaratória, ou seja, ela deve ser um todo declaratório, e de tal sorte, a obscuridade, ambiguidade, contradição, deficiência, insuficiência ou omissão, em qualquer um dos seus caracteres, vicia o todo. Alguma coisa justifica que o juiz conduza o processo desde o recebimento da denúncia, até mesmo uma escolha política, mas não existe argumento sobre a improbabilidade de dar certo que um ou mais juizes sejam preparadores, praticando os atos judiciais consistentes nos provimentos interlocutórios e os atos materiais instrutórios e de documentação, e um faça o provimento final. Na verdade, é até possível separar, na sentença, o que é simples documentação do que deva ser raciocínio e juízo. Art. 381 - A sentença conterá: I - os nomes das partes ou, quando não possível, as indicações necessárias para identificá-las; II - a exposição sucinta da acusação e da defesa; III - a indicação dos motivos de fato e de direito em que se fundar a decisão; IV - a indicação dos artigos de lei aplicados; Em reobservando o artigo 381, com o corte dos incisos V e VI, verifica-se possível fazer uma simples exposição dos restantes, como uma espécie de relatório enriquecido, para depois, e em separado, efetuar o raciocínio e o juízo. É que os elementos de certeza objetiva devem ser comuns a todos os juizes. A valoração desses elementos é que é singular de um. Desse modo, poder-se-ia ter na sentença um juiz expositor e um juiz julgador. 29 Essa especulação pode não ter sentido prático, mas enfoca que os vícios de declaração recaem sobre os elementos objetivos e sobre os elementos volitivos e, nessa ordem, a ausência de declaração de um elemento objetivo esvazia o conteúdo volitivo do raciocínio e do juízo que nele se apoiem Em rigorosa demonstração: Seja E o elemento objetivo, e será E sua declaração e E sua não declaração. Seja RE o raciocínio que contém E, e será RE sua declaração e RE sua não declaração. Seja JRE o juízo de RE, e será JRE sua declaração e JRE sua não declaração. Então, a declaração válida D será: D=E.RE.JRE O ponto ( . ) designa, na álgebra lógica, a função "and" ou conectivo "e". As variáveis declaradas assumem o valor 1 (um) e as não declaradas assumem o valor 0 (zero). No caso a lógica deve ser positiva sendo 1 = + e 0 = - Para D válido, D=1 30 D= 1.1.1 Pelo segundo postulado, 1.1 = 1 , logo: D=1(1.1)= 1.1=1 Pelo segundo postulado 1.0 = 0 ou 0.1=0, e pelo terceiro 0.0=0, logo D= 0.(1.1) = 0.1 = 0 ou D= 1.(0.1) = 1.0 = 0 ou D= 1.(1.0) = 1.0 = 0 Para qualquer variável que assuma o valor zero a declaração será inválida. Em homenagem aos combatentes do rigor lógico volto ao patamar do sensível, não do sensível que levou Cervantes a colocar a Misericórdia como companheira constante da Justiça, não do sensível "penso assim" ou do sensível "algo me diz que ...", mas do sensível que pode ser sentido sem a necessidade de instrumentos extensores para enxergar o que não está escrito ou descobrir sujeitos ou predicados não declarados. Seja uma hipótese comum, de um crime de estupro, analisada a circunstância judicial "conduta da vítima". a. a vitima estava com a maior parte do corpo coberta pelas vestes e caminhava preocupada com o tráfego; b. pelas circunstâncias nada fazia a vítima para atrair a atenção do agressor; 31 c. a conduta da vítima não influiu na agressão. Observa-se que o elemento objetivo (a), o raciocínio (b) e o juízo (c) estão harmônicos, ou seja, o elemento objetivo e o raciocínio conduzem à conclusão. Logo, a conclusão é sensível, no sentido que estou dando ao termo. É de permeável senso comum que 2,7 está mais próximo de 3 do que de 2, assim como 2,4 está mais próximo de 2 do que de 3, e que 2,5 é equidistante de 2 e de 3. Não comportando o rigor matemático senão para demonstrações, não se afasta, por isto, que se deva ter um grau de tolerância na precisão das declarações. Esse grau de tolerância pode ser definido como sendo a "proximidade" (em matemática