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Desenhos Estórias Trinca Caps 1 e 3

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1 
 
Capítulo I 
 
Apresentação e Aplicação 
Walter Trinca 
 
1. Introdução 
 
Neste livro falaremos, basicamente, de dois veículos principais de investigação clínica da 
personalidade, que fazem parte do corpo teórico e prático das técnicas de investigação clínica da 
personalidade, utilizadas no diagnóstico psicológico e na psicoterapia. São eles o “Procedimento de 
Desenhos-Estórias” (*) (abreviado de D-E) e o “Procedimento de Desenhos de Família com Estórias” 
(abreviado de DF-E). 
------------------------------- 
(*) Apesar de que alguns autores recomendam o emprego da palavra história quando se tratar de narrativa de 
ficção, o uso consolidou a grafia estória, que se incorporou à língua portuguesa; 
------------------------------- 
 
As técnicas de investigação clínica da personalidade formam uma categoria abrangente no 
contexto do diagnóstico psicológico, constituindo um assunto bastante complexo em Psicologia Clínica, 
graças aos problemas particulares que elas apresentam. No diagnóstico psicológico, são conhecidas 
como técnicas que não se prendem a fidedignidade, a sensibilidade e a padronização próprias dos 
testes psicológicos, mas geralmente possui a capacidade de conduzir uma exploração ampla da 
personalidade e de pôr em relevo a dinâmica emocional dos processos inconscientes. 
 
Dentre essas técnicas, são conhecidos em nosso meio a Hora de Jogo Diagnóstica (Aberastury, 
1962), o Jogo dos Rabiscos (Winnicott, 1971), a Observação Lúdica com a Participação dos Pais, a 
Dramatização Diagnóstica, etc. O conjunto delas é difícil de determinar, pois variam de região para 
região, em conformidade com as condições em que os profissionais trabalham e com as circunstâncias 
do atendimento dos clientes. Hoje em dia, constituem instrumentos habituais e indispensáveis do 
psicólogo clínico familiarizado com a Psicanálise. 
 
 As características técnicas da D-E e da DE-F são: 
 
a) O uso da associação livre por parte do examinando; 
b) O objetivo de atingir a exploração de aspectos inconscientes da personalidade; 
c) A participação em recursos de investigação próprios das técnicas projetivas em geral, pela inserção de 
estímulos que se prestam a diferentes interpretações; 
d) O emprego de meios indiretos de expressão, como os desenhos, a pintura, a dramatização, o relato de 
sonhos, o ato de contar estórias etc.; 
e) A ampliação da observação livre e da entrevista clínica não-estruturada, tomando destas as propriedades de 
flexibilidade, espontaneidade e imprevisibilidade que permitem uma sondagem abrangente da vida psíquica. 
 
Elas sobrevivem graças à facilidade de deixar o examinando livre para realizar sua 
comunicação, ao mesmo tempo em que oferecem um substrato básico de procedimentos estáveis para 
os participantes se conduzirem. As informações que se obtém por meio dessas técnicas são reunidas 
às demais no interior dos processos diagnóstico ou terapêutico, combinando-se com estes. Dentro 
desse espírito surgiram o Procedimento de D-E e o Procedimento de DF-E, dos quais falaremos a 
seguir: 
 
2. Procedimento de Desenhos-Estórias (D-E) 
 
2.1. Natureza e Características 
 
Foi introduzido em 1972, como meio auxiliar de ampliação do conhecimento da dinâmica psíquica 
no diagnóstico psicológico, sendo uma técnica de investigação clínica, que tem por base os desenhos 
livres e o emprego do recurso de contar estórias. A hipótese principal para formular sua introdução foi: 
 
“O desenho livre, associado a estórias que se figuram como estimulo para essas estórias, 
constituindo instrumento com características próprias para obter-se informações sobre a 
personalidade em aspectos não facilmente detectáveis pela entrevista psicológica direta”. 
 
Assim, os desenhos livres servem como estímulos de apercepção temática. O Procedimento de 
D-E reúne e utiliza informações oriundas de técnicas gráficas e temáticas de modo a se constituir em 
 
2 
 
nova e diferente abordagem da vida psíquica. Basicamente, é formado pela associação de processos 
expressivo-motores (nos quais se inclui o desenho livre) e processos aperceptivo-dinâmicos 
(verbalizações temáticas). Dessa junção surge um instrumento individualizado que se diferencia de 
outras técnicas de investigação. Ele consiste de 5 unidades de produção, que são realizadas pelo 
examinando, sendo cada qual composta por desenho livre, estória, “inquérito“ e título. O examinando 
faz o primeiro desenho livre, com o qual verbaliza uma estória e, em seguida, responde às questões do 
examinador por meio de associações dirigidas do tipo “inquérito”, oferecendo, finalmente, um título para 
essa unidade de produção. Ele repete os mesmos procedimentos em relação às demais unidades de 
produção. A ordem seqüencial composta de desenho livre, estória, “inquérito” e titulo, não se modifica 
ao longo do exame, até que, em condições normais, se obtenham as 5 unidades de produção. 
 
2.2. Aplicação 
 
A técnica de aplicação é bastante simples, baseando-se em um convite que se faz ao 
examinando de ir se aprofundando em sua vida psíquica, especialmente por meio de associações 
livres. Solicita-se que ele realize e argumente uma série de 5 desenhos livres (cromáticos ou 
acromáticos), cada qual sendo estimulado para que conte uma estória, associada livremente, logo após 
a realização de cada desenho. Tendo concluído cada D-E, o examinando fornece esclarecimentos 
(fase do “inquérito") e o título. Destina-se a sujeitos de ambos os sexos, que podem pertencer a 
qualquer nível mental, sócio-econômico e cultural. De início, pensávamos que a aplicação deveria se 
circunscrita a sujeitos de 5 a 15 anos de idade. Posteriormente verificamos que a faixa etária poderia 
ser estendida a crianças de 3 e 4 anos, bem como a adultos de todas as idades. 
 
2.2.1. Condições de Aplicação 
 
A administração do procedimento é individual, devendo ser aplicado por psicólogos devidamente 
qualificados. O horário preferencial de aplicação é o período diurno, porque, sendo usados estímulos 
cromáticos, o tipo de fonte luminosa pode alterar a percepção destes. As condições do sujeito são 
aquelas normalmente exigidas para o exame psicológico, com especial referência à verificação de 
saúde, disposição psíquica para o exame, ausência de fadiga, etc. Quanto ao ambiente, deve haver 
silêncio, instalações confortáveis, iluminação adequada e ausência de terceiros na sala. 
 
2.2.2. Material Necessário 
 
a) Folhas de papel em branco, sem pauta, de tamanho ofício. 
b) Lápis preto (ponta de grafite), entre macio e duro (nº 2). 
c) Caixa de lápis de cor de 12 unidades, nos tons cinza, marrom, preto, vermelho, amarelo-escuro, amarelo-
claro, verde-claro, verde-escuro, azul-claro, azul-escuro, violeta e cor-de-rosa. 
 
2.2.3. Técnica de Aplicação 
 
a) Preenchidas as condições anteriores, o sujeito é colocado sentado à uma mesa, e o examinador senta-se à 
sua frente. É dada a tarefa após a verificação de bom rapport entre examinando e aplicador. 
b) Espalha-se os lápis sobre a mesa, ficando o lápis preto (ponta de grafite) localizado ao acaso entre os 
demais. 
c) Coloca-se uma folha de papel na posição horizontal com o lado maior próximo ao sujeito. Não se menciona 
a possibilidade deste alterar essa posição, nem se enfatiza a importância do fato. 
d) Solicita-se do examinando que faça um desenho livre: “Você tem esta folha em branco e pode fazer o 
desenho que quiser, como quiser“. 
e) Aguarda-se a conclusão do primeiro desenho. Quando estiver concluído, o desenho não é retirado da frente 
do sujeito. O examinador solicita, então, que conte uma estória associada ao desenho: “Você, agora, 
olhando o desenho, pode inventar uma estória, dizendo o que acontece”. 
f) Na eventualidade do examinando demonstrar dificuldades de associação e elaboração da estória, pode-se 
introduzir recursos auxiliares, dizendo-lhe,por exemplo: “Você pode começar falando a respeito do desenho 
que fez”. 
g) Concluída, no primeiro desenho, a fase de contar estória, passa-se ao “inquérito”. Neste, podem solicitar-se 
quaisquer esclarecimentos necessários à compreensão e interpretação do material produzido tanto no 
desenho quanto na estória. O “inquérito” tem também, o propósito de obtenção de novas associações. 
h) Após a conclusão da estória, e ainda com o desenho diante do sujeito, pede-se-lhe o título da produção. 
i) Chegado a este ponto, retira-se o desenho do campo de visão do sujeito. Com isso teremos concluído a 
primeira unidade de produção, composta de desenho livre, estória, “inquérito”, título e demais procedimentos 
relatados. 
 
3 
 
j) O examinador tomará nota detalhada da estória, verbalização do sujeito enquanto desenha, ordem de 
realização das figuras desenhadas, recursos auxiliares utilizados, perguntas e respostas da fase de 
“inquérito”, título, bem como todas as reações expressivas, verbalizações paralelas e outros 
comportamentos observados durante a aplicação. 
k) Pretende-se conseguir uma série de 5 unidades de produção. Assim, concluída a primeira unidade, 
repetem-se os mesmos procedimentos para as demais unidades. 
l) Na eventualidade de não se obter 5 unidades de produção em uma única sessão de 60 minutos, é 
recomendável combinar o retomo do sujeito a uma nova sessão de aplicação. Não se alcançando o número 
de unidades de produção igual a 5, ainda que utilizado o tempo de duas sessões, será considerado e 
avaliado o material que nelas o examinando produziu. Se as associações verbais forem muito pobres, 
convém reaplicar o processo, a começar da fase de contar estória. 
 
