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DUMONT, Louis As castas e nós

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Il 
LOUIS DUMO/'.'T 
ç (ig!.!2.1 a f na tradiç.ao inglcsa de lransliteraçao) c.r simboliza m chian tes, pa-
latal a primcira e cacuminalj retroflcxa a' scgunda; pronunciar ç conw 0 
francês* "ch" (inglês "sh") ; do mesmo modo o ~, mas corn a ponta da 
liogua voltada para a parte mais alla do palato; 
s é sem pre surdo ("55") mesmo entre vogais (dasyu como "dassyu"). 
Exemplos: 
riIjpû t pronunciar "raadjpuut". Pensamos, meSIDO na transcriçâo cm caractc-
Tes romanos, consignar, coma nossas autores antigos, as form as "Râd-
ja" para raja, "Tchandala" para Candala; 
çaslra, "tratado", fol. grafado cm romano, à inglesa. como sbastra; 
PQlïcâyat no texto: pancayal, pronuncia-se "pantchayaC' (nas transliteraçôes 
cm itâlico, 0 h marca scmpTe uma "aspiraçâo"). 
• e C.mWm 0 portugui:s (N. da T.). 
, 
~) 
INTRODUÇAO 
. .. a dunocnu:ia rompt! il corr'QIU e Sqxv'O coda 
um dos anm. 
ALEX1S DE TOCQUEVILLE 
1. AS CASTAS E N6s 
Nasso sÏstema social e (" -las castas sâo tao apostas em sua ideologia 
central, que sem dlivida tm;J. leitor maderna raramente estA dispasto a dedicar 
ao estudo da casta toela sua atençâo. ~e cIe é muito ignorante em saciologia, 
ou tcm um espirito roJJi ra milj~ pade ser gue seu mteresse se fumte a âe-
se jar a destruiçâo 0 0 desa arecim 0 de uma instituiçâo que é nma ne-
gaçâo dos direitos do homem e surge coma nm obstacu a ao pro esso 
econômlco de meio bilhao de pessoas. 0 servemas rapidamente um Cato 
Dctave!: sem falar dos indianos, nenhum ecidental que tenha vivide na fndia, 
__ fosse~le 0 reformador mais apaixonaclo ou 0 missionârio maiS zeloso, ja-
mais, ao que sabemos, perseguiu a sÏstema das castas ou recomendou sua 
aboliçâo pura e simples, seja porque tivesse consciência viva, como 0 abbé 
Dubois, das funçôes positivas que 0 sÏstema preenche, ou simplesmente por-
que issa parecesse muita irrea.lizaveL 
Mesmo que suponbamos que nosso leitor seja calma, nâo se pade es-
perar que ele considere a casta a nâo seT como uma aberraçâo, e os pr6prios 
autores que a ela dedicaram trabalhos corn muita freqüência chegaram a ex· 
plicar 0 sÏstema mais como uma anomalia do que a compreendê·lo como 
uma instituiçâo. Veremos isso DO capftulo seguinte. 
Se se tratasse s6 de satisfazcr nossa curiosidade e de construir para n6s 
alguma idéia de um sistema social tâo estavel e poderoso quanta aposto à 
nossa moral e rebelde à nossa inteligência, certamente nâo the consagraria· 
Il 
1 
1 
1 
" 
LVVIS DL'MO.\T 
mas 0 esforço de atcnç-ao q ue a prcparaçao dcstc li\T O cxigiu e que, sei muita 
bem, sua leitura também exige cm certa ll1ctlida. É precisa mui ta mais. é 
precisa pcrsuasâo de que a casta lem alguma coisa a DOS cDsinar. Essa é, de 
falo, a longo prazo, a ambiçâo dos trabalhos de que a presente obra faz parte, 
e é ncccssario fixar e escJarccer esse ponta para situar e caracterizar a cm-
preitada a que nos dcdicarnos. A ct Ilologia, digamo.s mais precisa mente a an-
tropologia social, s6 aprcscntariJ um inlercsse cspecial se as sociedades 
" prirnitivas" ou "arcaicas" e as grandes cidlizaçôcs cstrangciras que cla cstu-
da pro\~essem de lima humanidade difcrente da nossa. A anuopologia da es-
sa prova, pela compreensâo que ofcrece pOlica a pouco das socicdades c cul· 
turas as mais diferentes, da unidade da hurnanidade. Ao fazê-Io, ela aclara, 
evidentemente, de algum modo, nossa pr6pria espécic de sociedade. Mas é-
the inerente, e cla às vezcs a exprime, a ambiçao de chegar a fazê-Io do moQ!"t 
mais racional e sistematÎeo, de realizar lima "perspectivaçao" da sociedade 
rnoderna corn relaçao àquelas que a precederam e que corn ela coexistem, 
trazendo assim uma contribuiçao direta e central para nossa cuItura geral c 
para Bossa cducaçao. Sem duvida nao paramas ai, mas nessa relaçao 0 estu-
do de uma sociedaàe complexa, portadora de uma grande civilizaçao, é mais 
favorâvel que -o· eSludo de sociedades mm simples, social e culluralmenle 
menas difere:r...:iadas. A sociedade indiana pode ser, clesse ponta de \';sta, tao 
mais fecunda Quanto seja mais diferente da nossa: pade-se espcrar 0 inicio, 
bem sinalizadc nesse caso, de uma cornparaçao que sera mais delicada cm 
outras casas. 
Antecipemos dUlS palavras: as castas nos ensinam um princfpio social 
fundamental, a hierarquia, cujo oposta foi aprapriado por n6s, modernos, 
~as gue é interessante para se comp.!!cndcr a naturez.a, os limites e as COD-
diçôes de realizaçâo do igualitarismo moral e polîtico ao quâl cstamos vmcu-
ladas. Naa sera precisa cbegar la na presente obra, que se intcrromperâ 
s~tancialmcnte na descoberta da hierarquia, mas essa é a pcrspectiva em 
que se :.nscreve toda nosso trabalho atual. Ha UID ponto que ~cve ficar hem 
clara. Entende-se que 0 leitor pode recusar-se a sair de seus' pr6prios valores, 
pode aflTlllar que para cie 0 homem começa corn a Declaraçâo dos Direitos 
do Homem e condenar pura e simplesmcntc a que se afasta dela. AD fazê-Io, 
ele corn certeza marca cstreitos limites para si, e sua prelensao de ser "mo-
derno" fica sujeita a discussào, pOT rmes nao apenas de fato mas também 
de direito. Na realidadc, nao se lrata aqu~ digamo-Io de maneira clara, de 
atacar os valoTes modernos dircta nem sinuosamente. ~les nos parccem, 
alias, suficientemente garantidos para que tcnham algo a temer cm nossas 
pesquisas. Trilla-se apenas de uma tentativa de apreender' intelectualmente 
outros valores. Se houver uma recusa a isso, entaoserâ inûtil tentar compre-
"eD(ie';~ si~tcma das castas, e sera impossÎvel, no fim das contas, tcr de nOSSQS 
pr6prios valores uma VÎsao antropo/6gica. 
HOMO HIERARCHICUS 51 
Pode-se compreender sem dificuldadc quc a pcsquisa assim definida 
DOS profbe ccrtas facilidades. Se, coma muitos soci61ogos contcmporâncos, 
nos contcntasscmos corn uma etiqueta tomada de empréstimo às nossas pr6-
prias sociedades, se nos limitâssemos a considerar 0 sislcma das castas coma 
mua forma e"trema de "eslratificacâ.o social", podenamos cerlarnente regts-
trar observaç6es ioteressantcs, mas todo enriquecimento -de---oossas con-
cepç6es fundamentais estaria exc1uido par defmiçâo: a circulo que teroos de 
percorrer, de n6s às castas c, na volta, das caslas a 06s, se fecharia de imedia-
lO, pois jamais tcrfamos saido da posiçao inicial. Uma outra maneira de fi-
carmas fecbados cm nés mesroas consistiria em supor sem dificuldadc que 0 
lugar das idéias, das crenças e dos valores, em uma palavra, da ideologia na 
vida social é secundano e pode ser e:~:plicado par outros aspectas da socieda-
de ou r~duzido a eles. 0 prÏl)cipio igualitârio e 0 principio hierilrquico &10 
realidades primeiras, e das mais cerceadoras, da vida politica ou da vida so-
cial em geral. Pode-se ampliar aqui a questiio do lugar da ideologia na vida 
social: metodologicamente, tudo a que segue, no pIano geral e nos detalhes, 
respondcrâ a essa questao la• 0 pleno reconhecimcnto da importância da 
ideolo,iia tem uma conseqüência aparentemente paradoxal; no dominio in-
diano ela nos leva à consideraçao tanto da heranÇ3 literâria e da civilizaçao 
"superior" quanta da cu1tu;a "popu1ar". Os defensores de uma sociologia 
la. A palavra "ideologia" dcsigoa comumente um conjunto ma.is ou menos iOciaI de ~ias e wlores. PQde-
~. assîm, falar da ideologia de uma socied3dt: e t~1Ii.Jém dM de grupos mais restritos, romo "'"Uma clas$e 
social ou um mavimento, ou ainda de ideolopas parciais, que incidem 50bre um aspedO do slmma $0-
cial como 0 ~ntesco. É evident.e que c::tiste ut.l.tI ideologia fundatnent.a.l, uma espécie de ideologia-mie 
ligada à lingu.agem comwn e. portanto, ao gupO ~co ou à soci«!ade giebü Certamente emtem 
\'ariaçôes - às vezes contradiç6cs -~ 05 meios soeWs, coma par aempio as clas5c:s 5Ociaîs, mas 
elas sao exprewlS na mesma linguagem: proletArios e eapitaHstas lalam. fancês na França. caso contririo 
mo pocIeriam opor suas idé~ e em gen.I têmem C:Olllum muite mais do qUI: podem pemar COOl ~. 
laçâo. digamos., a um Hindu.. 0 5Oci6~0 oeces.sita de terme p3l'3 designar 1 k'eoIogia g.klbal e nia ?Ode 
~ inclinar diante do usa especia.I que li.rnita a ideologill às cl:usc::s wciais e lbe dâ um 5entido puramente 
negativo, Iançando assim com fins partidirios 0 descrédito 50bre as idéias ou "re:preseo1aç6c:s." em t eral. 
