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Democracia e justiça no Brasil

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CAPÍTULO	I
PRESIDENCIALISMO	DE	COALIZÃO	NO	BRASIL:	ENTRE	A	DEMOCRACIA
MAJORITÁRIA	E	A	DEMOCRACIA	CONSENSUAL
1.	INTRODUÇÃO
As	 sociedade	 democráticas	 contemporâneas	 podem	 se	 organizar	 politicamente	 segundo	 dois
modelos	 institucionais	 ideais:	 o	 majoritário	 e	 o	 consensual.	 Convém	 descrever,	 sucintamente,	 as
características	peculiares	a	cada	modelo,	segundo	o	seu	maior	estudioso,	Arend	Lijphart	(2003).	Segundo
o	 autor,	 o	 governo	 “pelo	 povo	 e	 para	 o	 povo”,	 na	 acepção	de	Abraham	Lincoln,	 coloca	 a	 questão	de
saber	quem	governa	e	a	quais	interesses	o	governo	deve	atender	quando	houver	desacordo	entre	o	povo
por	divergências	de	preferências.	A	resposta	majoritária	ao	dilema	colocado	é	a	opção	pela	prevalência
da	 vontade	 da	maioria.	 A	 resposta	 consensual	 ao	 problema	 levantado	 é	 a	 prevalência	 da	 vontade	 do
maior	número	de	pessoas	possível.	Nesse	sentido,	não	há	uma	diferença	profunda	entre	os	dois	modelos
de	democracia	quanto	à	legitimidade	do	governo	da	maioria	em	contraposição	ao	governo	da	minoria.
Mas	considera	a	exigência	de	uma	maioria	como	um	requisito	mínimo:	em	vez	de	se	satisfazer	com	mínimas	maiorias,	ele
busca	 ampliar	 o	 tamanho	 das	mesmas.	 Suas	 regras	 e	 instituições	 visam	 a	 uma	 ampla	 participação	 no	 governo	 e	 a	 um
amplo	acordo	sobre	as	políticas	que	esta	deve	adotar.	O	modelo	majoritário	concentra	o	poder	político	nas	mãos	de	uma
pequena	maioria,	 e	muitas	 vezes,	mesmo,	 de	uma	maioria	 simples	 (plurality),	 em	vez	de	uma	maioria	 absoluta,	 […]	 ao
passo	que	o	modelo	consensual	 tenta	compartilhar,	dispersar	e	 limitar	o	poder	de	várias	maneiras	 (LIJPHART,	2003,	P.
18).
Uma	 outra	 diferença	 marcante	 é	 que	 enquanto	 o	 modelo	 majoritário	 de	 democracia	 é,
marcantemente,	exclusivo,	competitivo	e	combativo,	ou	seja,	estabelece	um	jogo	político	de	soma	zero	no
qual	o	partido	ou	a	coalizão	que	exerce	o	governo	dispõe	de	toda	a	estrutura	governamental,	ao	passo	que
a	 oposição	 tem	 como	 tarefa	 lutar	 para	 ser	 governo,	 não	 participando	 da	 estrutura	 de	 incentivos	 e
patronagem	da	máquina	estatal	(MAIWARING	&	SHUGART,	1993),	a	democracia	consensual	tem	como
característica	a	abrangência,	a	negociação	e	a	concessão.	Nesse	sentido,	“[…]	a	democracia	consensual
poderia	também	ser	chamada	de	‘democracia	de	negociação	((LIJPHART,	2003,	P.	18)”.
Tomando	dez	variáveis	institucionais	importantes	nas	democracias	contemporâneas	e	agregando-
as	em	duas	dimensões	multivariáveis,	Lijphart	estabelece	contrastes	dicotômicos	entre	os	dois	modelos
de	democracia,	contrastes	estes	que	marcam	distinções	fundamentais	quanto	à	ampliação	ou	redução	do
poder	da	maioria	em	implementar	políticas	(ver	Quadro	1).
Quadro	1-	Contrates	entre	modelos	de	democracia	majoritária	e	consensual.
Modelo	majoritário Modelo	consociativo
Dimensão	Executivo-Partidos Dimensão	Executivo-Partidos
Concentração	do	Poder	Executivo	em	gabinetes
monopartidários	de	maioria.
Distribuição	do	Poder	Executivo	em	amplas
coalizões	multipartidárias.
Relações	entre	Executivo	e	Legislativo	em	que	o
executivo	é	dominante. Relações	equilibradas	entre	ambos	os	poderes.
Sistemas	bipartidários. Sistemas	multipartidários.
Sistemas	eleitorais	majoritários	e	desproporcionais. Sistemas	de	representação	proporcional.
Sistemas	de	grupos	de	interesses	pluralistas,	com
livre	concorrência	entre	grupos.
Sistemas	coordenados	e	“corporativos”	visando	ao
compromisso	e	à	concertação.
Dimensão	Federal-Unitária Dimensão	Federal-Unitária
Governo	unitário	e	centralizado. Governo	federal	e	descentralizado.
Concentração	do	Poder	Legislativo	numa	legislatura
unicameral.
Divisão	do	Poder	Legislativo	entre	duas	casas
igualmente	fortes,	porém	diferentemente
constituídas.
Constituições	flexíveis,	que	podem	receber	emendas
por	simples	maioria.
Constituições	rígidas,	que	só	podem	ser
modificadas	por	maiorias	extraordinárias.
Sistemas	em	que	as	legislaturas	têm	a	palavra	final
sobre	a	constitucionalidade	da	Legislação.
Sistemas	nos	quais	as	leis	estão	sujeitas	à	revisão
judicial	de	sua	constitucionalidade,	por	uma	corte
suprema	ou	constitucional.
Bancos	centrais	dependentes	do	Executivo. Bancos	centrais	independentes	do	Executivo.
Fonte:	Adaptado	de	Lijphart	(2003,	p.	27-65).
A	primeira	dimensão	compõe-se	das	características	do	poder	executivo,	dos	sistemas	partidários
e	 eleitorais	 e	 dos	 grupos	 de	 interesses,	 denominada	 de	 dimensão	 executivos-partidos.	 A	 segunda
dimensão	estabelece	os	contrastes	entre	a	estrutura	do	estado	federativo	e	do	estado	unitário,	denominada
de	 dimensão	 federal-unitária.	 Portanto,	 em	 cada	 uma	 dessas	 dimensões,	 há	 cinco	 características	 que
distinguem	as	duas	formas	de	organização	e	operação	das	democracias	constitucionais.
Seguindo	 essa	 plano	 de	 interpretação,	 o	 objetivo	 deste	 capítulo	 é	 analisar	 duas	 vertentes	 da
ciência	política	brasileira	quanto	à	aproximação	desses	dois	modelos	ideais	de	democracia.	Na	primeira
parte,	discutiremos	a	tese	da	democracia	consensual	tomando	como	eixos	de	análise	um	dos	autores	mais
importantes	das	décadas	de	80	e	90,	Bolívar	Lamounier.	Na	segunda	parte,	discutiremos	a	literatura	mais
recente,	meados	da	década	de	90,	que	defende	a	 tese	da	democracia	majoritária	 a	partir	de	uma	nova
abordagem	 que	 enfoca	 o	 interior	 do	 processo	 decisório,	 identificando	 um	 alto	 grau	 de	 disciplina
partidária	 e	 a	 preponderância	 do	 executivo.	 Trata-se	 da	 obra	 de	 Argelina	 Figueiredo	 e	 Fernando
Limongi.
2	A	DEMOCRACIA	CONSENSUAL	NO	BRASIL
Tendo	seu	ápice,	enquanto	consenso	acadêmico	e	proposta	programática,	no	princípio	dos	anos
90,	em	meio	à	crise	institucional	que	representou	a	chegada	de	Collor	ao	poder	por	fora	do	sistema	de
partidos,	 a	 tese	 segundo	 a	 qual	 a	 democracia	 brasileira	 é	 consensual	 funda-se	 não	 nos	 elementos	 que
visam	a	assegurar	representação	às	minorias	religiosas,	étnicas	e	linguísticas,	dotando-as	de	importantes
poderes	de	veto	sobre	a	vontade	majoritária,	como	é	o	caso	de	países	europeus	como	a	Suécia,	Bélgica	e
Holanda,	as,	sim	em	algumas	variantes	do	sistema	político,	como	o	subsistema	representativo,	o	regime
federativo	 e	 a	 organização	 do	 poder	 judiciário.	 Tomando	 as	 duas	 dimensões	 propostas	 por	 Lijphart,
passemos	 a	 uma	 análise	 das	 acepções	 de	 um	 dos	 principais	 analistas	 das	 instituições	 brasileiras	 e
defensor	da	tese	do	consensualismo,	Bolívar	Lamounier	(1992).