o entorno) em relação ao ponto objetado ou desejado. O ponto em torno do qual será verificada a tolerância é sempre um elemento objetivo primário (informação dos autos) ou elemento subjetivo secundário (argumento do juízo) e constitui a fundamentação para a conclusão. Seja como fundamentação por elemento objetivo dos autos a informação de que o denunciado é voluntário em programas sociais e nada consta que o desabone socialmente, então, a declaração na proximidade desta referência ser[á de conduta social boa, ou relevante, ou meritória. Seja como fundamentação por elemento subjetivo secundário a medida da culpabilidade fixada como média para uma faixa de sanção de 1 a 5 anos, e a declaração na proximidade dessa referência ( [1+5]/2=3 ) deverá ser maior que 2,5 e menor do que 3,5. A sustentaçãodoutrinária, que aloca a culpabilidade como pressuposto necessário da pena, está dispensada para que seja enfrentada a questão de eficácia da sentença penal 32 condenatória transitada em julgado. A Lei de Execução Penal fala claramente na jurisdição de execução, distinta da jurisdição ordinária (art. 2º) e define a competência (art. 66). Fala também em processo de execução (art. 2º) e em procedimento judicial (art. 195). A ação de execução penal existe, a par da resistência doutrinária e, embora seja promovida a mando do irrenunciável poder-dever estatal (ex-oficio). Dita ação caracteriza-se por um ato que a instaura: • - para as penas privativas de liberdade, a prisão e a expedição Guia de Recolhimento, ou • - para as penas restritivas de direitos um, "ato próprio", que materialize o comando, ou • - para a pena de multa, a execução em sentido estrito contra devedor solvente na jurisdição da execução penal, ou • - na suspensão condicional, a audiência admonitória. A execução penal se subordina a antecedentes formais para que seja iniciada, e estes incluem o exame da eficácia, ou força executiva do "título". Com muita frequência a exigibilidade do "título" é examinada para extinguir ou modificar a execução penal: causa extintiva, descriminalização, lei melhor, indulto etc. A liquidez, mais raramente enfrentada, faltará se a quantidade da pena não tiver sido fixada, admitida apenas na pena de multa a liquidação preparatória para corrigir monetariamente (art. 49, § 2º do CP). De algum modo, a certeza estará ausente no caso de faltar a declaração de causa 33 legal. O enfrentamento é quanto à culpabilidade. A primeira atividade do juiz, na decisão, é procurar a culpabilidade. Não a encontrando, absolverá sem o exame das circunstâncias à frente dela no art. 59. Encontrando-a, deverá declará-la como pressuposto necessário da pena. O comando de fixação da pena base, "conforme seja necessário e suficiente para a reprovação e prevenção do crime", indica existência da correspondência unívoca entre o "juízo" e a "pena", comumente chamado de proporcionalidade. E esta proporcionalidade é evidenciada quando o art. 29 dá o subcomando da "medida da culpabilidade", para individualizar e distinguir a reprovação que recai sobre cada pessoa em concurso no crime. Literalmente, pela Exposição de Motivos o comando seria lido como "medida da intensidade do dolo ou grau de culpa". Medir é comparar a "grandeza" com a unidade a ela referida em uma escala. Por exemplo: se quero medir a grandeza "comprimento" de uma peça de tecido, devo escolher uma unidade de "comprimento" (metro, polegada, etc.) e comparando a unidade com a grandeza dizer quanto a primeira cabe na segunda. Acontece que a medida da culpabilidade prevista no art. 29 é feita dentro do art. 59, não como privilégio do concurso, mas como garantia da necessidade e suficiência da reprovação e prevenção individualizadas. Nessa ótica, a igualdade de tratamento resultaria em medir a culpabilidade, existente ou não o concurso de pessoas. Por outro lado, não podendo haver várias medidas para a culpabilidade, cada uma em um momento diferente e para diferentes efeitos, a que resultar declarada no art. 59 é que servirá para os exames dos arts. 53, 71 e 77, daí recomendar-se precisão na declaração. 