Para as du1CUkIades inex1rinciveis que resultam de um ta! uso na soc:iologia do con.becimelllO. cf.. recetl· 
4emenl.c, W. Stut, S«ioIogy of lVtowl«i~. cap. II. cr. -M:te·Iver. Web of Gcw:nrmt:zrl.p~;-UOta·54. -
A ques110 do tug:ar ou da fimçio da ~ no conjunto da wciedade deYe RI' dci:mda ml aberto do 
ponta de vina ontol6gioo, embonl seja mctodolog:ic:amente cruc:ial Muito brevemente (cf. f 22): 
a.. A distinçao entre os aspedos ideol6gicos (ou cooscienUs) e os OtIÙ'05 50C in::Ip6e metodoklgicamc:n1e 
em virtude de uns e outros nia serem c:onhecidos da mesma maneira.. 
b . Metodolagîeamente, 0 postu1ado inîcia.I é 0 de que a ideoJogia é couroJ com relaçio ao coojunto da 
realidade social (0 homem. oocscientemente, e ac:edetnos ~ ao aspecta c:ouscient.e de SC1tS 
atos). 
Co Ela nio é UJda a realidade social, e 0 estudo tem seu resultado na tarera dificiI. do posicionamento re· 
lativo dos aspectas ideol6gicos e do que ~ pode cbamar de aspectes oAo ideolbpc:os. Tuda 0 que $oC po-
de supor a priori é que normalmente existe uma relaçio de oomplementaridade, .uas Y&lÜVe1, entre uns 
e outras. 
Deve-se observar, por uni Iado, que esse procedlmento é 0 ün.ico que pcrmile reconhecer eYentualmeDte 
que 0 postulado inicial é conll"adito pela C.ato; par outra Jado, que ele sc: liberta taDto do idealismo q uan· 
to do materialismo ao abrir a um e outto todo 0 campo de açio a que 5e pode pretender cientirv-amen-
te, ~ é, como ooo<lîçâo de prova. Pan um exempkl de dî!e~nça considcrivel DO lupr de uma ideokI-
gis parcia.l e em sua coeréocia interna, ver a c:omparaçac do vocabutario cie pam::i1e5CO etl1Je a fndia do 
Norte e a fndia do Sul em "Ma.niage. Ill", Contributioru to Indian Sodo/ogy, IX, 5Cd. n, in~). 
52 LOUIS DU.\{ONT 
menas radical aCllsarr! -:-:c.s CT/ taO de mc rgulh~ r na "culturoJogia" ou na "in-
dologia" c de perder de vista a comparaç.âo, a SCUS 01h05 suficicnt em cnlc ga-
ran tida por conccitas como 0 da "cstratifïcaçâo social" c pela considcraçâ o 
das semeihanças, que permit cm agrupar, sob cliquetas co rn uns, fcn ômcnos 
emprcstados a socicdades de lipa difcrcntc. l\1as uma empreitada como cssa 
jamais pcrmitirâ chcgar ao gcral e, corn relaçao a nosso prop6sito comparati-
va, ela representa ainda UID curto-ci rcuil o. 0 universal s6 pode seT atingido 
na espécie através das caracterfsticas pr6prias, e sem pre difcrcnlcs, de cada 
tipo de sociedadc. Por que ir à fndia sc nao for para contri buir para a dcseo-
bcrla de como a socicdade ou a civilizaçao indiana, por sua pr6pria parti cula-
ridade, representa uma forma do universal ou para saber cm que consiste es-
sa representaçao? Defmitivamcnte, 56 aqucle que se volta corn humildade 
para a particularidadc mais intima é que mantém aberta a rota do universal, 
S6 aqucle que cstâ apto a consagrar todo 0 tempo nccessârio ao estudo de 
todos os aspectos da cultura indiana lem a oportunidadc, cm cerlas con-
diç6es, de a transcender fmalmente e ai chegar a encontrar alguma verdade 
para 0 seu pr6prio uso, 
Para 0 momeoto, propôe-se aqu~ cm primeirf.ssimo lugar, tentar com-
precnder a ideologia do s!~tema das castas, ara, ela é dirctamente contradita 
pela teona igualitma de yue participarnos, E é Împossivcl compreender uma, 
enquanto a outra - a i~eologia modr,rna - for tomada como verdade uni-
versai, nao s6 enquanto ;-jeal moral e politico - 0 que constitui uma pro-
fISSaO de ré indiscutfvel -, mas tar.l, lém coma cxpressao adequada da vida 
social, 0 que é um julgamento ingênuo, Eis a rmo pela qual, para aplainar 0 
caminho para 0 leitor, começarci pelo flll1, ulilizando de imediato os resulta-
dos do estudo para fazê-lo refletir, a tftulo preliminar, sobre os valores mo-
dernos, Issa equivale a uma breve introduçao geral à sociologia. que podera 
ser considerada muito elementar, mas nao inûtil. Trataremos cm primeiro 
lugar da relaçao cntre valores modernos e ideologia, e depois mais cspecial-
mente do igualitarismo encarado do ponto de vista sociol6gico. 
2. 0 INDMDUO E A SOCIOLOGlA 
1 Por um lado, a sociologia é 0 produto. ou antes • ..e1a ~partejntcgrantc 
j da sociedade moderna. Sua emancipaçâo 56 se dâ de maneira rcstrita e corn 
1 um csforço concertado. Por outra lado, a cbave de nc:;sos val ores é facil de 
ser encontrada. Nossas idéias cardinais chamam-se igualdade e liberdadc. 
Elas sup6em como principio Unico e represenlaçao valorizada a idéia do in-
dividuo humano: a humanidade é constituida de homcns, e cada um desses 
homens é concebido como apresentando, apesar de sua particularidade e fo-
ra dela, a cssência da humanidadc. Tcremos de voltar a essa idéia fundamen-
tal. Consideremos por enquanto alguns de seus traças evidentes. Esse indivf-
1 
HOMO HIERARCHfCUS 51 
duo .é quasc sagrado, absoluto; nao passui nada acima de suas cxigências 
IegftlIDas; scus dircitos s6 sao limitados pelos dircilos idénticos dos outras 
incüvfduos, Vma mônada, cm suma, e toda grupo hum ana é constituido de 
ménadas da espécie sem que 0 problema da harmonia entre essas mônadas 
se coloquc vez alguma para 0 senSQ comum. É assim que se concebe a classe 
social ou isso a que se chama Desse nivel de "sociedadc", a saber, uma asso-- -
ciaç.âo. e de certa modo 3tt mcsmo uma simples coleçao dessas mônadas , 
Fala-se amiude de um pretenso antagonismo entre "0 individuo" e "a socle-
dade" , no quaI a "sociedade" tende a surgir coma um resfduo nao humano: a 
tirania do nÛInero, um mal fuico inevitavel oposto à rcalidade psicol6gica e 
moral, que esta contida no individuo, 
Esse tipo de visâo, que é a parte integrante da ideologia correote da 
igualdade e da liberdade, é evidentemente muito pouco satisfat6rio para 0 
observador da sociedade. Ele se insinua, entretanto, até mesmo nas ciências 
sociais, O!a, ,a ver~~deira funçao da sociologia é bem outra; e!a deve preci-
samente prccnchcr a' lacuna que a mentalid ., . dualista introduz ~ 
J con ode 0 ideal e 0 re . om efeito, e este é nassa tcrceiro ponto, se a 
sociologia surge como ta! na sociedade igualitâria, se ela a irriga, se a expri-
me num sentido a ser examinado por n&., ela lem suas raizes em alguma co-i-
sa muito difcrcnte: a apercepçâo da narureza social do homem. Ao individuo 
auto-suficiente ela opôe 0 homem social; con~idera cacia bomem, MO mais 
como uma encamaçao particular da bumanidade ,abstrata, mas como um. 
ponto de emergência mais ou menos autônomo d~~ ..!IDa bumanidade coletiva 
particular, de uma sociedi1de. No universo individualista, cssa mao, para ser 
rcal, deve assumir a forma de uma eXpcriência, quase uma revelaçâo pessoal, 
~ ~ ~or que Calo de uma apercepçao socio/6gica. Assim escreveu 0 jovem ~com 0 excesso de um ne6fito: <rÉ a sociedade que pensa dentro de miro". 