Segundo	Lamounier,	as	experiências	autoritárias	e	a	hipertrofia	do	poder	executivo	no	Brasil	são
as	 causas	 das	 dificuldades	 de	 analistas	 e	 políticos	 reconhecerem	 a	 orientação	 para	 o	 bloqueio
representado	pelo	subsistema	representativo.	Em	situação	democrática,	essa	variante	do	sistema	político
está	 orientada	 não	 para	 tomar	 e	 implementar	 decisões,	 mas	 para	 bloquear	 decisões	 que	 emanam	 da
vontade	majoritária.	Há,	portanto,	um	contraste	entre	a	noção	de	um	poder	vertical	e	concentrado,	como	o
executivo,	quando	comparado	com	os	partidos,	com	o	funcionamento	do	parlamento,	o	regime	federativo,
a	 organização	 do	 poder	 judiciário	 e	 até	mesmo	 certos	 conselhos	 governamentais.	 Segundo	 o	 autor,	 as
clivagens	 básicas	 da	 sociedade	brasileira	 são	de	 caráter	 socioeconômico,	 em	menor	 grau,	 regionais	 e
ideológicas.	Mas,
apesar	 disso,	 e	 apesar	 da	 enorme	 distância	 econômica	 e	 cultural	 entre	 o	 Brasil	 e	 os	 países	 europeus	 a	 que	 se	 fez
referência,	(Suécia,	Bélgica	e	Holanda)	o	nosso	subsistema	partidário-parlamentar	evoluiu,	desde	a	década	de	1930,	muito
mais	no	sentido	de	institucionalizar	bloqueios	do	que	no	de	facilitar	a	agregação	de	interesses	e	a	implementação	de	uma
vontade	majoritária	(LAMOUNIER,	1992,	p.	27).
Portanto,	essa	evolução	foi	aos	poucos	consolidando	uma	engrenagem	consensual	que	chegaria	ao
extremo	 na	 década	 de	 90.	 A	 representação	 proporcional	 implantada	 nadécada	 de	 30	 aliou-se	 ao
pluripartidarismo,	que,	em	razão	da	facilidade	do	acesso	de	minorias	aos	recursos	de	poder,	possibilita	a
exacerbação	do	princípio	consensual.	À	opção	proporcional	agregou-se	o	voto	preferencial	(individual)
pelo	qual	o	eleitor	escolhe	entre	indivíduos	e	não	entre	listas	partidárias,	como	é	prática	nas	democracias
de	sistema	proporcional,	arraigando	ainda	mais	o	individualismo	intrapartidário.	Essas	características	do
subsistema	 representativo	 tiveram	 origem	 no	 código	 eleitoral	 de	 1932,	 cuja	 intenção	 foi	 claramente
acomodar	microinteresses	no	conjunto	da	elite	política	e	assim	poder	viabilizar	a	“contestação	pacífica”.
Dessa	forma,	na	dimensão	executivo-partidos,
nosso	 pluripartidarismo,	 por	 exemplo,	 combina	 uma	 extrema	 facilidade	 para	 a	 formação	 de	 partidos	 com	 a	 concessão
quase	 automática	 aos	mesmos	 de	 poderosos	 instrumentos	 de	 poder,	 como	 o	 acesso	 a	 uma	 cadeia	 nacional	 de	 rádio	 e
televisão	e,	a	partir	da	constituição	de	1988,	a	legitimidade	dos	que	tenham	representação	parlamentar	para	propor	ação
direta	de	inconstitucionalidade	junto	ao	Supremo	Tribunal	Federal	((LAMOUNIER,	1992,	p.	31).
No	 âmbito	 da	 dimensão	 federal-unitária,	 os	 elementos	 consensuais,	 além	 da	 revisão	 judicial
mencionada,	são	representados	pelo	regime	federativo,	pelo	bicameralismo	com	ambas	as	casas	fortes	e
pela	 rigidez	e	detalhismo	constitucional.	A	necessidade	de	maiorias	qualificadas,	 aliada	à	votação	em
duas	casas,	evidencia	as	dificuldades	das	maiorias	em	implementar	decisões	e	a	clara	possibilidade	de
veto	das	minorias.	Além	do	mais,	a	super-representação	dos	Estados	pequenos	na	câmara	é	parte	dessa
engrenagem	consensual	que	evolui	desde	os	anos	30.	Como	uma	reação	à	predominância	política	de	São
Paulo	e	Minas	Gerais	na	Primeira	República,	a	super-representação,	que	se	consolidou	do	ponto	de	vista
jurídico	na	década	de	1930,	visou	a	atenuar	essa	predominância.	Destaca	o	autor	que
independente	das	manipulações	casuísticas	a	que	certamente	serviu	no	passado	recente	e	do	alegado	arcaísmo	ideológico
das	bancadas	hoje	super-representada,	o	fato	é	que,	na	origem,	essa	ponderação	favorável	aos	pequenos	Estados	era	uma
maneira	 de	 atenuar	 o	 poder	 econômico	 e	 a	 força	 eleitoral	 dos	 grandes	 Estados:	 um	 esforço	 inequívoco,	 portanto,	 ao
sentido	consociativo	já	implícito	em	qualquer	organização	federativa	((LAMOUNIER,	1992,	p.	31).
No	período	de	transição	democrática,	ressalta	Lamounier,	a	memória	dos	períodos	autoritários	e
as	 limitações	 impostas	 aos	 direitos	 políticos,	 tanto	 das	 minorias	 quanto	 das	 maiorias,	 e	 também	 a
ampliação	do	eleitorado	(de	16	para	cerca	de	85	milhões,	de	1960	a	1985),	assim	como	a	evolução	na
participação	e	no	pluralismo	verificado	na	base	da	sociedade	brasileira,	fruto	da	própria	resistência	ao
regime	e	ao	contexto	internacional,	tiveram	como	consequência	o	fato	de	os	princípios	doutrinários	que
norteariam	 a	 classe	 política	 e	 a	 opinião	 pública	 serem	 exacerbados	 no	 consensualismo.	 Ao	 chegar	 a
Constituinte	de	1987-88,
o	 que	 estimulasse	 o	 pluralismo	 e	 diluísse	 o	 poder	 era	 necessariamente	 um	bem;	 o	 que	 contrariasse	 essa	 tendência	 em
algum	 ponto	 era	 “entulho	 autoritário”.	 Pertenciam	 a	 esta	 categoria	 toda	 e	 qualquer	 reflexão	 acauteladora	 sobre	 a
volatilidade	partidária,	a	necessidade	de	estimular	uma	agregação	mais	ampla	dos	 interesses	políticos	e	o	 imperativo	de
tornar	mais	nítidas	as	escolhas,	 reduzindo	os	custos	da	 informação	para	o	eleitor	 individual.	Ou	seja,	o	clima	de	opinião
dominante,	antes	e	durante	a	constituinte,	era	abstratamente	doutrinário	(Idem,	p.	37).
Em	relação	ao	sistema	partidário,	a	percepção	era	de	que	o	artificialismo	dos	partidos	em	termos
de	 identidade	 aconselhava	 a	 permissão	 de	 regras	 eleitorais	 frouxas	 para	 que	 este	 viesse	 afirmar-se	 a
partir	 do	 potencial	 latente	 das	 diferenciações	 sociais	 e	 ideológicas	 reprimidas.	 A	 limitação	 à
representação	 por	meio	 de	 barreiras	 e	 percentuais,	 como	 é	 comum	 em	 democracias	 com	 sistemas	 de
representação	proporcional,	seria,	ao	contrário,	substituída	pela	facilitação	ao	acesso	à	representação	e	à
formação	de	novos	partidos.
Segundo	Lamounier,	ao	lado	da	evolução	dessa	engrenagem	consensual,	no	âmbito	do	subsistema
representativo	e	do	regime	federativo,	deu-se	a	transformação	da	Presidência	da	República.	De	extensão
das	oligarquias,	na	primeira	 república,	ela	vai	se	desvencilhando	dessas	a	partir	de	1930,	 tornando-se
uma	 instituição	 de	 caráter	 universalista.	 O	 grau	 de	 liberdade	 da	 presidência	 em	 relação	 às	 bases
tradicionais	 do	 poder	 oligárquico	 foi	 substancialmente	 elevado,	 se	 comparado	 com	 o	 legislativo	 e	 o
poder	judiciário.	Para	Lamounier,	houve	uma	radicalização	plebiscitária	do	presidencialismo	brasileiro
a	partir	de	1930,	sobretudo	em	meados	desta	década,	quando	a	repressão	aos	movimentos	comunista	e
integralista	possibilitou	a	expansão	do	poder	de	Getúlio	Vargas.	É	nessas	condições,	portanto,	que
constitui-se,	 assim,	 progressivamente,	 o	 que	 se	 poderia	 chamar	 de	 utopia	 do	 presidencialismo	 plebicitário:	 a	 crença	 no
poder	 unificador	 de	 um	 carisma	 institucional,	 a	 presidência	 da	 República.	 Escolhido	 mediante	 eleições	 diretas,
representando	 a	 grande	 constituency	 nacional,	 com	 acesso	 privilegiado	 aos	meios	 de	 comunicação	 e	 alta	 centralidade
simbólica,	 a	 presidência	 imprimiria	 ao	 conjunto	 do	 sistema	 político	 a	 coerência	 que	 este	 de	 outra	 forma	 não	 poderia
engendrar	((Ibidem,	p.	39).