2.2.4. “Inquérito” 
 
Esta fase serve para se obter esclarecimentos e novas associações destinados à ampliação do 
exame como um todo. Não nos é possível formular indicações precisas para a condução do “inquérito”, 
senão apenas apontar alguns pressupostos norteadores. O aplicador estará conduzindo um 
procedimento que, no geral, contém as características que fazem o exame se aproximar tanto da 
entrevista clínica não-estruturada, quanto ao relato dos sonhos. Por isso, o incentivo a novas 
associações e o esclarecimento dos pontos obscuros não devem perder de vista o fato de que o D-E 
se baseia nos princípios da associação livre. O “inquérito” deverá ser realizado com o máximo de 
penetração onírica possível por parte de ambos os participantes, ou seja, em estado de “mergulho” na 
atmosfera de sonhos que recobre toda a sessão de aplicação. Se o examinador não interferir no ato 
espontâneo do examinando ao conduzir-se aos pontos sensíveis das dificuldades emocionais, espera-
se que os elementos essenciais dos conflitos e perturbações inconscientes tenham ocasião de emergir. 
Desse modo, convém que os conteúdos simbólicos do material sejam imediatamente reconhecidos, a 
fim de que a conversação que ocorre na fase de “inquérito” se conecte diretamente a tais conteúdos. É 
necessário considerar que geralmente há uma continuidade de comunicação a nível simbólico entre as 
várias unidades de produção. 
 
2.2.5. Observações Gerais 
 
a) O examinador não deverá se deixar levar facilmente pelas primeiras recusas do examinando perante a 
tarefa, especialmente quando este se encontra em processo de elaboração interior. Muitas vezes, uma 
recusa formal pode ser contornada pelo estabelecimento de um bom rapport. 
b) Diante de perguntas como “que tipo de estória?”, “que desenho?”, “precisa pintar?”, “qual o modo de fazer?” 
e outras semelhantes, o psicólogo esclarecerá que o sujeito deve proceder como quiser. 
c) O uso da borracha deve ser evitado para melhor se caracterizam certas áreas em que o sujeito tem maiores 
dificuldades de desenhar. O uso da borracha faria desaparecer algumas configurações gráficas de valor 
psicológico. Se o examinando quiser, ser-lhe-ão entregues novas folhas de papel onde ele possa refazer o 
desenho, recolhendo-se, porém, a produção anterior. 
 
2.3. Fundamentação 
 
O Procedimento de D-E tem sua fundamentação baseada nas teorias e práticas da Psicanálise, 
das Técnicas Projetivas e da entrevista clínica. No essencial, essa fundamentação se sustenta em 
algumas afirmações principais: 
 
a) Quando a pessoa é colocada em condições de associar livremente, essas associações tendem a se dirigir 
para setores nos quais a personalidade é emocionalmente mais sensível; 
b) A pessoa pode revelar seus esforços, disposições, conflitos e perturbações emocionais ao completar ou 
estruturar uma situação incompleta ou sem estruturação; 
c) Diante de estímulos incompletos ou pouco estruturados, há uma tendência natural do sujeito realizar uma 
organização pessoal das respostas, desde que tenha liberdade de composição; 
d) Quanto menos diretivo e estruturado for o estímulo, maior será a probabilidade do aparecimento de material 
pessoal significativo; 
e) Havendo um setting adequado, o cliente pode, nos contatos iniciais, comunicar os principais problemas, 
conflitos e distúrbios psíquicos que o levaram a procurar ajuda; 
f) No atendimento psicológico, os desenhos e as fantasias aperceptivas são modos preferenciais de 
comunicação da criança e do adolescente do que a comunicação verbal direta; 
g) Quando o sujeito realiza determinada seqüência de repetição, de provas gráficas ou temáticas, ocorre um 
fator de ativação dos mecanismos e dinamismos da personalidade, alcançando-se maior profundidade e 
clareza. 
 
4 
 
 
2.4. Finalidades 
 
Procedimento de D-E destina-se à investigação de aspectos da dinâmica da personalidade, 
especialmente quando esta apresenta comprometimento emocional. Pode ser utilizado para a 
obtenção de informações a respeito de sujeitos normais, neuróticos e psicóticos. Em combinação com 
outros recursos, como as entrevistas e os testes psicológicos, oferece elementos adicionais ou 
complementares para a realização do diagnóstico psicológico. Proporciona meios de incentivar a 
expressão e a comunicação de conflitos e perturbações inconscientes da personalidade, ajudando na 
elucidação desses dinamismos. O D-E pode ser empregado no conhecimento dos focos conflitivos que 
se expressam como desajustamentos emocionais, prestando auxílio na intervenção terapêutica. 
 
2.5. Avaliação 
 
A avaliação do Procedimento D-E, bem como os problemas decorrentes dele se constituir em 
instrumento de investigação aberta e não-dirigida, serão discutidos em outro capitulo à parte. De modo 
geral, é aconselhável que em cada caso o psicólogo possa relacionar as queixas e outras dificuldades 
com os conteúdos latentes apresentados no D-E. Para isso, ele usará de toda a sua experiência, 
tentando descobrir, com a ajuda das entrevistas e dos demais recursos diagnósticos, aquilo que faz 
uma pessoa sofrer. A leitura e a decodificação do material serão feitas com base no contexto presente 
em que o examinando e/ou seus familiares depositam as angústias, dificuldades, fantasias 
inconscientes e urgências de compreensão. O contexto presente do atendimento traz em seu bojo 
indicações sobre como deve ser avaliado o D-E em cada caso. O profissional deverá procurar nesse 
contexto as interpretações que lhe pareçam mais significativas, selecionando o essencial. Esta seleção 
se conectará estreitamente com a elucidação dos significados dos sofrimentos, considerando que cada 
indivíduo humano organiza uma constelação de especificidade simbólica. O D-E, foi construído visando 
sintonia com a pessoa e adaptando-se ao modo particular dela ser e de se manifestar. 
 
2.6. Inserção no Diagnóstico Psicológico 
 
Sendo uma técnica de investigação clinica da personalidade (e não um teste psicológico), o 
Procedimento de D-E define-se como um recurso de “faixa larga” dentro do diagnóstico psicológico, ou 
seja, oferece grande amplitude de informações com pouca segurançaobjetiva (se tomarmos por base 
os testes objetivos). Por isso, quando foi inicialmente apresentado, caracterizou-se como instrumento 
que ocupava posição intermediária entre os testes projetivos e as entrevistas clinicas não-estruturadas. 
Hoje essa posição pode ser revista, considerando-se as mudanças pelas quais passou o diagnóstico 
psicológico nos últimos anos. Na verdade, pela forma como foi construído, o D-E contém os elementos 
estruturais básicos dos testes projetivos e das entrevistas clinicas. Discordo que ele ocupe posição 
intermediária no sentido de ser empregado somente para o preenchimento de lacunas dos conteúdos 
situados entre os testa projetivos e as entrevistas clínicas. Seu uso tem demonstrado que ocupa 
“posição central” no diagnóstico psicológico de tipo compreensivo. Este processo diagnóstico designa: 
 
“...uma série de situações, incluindo, entre outros aspectos, o de encontrar um sentido para o 
conjunto das informações disponíveis, tomar o que é relevante e significativo na personalidade, 
entrar empaticamente em contato emocional é, também, conhecer os motivos profundos da vida 
emocional de alguém” (Trinca, 984). 
 
 São fatores estruturantes do processo compreensivo: 
 
a) Elucidar o significado das perturbações; 
b) Ênfase na dinâmica emocional inconsciente; 
c) Considerações de conjunto para o material clínico; 
d) Procura de compreensão psicológica globalizada do cliente; 
e) Seleção de aspectos centrais e nodais; 
f) Predomínio do julgamento clínico; 
g) Subordinação do processo diagnóstico ao pensamento clínico; e 
h) Prevalência do uso de métodos e técnicas de exame fundamentados na associação livre. 
 
Uma simples verificação dos postulados e determinantes do diagnóstico compreensivo já 
permite configurar o D-E como instrumento central desse processo, pelas similaridades de propósitos e 
de fundamentos existentes entre ambos. Ou melhor, o D-E constitui, precisamente, um dos meios mais 
importantes utilizados na realização do diagnóstico psicológico de tipo compreensivo. Neste, como 
naquele, o psicólogo compõe um espaço de acolhimento destinado à representação dos aspectos 
 
5 
 
centrais de rupturas e outras dificuldades que interferem na harmonia dinâmica e dialética da 
personalidade. Mas, em especial, ambos diferem de uma abordagem fragmentária da mente, voltando-
se a uma visão integradora. O profissional não busca apenas a explicação e a classificação dos 
problemas, senão seu próprio alargamento mental para apreender a experiência íntima de cada pessoa 
e para alcançar os sentidos particulares de cada existência individual, lançando luz, se possível, no 
foco da problemática da existência humana. 
 
2.7. Notícia Histórica 
 
No inicio da década de 70, muitos psicólogos no Brasil e no exterior perguntavam-se a respeito 
da validade do emprego de processos então vigentes no diagnóstico psicológico. Esses processos 
priorizavam uma visão psicrométrica e/ou uma abordagem psicológica com base no modelo médico. A 
identidade profissional do psicólogo ainda não tinha se consolidado inteiramente (Trinca, 1984 e 1987). 
A Psicologia Clínica parecia manietada em sua situação de tributária às outras ciências, Buscava-se 
substituir os modelos em voga pela introdução de métodos não-invasivos, mais libertos de rigidez 
excessiva e condizentes com a atuação profissional do psicólogo. 
 
Foi quando a Psicanálise (ou mais propriamente o método psicanalítico) apareceu como uma 
alternativa eminentemente psicológica para proporcionar ao diagnóstico um referencial que fosse ao 
mesmo tempo específico e abrangente (Freud, A., 1971), A Psicanálise considerava a pessoa como 
totalidade indivisível, que podia ser dinamicamente estudada em seus componentes conscientes e 
inconscientes, privilegiando a observação do que se passava no âmbito do relacionamento psicólogo-
cliente. Assim, ela abriu espaço para a ampliação do diagnóstico psicológico, abrigando uma nova 
série de recursos e meios de investigação decorrentes de sintonia com o cliente e de contato profundo. 
Era mais importante o desenvolvimento das habilidades existentes na personalidade do profissional do 
que os instrumentos clássicos de mensuração. 
 
Nesse contexto, os testes projetivos vieram desempenhar uma função decisiva, visto que, 
justamente por serem testes, eles podiam combinar até certo ponto as características antigas com as 
novas concepções que foram surgindo. Serviram (como ainda servem) de mediadores na passagem 
das formas ultrapassadas para as novas formas que se impunham. Eles eram usados como 
instrumentos de medida relativamente bem fundamentados nos modelos clássicos, mas 
simultaneamente sobressaiam na prática como técnica de investigação clinica da personalidade. 
 