Essa apercepçao sociol6gica nao é fâcil de scr comunicada ~ um livre 
cidadâo do Estado moderno qpe nâo a conhecesse. A idéia queJazemos da 
sociedade permanece sendo artificial enquanto, como a palavra coIIVÎda a in-
terpretar, a tomemos como uma espécie de associaçao em qne 0 individno 
totalmente constituido se empenhasse de forma voIuntma oum objetivo de~ 
terminado, coma que por uma espécie de contrato. Pensemos sobretùdo na 
criança lentamente levada à humanidade pela educaçao familiar, pela apren-
dizagem da linguagem e da moral, pelo eosino que a faz participar do pa-
trÎmônÎo comum - compreendidos ai, entre n6s, elementos que a humani-
dade inteira ignorava ha menos de um século. Onde estaria a humanidade 
desse homem, onde sua inteligência, sem esse adestramento uma criar~o ;=~~~~~:=~~~ ~ , 
para Calarmais propriamente, que toda sociedade compartilha de algum mo-
do com seus membros, que seriam seus agentes concretos? Essa verdade esta 
tao longe dos olhos, que talvez fosse necessârio remeter DOSSOS contemporâ-
1 
neos, mesmo os instruîdos, às hist6ri.as de meninos-lobos para que rcOctÎs-
sem que a consciência indi\idu.:=J prO":ém do ~dcstramento 50ciap ..... 
De maneira scmelhantc, zcredîta-sc, corn frcqü ência, que 0 social con· 
siste apenas das maneiras de componamcnto do iodivfduo supostamentc to-
do construido. A esse respeito. bas ta observa r que os homens CQnCTetos nao 
sc componam: etes agem corn uma idéia na cabeca, gue termina por se con-
1 formar ao USD. 0 homem age cm funçao do que cie pensa e, se possui cm 
ceTto grau a faculdade de agenciar seus pensamentos ao seu modo, de cons-
truir categorias novas, cie a fu a partir das categorias que SaD socialment~ 
dadas, e sua ligaçâo corn a lio.guagem bas la para lembrar esse fato. 0 que 
nos afasta de reconhecer completamente essas evidências é urna disposiçâo 
psicol6gica idiossincratica: no momento em que wna verdade repetida, mas 
até entao estranha, se toma para mim uma vcrdade da experiência. eu de 
bam grado imagina que a Ur<t'enteÎ.. Vma idéia comum apresenta-se coma 
pessoal quando se toma plmamente rcal. Os romances estae cheies de 
exemplos desse tipo: ternes tmla necessidade estranha, para reconhecê-lo 
coma nosso, de imaginar que 0 que DOS acontece é ûnico, quando cIe é ape-
nas 0 pao e <> fel comuns de nossa coletividade ou humanidade particu1ar. Bi-
zarra confusâo: existe uma pessoa, uma cxperiência individual e Unica, mas 
ela é fcita de elementos comUDS pan grande parte, e naD ha nada de destrui-
dor cm reconhecer este fato: extirpe de si mesmo 0 material social, c você 
nao sera mais do que uma virtnalidaàe de organizaçâo pessoa12b• 
o primeira mérito da soc:iologia francesa,foi, cm virtude de seu intelec-
tualismo, tcr insistido nessa pr~-Sen~ do social ao espîrito de cada homem2<=. 
Durkheim foi censurado por ter recorrido. para exprimir essa idéia, às 
nQÇÔcs de "representaçôes coletivasn e depois de "consciência coletiva". Sem 
d(n..ida, a segunda expressao se presta a confusâo, mcsmo que seja ridiculo 
ver Dela uma injustificaçâo fornecida ao totalitarismo. Mas, no plana cientifi-
co, os incovenientes desses termos nâo sao naeta, digamo-Io com clareza, com 
relaçao à visao oomumcnte disseminada da consciêocia individual emergindo 
toda aprcstada, pronta, de si mesma. Trabalhos haje em dia cansideradas so-
ciol6gicils testemunham-no cm grande quaritidade.-
Observemos ainda que 0 gênero de noçao que se critica aqui é, pelo 
menos na forma desenvolvida e no logar central cm que 0 conhecemos, pro-
priame~e moderno e de ascendência crislâ. (Pode-se inclusive perguntar se 
la.. ct Lucien MaIson, Les Enfarw =-oze,. mj"l« ~ rta/iti. ~ preciso 'admjtir que os bomens nia sio 
~mert5 !o11l do ambîent.e social'?" pe%plll1I-se u:m jonuilista ao raenhar esse livro (Y. R., Le Momû, 6 
de maio de 1964, p. 12). 
lb.. Esse pequeDO uemplo Dio pmende de modo .tJtum estotM a socialid3dc do bomem. Sabe-se muito 
bem, por aemplo, que cm ai mesm.a "'a org.a.nWlçio pes.soal" nie ~ indcpcndenle das relaçôc:5 rom ou· 
tnls pes.soas q\le ocupam papéis definidos. Mas que estranha esta decJ.a.r&çio atribulda a Utta romandsta 
COIltemporineo: "0 tmk:o mcio de J:IIo utar saz:inho f: nio pensar maiI;"(u M,orfIk, 2S de D<M:lllbro de 
1964, p. 13). Es al es:sa "signifiœçâo !a!sa" do e'll de que se 1ament.Kva Arthur Rimbaud ,quando c:screv:ia 
"'É!also di7.er. Eu pense. Dever-se-ia ~ A1ÇIbn me peœa" (I....ettns à Iz.ambard, maïo 1871). 
2c. Como jA cm Bonald, ver 0 rcsumo deA Koyré c::n ÉUldD d·I:is:toire.~, pp. 117·134. 
HOMO filERARCWnJ'i 55 
clc nao aumentou seu domfnio nos espfr itos dcsdc, por exemplo, 0 inicio do 
século XIX.) Os [Ù050[05 anti~s, até os cst6icos, na~sep~~vam os aspectqs 
colelivos do homem e os outras: cra-se um h~cm -por~~ se e!:'!..!!l<:.m.È~o de. 
uma cidade. organismo tanto social quanto polilico. Sem duvida PIatâo fez 
nascer sua Repûblica, de maneira um tanto artificial, apenas da divisâo do 
trabalbo. Mas Arist6teles rcprovou-lhc essa idéia e se vê, no pr6prio Pla tao. 
segundo a racionalidade quase estritamentc hicrarquica que reina na Repû-
blica, que é 0 hornem coletivo, e nao 0 homem particular, que é 0 homem 
verdadeiro, mesmo se 0 segundo participa de forma tao estreita do prim ciro 
que dele tira parti do ao vê-Io exaltado. Finalmcntc, basta lembrar um exem-
plo famoso: se Sacrates, no Criton, se recusa a rugir, é porque, no fun das 
contas, ele DaO tcm vida social fora da cidade. 
A apercepçâo sociol6gica do homem pode produzir-se espontaneamen-
te na sociedade moderna em ccrtas experiências: no exército. no parti do polî-
tico c cm toda coletividade fortemente unida, e sobretudo na viagem, que nos 
permite - um pouça como a pesquisa etnoI6gica - apreender nos outras a 
modelagem 'pela sociedade de traças que nao vernos, ou quando tomamos 
por "pessoais", cm n6s. No plana do ensino, essa apercepçâo deveria ser 
a oc-A-bâ da Soci%gia, mas jA a1udi 80 Cata de que a 5ociologia, enquanto 
estudo apenas da sociedade modema, frequentelli-ente faz dela uma questao 
dc economia. Nao se pade aqui deixar de sublinhar os méritos d~ etnologia 
coma disciplina Socio16gica. Nao se concebe, em LaSSOS dias. um trabalho e 
mesrno u.m ensino etnol6gico que DaO provoque a apercepçâ!J em questao. 0 
eocanto, eu diria quase a fascinaçao, que Marcel Mauss ~xercia sobre a 
maior parte de sens alunos e ouvintes devia-se antes de tudo a esse aspecto 
de seu eosino. 
Permitam-me aqui uma anedota que apresenta um Cl:cmplo surprcendcnte de aper· 
cepçao sodol6gica. Mais ou menos no final da preparaçao para 0 Ccrtificado de etnologia, um 
rondiscipulo que oao se destÎnava à etnologia rontou-me que lhe succdera urna coisa estranha. 
Ele me disse maÎS ou menos 0 seguinte: . 
UOutro dia, oum ônibus, percebi de repente que nao olhava para os meus coinpanheiros 
de viagem como de costume; alguma cois:a bavia mudado em minha relaç!o corn etes, cm mi-
nha maoeira de me situar corn reJaçâo a des. Nâo havia mais 'eu e os outros'; eu era um deles. 
Durante um longo momcnto me perguntci pela tazao dessa trans(onna~o curiosa e repentÎna. 
De repente ela me surgiu: cra 0 cnsÎnamento de Mauss". 
o îndivfduo de ontem sentia-se social, percebera sua peISOnalÎdade como ligada à lin-
guagem, às at itudes, aos gestos, cuja imagem em devolvida pelos VÏ2inhos. Eis 0 aspecto huma· 
nista essencial de um casino de etnologia. 
Acrescentemos que 0 é tante dessa apercepçâo como de todas as idéias 
fundameotais. Ela nao é completamentc adquirida com. um primeiro lance e 
de uma vez por todas: ou hem ela se aprofunda e se ramifica em n6s., ou 
entao, ao contrario, ela permanece limitada c se toma farisaica. A partir de-
la, podemos comprecnccr que a pcrcepçao~nps mcsipOs como indivîduos 
nao é inata, mas aprcndida. Em liltima anMise, cla nos é prescrira, imposta 
pela sociedade cm que vivernos. Como Durkheim disse aproxirnadamcnte, 
nossa sociedadc nos prescreve a obrigaçao de sermos livres. Par oposiçâo à 
sociedade modcrna, as sociedades tradicionais, que ignoram a igualdadc e a 
überdade como val ores, que ignoram, cm suma, 0 individuo, possucm no 
fundo uma idéia coletiva do homem, e nossa apcrcepçâo (residual) do ho-
mcm social é a t'mica ligaçâo que DOS une a elas, 0 ûnÎco viés pelo qual po-
demas camprccndê-Ias. Esta aî, portanto, ° ponta de partida de uma sociolo-
gia comparativa. 