34 Ora, se a culpabilidade é pressuposto necessário (nulla poena sine culpa), a sua medida só terá sentido se operar como determinante da pena base e justificar a correspondência unívoca. Assim, a quantidade de culpa encontrada determinará a quantidade de pena base aplicada, vedada a operação reversa, pois a quantidade de pena não é a medida da culpabilidade, é apenas o seu correspondente. A precisão na declaração da medida da culpabilidade deve conduzir a que seja reconhecida (ou identificada) na declaração da quantidade de pena base, resultando na certeza de que o condenado está sendo punido pelo que fez, e não pelo que é. Portanto, o grau de influência das circunstâncias que aparecem à frente da culpabilidade no art. 59 se reduz ao limite que não descaracterize a declaração dominante. A precisão não é matemática, embora os termos a ela pertençam. Recobremos no direito penal tais conceitos: limites são por exemplo, o mínimo e o máximo de pena cominados em abstrato; intervalo é a distância entre o mínimo e o máximo; entorno é a proximidade em relação a um ponto já escolhido, como por exemplo, próximo do mínimo, mas não tão longe do mínimo que com ele não possa ser confundido. Logo, declarada a medida da culpabilidade, (ponto já escolhido) a pena base resultante do art. 59 deverá estar no "entorno". Em outras palavras: a determinante culpabilidade (reprovação primária) não resultaria descaracterizado pelas outras circunstâncias ( prevenção secundária). A certeza da pena base resultaria de que: • - a culpabilidade tenha sido declarada existente; • - a medida da culpabilidade existente tenha sido declarada em unidades reconhecíveis pelo conhecimento comum, sem necessidade de 35 interpretação; • - a pena base tenha sido declarada. Sejam casos de incerteza: I - A culpabilidade e a medida não são declaradas: ... considerando o art. 59 fixo a pena base em ... II - A culpabilidade não é declarada: ... considerando a culpabilidade em seu grau mínimo... fixo a pena base em ... III - A medida não é declarada: ... considerando (análise das elementares da culpabilidade) e... fixo a pena base em ... IV - a pena está fora do "entorno": ... considerando a culpabilidade no grau mínimo e mais... fixo a pena base no máximo... A opinião comum com certeza (!) mandaria executar a pena, pois se houve condenação "só pode ter sido" por ter existido o crime e a culpa. A opinião comum padece de vício originário quando diz que a justiça é cega. Se fosse cega não precisaria de venda nos olhos! Nem mesmo o argumento da utilidade do direito penal, como limite para a defesa social, resolveria a questão de se dar eficácia à incerteza. Esta posição derruiria o principal pilar do Estado Democrático de Direito que é o exercício do poder via regime democrático, e que se materializa na fundamentação dos atos do Poder. Ora, se no Direito Administrativo o ato não fundamentado carece de eficácia, não poderia, no direito penal, que é o mais exigente de todos, ganhar utilidade sem fundamentação. Evidentemente, a execução de sentença penal condenatória incerta, ilíquida ou 36 inexigível seria arbitrária. A busca da verdade real é princípio reitor em matéria penal e possibilita a revisão criminal a qualquer tempo. Verdade real o fato (mundo da realidade), não o conhecimento que se tem o fato. Apenas na política é que a interpretação supera o fato. A culpabilidade é um fato pertencente à realidade. O juízo de culpabilidade é que pertence ao mundo da cultura quando exigido pelo direito. Logo, o vício no juízo que não permita reconhecer a verdade real na declaração (aspecto formal), ao enfrentar a proibição de reforma para pior, deverá ter seus limites reduzidos aos verdadeiros que possam ser constatados (critério da evidência) na declaração. Nos