Assim, espalhou-se a necessidade de flexibilizar o processo diagnóstico como um todo, nos 
mesmos moldes do que se fazia em psicoterapia. Muitos testes projetivos caminharam na direção 
dessa transformação, adaptando-se como modalidades de técnicas de investigação pelo acréscimo de 
novas dinâmicas. Por exemplo, o emprego de longos “inquéritos” nos testes gráficos, a proliferação de 
estórias gráficas, o uso do TAT (Themalic Apperception Test) e do CAT (Children’s Apperception Test) 
como formas de entrevistas. 
 
Nesse novo contexto histórico nasceu o “Procedimento de D-E”, juntamente com outras técnicas 
de investigação, como “A Hora de Jogo Diagnóstica” e “O Jogo de Rabiscos”, o D-E ajudou a 
consolidar uma nova maneira de encarar o diagnóstico psicológico, que se tornou de predomínio 
clínico. lmpôs-se fortemente o uso do processo diagnóstico de tipo compreensivo. Para tanto, além da 
Psicanálise, foram incorporadas as contribuições provenientes dos mais variados campos de atividade 
psicológica, como a Psicologia Fenomenológico-Existencial, a Psicologia da Gestalt, o Behaviorismo, 
os estudos sobre a dinâmica familiar e sobre os processos de desenvolvimento humano. A proposta 
central dessa nova concepção vinha a ser a integração das diversas conquistas ocorridas em 
diferentes áreas do conhecimento (Ancona-Lopez, 1984). 
 
Desde então, o diagnóstico psicológico deu um grande salto, libertando-se em grande parte das 
concepções estritamente mecanicistas, elementaristas, associacionistas, deteministas, racionalistas, 
empiristas, positivistas, pragmatistas, etc. Em vez de continuar sendo somente tributário de outras 
áreas do conhecimento, passou a utilizá-las em benefício de uma síntese própria. Com o surgimento 
das novas técnicas de investigação, entre as quais se destaca o Procedimento de D-E, o diagnóstico 
psicológico pôde evoluir para uma visão humanística integradora, que considera a perturbação 
emocional dentro de um processo global de rupturas e reequilíbrios na personalidade. 
 
2.8. Outras Questões 
 
 
6 
 
2.8.1. Vantagens 
 
Diversas vantagens no emprego do Procedimento de D-E têm sido descritas, a saber: a 
economia de materiais, a facilidade e a rapidez de aplicação, a fácil adaptação às necessidades de 
comunicação do examinando, a intervenção urgente como medida preventiva, o atendimento de 
populações carentes para as quais os métodos tradicionais se tornam pouco realistas, a abrangência 
de utilização clínica, etc. Além dessas, há uma vantagem que se pode enfatizar a concisão, a 
brevidade e a “incisividade” com que, na maioria dos casos, o D-E efetua a penetração e obtém o 
desvendamento dos processos inconscientes do examinando. 
 
2.8.2. Pontos Focais de Distúrbios 
 
O Procedimento de D-E revela a particularidade de facilitar a expressão de aspectos 
inconscientes relacionados a pontos focais de angústias presentes em determinado momento ou em 
determinada atuação de vida da pessoa. Muitas vezes, verifica-se na situação atual detectada pelo D-E 
uma reinscrição de angústias pregressas, que são indicadas por focos profundos fomentadoresde 
perturbações. Nesse caso, a função principal do D-E não é realizar um inventário horizontal e extensivo 
da personalidade, e sim um exame vertical e intensivo de certos pontos nos quais se representam, 
como fatos selecionados, os focos conflitivos e as perturbações emergentes. 
 
2.8.3. O Desenho Livre Como Estímulo de Apercepção Temática 
 
No Procedimento de D-E, o desenho livre não é estimulo de apercepção temática no sentido de 
que serve somente para elicidar estórias, mas deve ser interpretado de modo integrado com as 
estórias e demais componentes da produção gráfico-verbal. O desenho livre não é mero substituto das 
pranchas dos testes de apercepção temática; ele constitui com a verbalização uma unidade 
indissolúvel de comunicação. Todos os elementos do D-E estão interligados na composição de um 
objeto unificado, formando em seu conjunto uma unidade coerente e indivisível. 
 
2.8.4. Seqüência 
 
A reiteração seqüencial de 5 unidades de produção não resulta em unidades isoladas, e sim em 
comunicação contínua servindo aos propósitos do todo. O examinando usa do tempo e dos meios ao 
seu dispor para centralizar a comunicação em seus problemas emocionais. O D-E foi concebido como 
estrutura simplificada e sintética, cuja virtude está precisamente na configuração dinâmica de sua 
identidade gráfico-verbal. 
 
3. Procedimento de Desenhos de Família com Estórias (DF-E) 
 
3.1. Natureza e Características 
 
A partir de 1978, divulguei uma técnica de investigação clínica da personalidade que se 
caracteriza pela facilidade de obtenção de informações sobre as situações intrapsíquicas e 
intrafamiliares da pessoa no contexto da família. Desde o inicio, essa técnica foi ensinada na disciplina 
“Técnicas de Investigação Clínica da Personalidade”, do curso de pós-graduação em Psicologia (Área 
de Concentração Psicologia Clínica) do Instituto de Psicologia da USP. Associando técnicas gráficas e 
técnicas de apercepção temática, introduzimos o Procedimento de DF-E. Depois de passar por uma 
fase anterior, em que as consignas se modificavam ligeiramente, o DF-E tem hoje a seguinte forma: 
 
O examinando realiza uma série de 4 desenhos de família, cromáticos ou acromáticos, cada 
qual sendo estímulo para que conte uma estória associada livremente logo após a realização de cada 
desenho. Tendo concluído o desenho e a respectiva estória, o sujeito segue fornecendo 
esclarecimentos (fase de “inquérito”) e o título da produção. Cada desenho de família tem uma 
instrução definida e uma ordem regular no processo de aplicação, que são as seguintes: 
 
a) “Desenhe uma família qualquer”; 
b) “Desenhe uma família que você gostaria de ter”; 
c) “Desenhe uma família em que alguém não está bem”; 
d) “Desenhe a sua família”. 
 
O instrumento tem sua origem em técnicas gráficas e temáticas, sendo desenvolvido segundo 
padrões semelhantes ao Procedimento de D-E. Como neste, desenho, estória, “inquérito”, título e 
demais elementos presentes sob cada consigna constitui uma unidade de produção que, no total de 4, 
 
7 
 
transmitem mensagens em si mesmas indivisas, tendo como fator central os conflitos e as 
perturbações emocionais relacionados à dinâmica da família. Não se trata de teste psicológico, e sim 
de instrumento para uso clínico e pesquisa. 
 
3. 2. Aplicação 
 
A aplicação é individual, podendo ser usado indistintamente para crianças, adolescentes e 
adultos de ambos os sexos, que conseguem desenhar e verbalizar. As condições de aplicação e o 
material necessário são os mesmos descritos para o D-E (vide 2.2.1. e 2.2.2.). Idênticas 
recomendações se faz em relação ao “inquérito” e às observações gerais do D-E (vide 2.2.4. e 2.2.5.). 
 
3.2.1. Técnica de Aplicação 
 
a) Verificando-se que há bom rapport entre examinando e examinador, espalham-se os lápis sobre a mesa na 
qual ambos realizam o trabalho. 
b) Coloca-se uma folha de papel na posição horizontal com o lado maior próximo ao sujeito. Não se menciona 
a possibilidade dele alterar essa posição. 
c) Solicita-se que faça um desenho de acordo com a primeira consigna: “Desenhe uma família qualquer”. 
d) Aguarda-se a conclusão do desenho. Quando estiver pronto, não é retirado da frente do sujeito. O 
examinador solicita, então, que conte uma estória associada ao desenho: “Você, agora, olhando o desenho, 
pode inventar uma estória, dizendo o que acontece”. 
e) Concluída a fase de contar estória, passa-se ao “inquérito”, em que se exploram amplamente as 
possibilidades de novas associações gráfico-verbais, obtêm-se esclarecimentos a respeito do material 
produzido, etc. 
f) A seguir, pede-se o título. Este não corresponde somente ao titulo da estória, e sim a uma possível síntese 
da produção gráfico-verbal até o momento. 
g) Chegando-se a este ponto, retira-se o desenho da vista do sujeito. O examinador terá anotado 
detalhadamente tudo o que se passou: verbalizações do sujeito enquanto desenhava, reações não-verbais, 
a estória com respectivas pausas e entonações, as perguntas e respostas da fase de “inquérito”, o título, as 
dificuldades verificadas na condução do processo, a atitude do sujeito, as emoções do aplicador, etc. Assim, 
conclui-se a primeira unidade de produção. 
h) Repetem-se os mesmos procedimentos para as demais unidades de produção, observando-se para cada 
qual as respectivas consignas. Como sabemos, para a segunda condigna é: “Desenhe uma família que você 
gostaria de ter”. Para a terceira. “Desenhe uma família em que alguém não está bem". Para a quarta 
“Desenhe a sua família". 
i) Pretende-se obter em uma única sessão a série completa de 4 unidades de produção. Não sendo isto 
possível, é recomendável o retomo do examinando a uma nova sessão de aplicação. 
 
3.3. Fundamentação 
 
Tendo por referência imediata o Procedimento de D-E, o DF-E sustenta-se, mutatis mutandis, 
em afirmações que servem de base para aquele. O Procedimento de DF-E encontra sua 
fundamentação, entre outros aspectos, em: 
 
a) Conhecimentos psicanalíticos sobre o inconsciente; 
b) Regra fundamental da associação livre, tal como é utilizada na Psicanálise; 
c) Conhecimentos sobre as relações entre os desenhos e os sonhos; 
d) Princípios das técnicas projetivas gráficas; 
e) Formas de apercepção temática das técnicas projetivas; 
f) Processos de realização de entrevistas clínicas não-estruturadas e semi-estruturadas; 
g) Referenciais e modelos que atribuem importância à dinâmica da família na gênese dos distúrbios 
emocionais; 
h) Evidências clínicas de que a reiteração, em seqüência, do par desenho-verbalização conduz à explicitação 
com maior clareza dos conflitos e dificuldades emocionais. 
 