Um leitor que nao tcoba nenhuma idéia dessa apercepçâo ou que, co-
ma talvez a maioria dos fù6sofos de hoje, nao a reconheça como fundada em 
verdade1tl continuarâ sem proveito ~ a leitura deste trabalho. N6s a utili-
zaremos, para começar, com dois objetivos: por um !ado, para cercar 0 pro-
blema sociol6gico do individuo; por outro,partindo da igualdade como valor 
moderno, para colocar em relevo em contrapartida, em nossa pr6pria cultu-
ra, a seu oposto, a hierarquia. 
3. INDIVIDUALISMO E HOLISMO 
A apercepçâo socioI6gica atua contra a vlsaO individualista do homem. 
Conseqüência imediata: a idéia do individuo constitui-se T!'Lnl problema para 
a sociologia. Max Weber:-pa;:aquem a apercePÇâllSocic16gica se exprime 
ii"uma forma' cxtremameote indireta, vejamo-lo coma rOIL.ântico ou fil6sofo 
moderno, traça-nos um programa de trabalho quando escreve numa nota de 
sua Ética Protestante (ed. al. p. 95, nota 13; trad. fr. p.122, nota 23): 
ld. Os fil6s0fos leodcm Mtura1Jneotc a identificat 0 ambieote em que se deseDVOlveu a tnadiçio fiIos6fica 
com a huma.cidade int.eira c a relegar as outras cultw'as a uma apécie de 5ub·bumanidade. Nc:sse secti-
do, pode-se sté mesmo natar um retrocesso. Em Hegel c cm Man, a des.coberta das outras a.il.iz.açOes; 
ou sociedades ditas "'primitivas .. ua objdo de mt.eresse. Nio 0 ê mai:s entre os filô5ofos poliûa:lS que sc 
J.i&am a um ou outto desses auton::s. Em vez de 0 progressa. c:Io5 c:oWaccimeD1o5 a)D(juzir à r-eDOYaÇio--
de:ssas quest6es. desembaraçaDdo-as de am evoh:lcionismo ~, elas sio puB c simp1esmentc 
~ de lado. Correlll1ivaJ:oeD a COGtnbuiçio de Durtheim c de Max Weber ~ îgnonIda, c a histO-
ria polilica dos a:nto e dnqücnta 6!timo5 aDOS o.io ~ objeto de uma re1le:xio aprofundada.. apesar dos 
graves problemas que a sobre:carrepm. E.riste ai um.a convergëoci.a nativel entre teGdéncias mwto dife-
renies entre ii e um retrai.meoto paradoxal da tDdiçio ocidcn1al. Sem Calar de Sartre, um nwxirta coma 
Marcuse. um hegelo-kan!iaoo como Eric Weil, e 4lé melmo 0 lamentado ~ Koyré, se situam 
muito estreitamenle DO univerw do indMduo e c:x:ibem, em conseqüência, uma atitude c:ondescendente 
ou hoslil cm face da considernçio 5Ocio16gica. a. em primciro Jupt, Reasoo and RDoIuzion; depois, sua 
Philosophie politiqu, onde aquilo a que chama ~edade" ~ a wdedade dvil pura e simples; dcpois, 
ainda, sua concJusâo in~rada ao estudo citado wbre Bon.aJd, e também iua rnaneira indireU e coma 
que sub· repdcia de apresentar a hlenrquil na R.epûblica de P\a.lio (/lfII'Odlu:tion à Jo ~ lÛ PkrIon, 
pp. 131 eu.). Nesse ûlHmo casa, ta1vc:z se deva levar em CODliideTaç.iO a data dessa5 publicaçOes 
(1945. 1946); aa:cdita4C ver na primeira coma a opor1wtidade de uma reOaio ~ 0 totalitarismo, a 
partIr da boa tesc de Bonald, se tram!otmou numa reatinnaçio IOICDC do jdœJ democ:ritico. (Sem dû· 
vk1D a.lguma 0 que precede ~ muito parcial; especia.l.mellte, 01 problcmas da filosofia politica sc apresen· 
{am de: modo lIluilo diferente na J.nsIa1ena, cL os dois 'Volumes de Philosophy, Polilia 0IId Scde!y, Las-
icI! a nd ftu ndmJIn, Of&) 
HOMO HIERAlICHlCU.'i 57 
o terma individua lis mo recobre as noçües mais helcrogè ncas que sc passa imaginar .. . 
urna anâlise radical desses conccitos, do ponta de vista hist6rico, seria agora de nova (scgundo 
Burckhardt) muita preciosa p a ra a ciê ncia .. . 
Para começar, muitas imprecÎ5ôcs e dificuldades provêm do que nao se 
cooscgue distinguir no Hindividuo": - . 
1. 0 agcntc empiri co, presente cm toda socicdade, que é nesse particular a matéria· 
prima principal de Ioda sociologia. 
2 . 0 set de razao, 0 s uje ito no rma tivo das insti tuiçôcs; is!o é proprio de n6s, coma tes-
temunham os valores de igualdade e de lîberdade, é uma Tcprcsentaçao ideacional e ideal quc 
possufmos. 
A comparaçâo socioI6gica exige q~e a individuo, 00 sentido pieno do 
tenno, seja considerado como tal e recomcoda que se utilize outra palavra 
para designar 0 aspecta em pmco. Assim serA evitada a generalizaçâo. por 
inadvertência da presença do individuo em sociedadcs que nâo 0 conhecem, 
de fazer dcle uma unidade de comparaçâo ou um clemento de referênda 
universal. (Aqui a1guns objetarâo que todas as sociedades 0 reconhecem de 
algum modo; é mais provâvel que sociedades relativamcote simples aprescn-
tem nesse sentido um estado diferente a descrcver e dosar ~Jm cuidado.fAo 
contrano, camo toda categoria concreta e complexa, deve-se fa1.er um esfor-
ça para reduzi-Ia analiticamente a e1ementos ou a revelaçôes universa~ quc 
padern servir de coordenadas de referência comparativas. Deste po'i.' 0 de 
- vista impôe-se uma pnmeira constataçâo: 0 individuo é um valor - ou':":mtes, 
:_.~ ele faz parte de uma configuraçâo de valores sui gefJeris. 
Duas confIguraçôes desse tipo' opôem:-se de imediato, as quais caractc-
_ ~~ ~ .respectivamente as sociedades. tradicion~ e a socied~de. modern a_ Nas .)~ ";"',.~; ... 
. ~Jprunelras, coma também oa Republica de Platao, a accoto mClde sobre a 50- ;;" J.o.l-
. ,Il ciedade cm seu cmti!!nto como Homcm co.lctiYo; a ideal defme·se pela or- l , 
J5 ganizaçâo da sociedade cm vista de sens fins (e oao em vista da.felicidadc in- \! 
V) dividual); trata-se, antes de tudo, de ordem, de hicrarquia, cada homem par- II 
ticuJar deve contribuir em seu lugar para a ordem-g1obal, e a justiça'consiste 
cm proporcionar as funçôes sociais com rclaçao ao conjunta: 
Para as sociedadcs modernas, ao contrario, 0 Scr humano é 0 homem 
"elem..entar", ind ivisivet)~ sob_s.ua..Iorn:!<} de ser biol6gico e ao mesmo tempo 
de sujeito pensante. Cada homem particular encama, oum certo sentido, a 
humanidade inteira. Ele é a medida de Iodas as coisas (num sentido plcno 
l todo nove). 0 reine dos fins coincide com os fins legîtimos de cada homcm, e assim os valores se invertem_ 0 que se chama ainda de "sociedade" é 0 meio, a vida de cada um é 0 fim. Ontologicamente a sociedade nao existe mais., ela o é apenas um dada irredutivel ao qual se pede em nada· contrariar as exigên-0.) cias de Iiberdade e igualdade. Naturalmente 0 que procede é uma descriçâo 
V) dos valores, uma visâo do espfrito. Quanta aD que se passa de Jato nessa so-
l' 58 LOUIS DI'~/ON"[ 
cicdadc, a observaçâo corn freqüência nos rcmcte à sociedadc do prirnciro 
lipa. Urna socicdadc tal como foi concebid ~ pclo individualismo n~n~ :xis-
tiu cm parte algurua, pela razâo a que refenrnos, a sabcr, de que 0 tndlVJduo 
vive de idéias sociais. Tira-se dai esta conc1 usâo importante: 0 inàivfduo do 
'( lipo modcrno naD sc O,Eôe à sodc:.~~de do !ipo hicrarguÎco_ CQm?_~"p'arlc ,aD Il toda (e Îsso é verdadclTo para 0 llpO rnodcrno, cm que nao eXIste propna-
11- 'al J- mente nada a se fal ar de um toda conccptual) , mas_com~..§~ .U_.lgu_9~ il hQm61ogQ • .J!!!!...LOJ:!!!Q...ç9.!!..~ondcI.!~Q. _ à ~$§~!!filiQ.lLQmGm. Apliqucmos a 
'1 idéia de Plalao (c de Rousseau) à idé ia do paralclismo entre as concepçoes 
do homem particuJar e da sociedade: enquanto para Platâo 0 bomem parti- ! 
cular é concebido como uma sociedade - um conjunto - de tendências ou 1 
de faculdades, entre os modernos a sociedade, a naçao, é concebida como 1 
um individuo coletivo, que tem sua "vontade" e suas '(relaçôe~" como 0 in- \ 
dividûo elementar - mas nâo esta coma ele submetido a regras sociais. ! 