O	alfa	e	o	ômega	do	sistema	político	nacional,	esse	componente	plebicitário	imprimiu	a	imagem
do	presidente	 como	grande	 força	estabilizadora	que	 se	 sobrepõe	ao	particularismo,	dando	o	 ritmo	e	 a
direção	 das	 grandes	 mudanças	 na	 sociedade,	 inclusive	 rompendo	 as	 resistências	 com	 seu	 potencial
mobilizador.
No	 entanto,	 malgrado	 esse	 simbolismo,	 segundo	 Lamounier,	 é	 nessa	 acepção	 da	 autoridade
presidencial	 que	 reside	 o	 dilema	 institucional	 brasileiro,	 qual	 seja	 o	 respeito	 às	 regras	 do	 jogo,	 o
equilíbrio	entre	os	demais	poderes	e	a	necessidade	de	eficácia	decisória	ao	lado	de	uma	alta	propensão
de	os	presidentes	não	contarem	com	maiorias	necessárias	no	parlamento.	Nesse	sentido,	a	probabilidade
de	franco-atiradores	chegarem	ao	poder,	tendo	em	vista	a	fragilidade	do	sistema	partidário,	é	potencial.
Assim,	 “o	 potencial	 unificador	 da	 presidência	 plebiscitário”	 (Ibidem,	 p.	 41)	 tem	 como	 primeiro
indicador	que	nega	essa	capacidade	 sua	própria	 instabilidade.	Esse	“capital	plebicitário”,	material	ou
simbólico,	esvai-se	quando	se	olha	a	pouca	influência	que	os	presidentes	têm	na	sua	sucessão.	Ou	seja,
de	fato,	se	os	presidentes	tiveram	pouca	ou	nenhuma	influência	no	processo	sucessório,	mesmo	no	recente	período	militar,
não	parece	razoável	supor	que,	ao	longo	do	mandato,	hajam	exercido	um	influxo	contínuo	e	abrangente	sobre	o	sistema
político,	como	supõe	a	teoria	do	presidencialismo	plebiscitário	(Ibidem,	p.	41).
Para	 o	 autor,	 um	 outro	 ângulo	 que	 pode	medir	 a	 eficácia	 desse	 “capital	 plebicitário”	 é	 o	 das
pesquisas	de	opinião	pública,	de	massas	ou	de	elite.	Por	elas,	pode-se	verificar	a	materialidade	desses
recursos	de	poder	e	a	“envergadura	simbólica”	(idem,	41)	com	as	quais	os	presidentes	estão	investidos
segundo	a	teoria	do	presidencialismo	plebicitário.	Entretanto,	não	obstante	os	cuidados	com	esse	tipo	de
avaliação,	 em	 virtude	 da	 dependência	 de	 desempenho	 socioeconômico,	 os	 índices	 de	 afeição	 ou	 de
aprovação	popular	do	desempenho	dos	presidentes	na	história	brasileira	indicam	que	não	é	“a	imagem	de
um	magistrado	incólume	e	exemplar”	(Ibidem,	p.	42)	factível	a	luz	de	tais	pesquisas.	Se	elas	dependem
de	flutuações	econômicas	e	sociais	é	exatamente	nessas	condições	que	o	presidencialismo	plebicitário
mostra-sevulnerável.	Como	afirma	Lamounier	(Ibidem,	p.	42),
se	 os	 indicadores	 da	 impopularidade	 presidencial	 se	 acham	 ‘sobredeterminados’	 por	 uma	 situação	 de	 adversidade
econômica,	com	mais	forte	razão	devemos	frisar	o	risco	de	 instabilidade	 institucional	a	que	o	sistema	democrático	pode
ser	levado	por	esse	tipo	de	erosão	da	autoridade.
Embora	 comum	 em	 qualquer	 sistema	 de	 governo,	 a	 popularidade	 do	 executivo	 no
presidencialismo	é	um	dos	pilares	de	sua	sustentação,	já	que	é	por	ela	que	se	mede	o	apoio	ou	a	recusa
do	 legislativo,	 tendo	 em	 vista	 os	 custos	 e	 benefícios	 para	 os	 parlamentares	 que	 podem	 incorrer	 ao
apoiarem	a	agenda	do	executivo.
As	conclusões	de	Lamounier	(Ibidem,	p.	45)	são	muito	comuns	entre	os	autores	que	defendem	o
parlamentarismo,	 sobretudo	 naquele	 momento	 do	 debate	 institucional,	 para	 quem	 inexistem	 no
presidencialismo	 incentivos	 “para	 a	 formação	 de	 uma	 base	 parlamentar	 viável”,	 pois	 ela	 depende	 de
vários	fatores,	tais	como	o	grau,	maior	ou	menor,	de	fragmentação	do	sistema	partidário	e	a	dimensão	e
duração	dos	possíveis	desgastes	do	presidente	junto	à	opinião	pública.	Também	a	fusão	entre	a	chefia	do
Estado	e	do	governo,	própria	do	presidencialismo,	em	eventuais	ocorrências	de	tais	fatores,	põe	em	risco
não	 só	 a	 efetividade	 decisória,	 mas	 também,	 “[…]	 a	 própria	 estabilidade	 do	 sistema	 democrático”
(Ibidem,	p.	45).
A	 chegada	 de	 Fernando	 Collor	 ao	 poder,	 em	 1989,	 sem	 lastro	 partidário	 mostra	 que	 a
fragmentação	do	sistema	partidário	não	constitui	em	um	problema	apenas	no	âmbito	parlamentar.	Em	tais
condições,	 segundo	 o	 autor,	 as	 qualidades	 pessoais	 do	 presidente	 devem,	 necessariamente,	 ser
extraordinárias	para	que	tenham	condições	de	romper	os	impasses	num	legislativo	fragmentado	e	exercer
a	 governabilidade.	 Do	 contrário,	 é	 eminente	 a	 crise	 institucional	 em	 virtude	 da	 independência	 dos
mandatos	do	executivo	e	do	legislativo.
3	A	DEMOCRACIA	MAJORITÁRIA	NO	BRASIL
Os	estudos	que	enfatizam	características	majoritaristas	no	desempenho	das	instituições	políticas
brasileiras	 datam	 de	meados	 da	 década	 de	 1990,	 após	 um	 intenso	 debate	 institucional	 que	marcou	 o
período	dos	primórdios	da	transição	ao	plebiscito	de	1993.	Convém	notarmos,	no	entanto,	que	os	estudos
até	este	período	eram,	em	sua	maioria,	propensos	à	defesa	de	mudanças	radicais	no	sistema	político.	A
derrota	 do	 parlamentarismo,	 em	 1993,	 teve	 impacto	 consideravelmente	 na	 capacidade	 programática
dessas	propostas	e,	nesse	 sentido,	a	emergência	de	estudos	que	 salientam	positivamente	a	combinação
presidencialismo	e	multipartidarismo	pode	estar	na	razão	direta	da	derrota	da	“opção	parlamentarista”,
em	 1993.	 Assim,	 o	 presidencialismo	 de	 coalizão	 brasileiro	 opera	 segundo	 bases	 muito	 próximas	 do
parlamentarismo	e	os	partidos	políticos,	ao	contrário	do	que	prega	grande	parte	da	literatura	relevante,
apresentam	grau	de	disciplina	tão	elevado	quanto	as	democracias	majoritárias	(parlamentaristas).	Além
do	 mais,	 os	 políticos	 atuam	 sob	 bases	 partidárias,	 tanto	 quanto	 as	 coalizões	 governamentais.
Analisaremos,	 nesta	 seção,	 a	 tese	 da	 democracia	 majoritária	 a	 partir	 da	 obra	 de	 seus	 pioneiros,	 em
meados	dos	anos	1990,	Argelina	Figueiredo	e	Fernando	Limongi.
Em	“Executivo	e	Legislativo	na	nova	ordem	Constitucional”	-	livro	que	reúne	estudos	publicados
em	periódicos	especializados	desde	de	1994	-,	Figueiredo	e	Limongi	(1999)	principiam	por	destacar	os
diagnósticos	de	grande	parte	da	literatura	nacional	que	rejeitam	a	estrutura	institucional	que	vigorou	na
malograda	 experiência	 democrática	 de	 1946.	 Dessa	 forma,	 “no	 decorrer	 deste	 debate,	 a	 forma
presidencialista	 de	 governo	 e	 as	 leis	 eleitorais	 se	 constituíram	no	 alvo	 privilegiado	 das	 propostas	 de
reforma	institucional”	(Idem,	p.	19).	A	sorte	da	democracia	brasileira,	nesse	sentido,	dependia	de	uma
engenharia	 institucional	 em	 que	 o	 presidencialismo	 deveria	 ser	 substituído	 porque	 era	 altamente
propenso	a	gerar	conflitos	insolúveis.	Também	a	legislação	eleitoral	e	partidária	haveria	de	ser	alterada
objetivando	 a	 diminuição	 do	 número	 de	 partidos	 e	 a	 obtenção	 do	 “mínimo	 de	 disciplina”	 possível.
Emerge	dessa	análise	“[…]	um	sistema	político	em	que	um	presidente	impotente	e	fraco	se	contraporia	a
um	Legislativo	povoado	por	uma	miríade	de	partidos	carentes	de	disciplina	(Ibidem,	p.	19”.