3.4. Finalidades 
 
O Procedimento de DF-E tem por finalidade a detecção de processos e conteúdos psíquicos de 
natureza consciente e inconsciente, que dizem respeito às relações do examinando com os objetos 
internos e externos pertinentes à dinâmica familiar. Tendo sido elaborado com vistas à importância da 
família no desenvolvimento da pessoa, o DF-E é empregado especialmente para a ampliação do 
conhecimento sobre as relações intrapsíquicas e intrafamiliares do examinando; São elações atinentes 
no seu meio familiar, tal como se expressam em sua vida psíquica. Assim, espera-se que o DF-E 
 
8 
 
facilite a comunicação de conflitos profundos vividos no meio familiar, de fantasias inconscientes a 
respeito das figuras significativas e do jogo de forças emocionais existente no seio da família. 
 
3.5. Utilização 
 
Usa-se o DF-E no contexto do estudo diagnóstico como meio auxiliar à ampliação do 
conhecimento da dinâmica da personalidade. Esse uso clínico mostra evidências de tratar-se de uma 
técnica eficaz para a apreensão de conflitos significativos que ocorrem em determinados momentos na 
vida da pessoa. Recomenda-se sua aplicação nos casos em que o profissionalintua que as 
perturbações emocionais se devem predominantemente a conflitos e fatores familiares, presentes no 
mundo interno e/ou no mundo externo do examinando. Essas perturbações podem ser mais facilmente 
apreendidas nos casos de adoção, separação dos pais, institucionalização, etc. 
 
O emprego do DF-E estende-se a sujeitos adultos, tanto no diagnóstico individual e de casal, 
quanto na utilização cruzada entre a criança e os pais, considerando-se a necessidade de avaliação da 
dinâmica familiar. Nesse particular, Lima (1991) examinou a psicodinâmica da família que se entrelaça 
com a adaptação escolar ineficaz de crianças de ambos os sexos com queixas escolares. O DF-E foi 
aplicado às crianças e aos pais, tendo-se encontrado um sentido para os sintomas dentro do contexto 
da história pessoal e familiar. Os problemas vividos pelas famílias nos níveis consciente e inconsciente 
afetam sensivelmente a escolaridade da criança. Um objeto familiar inconsciente modela a qualidade 
das interações no seio da família. Antes disso, Brasil (1989) já havia usado o DF-E para estudar o 
fracasso escolar, enfatizando o universo simbólico da criança dentro dos pressupostos básicos da 
teoria junguiana. 
 
No estudo psicológico, o DF-E auxilia a liberação associativa gráfico-verbal de crianças e 
adolescentes, por ser uma forma adaptável às necessidades especificas de comunicação nessas 
faixas etárias. Sendo mínimas a direção e a estruturação dadas pela técnica, não chegam a interferir 
nas associações livres do examinando. A seqüência e a reiteração da solicitação da tarefa introduzem 
um enquadramento favorável a energética de fatores inconscientes. 
 
3.6. Avaliação 
 
O Procedimento de DF-E constitui uma forma de comunicação direta e indireta de pontos nodais 
de angústias, fantasias inconscientes, sentimentos, atitudes, desejos, etc, que são mobilizados na 
situação de exame. A avaliação é feita com base em conhecimentos provenientes de várias fontes. 
São fontes imediatas as teorias psicanalíticas, as técnicas de interpretação de desenhos projetivos, os 
testes de apercepção temática e os conhecimentos sobre a dinâmica da família. 
 
Os significados dos conteúdos são interpretados segundo a experiência clínica e em 
conformidade com o desenvolvimento pessoal e profissional do avaliador. Essa tarefa se torna 
simplificada se ele estiver familiarizado com o referencial psicanalítico, combinando-o com a própria 
sensibilidade e intuição. Para facilitar a avaliação sugiro que se levem em conta os seguintes itens: 
 
a) Características peculiares das figuras paterna e/ou materna; 
b) Tipos de vínculo e formas de interação com as figuras parentais; 
c) Trocas sexuais e afetivas entre as figuras parentais; 
d) Relacionamentos com figuras fraternas e outras figuras do meio familiar; 
e) Determinantes da estrutura e da dinâmica familiar; 
f) Forças psicopatológicas e psicopatogênicas existentes na família; 
g) Eventos familiares reveladores de conflitos e dificuldades; 
h) Pontos centralizadores de conflitos e dificuldades no examinando; 
i) Descrição que o examinando faz de si próprio; 
j) Atitudes para com a vida e a sociedade; 
k) Tendências, necessidades e desejos; 
l) Tonalidades das angústias e das fantasias inconscientes predominantes; 
m) Características das forças de vida e de destrutividade; 
n) Mecanismos de defesa; 
o) Fatores de aquisição da individualidade e de integração do self; 
p) Outras áreas de experiência emocional. 
 
A pluralidade de fatores conscientes e inconscientes e a maneira como os temas articulam-se 
podem ser encontradas no contexto do exame psicológico como um todo. O DF-E deve ser avaliado 
 
9 
 
em interdependência com as demais informações disponíveis. Uma avaliação do conjunto das 4 
unidades de produção tanto pode partir da análise em separado de cada unidade na ordem em que 
foram produzidas, quanto pode originar-se de uma apreciação globalística do conjunto das unidades de 
produção, em combinação com as entrevistas clinicas, os testes psicológicos e os demais recursos 
empregados. Aplicam-se ao DF-E as recomendações gerais sobre avaliação descritas para o 
Procedimento de D-E. 
 
Um estudo exploratório tentou investigar a concordância de diferentes avaliações do DF-E em 
um mesmo caso clinico feitas por psicólogos independentes entre si, empregando o referencial 
psicanalítico. Os resultados indicaram razoável nível de concordância entre as avaliações, resultando 
em descrições satisfatórias para a compreensão da problemática da criança. 
 
3.7. Notícia Histórica 
 
Animados com a aceitação alcançada pelo Procedimento de D-E, concebemos o Procedimento 
de DF-E tendo por base, justamente, o fator que permitiu a expansão do primeiro: a junção das 
técnicas gráficas com as técnicas de apercepção temática. O DF-E consiste na utilização modificada e 
ampliada das formas gráficas de expressão anteriormente existentes sob o tema da família. Ele se 
baseia em estudos de desenhos de família, cujas origens remontam à década de 30 e cuja paternidade 
é discutível. Minkowski (1952) e Cain e Gomila (1953) atribuem primazia a Françoise Minkowska. 
 
Outros estudiosos, como N. Appel (1931) e Trude Taube (1937) os empregaram antes. Parece 
que surgiram do uso clínico simultâneo e independente de diversos pesquisadores, em diferentes 
regiões geográficas. Esta é a opinião de Hammer (1969). Tradicionalmente, nós os encontramos como 
técnica gráfica aplicada sob as consignas: “desenhe sua família" e/ou “desenhe uma família". Essa 
técnica foi inicialmente difundida na Europa por Porot (1954) e Corman (1964). No extremo oriente, foi 
divulgada por Fukuda (1958). Nos EUA, uma variante denominada Desenhos Cinéticos de Família 
(KFD) foi proposta por Burns e Kaufman (1970). No Brasil, merecem menção especial o trabalho 
pioneiro de Barcellos (1952) e a pesquisa de Maggi (1970), que não só desenvolveu um amplo 
inquérito padronizado como, ainda, foi precursora do uso do desenho colorido da família. 
 
Empreendemos ensaios clínicos preliminares sobre os desenhos de família como estímulos de 
apercepção temática no início da década de 70. Uma versão elaborada desta técnica foi divulgada nos 
anos de 1978 a 1985. Na ocasião, o Procedimento de DF-E já se compunha de 4 unidades de 
produção, contendo as características e os passos que determinaram a forma atual do instrumento. 
Basicamente, ele era constituído pela obtenção, para cada sujeito, de uma seqüência de desenhos de 
família, sendo cada desenho um estímulo para que se contasse uma estória de livre associação 
imediatamente após a realização do mesmo. Concluída a estória, o examinando seguia fornecendo 
esclarecimentos (fase do “inquérito”) e o titulo. Na primeira unidade, o desenho era de “uma família 
qualquer”; na segunda, era “de sua própria família”, na terceira, de “uma família que gostaria de ter"; 
finalmente, na última unidade, o desenho era de “uma família onde existe uma criança que tem o 
seguinte problema...” (especificava-se o problema que aparecia como queixa principal). A aplicação era 
individual, usando-se, além do lápis preto, uma caixa de lápis de cor de 12 unidades. 
 
Desde os momentos iniciais de apresentação do DF-E, estimulamos a realização de estudos 
visando sua validação clinica e estatística. Um dos estudos de validação, que temos a satisfação de 
mencionar, foi realizado pela psicóloga Valceque R. N. Porto, em 1985, no curso de pós-graduação em 
Psicologia Clinica da PUC de Campinas. Combinamos a realização de uma pesquisa em que o DF-E, 
na forma até então desenvolvida e apresentada, fosse comparado estatisticamente com outro 
instrumento já validado e de uso corrente na prática do diagnóstico psicológico. A escolha deste 
instrumento-padrão recaiu sobre o Teste de Atitudes Familiares de Jackson (1957). Tanto o DF-E 
quanto o instrumento-padrão foram aplicadosa 28 sujeitos, de ambos os sexos, em idades 
compreendidas entre 6 e 12 anos (inclusive) com queixas de dificuldades emocionais. Os protocolos 
foram avaliados independentemente por 6 psicólogos de comprovada experiência clínica. Sobre os 
resultados dessas avaliações, procurou-se verificar se havia concordância entre ambos os 
instrumentos na aferição de dinamismos da personalidade, aplicando-se para isto a Prova Binomial. 
Levantados 25 fatores dinâmicos da personalidade, encontrou-se concordância em apenas 2, sendo 
que para os demais fatores não houve equivalência entre o DF-E e o teste de Jackson. Concluiu-se 
que cada instrumento media fatores diferentes na dinâmica da personalidade. Apesar dessa conclusão, 
 
10 
 
exames de natureza clínica prosseguiram dentro dos estudos de casos e em comparação com os 
processos psicoterapêuticos, acompanhados em clínicas-escolas e em consultórios particulares. 
 
Uma reflexão crítica, todavia, impôs-se a respeito do Procedimento de DF-E, derivada do uso 
clínico e da pesquisa de Porto (1985). Enquanto a tendência geral das técnicas projetivas era eliciar o 
universo de fantasias, em especial as fantasias inconscientes, o DF-E em sua última unidade de 
produção, focava explicita e diretamente o sintoma manifesto, questionando o examinando em 
aspectos conscientes, dolorosos e difíceis. Mobilizava, assim, resistências à tarefa. Por essa razão, 
empreendi alterações na forma do DF-E, permanecendo idênticas sua substância e finalidades. A 
versão atual foi apresentada em 1986, no Instituto de Psicologia da USP. Destinava-se originalmente a 
crianças e adolescentes de ambos os sexos em idades compreendidas entre 5 e 15 anos (inclusive). 
Posteriormente, o uso clínico e as pesquisas demonstraram que se adequava, também, a adultos. 
 