Se se duvidasse do esclarecimento que nossa distinçâo traz imediata-
mente, bastaria reportar-se à sociologia durkheimiana e à confusâo quc nela 
introduz a duplo sentido da palavra uindividuo", ou ainda ao "comunisma 
primitivo" do evolucionismo vitoriano ou marxista, que confundiu ausência 
do indiViduo e propriedade colctivaJ.. 
Fazcr a hist6ria das origcns da sociologia devcria, ass'.:..n, consistir antes 
de tudo cm delim itar sua essência principal, quer dizer, fazer a hjst6ria da 
apercepçao socio16gica no mundo moderno. Na França, clé! surgc sobr~tudo 
na Restauraçâo, coma repercussao das desilusôes trazidas pela cxpr!i.ência 
dos dogmas da Rcvaluçâo e coma que implic.ada na exigência socialista de 
substituir a organizaçâo consciente pela arbitrariedade das leis econômicas, 
Entretanto, pade-se percebê-Ia antes3b, por exemplo. no dircito natural, em 
3a. Sobre 0 evolucionismo vitoriano, notas cm CiviL lNi. #!J Nous, cap.Il, e '1"'he Individual.." em Essays in 
H o/ICUT of D. P. MuJcvji. A assimilaçao DOtada é IOn:Jldmente Învilida em virtudc do rato de que DOSS3 
noçao de propriedadc procede do indMduo. A propoœîto da 5Ociologia dl,Ifkbe~ eis l,Ima ~em 
camderutÎca de Mauss wjas ambigÜÎdade:II devem set adaradas à lm de DOSSa dlstinçio: a prop6cito dos 
"sistcmas de prestaÇÔC5 totais .. , num arti~ sobre 05 ~nt.csros por afinidadc (AJuwairt de l'E... P. H_ E, 
5~. section. 1928, p. 4, nota), eJe escreve; "'Talvc c::u!S Uhimas obsuvoçoa causem algivn e.spanJb_ Ptl-
du.~-in l1I:mfiUl/"tpU abondontzmt:n ~ ID id&u de Morgan (_) ~oqudtuque tom.arnos en-
prestadas a Dw1chdm salm ° comunismo primitivo, stJbre a confus6o dos individu.os (~ dos~) na 
col7lllnicladL Nada aim al tU conLradilOrio. As socû:dades, mam4 aqudas <['oU ~ SlIp« dcprovidas do 
smtido dos dirdJos ~ dos tU\'UU do indt.idu.o, lM diio ('" diio a co4a homcn) um I!lgar absob.aomc-k 
pr«iso; à esquuda, à dirdlo 01:. no campo; _ Isso é uma prova de que a indi}idmJ ( • . 0 homDn JXU1ic:u.-
ku) coma, rr.as i wna prt)l.'(J também ~ que cie cona c:xclusivame.nte coquanto ser 5OdaI.men1e ~1erml­
Dado. E1l1reulIuo, cx:om q~ Morgan e Dwlcht:im, 1'"...a t:Or.Jùwoçiio, uogt'fWam 0 anwrfumo do cID, e, CD-
mo MaJinowsJd ~ fez o/)sovar, concederam umo ~ ittsuficimu à jdija de reciprocidaih (passagem 
g.rilada por mim)". _ . . 
C l tarnbém ° que dO: Mauss Klbre a naçio (abaixo. Ap. D, DOtas 4-8). Relê-se corn cunœildade a Intro-
duçao à sociologia colocada por Georga Davy no inicio de sua pequena Sociol~ie J'O.lit/~~. Espar:ta 
coml.aUu" que um autor lia qualific.do nia consip s.e desembaraçar do labo dualismo lIldJvidUO-5OCle-
dade e justaponha corn dificuJdade, DO fim. das coQLM., a visio individualista e a visio 5OCioJ6tjca. DoDde 
uma ap~ COIl)O " I.Diluéocia da vida lOcial ~ a vida material, inte~~ e mo~l do_ sa ~~­
DO", e 0 d=nvo!vimenlo correspoDdente (Georges Dary, ÉIhncJts tU Soc/Ol~, 1: SCX:Jologle pollll'llU, 
2~. M 1950, especiatmente pp. 6, 9). . 
3b. Ci "The Modem Conception or the Indiv1dual, Notes on it.s Geoesis", em C01l1ribuûans to lndkuf SoaD-
log)', VIII. 
·c 
--
/lOMO H1ERARCHlCUS 59 
quc ela é um legado continuamente diminuido da Idade Média, e cm Rous-
seau, que marca de maneira soberba a pasSagem do homcm natural 30 bo-
mem social ncstas linhas do Contrato Social: 
AqueJe que ousar emprcendcf" a inslituiçào de um povo dcve se sentir cm condiçôes de 
mudar poc assim dizer a na tuf"C.7..a humana, de lransformar cada individuo, que por si mesmo 
é um roda perfeito solitario, ml pan e de um todo do quaI esse individuo (esse homem) recebe de 
a/guma maneira slla vida e seu ser (II, vii, grifos meus). 
A mesma apeTcepçaO estâ presentc, numa forma indireta, na con-
cepçâo do Estado de Hegel, concepç..ao que Marx recusa, voltando assim ao 
individualismo puro e simples. nâo sem paradoxo da parte de um socialista. 
Vma obscrvaçâo sc impôe para englobar a ideologia e seu contexto: es-
sa tendência indiv:dualista que se vê impOr, generalizar-se c se wlgarizar do 
século XVllI ao Romantismo e além, acompanha de jato 0 desenvolvimento 
moderno da divisào social do trabalho, daquilo que Durkheim chamou de sa' 
lidariedade orgânica. 0 ideal da autonomia de cada um se imp6e a homeus 
que dependcm uns dos outros no pIano materi~ hem mais do que todos os 
sens antepassados. Mais paradoxaImente ainda, esses homeus terminam por 
remcar sua qen"ça. e imaginar que a sociedade inteira funciona de Cato ~wmo 
e1es pensarà.m. que 0 dominio politico criado por eles deve funciona.r30:. Erra 
pela quaI 0 mundo moderno, a França e a AIemanha cm particular. pagaram 
rouira caro. Pareee que, corn a relaçâo às socied.ades mais simpl~, houve 
uma troca de pIanos: no pIano do fato, elas justapunham particu1ares idênti-
CDS (solidariedade mecânica) e, no pIano do pensamento, viam a totalidade 
coletiva; a sociedade maderna, ao contrario, age cm conjunto e pensa a partir 
do individuo"'.~Isso fala do aparecimento da sociologia como disciplina parti-
cular que substitui 0 que cra representaçao comum na sociedade tradicional. 
4. A IGUALDADE SEGUNDO ROUSSEAU . .. 
Chegamos agora ao traça moderno que se op6e mais imediatamente ao 
sistema das castas: a igualdade. 0 ideal de liberdade e de igualdade se imp6e 
a partir da concepçao do homem coma individuo. Corn efeito, se se supôe 
que tod3 a humanidade esta presente em cada homem. cntâo carla homem 
deve ser livre e todos os homens sac iguais. É nisso que esses dois grandes 
30:. Ttpico, DeSSe 5entido, é 0 desaparecimento da divis.io (social) ~ trabalho na "sociedade" c:omuni5ta de 
Man. 
3d. A fOrmula é muito ,impies, test.e:munha a soc:iedade das castas, em que a divisio do tnlbaIbo é coloada 
$Ob 0 signa do conjunw_ É a "raciooaliz.açao" de cada compartimellto de ,atMdade em roi que carac:te-
riza 0 desenvotvimento moderno da divisio do trabalho. Em sua t.ese wbre La ldks iga/itairer, 
pp. 140-148, C Bouglé observa 0 "paradoxo" da beterogeneidade soda! que raz SUIJir oindividualismo 
igualit.irio (segundo ele mesmo, Fatud e Simmel: "'Em virtude de um indMduo ser algo todo particular, 
e1e se toma iZual a nia importa quaI outra"). 
ideais da cra modern a haurem sua racional.idade. Exalarncnte ao contrario 
de um fim coletivo) rcconhecido camo se impondo a muitos homens, sua li-
berdade élimitada e sua igualdade é po~ta em questao. 
É surpreendente constatar quao recente c tardio é 0 desenvolvimento 
da idéia de igualdade e de suas implicaçôes. Ela rcpresenta, no século XVIII, 
apenas um papeI cm suma secundario, salvo para HcIvctius c MoreUy. No 
pr6prio século XIX, entre os precursores ou os adeptos do socialismo na 
França, 0 Iugar relativo da igualdadc e da liberdade é variâvel. Fazer aqui a 
bist6na da concepçâo da igual_dade é menos dificil do que scparâ-Ia das 
idéias pr6ximas a cla. Tentaremos, entretanto, isola-la, guardando scruprc 
um mLnimo de perspectiva mstôrica, comparando seu lugar em Rousseau e 
cm Tocqueville, corn oitenta anos de intervalo. 