Conquanto,	para	Figueiredo	e	Limongi,	o	quadro	institucional	que	emergiu	da	constituinte	de	1988
é	 radicalmente	 distinta	 da	 situação	 de	 1946.	 As	 bases	 do	 sistema	 político	 brasileiro	 foram	 bastante
alteradas.	 As	 alterações	 mais	 marcantes	 foram	 a	 ampliação	 dos	 poderes	 legislativos	 do	 presidente.
Segundo	os	autores,	os	poderes	legislativos	presidenciais	-	antes	de	representar	influência	na	disposição
do	 presidente,	 como	 quer	 a	 literatura,	 em	 optar	 ou	 não	 pela	 busca	 da	 cooperação	 do	 legislativo	 -,
representam	 sua	 capacidade	 de	 determinar	 a	 agenda	 legislativa.	 Para	 Figueiredo	 e	 Limongi,	 não	 é
verdadeiro,	empiricamente,	o	argumento	–	quase	sempre	oriundo	de	analistas	que	vêem	na	independência
da	origem	dos	dois	poderes	no	presidencialismo	um	dado	de	eventuais	conflitos	–	de	que	a	disposição	de
presidentes	 com	 escassos	 poderes	 legislativos	 é	 maior	 na	 busca	 de	 cooperação	 do	 legislativo.	 Ao
contrário,	 os	 presidentes	 com	 amplos	 poderes	 legislativos	 têm	 pouca	 disposição	 para	 negociar	 sua
agenda	com	o	legislativo,	tentando	forçar	o	legislativo	a	ceder.	Neste	caso,	as	relações	entre	executivo	e
legislativo	são	mais	propensas	a	conflitos.	Assim,	afirmam	os	autores	que
[…]	os	efeitos	dos	poderes	legislativos	presidenciais	são	de	outra	natureza.	Eles	determinam	o	poder	de	agenda	do	chefe
do	 executivo,	 entendendo-se	 por	 agenda	 a	 capacidade	 de	 determinar	 não	 só	 que	 propostas	 serão	 consideradas	 pelo
Congresso,	mas	também	quando	o	serão.	Maior	poder	de	agenda	implica,	portanto,	a	capacidade	do	executivo	de	influir
diretamente	 nos	 trabalhos	 legislativos	 e	 assim	 minorar	 os	 efeitos	 da	 separação	 dos	 poderes,	 o	 que	 pode	 induzir	 os
parlamentares	à	cooperação	(Ibidem,	p.	32).
Nessa	percepção,	as	distinções	clássicas	entre	 regimes	parlamentaristas	e	presidencialistas	são
mitigadas	 a	 partir	 do	 momento	 em	 que	 se	 percebem	 “aproximações	 e	 similaridades”.	 Nesse	 caso,	 o
controle	da	agenda	legislativa	é	um	dado	peculiar	aos	regimes	parlamentaristas,	entretanto,	presidentes
também	 podem	 controlar	 a	 agenda.	 Assim,	 essa	 prerrogativa	 reconhecida	 como	 sendo	 própria	 dos
primeiros-ministros	 não	 condiz	 com	 a	 maioria	 das	 constituições	 presidencialistas,	 nas	 quais	 os
presidentes	 não	 só	 contam	 com	 amplos	 poderes	 legislativos	 como	 também	 têm	 o	 direito	 exclusivo	 de
iniciar	legislação	em	diversas	áreas.	A	essa	prerrogativa	exclusiva	para	propor	legislação	acresce,	como
evidência	 da	 posição	 estratégica	 do	 executivo,	 o	 direito	 de	 solicitar,	 unilateralmente,	 urgência	 pelo
presidente,	o	qual	obriga	as	duas	casas	 legislativas	a	manifestarem-se	no	prazo	máximo	de	45	dias.	O
executivo	pode	contar,	ainda,	com	a	prerrogativa	prevista	pelo	artigo	62	da	Constituição	que	garante	ao
presidente	 editar	 medidas	 provisórias,	 em	 casos	 de	 relevância	 e	 urgência,	 o	 que	 implica	 alteração
imediata	do	status	quo.	Em	relação	às	MPs,	a	posição	do	legislativo	é	quase	sempre	pela	aceitação,	já
que,	ao	negar-se	a	aceitar	uma	MP,	deve	regular	a	situação	produzida	pela	mesma	ou	incorrer	nos	custos
que	porventura	tragam	a	não	regulação.
Figueiredo	e	Limongi	ressaltam,	como	já	mencionamos,	que	o	executivo	detám	o	poder	de	agenda
em	virtude	dos	amplos	poderes	legislativos	a	ele	conferidos	e	dos	recursos	não	legislativos	provenientes
do	controle	do	acesso	aos	postos	governamentais.	Diantedisso,	segundo	eles,	duas	perguntas	merecem
respostas,	 a	 saber:	 se	 existe	 disciplina	 partidária	 e	 se	 os	 presidentes	 são	 sustentados	 por	 coalizões
partidárias,	como	no	parlamentarismo.
Em	relação	à	primeira	pergunta,	Figueiredo	e	Limongi	pretendem	responder	três	questões:	1)	as
coalizões	partidárias	são	consistentes	 ideologicamente?	2)	os	partidos	possuem	coesão	e	disciplina	no
ato	 de	 votar	 no	 interior	 das	 casas	 legislativas?	 3)	 os	 pequenos	 partidos	 constituem	 motivo	 de
imprevisibilidade	no	plenário	e	possuem	coesão	e	disciplina	no	ato	de	votar?
Sobre	a	primeira	questão,	os	autores	“descobrem”	que	há	um	continuum	 ideológico	que	vai	da
direita	à	esquerda	e	“a	probabilidade	de	dois	partidos	adjacentes	votarem	de	maneira	análoga	é	sempre
maior	 que	 a	 de	 partidos	 não	 adjacentes.	 A	 probabilidade	 de	 dois	 partidos	 se	 coligarem	 cai
monotonicamente	com	a	distância	 ideológica	a	separá-los	 (Ibidem,	p.	77)”.	Assim,	a	probabilidade	de
voto	análogo	chega	a	68,8%	entre	PDS	e	PFL,	71,5%	entre	PT	e	PDT	e	11,8%	entre	PT	e	PFL,	para	ficar
nesses	exemplos.	Considerando	um	universo	de	221	votações	nominais	 (entre	1989-1994),	 as	alianças
dentro	dos	blocos	ideológicos	chegaram	a	163	casos	na	direita,	138	no	centro	e	156	na	esquerda.	Nos
demais	casos,	ficaram	divididos,	indefinidos	ou	não	havia	informações	disponíveis.
Quanto	à	segunda	questão,	os	autores	contestam	a	visão	tradicional	de	que	os	partidos	brasileiros
não	possuem	coesão	e	disciplina.	Considerando	o	mesmo	universo	de	pesquisa	–	no	qual	há	a	indicação
dos	líderes	partidários	para	a	bancada	–,	os	partidos	à	direita,	como	PDS,	PFL	e	PTB,	ficaram	na	casa
dos	70,00%	a	78,00%	de	coesão.	Partidos	que	vão	do	centro	à	esquerda,	como	PMDB,	PSDB,	PDT	e
PT,	 chegaram	à	 casa	de	73,00%	a	95,00%	de	 coesão.	Os	 autores	 enunciam	ainda	que	 “a	unidade	dos
partidos	de	esquerda	independe	de	como	votam	os	demais	partidos.	Já	a	disciplina	dos	partidos	de	centro
e	de	direita	varia	amplamente	de	acordo	com	a	posição	assumida	pelos	outros	partidos	(Ibidem,	p.	83)”.
No	que	 se	 refere	 à	 terceira	 questão,	 os	 autores	 afirmam	 ser	 fundamental	 saber	 se	 os	 pequenos
partidos	 possuem	 comportamentos	 diferentes	 dos	 grandes	 e	 se	 isso	 gera	 influência	 no	 plenário.	 Para
efeito	 analítico,	 criaram	 duas	 siglas	 imaginárias,	 o	 PPE	 (Partidos	 Pequenos	 de	 Esquerda)	 e	 o	 PPD
(Partidos	 Pequenos	 de	 Direita).	 Constatam,	 então,	 que	 o	 PPE	 teve	 tendência	 constante	 em	 votar
similarmente	ao	PT	e	ao	PDT	e	o	índice	de	coesão	alcança	a	marca	de	83,7%,	chegando	mesmo	a	atingir
100	em	50%	dos	 casos.	Quanto	 ao	PPD,	o	 índice	de	 coesão	 atinge	 cerca	de	72,9%	e	 segue	à	 risca	o
comportamento	 dos	 grandes	 partidos	 de	 direita.	A	 unidade	 desses	 produz	 uma	 elevação	 da	 coesão	 do
PPD.	Por	 fim,	desfazendo	a	 imagem	caótica	do	sistema	partidário,	no	que	 tange	ao	processo	decisório
legislativo,	os	autores	afirmam	que	a	 imagem	de	um	plenário	 imprevisível	é	desmentida	pelos	dados	e
que	os	grandes	partidos	sempre	controlaram	o	processo	legislativo.