Desse modo, desde seu lançamento, o DF-E introduziu a particularidade dos temas nos 
desenhos que servem de estímulos de apercepção temática. Afora nossa proposta, não encontramos 
outras referências à utilização do expediente de contar estórias junto a desenhos de família. 
 
Dadas as concepções a respeito do diagnóstico psicológico em consonância com a prática de 
atendimento de casos, as alterações que introduzi nos tradicionais desenhos de família foram: 
 
 Solicitação de expressão de fantasias aperceptivas temáticas; 
 Criação de novas formas de representação gráfica da família; 
 Extensão da natureza da tarefa, de modo a configurar uma exploração qualitativamente ampla, una e 
indivisa; 
 Caracterização da fase de “inquérito-livre”, não interferente no fluxo normal da associação livre do 
examinando; 
 Oferecimento de novas alternativas de avaliação globalística dos desenhos de família. 
 
4. Considerações Finais 
 
Verifica-se que tanto o Procedimento de D-E, quanto o Procedimento de DF-E constituem-se em 
meios penetrantes de investigação clinica de personalidade, que visam atingir os distúrbios principais, 
os conflitos e as perturbações nodais que estão presentes, em determinados momentos, na vida das 
pessoas. Trata-se de importantes recursos de avaliação, acompanhamento e terapia das dificuldades 
emocionais. Ao longo do tempo, ajudaram a dar ao diagnóstico psicológico um status de maior 
flexibilidade, corroborando a importância do diagnóstico de tipo compreensivo. Prevalece antes o 
espírito de investigação do que a submissão dos padrões estabelecidos pelas teorias dominantes. As 
conclusões clínicas decorrem de se poder conduzir a investigação às suas últimas conseqüências. 
 
Aconselha-se que esses instrumentos sejam aplicados e avaliados por profissionais que tenham 
suficiente experiência clínica, a fim de que se... ??? 
 
A experiência e as habilidades profissionais continuam sendo o melhor “instrumento” de 
penetração na vida psíquica. Não sendo um “testólogo”, o psicólogo confronta-se com o fato de que os 
principais recursos para seu trabalho estão contidos em sua personalidade. Os principiantes, 
naturalmente, deverão buscar supervisão, prática clínica, psicoterapia ou análise. Contudo, é 
fundamental, no contato com o examinando, poder deixar-se ir despreconcebidamente em estado de 
mobilidade psíquica. Esse é um assunto que envolve não só a contratransferência, mas a 
sensibilidade, a intuição, a empatia, a capacidade para o acolhimento e o alargamento mental como um 
todo. Está em jogo a abertura dos canais da comunicação emocional e da sintonia profunda; um 
mergulho em “atmosfera psíquica”. 
 
 
 
11 
 
Capítulo III 
 
Utilização Clínica 
Eva Maria Migliavacca 
 
Qualquer tentativa de apreender a vida que pulsa na mente de um indivíduo e que determina 
sua relação consigo mesmo e com o mundo exterior, necessariamente implica admitir a existência de 
um espaço interno único, particular, não totalmente acessível e no qual cada pessoa se movimenta e 
cria suas fantasias. O processo de aproximação a este espaço inclui inúmeras dificuldades, tanto para 
o psicólogo que se propõe a essa tarefa, quanto para o paciente que toma a iniciativa dela. Tais 
dificuldades não se circunscrevem apenas ao sofrimento provocado pelo contato profundo com a 
própria mente, referem-se também à necessidade e até à urgência em encontrar um modo de 
comunicação que seja suficientemente favorável à elucidação das angústias que mobilizam o paciente, 
assim como dos recursos a que pode recorrer para com elas conviver. 
 
As observações da prática clínica têm inegavelmente confirmado que a atividade lúdica muito 
facilita o contato entre um paciente-criança e seu terapeuta. Quando ambos se debruçam 
interessadamente sobre o pedido ora mais, ora menos claramente expresso pela criança, torna-se 
possível o desvelamento dos vários aspectos mentais que jogam um papel na turbulência emocional 
que se apresenta. Se o psicólogo faz ao seu pequeno paciente uma proposta que lhe é familiar e 
dentro de possibilidades de expressão e a proposta é aceita, estabelece-se um campo comum de 
trabalho que minimiza as naturais diferenças entre um adulto e uma criança. Brincar, inventar, sonhar 
permite verificar o que pode ser tolerado e ampliar a percepção do mundo mental. 
 
Certamente são inúmeras as formas lúdicas que podem facilitar o encontro entre um terapeuta e 
seu paciente. Existem técnicas consagradas, como o jogo de rabiscos de Winnicott ou a própria hora 
de observação lúdica. Ao mesmo tempo, existe a necessidade de que o terapeuta possa usar de sua 
inventividade para auxiliar a criança severamente comprometida em sua forma de expressão e que não 
responde às técnicas conhecidas. Na verdade, não cabe neste espaço discorrer nem a respeito de 
umas nem de outras. O que pode ser bem observado é que a prática clínica exige a presença 
interessada da dupla em jogo, para que o trabalho desenvolvido possa ter alguma eficácia, no sentido 
de esclarecer quais são as situações mentais que precisam de uma atenção mais cuidadosa. 
 
O Procedimento de D-E presta-se de modo excelente à facilitação do acesso à vida emocional 
da criança, sendo um auxiliar de valor no processo de diagnóstico psicológico. O procedimento pode 
ser usado em vários momentos do atendimento clínico-diagnóstico, tanto em entrevistas iniciais, 
quanto ao longo do processo, e inclusive ao final do mesmo, em entrevistas devolutivas. Gostaria de 
assinalar que neste contexto se compreende o diagnóstico como um processo que permite o 
esclarecimento da dinâmica de funcionamento mental, considerando as angústias, desejos e defesas 
do paciente. Numerosas são as técnicas para sua realização, incluindo-se aí o uso dos chamados 
testes projetivos, dos testes de nível mental, da avaliação psicomotora, além das entrevistas com o 
paciente e familiares. Não é infreqüente, também, a necessidade de exames com outros profissionais, 
como fonoaudiólogo, psicopedagogos ou médicos. Evidentemente, cada caso requer consideraçõesespecificas quanto ao que convém utilizar e que exames são necessários. 
 
O Procedimento de D-E atua na área de investigação da personalidade. Usado juntamente com 
outras técnicas projetivas complementa-as, permitindo uma avaliação abrangente. Neste sentido, sua 
inclusão no processo de diagnóstico psicológico adquire um especial valor, pois mostra ser uma 
técnica que traz à tona aspectos profundos da dinâmica do funcionamento mental. 
 
Gostaria de apresentar um exemplo de como o Procedimento de D-E pode ser revelador do 
estado mental de uma criança. 
 
Realizou-se um diagnóstico amplo, com a intenção de responder às questões mais ou menos 
bem formuladas tanto pela mãe quanto pela própria criança a respeito de suas dificuldades. Não será 
apresentado aqui o caso completo, mas apenas o que se obteve com o Procedimento de D-E. 
 
No caso, um menino de 8 anos e 10 meses, trazido a atendimento por causa de mau 
desempenho escolar e de dificuldades de fala. Já passara por tratamento fonoaudiológico e por 
acompanhamento psicopedagógico, sem qualquer resultado eficaz. Os pais tem pouca instrução, a 
mãe vende roupas e o pai é caminhoneiro, chegando a fazer viagens de até 15 dias. A mãe refere ter 
deixado de trabalhar por causa do filho e se arrepende. Acha que o menino é retardado mental. O pai 
não comparece a nenhuma entrevista. O paciente, que chamaremos de Carlos, foi um filho não 
desejado, pois a família recém chegara a São Paulo, vinda de outro estado e com outro filho ainda 
muito pequeno, atualmente com 10 anos. Carlos chorava noite e dia, quando bebê. Teve uma 
bronquite aguda muito forte com cerca de um ano, a qual se curou com certas ervas, segundo a mãe. 
Esta é muito ansiosa, falando ininterruptamente. Carlos é retraído no primeiro contato, mas é evidente 
que o aprecia, o que se confirma depois. Tudo o que diz é compreensível. Em teste de nível mental, 
atingiu resultado levemente inferior à média (WISC:QI=89). 
 
Procedimento de Desenhos-Estórias 
 
Unidade de Produção 1 (vide figura 1.1.) 
Título: O homem lotado de lixo 
 
 
 
 
Verbalização: “Era um homem pondo 
sujeira na lata de lixo, dois carros, uma 
árvore, um sol, quatro nuvens, uma casa. 
O homem ia entrar dentro de casa, ia pôr 
lenha no fogo, depois ia dormir, aí ia sair 
com capa e fazer despesas, aí jogou o 
sol fora, ligou a TV, aí depois ele foi 
dormir, aí ele foi ver as horas no braço, 
que já era prá ir trabalhar, “são cinco e 
meia, preciso ir trabalhar”, ai acabou a 
estória”. 
 
 
 
 
 
 
Unidade de Produção 2 (vide figura 1.2.) 
Título: Carga maluca 
 
 
 
 
Verbalização: “Aqui os carro tava prá 
descarregar, um tava indo prá lá, um tava 
carregando carreta, aí bateu no poste e o 
poste quebra, aí o sinal fecha, aí o pneu 
furou, aí chama, conserta o poste e o 
pneu, aí o caminhão sai e descarrega, 
(Pausa: Inquérito: E daí?). O outro 
caminhão tava carregado, aí o carrinho 
corria, ele bateu (Inq: Quem bateu?) O 
carrinho. (Inq: E depois?) O motorista 
ficou machucado, mas não muito (Inq: 
Como termina?) O caminhão ia carregar 
de novo prá viajar”. 
 