Rousseau passa por ter-se insurgido contra a dcsigualdade, mas, na 
verdade, suas idéias sâo muito modcradas e, em grande parte, tradicion~is. 
No Discurso sobre a Oljgem da Desigualdade, 0 primeiro mérito de Rou~eau 
é 0 de distinguir entre a desigualdade natural, que é pouca coisa, e a desi-
gualdade moral ou "desigualdade de combinaçao"-'I, que resulta da valori-
zaçâo corn fms socïais da desiguaIdade natural. 0 homem da natureza, cria-
tura grosseira.. que é acessivel à piedade mas nao conhece 0 bem nem 0 m~ 
que ignora as diferenciaçôes sobre as quais repousam as raroes e a !':oral, às 
vezes é dito ser livre e até mesmo conhecer a igualdade (p. 171), 0 que sem 
diivida deve ser entendido DO sentido de ausência de desigualdade moral 
(mas DaO seria melhor dizer que ele nâo conhece nem um Dem outro dos 
apostas?). Ele diz corn todas as letras que a desigualdade é inevitavel e que a 
igualdade verdadeira consiste na prpP"rsâ.o (p. zn, nota 19); tem-se aqui, 
portanto, algo do ideal de justiça distnbutiva à mancira de Platâo. 
No pIano econômic~~-,:jesÏ!mi!l~de_~ in_e.!iI.?YçJ....tlo_pJli!l.0.p9lilico, a 
igualdade 56 pode ser defmida ing!'p~l!ct~!!l!'-'!!f!!~a libgsla<iç; a igualdade 
ua abjeçâo, sob 0 despotismo que marca a extremidade do desenvolvimento 
social, nao é uma virtude. Em suma, a igualdade s6 é boa quando combinada 
à liberdade e quando consiste de proporcionalidade, isto é, quando aplicada 
razaavelmente (talvez mais eqiiidade do que igualdade). . 
No ConlTOto Social (fun do livro I, p. 367), a igualdade é claramente de-
fmida camo Donna politica: ..... 0 pacto fundamental substitui ... por uma 
igualdade moral e legilima aquilo que a natureza poderia ter colocado de de-
sigualdade fisica entre os homens". 
Se a desigualdade é ma, ela é entretanto inevitavel em certos dominios. 
Sc a igualdade é boa, ela é antes de tudoum ideal que 0 homem introduziu 
na vida politica para compensar 0 fato inelutavel da desigualdade. Rousseau 
provavclmente nao teria esaïto que nos homens nasccm livres e iguais em 
direitos". E le apcnas abriu seu Con/rato Social corn a frase famosa: no ho-
4a. Oeum:s compU:u:s, La P1~iade, t. III, p.174 (Dise. surl'inégaJili, 2e partie). 
, 
HOMO H fERARCI/ICUS 61 
mem nasceu livre, e em toda parte esta preso" (grifo meu). Percebe-se c des-
lizamcnto: a Revo~o vai pretender reali7..ar 0 direito natura! em dJreito po-
sitivo. Vê-se bem, corn Babeuf e a Conjuraçâo dos Estados., coma a reivindi- 1 
caçâo iguali târia_varre as reslriçôes q~e os fù6~ofos encon~avam na natureza 1\1 
do homem, e nao apenas caloca 'a 19ualdade antes da-liberdade, mas estâ ) 
mesmo apta a baratear a libcrdade p.MJLrealizar utQpj.tam..e...m(:Lajgualdad~ 
5. A IGUALDADE EM TOCQUEVILLE 
Passemos a Tocqueville e sua Da Democracia na América (1835-1840)" . 
Tocqueville contrasta as democracias inglcsa, americana e francesa segundo 
o lugar relativo que cada uma reserva às duas virtudes cardeais. A Ing~terra 
é a liberdade sem guase nada (kjgualdJul~ . .... ~érica herdou.-l<ID-&r.ande 
medida a liberdade e desenvolveu a igJ!algage. A. R~v.91!'s!!o F!i!i!<;.e§.aJez,se 
totalmente sob JUignUJIa..jguaJdade. Na verdade, Tocqueville tem uma con-
cepçâo Mistocratica da liberdade, um pouco como seu mestre Montesquieu., 
e talvez MO tcnha 0 sentimento de ser mais livre como cidadao do que teria 
como nobre sob 0 Antigo Regime. Defmiu a dcmocracia pela igualdadc de 
condiçôes. (Observemos rapidamente que, como Montesquieu, extravasamos 
aqui 0 puro polltiee.) Essa é para ele a "idéia-mae", 0 ideal e a paixâo domi-
nantes e formadores dos quais cIe tenta corn esforço deduzir as caracteristi-
cas da sociedade dos Estados Uni dos (seu lugar sendo devido aos fatores 
geograficos. às leis e aos costumes). Essa igualdade, Tocqueville a vê sendo 
preparada ha muito tempo. É preciso 1er as paginas notâveis em que cie 
mostra que ela foi introduzida na ldade Média pela Igreja (0 C1ero recruta 
por toda parte), depois favorecida pel os reis, de sorte que fina1mcnte, nas 
condiçôes dadas, todos os progressos concorrem para 0 nivelamentcr>. Toc-
queville considera esse fato tâo claramente inscrito na hist6ria, que nâo hesi-
ta em qualificl-Io de fato providencial, e nao hi d6vida de que sua adesao, 
corajosa a principio e sem pre lûcida, à dcmocracia nâa tenha agui ~ua raiz: 
nào haveria como estabelecer Uinaoposiçâo fIei maior da hist6ria dos paises 
cristâos. Tocqueville insistiuJongamente, nessa obra e em 0 Antigo Regime e 
a Revoluçao, sobre 0 grau consideravel de nivelamento na França pré-revalu-
cionma, situaçâo que tornava insuportavel 0 que restava nas leis de distinçâo 
dos cstados e dos privilégios, e cbamava sua destruiçâ.o. Se Tocqueville tem 
s.a. As referënci.u remetem à ediçio da.s Oœvrr.s complàc, Paris, Gallimard, 1961; do mesmo modo para 
L'Anden ~ d la Rbolution (1952-1953). 
Sb. Para:apreciar 0 resumo histbrico esboçado par Tocqueville sobre a igualdade, poele·se conl.r3stâ-lo com 
a anâlise positivista de Bougl~ (op. dl.) que considera sucessivamente coma fatares de igualdade: a 
quanticbde de unidades sociais, sua qualidade (bomogeoc idade e bet.ero,geneidade, acima nota 3d), • 
cornplicaçio da.s sociedades (diferenciaçao dos papéis e especiali7.açAo dos !fUPamentos), a unificaçio 
wcial. BoutJé discute a t.ese idealista (p. 240), mas pensa que: é, antes, 80 contrArio, a morfo logia social 
que Ca::z aOomrem cc:rtas idéias e: certos valores. Na JUlidade:, 0 problema nâo diz respcito apenas ao 
nasdmc:nto do igUalil.ari.sOlO, mas 80 fim da bierarqui4. puna ou medistizada: uma mudança DOS valores.. 
LOUiS DUMONT 
razao, a reivindicaçâo revolucionâria da libcrda~c parecia ler sida antes a ex· 
pressao, principa1mcnte para as calegorias inferiores, de uma reivindicaçao 
de cssência igualitâria, a restriçâo da igualdade senda sentida como ausência 
de liberdade, m as isso jâ é uma intcrpretaçào. 
Corn 0 ris ca de nos afastarmos UID pouca de n OSSQ assunto principal, é 
precisa dizer aqui algurnas palavras sobre uma idéia muito importante de 
Tocqueville, que diz respeito ao Iugar da ideologia politica moderna no con· 
junla dos valOïes. Tocqueville abordou a questao da realizaçào do idcal de-
mocrâtico. Corn muitas franccses de sua épata, cIe se perguntou quaI a cazac 
do curso enganoso tornado pelos acontecimentos na França a partir de 1789. 
Em suma, a França nao chegava a realizar a democracia de maneira satis-
fat6ria - e ai esta uma das origens do socialismo francês e da sociologia na 
França. Tocqueville constatou que a democracia, ao contrario, funcionava 
convenientemente nos Estados Unidas. Procurando a razâo dessa disparida-
de, nao se contentou cm relacionâ-Ia ao meio ambiente e à hist6ria, acredi-
tou encoDtrâ-la numa relaçao diferente, de um e de outro lado, entre a paUti-
ca e a religiâo. Desde 0 inîcio de seu livra, cIe lamenta que, na Franca. tenha 
havido um div6rcio entre os bornens religiosos e os bomens ~paixonados p.cla.. 
li~e (l, 9-10), enquanto constata que, nos Estados Unidos, aconteceu 
uma aliança entre 0 espîrito de religiâo e espfrito de liber~ç (l, 42-3). Eis 
sua conclusâo (II, 29): 
1
'1 Para mim, duvido que 0 homem jamais passa suportar ao mesmo tempo uma completa. 
îndependência religiosa e uma inteira liberdade politica; e sou levado a crer que, se cIe nâo tem 
a fé, é precisa que ele sirva e, se ele é livre, que creia. 