A	disciplina	 partidária,	 alta	 por	 sinal,	 deve-se,	 segundo	os	 autores,	 à	 distribuição	dos	 direitos
parlamentares	no	legislativo.	Os	regimentos	internos,	tanto	do	Senado	quanto	da	Câmara	dos	Deputados,
atribuem	aos	líderes	partidários	o	direito	de	representar	suas	bancadas	a	partir	da	institucionalização	do
colégio	de	líderes.	O	colégio	de	líderes,	por	sua	vez,	exerce	forte	controle	sobre	a	pauta	dos	trabalhos
legislativos,	a	partir	do	auxílio	que	presta	à	mesas	diretoras.	A	atuação	dos	 líderes,	para	Figueiredo	e
Limongi,	 torna	o	plenário	o	principal	 lócus	decisório,	neutralizando	a	força	descentralizante	em	que	se
constituem	as	comissões.	Essa	preponderância	ocorre	em	virtude	da	intervenção	dos	líderes,	a	partir	do
instituto	 do	 requerimento	 de	 urgência.	 Assim,	 eles	 intervêm	 retirando	 as	 matérias	 das	 comissões	 e
levando-as	direto	ao	plenário.	Portanto,
além	de	alterar	o	ritmo	da	tramitação	da	matéria,	retirando-a	da	comissão	e	forçando	a	pronta	manifestação	do	plenário,	a
aprovação	de	requerimento	de	urgência	limita	a	capacidade	dos	próprios	parlamentares	de	apresentar	emendas	ao	projeto.
Para	ser	considerada,	a	emenda	tem	que	atender	a	um	dos	seguintes	requisitos:	ser	apresentada	por	uma	das	comissões
permanentes,	ser	subscrita	por	20%	dos	membros	da	Casa,	ou	ser	subscrita	por	líder	que	representa	essa	percentagem	de
deputados.	A	limitação	à	apresentação	de	emendas	e	seu	controle	pelos	líderes	partidários	tolhem	a	ação	dos	deputados,
retirando-lhes	 a	 possibilidade	 de	 defender	 com	 sucesso	 os	 interesses	 específicos	 a	 seu	 eleitorado	 a	 partir	 de	 uma
estratégia	individual	(Ibidem,	p.29).
Para	 terem	 os	 seus	 pleitos	 atendidos,	 os	 parlamentares	 necessitam	 estruturá-los	 em	 bases
partidárias,	 ou	 seja,	 precisam	 fazer	 parte	 de	 um	 grupo	 e	 agir	 como	 tal	 e,	 nesse	 sentido,	 o	 papel	 das
lideranças	 tem	 um	 duplo	 significado,	 qual	 seja	 o	 de	 representar	 os	 interesses	 parlamentares	 junto	 ao
poder	executivo	e	do	poder	executivo	junto	aos	partidos.	Assim,	as	barganhas	que	compõem	as	relações
entre	executivo	e	legislativo	estruturam-se	em	torno	dos	partidos.
No	 que	 concerne	 à	 resposta	 da	 segunda	 pergunta,	 se	 a	 coalizão	 que	 dá	 apoio	 ao	 executivo
estrutura-se	 em	 bases	 partidárias,	 a	 resposta	 é	 positiva.	 O	 poder	 de	 agenda	 do	 executivo,	 aliado	 aos
recursos	não	legislativos	como	ministérios,	pastas	e	cargos,	a	centralização	dos	direitos	parlamentares	no
legislativo	 e	 o	 controle	 da	 pauta	 pelo	 colégio	 de	 líderes,	 coloca	 o	 poder	 executivo	 numa	 posição
estratégica	para	negociar	o	 apoio	que	necessita	 a	partir	de	bases	partidárias	 e	não	com	parlamentares
individualmente.	Por	isso,	segundo	os	autores,	o	presidencialismo	estrutura	sua	agenda	e	negocia	o	apoio
a	ela	via	coalizão	de	partidos.	Tanto	no	presidencialismo	quanto	no	parlamentarismo,	a	possibilidade	de
que	partidos,	em	um	sistema	multipartidário,	prefiram	o	futuro	ao	presente	é	verdadeira,	pois	“ser	parte
do	governo	traz	ganhos	e	perdas.	Para	alguns	partidos	os	ganhos	sobrepujam	as	perdas,	e	para	outros	o
inverso	 é	 verdadeiro	 (Ibidem,	 p.	 37)”.	 Entrementes,	 para	 concluir,	 essa	 estratégia	 pode	 ser	 de	 alguns
partidos	nas	duas	formas	de	governo,	mas	não	é	de	todos	num	sistema	multipartidário,	porque,	se	fosse,
não	haveria	qualquer	sentido	na	luta	pelo	controle	do	executivo.	Assim,	então,	a	disposição	de	ser	ou	não
ser	governo	é	medida	pelos	custos	e	ganhos	que	incorram	sobre	o	partido.	Mas,	apostar	no	fracasso	do
governo	 pode	 incorrer	 em	 custos	maiores	 do	 que	 apoiá-lo.	 Neste	 sentido,	 o	 preço	 do	 apoio	 leva	 em
consideração,	 pela	 liderança	 partidária,	 o	 peso	 de	 sua	 representação	 e,	 a	 quem	 deva	 interessar,	 o
fracasso	 do	 governo.	 Como	 exemplo	 da	 possibilidade	 de	 estruturar	 coalizão	 de	 governo	 no
presidencialismo	brasileiro,	afirmam	Figueiredo	e	Limongi	(Ibidem,	p.36):
suponhamos	 que	 o	 presidente	 possa	 compor	maioria	 se	 incorporar	 um	 dos	 três	 outros	 partidos	 com	 representação	 no
Legislativo	 que	 não	 o	 seu.	 Está	 claro	 que	 nenhum	 desses	 três	 partidos	 pode	 reivindicar	 uma	 parcela	 muito	 alta	 do
orçamento,	já	que	corre	o	risco	de	ser	‘passado	para	trás’	por	seu	competidor,	que	pode	exigir	menos	do	presidente	para
apoiá-lo.	 Temos	 assim	 um	 leilão	 ao	 inverso:	 temendo	 perder	 acesso	 a	 qualquer	 benefício	 do	 governo,	 os	 partidos	 são
levados	 a	 moderar	 suas	 demandas	 para	 vir	 a	 fazer	 parte	 da	 coalizão	 majoritária.	 O	 presidente	 tem	 a	 vantagem	 da
proposição:	como	ele	monopoliza	o	acesso	aos	recursos	públicos,	pode	tirar	vantagens	estratégicas	desse	controle.
4.	CONCLUSÃO
A	 atual	 conjuntura	 política	 nacional	 é	 sugestiva	 para	 uma	 conclusão	 acerca	 das	 assertivas	 e
equívocos	 das	 duas	 linhas	 de	 interpretaçãodo	 sistema	 político	 brasileiro.	 O	 descompasso	 entre	 o
legislativo	e	o	executivo	nos	remete	ao	questionamento	da	interpretação	segundo	a	qual	o	sistema	político
possui	um	cunho	majoritário,	com	preponderância	do	executivo	que,	a	partir	do	seu	poder	de	agenda	(que
de	 fato	existe),	 traduz-se	em	coesão	e	disciplina	partidária.	Nesse	 sentido,	portanto,	há	 três	principais
pontos	a	serem	evidenciados.	O	primeiro	diz	respeito	ao	grau	de	seletividade	dessa	agenda	do	executivo
aprovada	no	legislativo,	que	aparece,	a	posteriori,	como	indício	de	disciplina	e	coesão	partidária,	em
virtude	 do	 alto	 índice	 de	 concordância	 no	 interior	 dos	 partidos,	 deixa	 de	 lado	 uma	 consideração
fundamental	 para	 a	 compreensão	 da	 fragilidade	 dos	 partidos	 e	 do	 grau	 de	 consensualismo	 do	 sistema
político,	qual	seja	a	interação	dos	atores	e	os	trâmites	institucionais	capazes	de	evidenciar	os	altos	custos
em	termos	de	recursos	políticos,	as	múltiplas	recusas,	o	minimalismo	e	a	substancialidade	da	agenda	do
executivo	 referendada	 pelo	 legislativo	 (AMES,	 2003).	Assim,	 como	 afirmou	Giusti	Tavares	 (2002,	 p.
19):
[…]	a	votação	nominal	na	Câmara	dos	Deputados	constitui	apenas	o	momento	final,	que	formaliza	a	decisão	resultante	de
um	 demorado	 e	 complexo	 processo	 de	 negociações	 entre	 o	 chefe	 do	 poder	 executivo,	 os	 líderes	 partidários	 e	 suas
respectivas	bancadas	[…]
Portanto,	sem	a	análise	das	variantes	que	apontamos,	qualquer	conclusão	que	aponte	para	um	viés
majoritarista	ou	algo	parecido	constitui	um	equívoco.
O	 segundo	 ponto	 refere-se	 à	 análise	 de	 Limongi	 e	 Figueiredo	 que	 toma	 apenas	 uma	 variante
institucional	do	sistema	político,	que	é,	adotando	o	esquema	de	Lijphart,	a	dimensão	executivo-partido.