julgamentos pelo Tribunal do Júri - exercício direto do poder, no termos da Constituição – a questão se aguça. O júri condena ao afirmar a tese da acusação e negar a da defesa. Se a defesa não formulou tese de exclusão da culpabilidade, esta virá "embutida" pois o Presidente ao fixar a pena só tem disponível a sua medida, jamais podendo absolver por ausências dela. A conclusão é pasmante: o mais soberano e democrático julgador pode condenar sem declarar a culpa.A plena (pleno é tudo, diferentemente do amplo que é o todo conhecido) defesa fica limitada se não puder quesitar se o réu é culpável. Acontece, com frequência maior do que a esperável, que as sentenças incertas por não analisarem a culpabilidade nem fixarem o seu grau, ou são salvas da invalidade pelo artificio do "deu para entender", ou são anuladas em recurso exclusivo da defesa com o vago argumento do interesse da ordem pública. 37 4 DO FIM DA PERSEGUIÇÃO PUNITIVA "Ainda que o primeiro julgamento não tenha se completado, uma segunda persecução pode ser enormemente injusta. Ela aumenta o ônus emocional e financeiro do acusado, prolonga o período durante o qual ele permanece estigmatizado por uma acusação não resolvida, e faz até mesmo crescer o risco de que um acusado inocente venha a ser condenado. O perigo de tal injustiça contra o acusado existe sempre que um julgamento é abortado antes da sua conclusão. Consequentemente, como regra geral, o Promotor tem uma - e apenas uma - oportunidade de levar um acusado a julgamento'' [U. S. Supreme Court, Arizona v. Washington, (1978).] A regra é a de que pelo menos dois atores processuais tem interesse imediato em que a sentença tenha eficácia executória plena: o órgão da acusação que da sentença espera o atendimento dos interesses defendidos, e o juiz cujo dever é produzir uma sentença de eficácia executória plena. A necessária correlação entre o conteúdo processual e a sentença exige que a acusação e a defesa procurem na sentença a declaração dos interesses que defendem e, não os encontrando ou encontrando em parte, possam considerar a oportunidade de pedir o complemento ou correção. A consideração a ser feita tem como regra geral a sucumbência, que será avaliada do ponto de vista dos efeitos materiais ou da eficácia das declarações. Evidentemente, a não impetração dos remédios legais significa aceitação da sucumbência. Em se tratando de comando sancionador, todo o conteúdo pode ser classificado como um "mal" para o condenado, se trazido à conta a proibição da reforma para "pior". Assim, enquanto não ocorre o trânsito em julgado para a acusação pode esta intentar 38 tornar "pior" o "mal" já infingido. Porém, passadas as oportunidades legais, não pode ocorrer a reforma para "pior". A reforma para pior - insisto - não consiste apenas no agravamento da sanção temporal ou pecuniária, mas - ou pelo menos num regime democrático - em tornar possível a execução daquilo que, sem a reforma, não poderia ser executado. Em outras palavras: a "reformatio in pejus" ocorre também quando é conferida força, eficácia, legalidade ou legitimidade a uma sentença que de alguma, algumas ou todas careça. O poder de coerção para efetivação dos deveres jurisdicionais cumpridos existe, grosso modo, porque os condenados, se pudessem, escapariam da execução da pena. Louvo os devotos que pensam em estender as mãos para as algemas ou entrar na cela em passos rápidos e semblante contente, mas não arrisco dizer que eu mesmo faria isto. Destarte, nenhum interesse tem o condenado em restaurar o que não tenha força, eficácia, legalidade ou legitimidade, pois a restauração implica em execução. Nem mesmo a defesa técnica tem interesse, visto lhe ser vedado pleitear a sucumbência. Então, se falta força, eficácia, legalidade ou legitimidade a uma sentença, é a acusação que sucumbe, e é seu dever procurar restaurar o que está perdido ou incompleto. Ora, a sucumbência da acusação significa que o "mal" se tornou menor, e assim menor será executado na proporção do tamanho, que pode até ser nenhum, se o sucumbente não recorrer. Logo, não é preciso esforço para concluir que sendo a ineficácia executória um "mal" menor, a restauração da eficácia, diante de recurso exclusivo da defesa, é reforma para "pior". Mesmo raciocínio pode ser feito trazendo o interesse processual e a inércia da jurisdição para a discussão. 