 
 
 
 
Unidade de Produção 3 (vide figura 1.3.) 
Título: Mesinhas 
 
 
Verbalização: “Aqui é a casa do gigante, 
aí a casa dele ficou um castelo, foi 
transformado num castelo, ficando 
grande, grande para sempre, aí foi 
brincar de escrever lá em cima do 
telhado, ficou lá sozinho, aí foi no 
mercado comprar um monte de sorvete, 
ai tudo ficou grande que era dele, a 
escada foi grande (Faz a escada 
vermelha. Inq: Por quê?). Porque ele 
jogou pé de arroz là perto da casa dele, 
ai o pé de arroz não gostava da casa, 
ficou, mandou tudo ficar grande. (Inq: 
Porque ele não gostava da casa?). 
Porque ele achava ela ruim. (Inq: 
Porque?). Por causa que ela era 
pequena. (Inq: E aí?). Aí ele ficou con- 
 
 
 
tente porque a casa dele ficou grande. Daí ele saiu, a casa dele ficou mais grande, quando chegou a 
casa dele ficou um castelo. Ele achou mais legal. Aí ficou tudo antigo. Carro antigo, comprou um 
monte de coisa, só com um cruzeiro. Aí foi, foi, foi, foi ficando mais contente. Chegou um homem, 
falou que era príncipe, a mulher que era rainha, e o gigante que era rei. Aí ele falou: queria morar aqui 
com o senhor. E ficou a vida inteira. Aí um dia ele plantou um monte de árvores, ficou tudo grande, 
tudo do tamanho dele, monte de folhas, só”. 
 
 
 
 
 
Unidade de Produção 4 (vide figura 1.4.) 
Título: Carreteiro de laranja 
 
 
 
Verbalização: “Aqui é uma carreta 
levando um monte de frutas para São 
Paulo. Ia viajar para todo lugar. Tinha um 
bilhão de frutas, dava quatro caixa prá 
todo mundo de fruta, aí veio um monte de 
gente, deu seis, sete caixa. Aí ficou 
mexendo, mexendo, tinha um bilhão de 
carreta, tudo de fruta, tinha quem pegava, 
repetia, pegava muito, fazia suco. Aí o 
filho dele gostava muito de laranja, 
chupou bastante, aí deu um monte de 
caixa prá mãe dele, fez suco, vitamina, ai 
comprou uma carreta cheia de laranja, 
deu uma prá mãe dele e mais um monte 
de geladeira, senão não cabia. Só". 
 
 
 
 
Unidade de Produção 5 (vide figura 1.5.) 
Título: Riquero de tesouro 
 
Verbalização: “Aqui é um caminhão levando 
ouro. O homem era bem rico, ia levar prá 
Luzera, o colega dele que chamava, o 
caminhão tava cheio, levou monte de barra, 
tava cheio de jóia... Aí o caminhão foi, tinha 
um monte de carro no meio, chegou lá, ‘tem 
ouro’, descarregou, voltou, aí chegou e 
disse: “não vou pegar mais tesouro, tô 
cansado, tem bastante tesouro. Aí o outro 
tem muito tesouro, tá cada vez mais rico, 
tem monte de loja, aí o colega dele dava 
tesouro pro primo dele, aí ficou muito rico, 
porque gosta de dar, tinha monte de 
caminhão, ai tudo que faria era um milhão 
de carreta, ai ficou mais rico, que ele, ai 
tinha fazenda, aí ficou mais rico que ele, aí 
 
 
 
pegou, foi pr'outro lugar, não queria mais ficar em São Paulo, foi a Campinas. (lnq: Por quê?). Porque 
achava ruim, não gostava, por causa que os colegas dele só pediam coisa pra ele. Ele deu três barão 
prá os colega dele, aí os colega ‘obrigado’, ai foi embora, ai esqueceu o caminhão, voltou, ‘agora não 
pode me deter’, aí pegou o relógio que ele gostava, aí ficou rico, rico, ficou bilionário, inventou uma 
música, cantou, ficou mais rico ainda, igual o Menudo, aí cantou música com cinco moço, aí ficou rico, 
rico, aí pôde comprar caixa de lápis de cor, monte de caixa, carro, caminhão, carreta, vinte e cinco 
apartamentos, aí ficou rico, rico, aí acabou a estória”. 
 
 
Carlos encontra um pai ausente e uma mãe tão ansiosa que não percebe que ele tem 
necessidades vitais a serem atendidas, revela a psicóloga, através do Procedimento de D-E, todo o 
movimento mental que faz para tentar manter-se minimamente equilibrado em sua vida emocional. 
Logo na primeira unidade, mostra um estado de grande sofrimento, sente-se carente, abandonado. Ele 
é a sujeira na lata de lixo, um homem jogado de lixo. Não há sol para aquecê-lo, portanto só há morte e 
desolação. É como se sente por dentro. O ressentimento e o ódio por tal estado é inibido pela 
paralisação quando surge qualquer indício de agressividade, ele vai dormir, Isso se estende à segunda 
unidade, onde há o risco de uma catástrofe enorme iniciada com um acidente e impedida, porém, pelo 
sinal que fecha e pelo pneu que fura, expressões de Carlos que revelam seu desejo de preservar a 
vida, a despeito de tanta adversidade. 
 
Se pensarmos em termos diagnósticos, não estaria nesse estado angustioso de Carlos, que não 
encontra nos pais o acolhimento adequado para suas necessidades, a raiz das dificuldades que o 
impedem de progredir na escola? Pois, dar-se liberdade para a busca do conhecimento e para a 
expressão de seu interesse e curiosidade, implica conhecer também seuódio e seus impulsos 
destrutivos. 
 
A seguir, é deveras interessante o destino que Carlos nos mostra que dá à sua angústia. A partir 
da terceira unidade, em vez da destruição, da desolação e do abandono, surgem a abundância, o 
exagero, o excesso de coisas. Carlos transforma-se num gigante plenamente satisfeito, farto mesmo, 
independente dos pais, realizando por meio de uma fantasia desenfreada o desejo de suprir a profunda 
carência em que se vê mergulhado, Desenvolve essa reação nas unidades seguintes. Pleno de 
riquezas tem tudo em excesso e pode dar à vontade. Por essa reação contrária à realidade interna 
dolorosa, o menino expressa o desejo de preencher seu vazio interior. Esse contraste impressionante 
revela, na verdade, ainda mais o quanto Carlos se sente pequeno e indefeso. Se fizermos o caminho 
inverso e tirarmos o disfarce (a abundância) podemos ver o estado de profunda desolação e dor em 
que ele se encontra, podemos perceber que a satisfação pela abundância pode ser traduzida em ódio 
pela falta, pois o próprio excesso denuncia a carência. 
 
 
15 
 
Evidentemente, há muitos acréscimos que poderiam ser feitos a esses comentários, pois as 
associações de Carlos são ricas em detalhes e em elementos simbólicos, que permitem interpretações 
mais amplas. Contudo, o caso está aqui apresentado apenas para ilustrar como o Procedimento de D-
E se presta a tornar claro o estado da mente de uma criança e como permite a apreensão de tal 
estado. A facilidade com que geralmente as crianças respondem à proposta do Procedimento faz deste 
um instrumento clínico animador. 
 
Compreende-se que, uma vez que o psicólogo tenha tal instrumento em mãos, pode dele fazer 
uso em vários momentos de suas atividades clínicas. No que diz respeito ao diagnóstico, o psicólogo 
pode, baseado nele e, escusado dizer, respeitando princípios éticos, esclarecer outros profissionais 
(por exemplo, médicos, educadores, profissionais afins) acerca da problemática do paciente. Nesse 
sentido, seu uso se estende de consultórios para instituições de saúde física e mental. Existem 
grandes limitações ao acesso de boa parcela da população a serviço de saúde física e mental que 
respondam a freqüente urgência na identificação de problemas emocionais. A facilidade e a economia 
de recursos na aplicação do Procedimento de D-E, somadas à sua eficácia clínica, torna-o uma técnica 
de trabalho valiosa. 
 
O aspecto lúdico do D-E permite a manifestação indireta de angústias latentes na mente da 
criança e sua posterior conscientização. Dessa forma, ele é um meio, um caminho facilitador para o 
surgimento de aspectos mentais que podem atingir camadas bastantes profundas A partir dai, 
evidentemente, estabelece-se a necessidade de auxiliar o paciente na elaboração daquilo que agora 
lhe está mais próximo. Ou seja, após atingir seu objetivo, o D-E pode, então, ser abandonado. 
 
Assim sendo, é notável, dentre os vários momentos em que se pode recorrer ao Procedimento 
de D-E, sua utilidade nas entrevistas devolutivas, tanto com pais de crianças e adolescentes, quanto 
com o próprio paciente. Freqüentemente, contribui para a elaboração de angústias e dúvidas. Gostaria 
de apresentar a entrevista devolutiva realizada com um menino de 12 anos, na qual o Procedimento de 
D-E foi muito bem utilizado tanto pela psicóloga quanto pelo paciente. 
 
O atendimento foi realizado numa instituição pública. José Carlos, assim o chamaremos, foi 
trazido à clínica por exigências da escola, uma vez que seu comportamento deixa a desejar. Ele é 
muito bagunceiro e briguento com os colegas. Curiosamente, os professores dizem que, com eles, 
José Carlos é respeitoso. Sua relação com os pais, que são separados, mas mantém contato 
constante, é turbulenta, mas também muito colorida afetivamente, em especial com a mãe que, à sua 
maneira e dentro de suas condições, atende bem o filho. 
 
Após a realização do processo de diagnóstico psicológico, foi marcada uma entrevista devolutiva 
com José Carlos. Segue-se o relato da mesma. Foram feitas alterações julgadas necessárias para 
proteger a identidade do cliente. O diálogo inicial refere-se à continuação do horário de entrevista e ao 
fato dela ter sido feita apenas com a mãe, e não diretamente com o paciente. Não será aqui 
apresentado o material gráfico do Procedimento de D-E, pois o objetivo é apenas mostrar um modo 
possível de utilizá-lo numa entrevista de final de diagnóstico psicológico. José Carlos chegou 15 
minutos atrasado. A psicóloga estava aguardando quando ele chegou e parecia estar muito nervoso: 
 
José Carlos: Por que você não me avisou? 
 
Psicóloga: JC., você poderia me esperar na sala de espera por um instante? 
 
JC.: Por que você não me avisou? 
 
P: Você pode aguardar por um minuto na sala de espera? 
 
JC.: Tá bom, mas você não me avisou por quê? 
 
P.: A gente conversa sobre isso quando entrar na sala, tudo bem? 
 
JC.: Tá bom. 
 
(Depois de alguns minutos). 
 
P.: Vamos entrar. 
 