Caberia	saber	-	e	de	fato	sabemos	-	se	na	dimensão	institucional	federal-unitário,	os	governadores	ainda
são	um	peso	formidável	a	ser	consensuado	para	o	sucesso	de	qualquer	agenda	de	mudanças	do	governo
central,	o	que	nos	parece	afirmativo.	Também,	na	dimensão	considerada,	a	nova	configuração	da	revisão
judicial,	aliada	ao	alto	grau	de	constitucionalização	da	política	ordinária	na	Constituição	de	1988,	forma
um	outro	traço	de	democracia	de	consenso	(COUTO,	2004).
No	 terceiro	 ponto,	 uma	 questão	 a	 ser	 indagada	 diz	 respeito	 ao	 fato	 de	 saber	 qual	 o	 poder	 de
explicação	razoável	que	possui	uma	instituição	ou	um	conjunto	de	instituições	tomadas	isoladamente.	Isso
porque	os	resultados	de	um	sistema	político	particular	articulam-se	com	a	variedade	de	suas	instituições,
isto	 é,	 seus	 efeitos	 são	 compósitos	 (TAVARES,	 1994).	 Nesse	 sentido,	 cabe	 mencionar	 que	 as	 duas
interpretações	não	são	incompatíveis.	O’Donnell	tem	razão	quando	afirma	que	a	nova	frente	de	pesquisa
aberta	 por	 Limongi	 e	 Figueiredo	 constitui	 “terra	 incógnita”,	 mas	 imprescindível	 para	 preencher	 uma
lacuna	nos	 estudos	 políticos	 brasileiros.	Grande	 parte	 da	 literatura	 em	ciência	 política	 até	meados	 da
década	de	90	privilegiaram	o	“aspecto	externo”	do	sistema	político.	A	visão	externalista	dissecou	com
acuidade	os	aspectos	institucionais,	notadamente	a	legislação	eleitoral,	incentivadores	do	individualismo
dos	políticos	em	detrimento	da	 institucionalização	dos	partidos	(LAMOUNIER,	1989).	Os	altos	custos
políticos	para	formação	de	maiorias	governativas	eram,	sem	muita	reserva,	imputados	diretamente	a	este
aspecto	das	 instituições.	A	nova	 frente	de	estudos,	 a	 “terra	 incógnita”,	 evidencia	 a	necessidade	de	um
enfoque	institucional	multivariante	para	compreender	os	efeitos	compósitos	do	sistema.	Se,	por	um	lado,
o	 equívoco	 de	 uma	 pretensão	 de	 explicação	 global	 parece	 colocar	 em	 campos	 opostos	 as	 duas
interpretações,	por	outro,	notou	que	o	sistema	político	não	se	constitui	em	um	caos.	Embora	custoso,	é
possível	 a	 construção	 de	 coalizões	minimamente	 eficiente.	Mas,	 o	mais	 importante	 na	 combinação	 da
interpretação	externalista	com	a	internalista	é	que	ela	permite,	por	ser	mais	cumulativa,	dissipar	de	vez	a
ilusão	 de	 panaceia	 em	que	 estiveram	 imbuídas	 as	 intenções	 de	 reformas	 institucionais	 no	Brasil,	 que,
muitas	vezes,	desconhecia	o	funcionamento	das	instituições	existentes.	Desfez-se,	sobretudo,	a	proposta
majoritarista	que	poderia	constituir	em	fator	de	injustiça	política	e	comprometer	o	consenso	sobreposto
que,	 na	 acepção	 de	 Rawls	 (2000),	 é	 o	 objeto	 primeiro	 de	 uma	 democracia	 justa	 e,	 ao	 nosso	 ver,
consolidada.
CAPÍTULO	II
CRISE	DE	ESTADO	E	REFORMA	DAS	INSTITUIÇÕES	JUDICIAIS	NO
BRASIL
1	INTRODUÇÃO
É	conhecido	o	protagonismo	do	judiciário	em	momentos	fundamentais	da	história	contemporânea.
Em	momentos	como	o	da	vigência	da	República	de	Weimar	quando	os	tribunais	se	destacaram	na	punição
da	violência	e	dos	crimes	do	extremismo	de	esquerda	e	de	direita.	Também,	um	caso	paradigmático,	para
ficarmos	 nesses	 dois,	 a	 suprema	 corte	 tentou	 anular	 a	 implantação	 do	Estado	 de	 bem-estar	 social	 nos
EUA,	o	programa	do	New	Deal.	Entretanto,	o	que	distingue	esses	momentos	do	novo	protagonismo	do
poder	 judiciário	 nas	 sociedades	 contemporâneas	 é	 que,	 no	 passado,	 a	 intervenção	 deste	 deu-se	 sob	 a
égide	 do	 conservadorismo,	 impedindo	 a	 implantação	 de	 agendas	 políticas	 progressistas	 calcadas	 no
positivismo	 jurídico.	 Acresce,	 ainda,	 que	 essa	 intervenção	 não	 constituiu	 uma	 constante,	 mas	 apenas
posicionamentos	 esporádicos	 em	 momentos	 de	 transformações	 profundas	 e	 de	 dissolução	 do	 tecido
social.
A	 nova	 configuração	 da	 intervenção	 do	 poder	 judiciário	 advém	 das	 transformações	 que	 esse
sofreu	 no	 Estado-Providência.	 Convém	 destacar,	 sucintamente,	 dois	 pontos	 que	 são	 relevantes	 na
transformação	 do	 judiciário	 do	 período	 liberal	 para	 o	 providencial.	 Primeiro,	 no	 Estado	 liberal,	 o
judiciário	está	 limitado	a	agir	de	acordo	com	o	princípio	da	subsunção-formal	na	qual	a	aplicação	do
direito	deve	obedecer	 à	 subsunção	 lógica	da	 facticidade	à	normatividade,	não	podendo,	portanto,	 agir
contra	legem,	ou	seja,	limitando-se	à	função	de	cumprimento	da	lei	a	partir	do	princípio	da	legalidade.
Segundo,	 a	 disponibilidade	 dos	 direitos	 está	 submetida	 ao	 individualismo	 que	 caracterizou	 o	 Estado
liberal	no	sentido	de	que	a	 litigiosidade	ocorre	entre	 indivíduos	e	não	entre	coletividades	e	sua	 tutela,
exceto	para	o	direito	penal,	que	não	é	requerida	pelo	Estado.
Entrementes,	 esses	 princípios	 são	 rompidos	 no	 Estado-Providência.	 Em	 relação	 ao	 primeiro
ponto,	 cabe	 destacar	 que,	 a	 partir	 de	 então,	 a	 rígida	 divisão	 dos	 poderes	 do	 Estado	 dá	 lugar	 a	 uma
dilatação	 com	 clara	 predominância	 do	 poder	 executivo,	 traduzindo-se	 numa	 explosão	 legislativa	 que
rompe	os	 limites	clássicos	da	produção	da	 lei	e	entra	em	confronto	com	o	âmbito	 judicial	clássico.	O
Estado-Providência	 caracteriza-se	 pela	 sua	 face	 promocional	 do	 bem-estar	 consagrado	 na	 afirmação
constitucional	dos	direitos	sociais	e	econômicos	e,	com	esses,	como	afirmam	Souza	Santos	(1996,	p.	34)
“a	 liberdade	 a	 proteger	 juridicamente	 deixa	 de	 ser	 um	 mero	 vínculo	 negativo	 para	 passar	 a	 ser	 um
vínculo	 positivo,	 que	 só	 se	 concretiza	 mediante	 prestações	 do	 Estado”.	 Assim,	 o	 Estado	 assume	 a
dianteira	 dos	 conflitos	 entre	 a	 igualdade	 de	 fato	 e	 a	 igualdade	 formal.	 Em	 relação	 ao	 segundo	 ponto,
ainda	recorrendo	a	Santos	(Idem,	p.34)	“a	distinção	entre	litígios	individuais	e	litígios	coletivos	torna-se
problemática	 na	 medida	 em	 que	 os	 interesses	 individuais	 aparecem,	 de	 uma	 ou	 de	 outra	 forma,
articulados	 com	 interesses	 coletivos”.	 A	 emergência	 dos	 direitos	 coletivos	 traz	 consigo	 uma	 nova
titularidade,	 qual	 seja	 a	 indisponibilidade	 ou	 a	 possibilidade	 de	 esses	 representarem	 ameaça	 política
séria,	levando	o	Estado	a	requerer	a	tutela	e,	nesse	sentido,	romper	o	individualismodo	direito	liberal,
mas	burocratizando	os	direitos	coletivos.