Eis ai um pensamento tao aposta à tradiçâo democrâtica francesa, que 
dcve chocar muitos leitores. Ela nos importa .aqui apenas no que concerne à 
configuraçao geraI dos valores no universo demacrâtico e sua comparaçao 
com a configuraçâo correspondente no universo hierârquico. Tocqueville poe 
um limite ao individualismo (politico e reintroduz para 0 homem vivo uma 
depen.dência. Esclareçamos. Ha ois as to Primeiro, a separacào necessa-
(1 ru na democracia do domfnÏo religioso e do domfnio polftico, e isso num du-
I
II plo 5entido: par um lada, é preciso gue a religiâo~a d~QQÎada do dominio 
polîtico e 0 deix~ e;ci.stir p'or si mesmo; por outœ..laQQJ mali que 0 dominio 
p'olitico se erija cm religi~..fQ..I!l_o._é.ls~I!f.!2 freJly.~~t(UlA.f!.~gça. (Tocque-
ville observa, ainda, que a Rcvoluçâo Francesa procedcu à maneira de uma 
revoluçâo religiosa,A. R., 1, 89, 36, 202 e ss.) 
Na Amériea, a reIigii!o é um mundo à parte onde reina 0 sacerdote, mas do quai cie 
nunca se preocupa em sair; em seus limites, ele deixa os homens a cargo de si mesmos e os 
abandona à independência e à instabilidade que sao pr6prias à sua natureza e ao 5eU tempo. 
(Dem, Il,33). 
-
HOMO HIERARCI/ICUS .3 
Observar-se-a que a França conseguiu chegar, mais ou menos no sécu-
l~ xx, a realizar essa separaçâo. Mas cssa Dao é a idéia integraI de Tocque-
Il ville; a separacao nao Ihe é suficientc. cie louva sobretudo a complemegt~ri: 
Il dade dos dois dominios tal como iWlcrcebe nos Estados Unidos: "Sc eIe é li-
H C, que clc creia", 0 que significa, se se quiser, que a dominio particular da 
politica, erigindo-se absoluta cm sua esfera, nao pode substituir de maneira 
viavel 0 dominio universal da religiâo - ou, aprcsscmo-nos cm acrescentar, 
da ftIosofia. Para tomar verossLmil essa idéia, seria preciso, ou bem consi-
dera-la sob a _ângulo comparativo, como jâ sc poderia fazer ao término da 
leitura da presente obra, ou entâo refletir seriamente sobre as desgraças da 
democracia na França do século XIX e na Europa do século XX, a que nao 
se tem feito de maneira aIgumaSe• No nfvel empi:rico, é forçoso constatar que 
as duas democracias confirmadas como viaveis nos limites de suas fronteiras 
fazem am.bas um apel0 complementar a outra prÎndpio, a americana segun-
do a explicaçâo de Tocqueville, e a inglesa conservando ao Iado dos valores 
modernos tantatradiçâo quanto possive!. 
o que ha de mais precioso para n6s, em T ocquêvillc, é seu estudo da 
mentalidade igualitâria cm contraste com 0 que ele percebe de mentalidade 
hierârquica na França de regime anrigo,!. qual ele ainda esta ligado muito de 
perto apesar de sua adesâo sem reservas à democracia. 0 primeiro traço a 
sublinhar é ° de que a concepçâo da igualdade dos bomens acarreta a de sua 
similitude. Eis uma noçao que, se nâo absolutamente nova, se dissem.inou 
amplamente e ganhou autoridade desde 0 século xvm, do que testemunha 
Condorcet, que acreditava francamente na igualdade dos direitos, mas decla-
rava a desigualdade coma um fato ûtil em certa medida. Enquanto a iguald.a-
de for apenas uma exigência ideal que exprime a passagem 'DOS valores do 
hamem coletivo ao bomem individual, eJa nao acarretara a negaçào de dife-
renças inatas. Mas, se a igualdade for concebida camo dada na naturcza do 
homem e negada apenas par uma sociedade ma, e coma nâo ha mais em di-
reito diferentes condiçôes ou estados, diferentes espécies de ho~ens, entao 
eles sao todos semelhantes, e até mesmo idênticos, ao mesmo tempo que 
iguais. É 0 que nos diz Tocqueville: ali onde rema a desiguaJdade, ha tantas 
humanidades distintas quantas forem as categorias sociais (II, 21, cf. A. R, 
Cap. 7), ao contrârio da sociedade igualitâria (II, 12, 13, 22). Tocqueville nâo 
se explica sobre esse ponta, a coisa parece scr evidente; ele parece mesmo 
confundir coma todo mundo a forma social e 0 ser "natural" ou UDÏversal. 
Existe entretanto um ponta distinguido par cIe, quando op6e a maneira pela 
quai a igualdade do homem e da mulher é concebida nos Estados Unidos e 
Sc. Uma tal reOexâo devcria evidenl.cmenl.c considenr 0 conjwuo da hist6ria do unr.-erso da dcmoallda 
modcrna.- ai com~r~ndi.dos, por um lado, as gucrns, por outra, 0 Scgundo Impéria, 0 Terœiro Rrich 
ou 0 regune estalinista. As vezcs Geosura--5e a RoUMeaU 0 l.cr de abcrto 0 caminho, com·seu dopna da 
vootadc teral. ao jacobinismo e ao totalitarismo. Rousseau l.cm sobretudo 0 mérito de ter vista a cootra· 
djçâo do individualismo erigido cm religiio: 0 totalîtarismo ~ a Némesis da dcmoaacia abstrata. 
~ 1 
1 
! 
1 
1. 
t. 
L JûiS iJUMOr .. r 
na França: "Hâ pessoas na Eurapa que, confundindo os atributos diversos 
dos sexos, prelendcm fazer do bomem c da. mulbcr scrcs nâo exatarncote 
iguais, mas semclhantes". Os americanos "as considcram como seres cujo va-
lor é igual, erobora a vida os difcrencie" (II, 219, 222). A dislinçâo expressa· 
sc mesmo entre -0 nive} social, onde a mulher permanece inferior, e 0 nivel 
intelectual e moral, onde ela é igual ao homem (p. 222). 
Em gera~ entretanle, comprecndemos aqui, clesse modo, e aIé DO pr6-
pria Tocqueville, 0 processo de imancntizaçâo e de rcificaçâo do ideal que 
caracteriza a mentalidade democrâtica moderna. A confusâo entre igualdade 
e identidade instalou-se no nivel do senso comum. Ela permitc compreender 
uma conseqüência séria e inesperada do igualitarismo. No universo cm que 
todos os bomens sâo concebidos nâo mais como hierarquizados cm diversas 
espécies sociais ou culturais, mas como iguais e idênticos em sua essência, as 
diferenças de natureza e de estatuto entre comunidades sao . algum as vezes 
reafirmadas de uma maneira desastrosa: ela é corno concebida coma proce-
dente de caracteres somâticos, é 0 racism~. 
Toda· a segunda parte da Da Democracia na América, publicada em 
1840, é um estudo concreto <las implicaÇÔC5 da igualdade <las condiÇÔC5 em 
todos os dominios. 0 que pcrmite a Tocqueville traçar esse retrato minucio-
so, notâveL à vezes profético, da sociedade igualitâria é que ele a olha com 
simpatia e curiosidade, sem deixar de ter presente no espmto a soci.edade 
arislocrâtica, da qual ainda participa de a1gum modo. As propriedades da 50-
ciedade nova surgem para cIe em oposiçâo às da sociedade precedenle. É 
graças a essa comparaçâo, anaJoga àquela que esta implicita no trabalho do 
etn61ogo que estuda uma sociedade estrangeira, que Tocqueville faz ohra de 
soci61ogo num sentido mais profundo do que muÎtos autores posteriores que 
nâo sabem sair da sociedade igualitâria. 
Essa circunstância permite-nos utilizar Tocqueville em sentido inverso 
para aperceber, a partir da sociedade igualitâria e sem sair de nossa civili· 
zaçào, a sociedade hierarquica. Basta, coma ele mesmo costumava fazer. ''vi-
rar 0 quagxo". N6s nos contentaremos em cilar, integralment~ ou q~ um 
breve capitulo, que é um dos mais favoraveis nesse senti~o e que apresenta 
ainda a vanlagem de se Iigar a um tema cm que jâ tocamoS. 
6. 0 INDIVIDUAllSMO SEGUNDO TOCQUEVIllE 
Do individualismo nos paises democrâticos (Da Democracia na Améri-
ca, II, 2' p., Cap. 2, pp. 105·106): 
Sd. cr abaim, Ap. A. - Para Bouyé (op. dL, p. 26), a iguaktade ac:arreta ,jmilitude, uw Dio K!cntidadc. 
Arist6te1es ii essinalava a relaçio estttita en~ i!ua1dadc: e "pcrfeita similitude", difettoça e desiguaJ· 
dade, MO sem distinguir a igualdade de proporçfio da igualdade pura e limples (Pol~, 1219 a 9, 133l 
b 15 e M., 1312 a 28). 
1 
J1'JMO HIERARCHJCUS 
" 
... 0 indivjdualismo é uma expressao retente que uma idéia nova fez ntlscer. Nossos pais 
s6 conheciam 0 egoismo. 0 egolsmo é um amor apaixonado e exagcrado por si mesmo que leva 
o homem a relacionar tudo apeoas a si e a se preferir a tudo. 0 ind .... idualismo é um seotimen-
to renetido e padfico que dîspôe cada cidadâo a se isolar da massa de seus semelhantes e a se 
retirar i arte corn sua iamlua e scus ami ; de tal sorte que, tendo assim sido criada uma 
quena sociedade pa seu , e e a andana de barn grada a ~n e SOCle a e a si mesma. ( ... ) 
o mdMduausmo é de ongem demôci'âbca e ameaça se desenvotvet à m~ida que as 
condiç6es se igualern. 