JC.: Vamos. Por que você não me avisou? 
 
P: Você não tinha me pedido na semana passada que era para eu avisar sua mãe e esta lhe avisaria? 
 
JC.: É, tá certo, eu tinha me esquecido. É por que eu fui acusado de roubo? 
 
 
16 
 
P.: Você poderia me contar melhor essa história? 
 
JC.: A diretora, todo mundo me acusou de ter roubado o X. 
 
P.: Como assim? 
 
(Segue-se o relato de um incidente na escola, no qual não fica muito claro o episódio do roubo). 
 
P.: E agora? 
 
JC.: E agora eu não sei, a diretora mandou chamar minha mãe, eu encontrei com ela quando estava 
vindo pra cá e falei pra ela que a diretora queria falar com ela e falei também que eu estava sendo 
acusado, ela perguntou o que eu tinha feito, e falei pra ela perguntar pro Ro (irmão), porque eu já tinha 
contado tudo pro Ro. 
 
P.: E quando você falou pro Ro, o que ele achou? 
 
JC.: Ele não falou nada. 
 
P.: Ele acreditou em você? 
 
JC.: Acho que sim. Não sei o que fazer, acho que vou fugir de casa. 
 
P.: Fugir? 
 
JC.: É. 
 
P.: Por quê? 
 
JC.: Eu não agüento mais isso. 
 
P.: O que você não agüenta mais? 
 
JC.: Isso, ser acusado. Em casa todo mundo briga comigo, me deixam de castigo. 
 
P: Você pensa em fugir para que não briguem com você? 
 
JC.: É, mas eles não me batem não, só de vez em quando. 
 
P.: Quem é que bate em você de vez em quando? 
 
JC.: A minha mãe e o Ro. Eu acho que eles não vão acreditar em mim, vou me ferrar, por isso que eu 
penso em fugir. 
 
P.: Mas você não me disse que já contou para o Ro e ele acreditou em você? 
 
JC.: É, eu não sei o que faço. 
 
P.: Como o Ro acreditou um você, a sua mãe não poderia acreditar, também? 
 
JC.: É. 
 
P.: Então fugir pra quê? 
 
JC.: É, quando eu falei em fugir eu não sabia o que estava falando, é besteira. Tem vezes que eu 
penso em fugir, mas sei que é besteira, que não ia ser bom, que não ia adiantar nada. 
 
P.: Sei. E, quando você pensa em fugir, você pensa em fugir pra onde? 
 
JC.: Pra casa do meu pai, do meu tio. E hoje é o último dia que eu venho aqui? 
 
P.: É. 
 
JC.: O que eu vou fazer hoje? 
 
P.: Hoje nós vamos conversar sobre o que eu pude compreender de você. 
 
JC.: Sei. 
 
P.: Então, nós já conversamos antes: eu pedi para você falar alguns desenhos, contar estórias, tudo 
para eu compreender o que ocorre com você. 
 
JC.: Sei. 
 
(Aqui há um diálogo a respeito do resultado dos testes de nível mental, que confirmam a adequação do 
paciente quanto à capacidade intelectual). 
 
P.: Eu pude perceber também, através das nossas conversas, que você é uma pessoa muito ligada 
nas coisas que acontecem ao seu redor, que se interessa pelas coisas que acontecem com você, com 
seus amigos, com seus familiares; enfim, o que acontece com as pessoas que você conhece. Você17 
 
não é uma pessoa passiva, que olha para o que acontece e não faz nada. Por exemplo, há pessoas 
que reclamam da vida, falam que a vida é uma merda e não fazem nada para mudar. Acho que você 
não é assim, você vai à luta. 
 
JC.: Ás vezes é assim (pausa). 
 
P.: Pude observar que você é uma pessoa muita atenta, tem muito interesse pelas coisas que 
acontecem com você. Por exemplo, você se lembra quando perguntou para mim o que era o eletro, pra 
que servia? 
 
JC.: Lembro. 
 
P.: Então, essas perguntas me fizeram ver como você se interessa pelas coisas que acontecem com 
você. 
 
JC.: É. (pausa). 
 
P.: Pude perceber também que, quando você tem que fazer alguma coisa que você não sabe fazer, 
você age com cautela. 
 
JC.: Cautela? Não, eu não sou assim não! 
 
P.: Então você não é uma pessoa que age com cautela? 
 
JC.: Não, eu não sou cauteloso, eu faço as coisas sem pensar e por isso que eu me ferro sempre. 
 
P.: Você poderia contar alguma coisa sobre isso? 
 
JC.: Quando, por exemplo, a Ma (irmã) não limpa a casa, eu brigo com ela, só reclamo, e quando 
minha mãe chega, ela fala que eu bati nela e eu confirmo, então eu me ferro, porque eu faço as coisas 
sem pensar, daí depois que eu me ferrei, eu falo que não bati na Ma, que era mentira dela, mais ai não 
adianta, já me ferrei. 
 
P.: Mais alguma coisa? 
 
JC.: Na escola, quando alguém faz alguma coisa, assim como jogar giz em alguém, a professora 
pergunta quem foi? Aquele que tacou fala que sou eu, e eu confirmo e me ferro, vou falar com a 
diretora, levo advertência. Depois, não adianta falar que não fui eu, pois ninguém acredita. 
 
P.: Eu acho que isso que você me contou tem mais a ver com assumir a culpa dos outros, proteger os 
outros. O que você acha? 
 
JC.: É, acho que é isso mesmo. Mas eu não penso quando eu faço isso e me ferro. 
 
P.: E como é isso de você se ferrar sem ter feito nada? 
 
JC.: Eu não sei, eu não gosto. (pausa). 
 
P.: Eu tinha falado que você pensava antes de agir, de tomar alguma decisão, porque você vivia 
perguntando sobre a terapia, e a terapia seria algo novo pra você. Então, eu achei que você 
perguntava sobre a terapia para pensar e depois tomar uma decisão. 
 
JC.: É, foi só isso que pensei, mas sempre eu faço as coisas sem pensar. 
 
P.: E você tem alguma idéia por que isso acontece? 
 
JC.: Não, quando vi já me ferrei. (Pausa). 
 
P.: Bom, agora queria lhe falar sobre o impulso, algo que tem a ver com o que você falou, de fazer as 
coisas sem pensar. Você sabe o que é impulso? 
 
JC.: Sei. 
 
P.: O que seria impulso pra você? 
 
JC.: É, é, ih, acho que não sei. 
 
P.: Tudo bem, impulso seria o tipo de uma força que existe dentro de nós. Essa força é responsável 
por muitas coisas que fazemos, que faz a gente lutar por alguma coisa. Por exemplo, há uma força 
sexual, que faz com que homens se sintam atraídos por mulheres, que faz com que eles procurem uma 
companheira, uma parceira sexual. Enfim, essa força sexual faz com que homens e mulheres sintam 
vontade de transar. Você já deve ter sentido essa força? 
 
JC.: É, eu entendo o que você fala. 
 
 
18 
 
P.: Essa energia sexual ganha mais força na adolescência, fazendo com que os garotos e as garotas 
tenham curiosidade pelo sexo, que descubram seu corpo, que sintam vontades que nunca sentiram 
antes. 
 
JC.: É, eu sei, mas só existe esse tipo de impulso? 
 
P.: Não, existe também uma força dentro de nós, força essa que está ai para nos defendemos, mas 
essa força, em determinados momentos, não temos controle sobre ela. Por exemplo, você se lembra 
que me contou que uma vez estava conversando com uma namorada sua, e um amigo seu ficou 
“tirando barato” da sua cara? 
 
JC.: Lembro. 
 
P.: Você contou também, que não conseguiu se segurar para bater nele fora da escola, e bateu nele na 
escola mesmo e se ferrou. 
 
JC.: É o que eu te falei: eu faço as coisas sem pensar e me ferro. Ás vezes tenho vontade de fazer 
algo, mas sei que não é certo e que vou me ferrar, e mesmo assim eu faço. 
 
P.: Entendo. Eu acho que você vai ter que aprender a lidar com isso. 
 
JC.: Uma terapia pode me ajudar a ser mais cauteloso? Assim, tipo não fazer as coisas sem pensar, 
não ficar brigando com todo mundo, não fazer tanta bagunça? 
 
P.: Eu acho que sim. Uma terapia pode ajudar a resolver seus problemas. 
 
JC.: Mas se eu não quiser fazer, eu não faço. 
 
P.: Tudo bem. Você é quem decide se vai querer ou não resolver seus problemas com a ajuda da 
terapia. 
 
JC.: Acho que não vou fazer não. 
 
P.: Tudo bem. Eu não posso obrigá-lo a fazer coisas que você não quer. 
 
JC.: É. (pausa). 
 
P.: Agora, eu queria falar um pouco sobre o que eu pude compreender pelos seus desenhos. (A 
psicóloga coloca os desenhos do D-E sobre a mesa). 
 
P.: Você se lembra desses desenhos? 
 
JC.: Lembro. 
 
P.: E das estórias que você contou? 
 
JC.: Lembro. 
 
P.: Neste primeiro desenho você contou que era uma fazenda, que você tinha duas filhas e que um dia 
apareceu um ladrão para assaltar a fazenda e te matou. 
 
JC.: E minha esposa e minhas filhas viveram felizes para sempre. 
 
P.: É, então eu pensei que você poderia estar me dizendo, através do desenho e da estória, que em 
algum momento da sua vida você passou por uma situação em que sentiu que foi muito agredido, que 
maltrataram você. 
 
JC.: Sem que isso tivesse acontecido, eu senti, é isso? 
 
P.: É, aconteceu algo que te feriu muito, que ficou muito chateado. 
 
JC.: Estou entendendo. 
 
P.: Eu pensei que esse sentimento de ter sido maltratado pudesse estar ligado à separação dos seus 
pais, que deve ter sido pra você muito difícil, pois você ainda era muito pequeno quando isso 
aconteceu, e acho que isso marcou muito você, pois é difícil para uma criança de 4 anos lidar com a 
separação dos pais. 
 
(JC. ficou muito angustiado, seu rosto passou a impressão de tensão e seus olhos ficaram marejados). 
 
P.: Acho, também, que ainda você não conseguiu aceitar a separação de seus pais, e que a separação 
deles o deixa muito triste. É difícil para você conviver com isso. (pausa). Essa experiência, que você 
viveu quando era um garotinho, significou pra você uma tristeza muito grande. Acho que você deve ter 
pensado: “meu mundinho cor-de-rosa acabou, o que vai ser de mim, sem papai e sem mamãe juntos?”. 
 