É	importante	notarmos	que	é	nesse	esteio	que	o	judiciário	toma	uma	forte	conotação	política	e	a
política,	 por	 seu	 turno,	 torna-se	 fortemente	 judicializada.	 A	 nova	 configuração	 do	 judiciário	 funda-se
numa	ampla	e	profunda	compreensão	da	necessidade	de	controle	da	legalidade	e,	dentro	dessa	afirmação,
não	só	do	Estado	do	direito	(liberalismo	clássico)	como	do	Estado	de	direito	(novo	constitucionalismo),
cuja	constitucionalização	do	direito	ordinário	figura	como	garantia	da	cidadania	e	claro	limite	à	vontade
das	 maiorias	 governativas	 (GARAPON,	 1996).	 Outra	 distinção	 importante,	 na	 atualidade,	 ainda	 de
acordo	com	o	autor,	é	o	domínio	dessa	intervenção	judiciária,	que	migra	das	esferas	civil,	administrativa
e	trabalhista	para	a	criminal.	Isso	não	quer	dizer	que	os	demais	domínios	foram	abandonados,	mas,	pelo
contrário,	 foram,	 em	 grande	 medida,	 juntamente	 com	 a	 política,	 criminalizados	 sob	 a	 forma	 da
responsabilização	 dos	 agentes	 do	 poder	 público.	 Nesse	 sentido,	 o	 combate	 ao	 abuso	 de	 poder	 dos
agentes	 políticos	 e	 o	 garantismo	 da	 política	 ordinária	 fundada	 sob	 a	 normatividade	 constitucional
traduzem-se	em	um	duplo	conflito	de	judicialização	da	política	e	politização	das	instituições	de	justiça,
que	 tem	no	seu	bojo	a	possibilidade	de	 transformações	ensejadas	pelas	maiorias	eleitas	e	a	defesa	de
direitos	sociais	ou	corporativos	conquistados.
O	fenômeno	da	judicialização	da	política	e	politização	da	justiça	caracteriza-se	pela	utilização	de
métodos	típicos	da	decisão	judicial	na	resolução	de	conflitos	e	demandas	na	esfera	política,	mas	também
como	um	fenômeno	disseminado	nas	relações	sociais	(TATE	&	VALLINDEDE,	1995).	Portanto,	há	duas
variáveis	 desse	 processo:	 primeiramente,	 a	 expansão	 do	 papel	 dos	 tribunais	 na	 revisão	 judicial	 de
normas	 oriundas	 dos	 poderes	 legislativos	 e	 executivos,	 no	 esteio	 da	 constitucionalização	 de	 direitos
individuais	 e	 sociais,	 como	 já	 notamos,	 e	 dos	 mecanismos	 de	 checks	 and	 balances;	 e,	 segundo,	 a
incorporação	de	procedimentos	próprios	da	decisão	judicial	na	prática	dos	demais	poderes.	Os	exemplos
mais	 evidentes	 são	 os	 tribunais	 e	 juízes	 administrativos	 ligados	 ao	 poder	 executivo	 e	 à	 comissões
parlamentares	de	inquérito	incorporadas	ao	poder	legislativo.
Segundo	Garapon	 91996,	 P.	 23),	 a	 expansão	 da	 justiça	 não	 constitui	 um	 fenômeno	 conjuntural,
mas	está	relacionado	com	a	própria	dinâmica	das	sociedades	democráticas,	cuja	promoção	do	juiz,	antes
de	 ser	 uma	 escolha	 deliberada,	 representa	 uma	 reação	 contra	 a	 decadência	 “[…]	 política,	 simbólica,
psíquica	e	normativa”	depois	da	embriaguez	de	liberdade	representada	pelo	ideal	revolucionário.	Assim,
consequentemente,	 quanto	 mais	 aprofundar-se	 a	 emancipação	 da	 democracia,	 “mais	 ela	 procurará	 na
justiça	uma	espécie	de	proteção:	eis	a	unidade	profunda	do	fenômeno	da	vigorosa	ascensão	da	justiça”
(Idem,	 p.	 23).	 Nesse	 sentido,	 cabe	 ressaltar	 que	 o	 fenômeno	 da	 judicialização	 possui	 duas	 faces	 de
colonização	da	política.	Uma	delas	como	um	processo	difuso	nas	relações	sociais,	no	qual	o	método	da
justiça
fornece	 à	 democracia	 seu	 novo	 vocabulário:	 imparcialidade,	 processo,	 transparência,	 contraditório,	 neutralidade,
argumentação	 etc.	 O	 juiz	 –	 e	 a	 constelação	 de	 representações	 que	 gravitam	 à	 sua	 volta	 –	 confere	 à	 democracia	 as
imagens	capazes	de	dar	forma	nova	à	ética	da	deliberação	coletiva	(Ibidem,	p.	42).
Dessa	forma,	ainda	segundo	Garapon,	operou-se	uma	evolução	do	centro	de	gravidade	da	esfera
democrática	para	a	da	justiça,	uma	exterioridade	na	qual	os	métodos	da	justiça	são	reconhecidos	como
mais	apropriados	para	realizar	“uma	ação	coletiva	justa”.	Para	o	autor,	a	perda	da	confiança	no	político
enaltece	 o	 ideal	 de	 imparcialidade	 que	 pertence	 ao	 vocabulário	 da	 justiça	 que,	 por	 sua	 vez,	 “[…]
encarna,	hoje	em	dia,	o	espaço	público	neutro,	o	direito,	a	referência	da	ação	política,	e	o	juiz	o	espírito
público	desinteressado	(Ibidem,	p.	42)”.	Portanto,	o	fenômeno	da	judicialização,	como	já	mencionamos,
apresenta	 dois	 modos	 de	 colonização	 do	 político,	 já	 que	 a	 expansão	 do	 poder	 judiciário	 nas
competências	 dos	 demais	 poderes	 e	 a	 utilização	 de	 métodos	 próprios	 da	 decisão	 judicial	 na	 esfera
política	engendram	uma	relação	de	reciprocidade.	Ou	seja,
a	politização	do	pensamento	judicial	só	encontra	o	seu	equivalente	na	judicialização	do	discurso	político.	As	reivindicações
políticas	exprimem-se	mais	facilmente	em	termos	jurídicos	do	que	em	termos	ideológicos.	Os	direitos	individuas	e	formais
suplantando,	assim,	os	direitos	coletivos	e	substanciais	(Ibidem,	p.	42).
A	 outra	 face	 de	 colonização	 da	 política	 refere-se	 ao	 surgimento	 do	 ativismo	 judicial	 e	 a
intervenção	da	justiça	na	esfera	política	que,	colonizando	o	poder	político	soberano,	emerge	da	crise	da
lei	na	acepção	do	positivismo	jurídico.	Como	expressão	da	soberania	popular,	a	lei	já	não	compreende
uma	simetria	entre	a	sua	forma	e	a	realidade.	Essa	crise	advém	de	dois	fatores	convergentes:	a	inflação
de	 leis,	 cujo	 conteúdo	 é	 abstrato	 e	 rígido,	 e	 a	 desnacionalização	 do	 direito,	 a	 partir	 das	 fontes
supranacionais.	A	lei	não	se	confunde	mais	com	o	direito.	Não	obstante	manter	com	ele	relação,	“[…]	já
não	pode	pretender	fundar	sozinha	o	sistema	jurídico”	(Ibidem,	p.	42).	Torna-se	necessário	recuperar	sua
destreza	e	isso	só	é	possível	se	ela	for	concebida	não	só	como	norma,	mas	enquanto	princípio.	Ou	seja,
ao	juiz	incumbe	a	tarefa	de	encontrar	esses	princípios	em	fontes	externas	ao	direito	e	atualizar	a	obra	do
constituinte.
No	 Brasil,	 o	 poder	 judiciário	 só	 alcança	 a	 autonomia	 funcional	 e	 administrativa	 na	 transição
democrática,	sobretudo	o	seu	órgão	de	controle	constitucional,	o	Supremo	Tribunal	Federal,	e	seu	órgão
de	 provocação,	 o	Ministério	 Público.	No	 entanto,	 a	 transição	 brasileira,	 como	 todas	 as	 transições	 na
América	 Latina,	 teve	 um	 caráter	 duplo,	 ou	 seja,	 ao	mesmo	 tempo	 em	 que	 a	 sociedade	 reconquista	 os
direitos	políticos	e	sociais,	e	com	isso	as	classes	populares	passam	a	disputar	uma	melhor	inserção	na
economia	nacional,	está	em	curso	a	crise	do	modelo	de	Estado	que	emerge	nos	anos	trinta	(SALLUM	JR.,
1994).	Os	anos	80	e	90	são	marcados	pela	crise	mundial	do	Welfare	State	nos	países	desenvolvidos	e,
pela	mesma	crise,	embora	distinta,	nos	países	de	economia	e	 sociedades	 reguladas,	como	é	o	caso	do
Brasil,	com	o	modelo	Nacional-Desenvolvimentista	(SANTOS,	1985).	Essa	crise	expressa-se	pelo	baixo
crescimento	econômico	e	pelo	colapso	fiscal	do	Estado	frente	a	uma	equação	insolúvel,	qual	seja	fazer
frente	a	uma	despesa	crescente	das	prestações	estatais,	as	mais	diversas,	com	uma	receita	decrescente
pela	 incapacidade	 de	 extração	 de	 recursos	 em	 razão	 da	 crise	 cíclica	 do	 capitalismo.	 No	 esteio	 do
processo	 de	 globalização	 econômica	 e	 financeira,	 o	 ocidente	 passa	 a	 praticar	 uma	 política	 de
liberalização	comercial,	com	liberalização	de	preços	e	privatização	de	empresas	estatais	como	forma	de
modernizar	a	economia	a	partir	da	competição	comercial	e,	com	isso,	sanar	o	déficit	público	crescente.