Entre as paves aristocraticos, as familias pcnnanece m durante séculos no mesmo esla-
do, ~e (reqüentemente no mesma lugar. Issa toma, por assim dizer, todas as gcraçôes contem-
poraneas. Um homem conheee quasc lodos os seus anccstrais e os respeita; acredita jâ aperce-
ber seus bisnetos e as ama. Cumpre de boa vontade seus deveres para corn uns e outros, e Ihe 
acontece freqüentemente sacrificar seus prazeres pessoais a esses que nao existem mais ou nao 
existem ain~. As instituiç6es aristocraticas tém coma efcito, ademais, Iigar cstreitamente cada 
homem a mUllas de seus concidadaos. Sendo as classes muito distintas e im6veis no &cio de um 
JXM> arist~~, ~~ uma d~las se. toma para aquele que dçtjl (az parte uma esproc de pe-
quena patna, malS VlStvel e malS qucnda que a grande. Coma, nas socicdades aristocrnticas., to-
dos os cidadâos estao coloca~os em posta flIO, uns acima dos outras., disso ainda resulta que 
cada um sempre apeIttbe aeuna dele um homem cuja proteçio the é necessaria e. abaixo de1e ~re um outro horncm cujo concuISO deve exigir. Os homens que vivem nos sécutos aristO: 
cratJcos estao, entao, quase Iigados de uma maneira estreita a alguma coisa que esta fora deles 
c ~uenlemente estao dispostos a se esquecet disso. É verdade que, nesses mesmos séeulos, ~ 
naçaa geral ~ snndharrœ ~ obscura e que nao se sonha jamais em se d~tar a da para a cau-
sa da bumarudade, mas fn:qiientemcnte se sacrifia pot certos homens. 
Nos séculos democ:raticos, ao contririo, cm que OS deveres de cada individuo para corn 
a espécie sao muîto mais claros, 0 devotamento em relaçâo .a um homem se tOm.lil mais raro: 0 
elo cas afeiçâes humanas se destempera e se abrc. Nos pcvos dcmocr.iticos, nows Wnüias 
_saem. &cm cessar do Dada. outras nele caem sem cessac, e todas aquelas que ru:.am mudam de 
C3'>.a. a 'x:ama do tempo se rompe a todo momento e a vestigio das ger:açôes se apaga. &;que. 
~ facilmente os que vos precederam, e nao se tem nenhurna idtia daquelel que vos 5C~ 
guttaO. ~ os mais proximos interessam. Otegando cacia classe a se aproximar das outras e a 
elas se misturar, &eus membros se tômamindire~ntes e coma que estrangeiros entl'e si. A ans.. 
toc::r:acia Ïa.era de todos os cidadâos uma longa corrente que remontava do camponés no Tel; a 
democracia quebra a ronente e separa cada um de seus elos... Aqueles nào devem. ~ada a nin-
guém, por assim dizet n3o·esperam nada de ninguém; babituam-se a se considerar sempre iso-
ladamenl~, ju~gam de boa vontade que sua vida esta completamente cm suas mâl?&-~-
1"- dem~ nao apenas faz cada homem esquecer seus ancestrais, mas também esconde de1e 
.,ql ';':~ _ __ ~ descc:ndentes e 0 5epaIa de seus contemporâneos; ela 0 reconduz sem cessar e si mesmo e 
ameaça prendUo;-ranahnente, na soIidâo de sei! pr6prio coraçâo: -
É fâcil compreender por que citei longamente esSe texto admirave\. Ele 
responde com avanço, por um lado, à quesliio do individua1ismo-levantada 
por Max Weber. Opœ claramente 0 individualismo moderno e 0 partieula· 
rismo tradicional, coma duas percepçôes ao mesmo tempo apostas da du-
raçao. Ele evoca de um lado um romantismo que nio desapareceu nos nos-
sos dias, mesmo nos circulos sociol6gicos, e, de outra lado, para além da aris-
tocracia ocidental, 0 sistema <las castas e sua interdependência hierarquizada. 
Nao encontrei nada melhor para introduzir 0 leitor moderno nesse universo 
tao diferente do seu 30 quaI pretendo arrastâ-Io. Ainda_ virao outras passa-
gens que completariio 0 texto citado. 
L OUIS DUMONT 
7. NECESSIDADE DA H~ERARQUlA 
Hâ, entretanto, um ponta em que Tocqueville nos abandona. Nao nos 
surpreende constatar que nossos contemporâneos, que valorizam a igualda-
de, acham que a cla 56 podern opor a dcsigualdade. Mesmo entre os soci61o-
gos e os fil6sofos, se a palavra "hierarquia" é pronunciada, parcee que isso se 
faz contra a vontade e aos sussurros., coma se ela corrcspondesse às dcsi-
gualdades ioevitavcis ou residuais das aptidôes e das funçôcs ou à cadcia de 
romando que toda organi7..açâo arlificial de atividades miiltiplas supêie: "hie-
rarquia de poder", por conseguinte. Entretanto, isso nâo é a hicrarquia pro-
priamente dita, nern a rruz mais profunda do que é assim chamado. Tocque-
ville, cm contraste, œrtamentc tem 0 sentimento de outra coisa, mas a socie-
dade aristocrâtica, cuja lembrança guard;l.va, era suficiente para !he permitir 
o esclarecimento desse sentimento. Os fil6sofos têm cm sua pr6pria tradiçâo 
um excmplo mais fcliz, a Rep6blica de Platâo, mas eles parecem embaraça-
dos com ela (cf. nota 2d). Do lado da sociologia, no meio de tantas vulgari-
dades sobre a "estratificaçao social", constitui um mérito do soci610go TaI-
cotI ·Parsons tet colocado em plena luz a racionalidade universa! da hierar-
quia (eu sublinho a1gumas palavras): 
A açiio esta orientada para ("(:1"05 objetivos; ela implica também um processo de seleçiio 
quanto ft determinaçio desses objetivos. Nessa perspectiva, todos os componclltes da açâo e da 
situaçâo na quaI ela se dcsenvot ... e estio sujeit05 a avaliaçœs_ A avaliaçâo, por sua vez, quan-
do lem como quadro sistemas sociais, produz duas conseqüências Cundamentais. Primeiro, as 
unidades do sistema, quer se trate de at05 elementares ou de papéis, de coletividades ou de 
personalidades. devcm ser submetidas pela natureza das roîsas a urna tal avaliçâo ... uma vez. 
dc:do 0 processo de awlia,âo, é prcciso que de SiIVa para diferenciar estas ou aquelas cntida-
des numa ordem lUaluquica ... Quanto à segunda conseqüência, ela é conhccida e dela depende 
a estabilidade dos sisternas sociais; ela enuncia que, &Cm urna integraçiio dos critérias de ava-
liaçâo, as unidades constitutivas nao formariam um "sistema de valores comum" ... .a existência 
de um tal sistema participa da mesma natureza da açao, tal como da sc desenvolve nos sjste-
mas sociais (''Nova Esboço de uma Tœna da Estralijicaçào '~ nn Ekmentos para uma Sociolo-
gia da Açao, pp. 256-257). . - -
Em outros termos, 0 homem nâo apenas pensa, cIe age. Ele nâo tem s6 
idéias, mas valores. Adotar um valor é hierarguizar. e um certo consenso so-
bre os vatoTes, uma ccrta hierarguia das idéias, das ÇQjs.~~e .c!p.s_p~_~­
dispensâvel à vida social. Isso é completamente independente das desigual-
dades naturais ou da ;epartiçao do poder. Sem d6vida, na maioria dos casos 
a hierarquia se identificara de alguma maneira com a poder, mas 0 casa in-
diano nos ensinara que nâo ha Disso nenhuma necessidade. Ademais, é com-
preensivel e.natural que a hierarquia englobe os agentes sociais, as categorias 
sociais. Corn relaçâo a essas exigências mais ou menas necessanas da vida 
social, 0 ideal igualitârio - mesmo se ele for julgado superior - ~ artificial. 
Ele representa uma exigência humana que corresponde, além disso, à esco-
,""" ~~~ 
';;',l 
" .~ 
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HOMO HIERARCHlCUS 
" 
lba de ccrtos fIns, uma ncgaçao voluntaria num dominio Tcstrito de um 
fenômeno UDÏversal. Nâo mais do que para Tocqueville, nâo se trata para n6s 
de colocar esse ideal cm questâo, mas haveria in teressc cm compreendcr alé 
que ponlo cIe se opôc às tendências gerais das sociedades e: portanto, ~ 
ue a sociedade é excepcional e é delicada a rcalizaçao do ideat 
igualitârio. 
- Voltar, ap6s Tocqueville, à questao da realizaçiio da democracia é ccr-
tamente uma tarefa muito negligcnciada e que se impôe, mas essa nâo é nos-
sa tarefa aqui. Pretendeu-se apenas marcar corn c1areza 0 ponta em que 0 
pr6prio Tocqueville deixa de nos guiar, e 0 mérito do soci610go que 0 faz, 
graças à combinaçâo do intelectualismo de Durkheim (para rcconbecer que a 
açao é dominada pela representaçâo) c do pragmatismo de Max Weber (pa-
ra se coIocar 0 problema nâo s6 da representaçao do mundo, ' mas também 
da açiio nesse mondo representado) . . Voltando ao nosso objetivo pr6prio, ve-
~mos que a negaçao modema da hierarquia é 0 principal obstâcûlo q~ se 
opac a compreensao do slStema das castas. 
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