39 A defesa não tem interesse processual em pleitear a eficácia executória do "mal", e a jurisdição não pode se manifestar voluntariamente em favor da acusação. Impossível imaginar que um Tribunal tenha o poder de correição funcional de seus magistrados e dos órgãos da acusação através da correção da prestação jurisdicional. Em palavras simples: quem quer que tenha cumprido mal o seu dever será compelido a cumpri-lo novamente, ou o terá corrigido, se não atingiu a eficácia necessária para que o poder de coerção efetivasse os comandos. O que ocorre, segundo entendo, é que magistrados e membros do Ministério Público, afeitos a séculos de obediência cega à legislação infraconstitucional, ainda não se conscientizaram da existência de uma ordem jurídica, de um regime democrático, e dos princípios adotados pela Constituição, preferindo permanecerem amarrados ao texto dos Códigos e aos fins, como se estes justificassem os meios. Pior é que a afronta ao Estado Democrático de Direito acontece com o nome de defesa da ordem pública, a mesma ordem pública que garante aos cidadãos que a sua restauração deve obedecer unicamente aos comandos dela mesma. As pressões da defesa social afetam o executivo e o legislativo nas suas propostas de mais Direito Penal, podem, o acréscimo está sendo feito sem a consciência de que mais Direito Penal exige maiores e melhores estruturas judiciária e prisional para sua operacionalização. Deveras, qualquer administrador não ousaria aumentar sua oferta de serviços sem antes estruturar-se para atender à demanda, a não ser que pretendesse enganar a clientela adiando a entrega, ou fazendo o que o vulgo chama de "serviço porco". A inconsciência do mal que está sendo causado é geral, e, embora a sociedade - e 40 alguns segmentos do Governo - esteja em crescente satisfação com o endurecimento do Direito Penal, a inconsciência não permite avaliar que, na medida em que as garantias constitucionais são afastadas em prol da punibilidade, é o próprio regime democrático que é afetado. Quando uma sentença condenatória sem eficácia executiva, já transitada em julgado para a acusação, é anulada para que outra correta seja proferida, o Estado- jurisdicional se posiciona como um fim em si mesmo, e para assim se posicionar, no escopo deste trabalho, age de forma vil, aproveitando-se do recurso da defesa que leva a matéria ao conhecimento - embora inexista pedido - para um provimento indireto em matéria do interesse da acusação. Existem regras para que o Estado-Jurisdicional atinja seus fins, e uma dessas regras, claríssima no texto constitucional, é o respeito à coisa julgada. Ora, a anulação da sentença transitada em julgado para a acusação se traduz no esdrúxulo entendimento de que o respeito à coisa julgada só existe para a coisa "inteira", ou seja, de modo simples: o trânsito em julgado para a acusação não precisa ser respeitado quando a defesa recorre. Então, vale examinar quantas oportunidades teve a acusação para aperfeiçoar seu interesse na sentença condenatória. A primeira já foi examinada e consiste nas alegações finais. A segunda é quando da intimação da sentença, oportunidade para embargos de declaração, e nesta não basta verificar se existiu condenação, é preciso verificar se as declarações não estão viciadas pela obscuridade, omissão, ambiguidade, ou contradição. A terceira se dá quando, não sanados os vícios ou sendo caso de insuficiência ou 41 ausência de fundamentação, a acusação deva recorrer para suprir. Três oportunidades