JC.: É, eu não sei, eu não me lembro. 
 
19 
 
 
P.: Mas hoje você vai ter que aprender aos poucos conviver com a separação de seus pais, numa boa. 
.Sei que vai ser um caminho muito difícil, mas acho que você pode conseguir. 
 
JC.: É. 
 
(Parece estar muito triste e pensativo). 
 
P.: Acho que para você é muito difícil essa separação, pois se você fica com sua mãe, você sente falta 
de seu pai, se você fica com seu pai, você sente falta de sua mãe. Isso deve ser muito difícil. 
 
JC.: É. (pausa). 
 
P.: Que bom seria que papai e mamãe ficassem juntos, assim você não sentiria a falta de um quando 
estivesse com o outro. Assim não precisaria escolher com quem ficar, já que você gosta muito de sua 
mãe e de seu pai. 
 
JC.: É. 
 
P.: Mas a vida nem sempre é como a gente gostaria que fosse. 
 
JC.: É. 
 
P.: Como eu disse, você vai ter que aprender a conviver com a separação de seus pais. 
 
(Neste momento, parece que JC ia falar algo). 
 
P.: Você quer falar alguma coisa? 
 
JC.: Eu não sei. 
 
P.: Você está pensando em alguma coisa que tem a ver com o que eu disse? 
 
JC.: É, não é nada, deixa pra lá. (pausa). 
 
P.: Agora vou falar sobre este segundo desenho. 
 
JC.: Tá bom. 
 
P.: Você se lembra da estória? 
 
JC.: Do carro que eu construí com muito esforço. 
 
P.: É, eu acho que, depois da separação de seus pais, você teve que mudar de vida. Faça de conta 
queesse carro aqui, o antigo, era sua vida com seus pais juntos; e esse outro carro aqui, a vida que 
você construiu para viver com a separação de seus pais. 
 
JC.: Sei. 
 
P.: Então, foi com muito esforço que você conseguiu viver com a separação de seus pais. Foi com 
muito sofrimento que você teve de fazer algumas modificações na sua vida para conseguir viver com a 
separação deles. Só que esse carro que você reformou já está defasado; como você disse, “ele ficou 
antigo, pois vieram os carros de luxo”. 
 
JC.: Eu não disse isso, não. Reformei meu carro e ele ficou bom e não ficou antigo. 
 
P.: Sei, você acha, então, que como você está, como você se sente em relação à separação de seus 
país, está bom. 
 
JC.: É eu não sei... não, o carro precisa de reformas, só que eu não falei da estória em que o carro 
tinha ficado antigo porque vieram os carros de luxo; falei só que eu tinha construído com muito esforço 
o meu carro. 
 
P.: É, eu sei que foi muito difícil e foi com muito esforço que você construiu seu carro. Acho, também, 
que este desenho pode estar dizendo que houve um momento na sua vida em que você teve de tomar 
conta de si mesmo, de crescer sozinho, e que você é uma pessoa com muitas capacidades para 
crescer, para viver. 
 
JC.: E esse desenho aqui, do homem que foi baleado? 
 
P.: Eu pensei que este desenho poderia estar falando sobre como você sente que o mundo, as 
pessoas te machucam, te fazem ficar triste. 
 
JC.: Sei. 
 
P.: E quando você se sente assim, magoado, ferido, o que você faz? 
 
JC.: Eu não sei. 
 
20 
 
 
P.: Eu acho que você se sente muito triste, e se critica muito. Fica achando que você não presta, que 
só faz coisas erradas. Por exemplo, quando você fez o teste de inteligência, você achou que era burro 
e ficou muito triste. 
 
JC.: É, eu acho que é assim mesmo, não sei. 
 
P.: É, eu acho também que, além disso, em outros momentos, você se faz de forte, não deixa ninguém 
perceber que não está bem. É como se tivesse um hotdog gigante. 
 
(Ambos olham o desenho do hotdog) 
 
JC.: (rindo). Um hotdog gigante! 
 
P.: Você sente que tem um super hotdog de aço inoxidável, que ninguém pode destruir. 
 
JC.: Tem vez que eu não dou o braço a torcer. E este aqui da Mata Atlântica? 
 
P.: O que você acha que este desenho poderia estar falando de você? 
 
JC.: Eu não (...), eu não sei. 
 
P.: Eu penso que este desenho poderia estar falando da sua sexualidade. Lembra-se de quando você 
falou que o menino foi à escola e que se perdeu, porque quis se aventurar? 
 
JC.: Lembro. 
 
P.: Eu acho que a sexualidade, para você, deve ser como a Mata Atlântica: causa interesse e 
curiosidade, mas também é perigosa, pois o menino se perde. Como assim? Você deve ter curiosidade 
de saber como é uma relação de homem com mulher, e como é uma relação de homem com homem. 
Como será? Será certo, errado, ruim, bom? Por exemplo, você me falou que assiste filmes pornô, que 
mostra interesse pelo sexo. 
 
JC.: É. 
 
P.: Então, você não fica pensando que o que aparece nos filmes é real? Acontece mesmo entre 
homem e mulher, e se acontece é bom? 
 
JC.: Ah, não. Não é assim, eu não fico pensando sobre isso que você falou, eu já sei de tudo. 
 
P.: Sabe de tudo? 
 
JC.: É, eu já sei como é a relação de homem com a mulher, já sei que é bom e como se faz. 
 
P.: E como você aprendeu? Posso saber? 
 
JC.: É, você sabe como a gente aprende isso; só há um jeito, você sabe. 
 
P.: Eu não sei. As pessoas aprendem sobre sexo de formas diferentes. 
 
JC.: Eu já... Eu já... Como eu posso falar?... 
 
P.: Você quer dizer que já transou? 
 
JC.: É. 
 
P.: E quando foi? 
 
JC.: A menina hoje tem 16 anos. Ela tinha 13 e eu 9 anos, e aí a gente fez. 
 
P.: Fez? 
 
JC.: Transou. 
 
P.: E como foi essa experiência pra você? 
 
JC.: Foi bom. Então, eu já sei como é, não fico pensando sobre como será. 
 
P.: Uma experiência sexual de garoto não pode ser diferente da de um homem? 
 
JC.: É tudo igual, sexo é tudo igual. (pausa). 
 
P.: Eu acho, também, que a mata pode estar representando a entrada na adolescência. Um mundo 
novo e desconhecido, cheio de emoções. Mas, apesar de algo novo, muito legal, há momentos em que 
crescer pra você é muito difícil, ser adulto é muito difícil pra você, ter responsabilidades. Como você 
disse, é muito chato, ser adulto é muito chato. Você não disse que queria ser um adulto-criança? 
 
JC.: É, eu disse. 
 
 
21 
 
P.: Então, ao mesmo tempo em que você quer crescer, ser um homem, há momentos em que isso lhe 
causa muito medo, e você pensa se não seria melhor ser criança e ficar com a mamãe, feliz para 
sempre. 
 
JC:. Esse foi o final da estória. 
 
P: É, acho que quando as coisas ficam difíceis, você prefere ser criança e ficar protegido pela sua mãe. 
 
JC.: Eu sempre converso com minha mãe. Eu não vou mais fugir de casa, isso é coisa de criança. Eu 
vou ficar e enfrentar essa acusação. Não fiz nada mesmo, estou sendo acusado injustamente. 
 
P.: É isso ai; quem não deve, não teme. 
 
JC.: Hoje é o último dia? 
 
P.: É. O que você acha? 
 
JC.: A terapia começa quando? 
 
P.: Acho que só no ano que vem. 
 
JC.: Eu vou fazer terapia, pode me... me... 
 
P.: lnscrever? 
 
JC.: É, eu quero fazer. 
 
P.: Então tudo bem. Nosso tempo está acabando, e eu gostaria de saber se você tem mais alguma 
dúvida. 
 
JC.: Não. 
 
P.: Então, eu vou te inscrever para terapia... 
 
JC.: Tudo bem. 
 
(Segue-se um rápido diálogo de despedida e de continuação da entrevista devolutiva com os pais). 
 
Essa entrevista foi apresentada praticamente na íntegra, por tornar possível a observação de 
que houve um trabalho de elaboração mental por parte do menino, de que a entrevista devolutiva foi 
evolutiva e de que utilizar o Procedimento de D-E contribuiu grandemente para isso. O paciente pôde 
fazer uso da oportunidade que lhe foi oferecida para concluir algo a seu respeito, inclusive quanto à 
discriminação de benefícios que um trabalho subseqüente poderia lhe trazer. José Carlos identificou as 
próprias associações, solicitou interpretações, deu-as ele mesmo e relacionou-as com situações de sua 
vida, com experiência intimas, com a percepção de que existem confusões internas que ele necessita 
desfazer, concluindo que a ajuda de um profissional pode lhe ser de alguma valia. Uma vez que esse 
trabalho foi realizado, o D-E cumpriu sua função no momento e respondeu a uma necessidade que 
precisava ser atendida. Com o desenvolvimento desse menino, pode ser novamente utilizado para dar 
conta de situações futuras. Cabe notar, também, que a sensibilidade da pessoa que o atendeu, que 
não se opôs, mas sim acolheu suas dúvidas e questionamentos, contribuiu valiosamente para o 
desenrolar da entrevista. 
 
Desde sua concepção, em 1972, o Procedimento de D-E conserva a característica principal de 
ser uma técnica diagnóstica. As muitas pesquisas já realizadas assim o confirmam, sendo que seu uso 
se ampliou em termos da idade das pessoas às quais pode ser aplicado. Atualmente, é usado 
livremente com adultos, e não mais só com crianças e adolescentes. 
 
Muitas são as atuações clínicas nas quais se pode recorrer ao uso do Procedimento de D-E, e 
que estão ainda disponíveis para pesquisas mais completas. Quando se fazem necessários 
diagnósticos breves, por exemplo, a agilidade desse instrumento facilita sua realização. Assim, podem-
se considerar demandas relacionadas com dificuldades na escolha de profissão, na área de orientação 
vocacional, que requerem uma resposta rápida, mas nem por isso menos cuidadosa. O fato de o D-E 
trazer à tona conflitos, assim como recursos do indivíduo, permite que se discrimine, pelo menos, quais 
são os aspectos do funcionamento mental que necessitam de atenção específica,

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