regulares, e a instância superior, não provocada, cria a quarta, de ofício, quebrando o trânsito em julgado para a acusação. A principal âncora da quebra do trânsito em julgado para a acusação, segundo oTribunal de Justiça de Goiás, é a "ordem pública", no entanto, não esclarece se a "ordem pública" que invoca é outra em relação àquela que determina seja respeitada a coisa julgada. Ora, seja por suposição que, diante de uma sentença condenatória sem eficácia executiva – por exemplo, sem nenhuma declaração sobre a culpabilidade - não seja interposta apelação, ocorrendo o trânsito em julgado por "inteiro", a ser respeitado como a coisa julgada a que se refere a constituição.. Seja que o condenado impetre Habeas Corpus pedindo o trancamento da execução penal por constrangimento ilegal consistente em a sentença não ter obedecido a Constituição no tocante à individualização da pena base. Seja, de passagem, desfeita qualquer confusão que possa ser feita entre individuação (entrega de alguma coisa a alguém) e individualização (entre a alguém de alguma coisa feita para ele). O exame é simples, consistindo apenas em verificar se existem ou não as declarações sobre a culpabilidade. Supondo verificado que a declaração não existe, o Tribunal não poderá proferi-la, sobrando que, ou concede a ordem reconhecendo que a declaração não existe, ou denega a ordem reconhecendo que a declaração não existe, e seria espantoso que duas decisões contrárias pudessem ter a mesma causa: ora não se executa, ora se executa, diante da 42 inexistência de declarações sobre a culpabilidade. O pedido no Habeas Corpus visa a liberdade, logo, é juridicamente impossível - conquanto na prática eu conheça um caso - anular o processo de conhecimento que é coisa julgada, para ensejar a remoção do vício que compromete fundamentalmente a execução. Alguns poderiam dizer que o Estado-Jurisdicional anula porque as regras não foram cumpridas, mas não pode fazer essa alegação quem tem o dever inarredável de cumprir as regras, e tem o poder de coação para fazer cumprir seus comandos. A arbitrariedade - ou exercício não democrático do poder, como queiram - consiste em que uma regra superior emanada do povo através de seus representantes legítimos é afastada em um caso particular de mau cumprimento do dever pelo Estado- Jurisdicional. Mesmo a tirania costuma se armar com a legalidade para disfarçar a arbitrariedade com a capa do Estado de Direito, mas, num Estado Democrático de Direito, no qual, alem da declaração expressa (art. 127 da CF) da existência de uma ordem jurídica e de um regime democrático, não existe erro quanto à palavra Democrático anteceder a palavra Direito. É de esperar que, no Estado Democrático de Direito, o Estado-jurisdicional não assuma uma gestão de interesse social (punibilidade no caso concreto) ao largo do regime democrático dentro do qual, no Estado hodierno, o bem estar e a pessoa humana são o fim, e o Estado o meio. Estou certo de que o Estado-administrador pode rever seus atos, seja para o bem, seja para o mal, respeitados os limites constitucionais, mas o Estado-jurisdicional que se 43 afirma na garantia da coisa julgada, não pode quebrar essa garantia revendo de ofício a coisa julgada, valendo-se da anulação de uma sentença penal condenatória que transitou em julgado para a acusação, aos moldes do que esbocei folhas antes: meia coisa julgada não é coisa julgada. Examino, por respeito às hipóteses, que alguém argumente que a anulação da sentença corresponda a "remoção" do constrangimento, no que eu concordaria se fora uma declaração de nulidade. A partir da qual a sentença existente não pudesse ter seus efeitos materializados. Ora, a anulação deixa o processo sem sentença, e ele precisa terminar, mas a causa da anulação sugere, em si mesma, que uma sentença eficaz seja proferida no lugar da ineficaz., e isto constitui um novo constrangimento, pois caracteriza, como já sustentei, a reforma para pior, a par de outras arbitrariedades anteriores. Observe-se que o constrangimento da sentença ineficaz é puramente potencial, vez que se não for executada não produz danos, mas essa solução não satisfaz do ponto de vista de que a sentença não seria executada, para não causar danos, durante o curso da prescrição. É que o Estado-Jurisdicional estaria substituindo a prescrição da pretensão executória pela prescrição de seu erro não executório. Digam-me que é legal declarar a nulidade da sentença condenatório ineficaz para evitar uma execução sem causa legal, mas não me digam que é legal proferir outra sentença, eficaz, fundamentada, para permitir a execução de comandos materiais que antes não podiam ser executados legalmente por conta do trânsito em julgado para a acusação. A questão se encaminha para a vocação em relação ao nível que precisa ou se 44 quer ver reservado: a punibilidade no caso concreto ou a garantia constitucional que protege explicitamente o condenado. A punibilidade está situada no plano da imediatidade, do fim, da satisfação do clamor social ou da opinião pública, e seus efeitos são extinguíveis, enquanto a garantia da fundamentação das decisões está situada no plano mediato, dos meios, da satisfação da segurança social e da ordem pública, e seus efeitos não são extinguíveis, pelo menos enquanto durar o Estado Democrático de Direito. Degradar a garantia da fundamentação para assegurar a punibilidade de um cidadão subverte a ordem em que as coisas podem ser perdidas, e esse ânimo de perdimento pode ter origem numa primária confusão entre ordenamento jurídico, que são as diretrizes de concretização do Direito Positivo, e a ordem jurídica, que são os princípios ou políticas que orientam a criação do Direito Positivo. A degradação das garantias está fazendo parecer que, existindo uma Constituição, qualquer norma inferior, pode ser concretizada sem o devido respeito ao plano superior. No processo penal brasileiro os princípios da não culpabilidade, do contraditório e da garantia da ampla defesa, e os efeitos deles decorrentes, são absolutos. São neles que buscam, cada vez mais, um sentido democrático, conforme a previsão constitucional dos artigos 5º, inciso LV, e 93, inciso IX. É imprescindível a permanência de tais postulados, de forma vigorosa no procedimento, para a subsistência da lei penal aplicada. Por isso a Constituição da República normatizou como matéria processual e de vigência imediata que todas as decisões judiciais deverão ser fundamentadas. Creio, até, que a norma referenciada nada mais é que cansaço do legislador em não ver cumprido o mesmo comando, já existente no Código de Processo Penal. 45 O vinculador do condenado à sanção penal é a culpabilidade - um dos elementos da dosimetria deste - mas seu exame não se restringe à mais ou menos intensidade do dolo ao nível de tipo de culpa. Por questões metodológicas e analíticas, o crime é fato típico e ilícito. Todavia, deve ser observado em sua totalidade. Assim é que à aplicação da sanção penal, o fato, além de típico e ilícito, deve ser culpável. Portanto, para a imposição da pena, deve-se analisar todas as suas elementares, o que equivale a dizer: a imputabilidade, a potencial consciência de ilicitude e a exigibilidade de conduta diversa. A censura é graduável, e, como tal, incide na pena a ser aplicada como reprovabilidade. A devida fundamentação é imprescindível à obediência da garantia constitucional do processo. Os sujeitos processuais têm o direito de tomarem conhecimento das razões e dos motivos de quem os governa na relação processual. Principalmente quando o ato de governo fere o ius libertatis do processado. Em respeito aos princípios constitucionais da ampla defesa, da individualização da pena e motivação das decisões. Goiânia, 26 de Outubro de 1999 Byron Seabra Guimarães, relator NOTA - "Face
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