Portanto,	 a	 crise	 do	Estado,	 nas	 décadas	 referidas,	manifesta-se,	 também,	 na	 forma	 de	 intervenção	 do
Estado	na	economia	e	na	sociedade,	ou	seja,	na	forma	burocrática	da	administração	estatal.	De	acordo
com	Bresser	Pereira:
manifestações	 mais	 evidentes	 do	 imobilismo	 do	 Estado	 foram	 a	 crise	 fiscal,	 o	 esgotamento	 das	 suas	 formas	 de
intervenção	e	a	obsolescência	da	forma	burocrática	de	administrá-lo.	A	crise	fiscal	definia-se	pela	perda	em	maior	grau
de	crédito	público	e	pela	incapacidade	crescente	do	Estado	de	realizar	uma	poupança	pública	que	lhe	permitisse	financiar
políticas	públicas.A	crise	do	modo	de	 intervenção	manifestou-se	de	 três	 formas	principais:	a	crise	do	welfare	state	 no
primeiro	 mundo,	 o	 esgotamento	 da	 industrialização	 por	 substituição	 de	 importações	 na	 maioria	 dos	 países	 em
desenvolvimento,	e	o	colapso	do	estatismo	nos	países	comunistas.	O	caráter	superado	da	forma	burocrática	de	administrar
o	Estado	manifestou-se,	de	um	lado,	nos	custos	crescentes	da	máquina	estatal,	e,	de	outro,	na	baixa	qualidade	dos	serviços
prestados	ao	cidadão	(1997,	p.	20).
Nesse	sentido	é	que	a	agenda	de	reformas	proposta	ou	implantada	comporta	uma	diversidade	de
conflito	com	o	poder	judiciário,	por	diversas	razões	que	descreveremos,	brevemente,	a	partir	de	agora.
Em	primeiro	 lugar,	o	poder	 judiciário	 realizou	na	constituição	de	1988	o	projeto	de	autonomia
funcional	 e	 administrativa	 como	 reza	 o	 modelo	 burocrático	 liberal.	 Dessa	 forma,	 o	 judiciário	 tem
autonomia	 para	 compor	 seus	 órgãos	 dirigentes,	 tem	 iniciativa	 na	 elaboração	 de	 sua	 proposta
orçamentária	 e	 dos	 projetos	 de	 lei	 que	 alteram	 sua	 estrutura,	 assim	 como	 as	 garantias	 clássicas	 da
magistratura,	 tais	 como	 a	 inamovibilidade	 e	 a	 irredutibilidade	 dos	 vencimentos	 dos	 seus	 membros
(KOERNER,	 2002).	 A	 autonomia	 institucional	 do	 judiciário	 no	 novo	 contexto	 democrático	 brasileiro
dotou	este	poder	de	um	ativismo	judicial	jamais	visto	na	história	republicana.
Em	segundo	lugar,	para	além	dos	empecilhos	materiais	do	poder	de	reforma	e	as	cláusulas	pétreas
de	 organização	 do	 Estado,	 como	 a	 forma	 Republicana,	 o	 Federalismo,	 a	 organização	 tripartite	 e	 os
direitos	fundamentais,	próprios	do	constitucionalismo	liberal,	a	constituição	brasileira	é	muito	detalhista
e	possui	um	alto	teor	de	constitucionalização	de	instrumentos	de	política	ordinária	(COUTO;	ARANTES,
2004).	 Essa	 constitucionalização	 expressou	 a	 dificuldade	 de	 implementar	 políticas	 universalistas	 e	 o
caráter	 corporativo	 que	 tomou	 o	 Estado	 brasileiro	 na	 transição	 democrática	 (FARIA,	 1993;	MELLO,
2002).	Assim,	é	consenso	entre	os	estudiosos	do	assunto	que	a	nossa	democracia	é	mais	constitucional
que	 democrática,	 mais	 propensa	 a	 preservar	 as	 garantias,	 mesmo	 que	 corporativas,	 que	 as	 mudanças
requeridas	pelas	maiorias	eletivas	 (COUTO;	ARANTES,	2004;	MELLO,	2002).	Portanto,	os	governos
da	Nova	República	não	lograram	governar	sob	a	égide	da	política	ordinária,	mas	tiveram	sempre	diante
de	uma	agenda	constituinte,	que	requer	supermaiorias	para	exercer	a	governança	(COUTO,	1997),	e,	por
isso,	 o	 poder	 judiciário	 é	 levado	 a	 incorrer	 no	 domínio	 político	 como	 guardião	 das	 promessas
constitucionais.
Um	terceiro	ponto	é	que	o	poder	judiciário	constitui	um	órgão	burocrático	do	Estado	responsável
por	 distribuir	 justiça.	 Nesse	 sentido,	 toda	 e	 qualquer	 proposta	 de	 reforma	 do	 Estado	 (e	 do	 poder
judiciário	em	particular)	que	vise	a	conter	a	expansão	dos	gastos	do	Estado	afeta	o	poder	judiciário	não
só	em	suas	defesas	corporativas,	como	aquelas	relacionadas	a	sua	autonomia	funcional	e	administrativa,
como	também	o	mobiliza	enquanto	guardião	da	nova	cidadania.
Nesse	plano,	o	objetivo	deste	artigo	é	discutir	a	reforma	do	judiciário	no	quadro	geral	da	reforma
do	Estado	brasileiro.	Na	primeira	parte	do	texto,	discutiremos	a	nova	configuração	do	poder	judiciário,
na	 sua	 dimensão	 política,	 na	 Nova	 República,	 assim	 como	 as	 críticas	 e	 propostas	 de	 reformas.	 Na
segunda	 parte	 do	 texto,	 discutiremos	 o	 judiciário	 na	 sua	 dimensão	 burocrática,	 cujo	 foco	 é	 dado	 ao
problema	do	acesso	à	justiça	e	da	eficiência	na	prestação	jurisdicional.	Também	destacaremos	as	críticas
e	propostas	de	reformas	nessa	dimensão.	Na	terceira	parte	do	texto,	concluiremos	apontando	as	mudanças
na	 balança	 do	 poder	 nacional	 e	 a	 aprovação	 da	 reforma	 do	 judiciário	 no	 governo	 do	 Partido	 dos
Trabalhadores.	Analisaremos	os	principais	pontos	da	Emenda	Constitucional	nº	45,	que,	depois	de	13
anos	de	tramitação	no	Congresso,	foi	aprovada	em	17	de	novembro	de	2004.
2	O	PODER	JUDICIÁRIO	E	A	CRISE	DO	ESTADO	BRASILEIRO:	CONFLITOS
DE	RACIONALIDADES
O	poder	 judiciário	 tornou-se	a	garantia	dos	novos	direitos	diante	de	um	Estado	pouco	eficiente
em	virtude	da	crise	fiscal	e	de	regulação	socioeconômica.	Surge,	assim,	um	conflito	de	racionalidade	no
qual,	de	um	lado,	as	forças	políticas	no	interior	da	estrutura	estatal	tentam	conter	a	insolvência	do	Estado
e,	do	outro,	o	poder	 judiciário,	enquanto	órgão	estatal,	 lança-se	à	 tarefa	de	defesa	das	novas	franquias
políticas	e	sociais.
Uma	 das	 variáveis	 do	 processo	 de	 interferência	 política	 do	 judiciário	 é	 representada	 pelo
controle	 abstrato	 da	 constitucionalidade	 das	 leis	 e	 atos	 normativos	 dos	 agentes	 do	 poder	 público
atribuído	ao	Supremo	Tribunal	Federal.	A	reorganização	do	judiciário	na	redemocratização	levou	a	cabo
a	combinação	do	modelo	difuso-incidental,	próprio	da	estrutura	da	Primeira	República,	com	o	modelo
concentrado,	 própria	 de	 países	 europeus,	 de	 controle	 da	 constitucionalidade	 das	 normas	 emanadas	 do
poder	 político.1	 Assim,	 na	 constituição	 de	 1988,	 a	 solução	 para	 o	 controle	 constitucional	 foi	 a
concentração	da	forma	direta	no	órgão	de	cúpula	do	judiciário,	o	STF.	Nesse	órgão,	o	controle	é	feito	a
partir	de	ação	direta	impetrada	por	uma	comunidade	com	prerrogativa	para	tal.	O	controle	direto	é	feito
em	tese	com	efeito	erga	omnes	da	norma.	Uma	das	mais	relevantes	inovações,	nessa	forma	de	controle,
foi	 a	 ampliação	dessa	 comunidade	de	 intérpretes	 da	 constituição,	 que	 antes	 era	 restrita	 ao	Procurador
Geral	da	República.
Na	sua	 forma	difuso-incidental,	o	controle	pode	ser	 feito	por	qualquer	agente,	 seja	coletivo	ou
individualmente,	nas	instâncias	inferiores	do	poder	judiciário.	No	entanto,	esse	é	o	controle	das	normas
cujo	efeito	só	vale	para	o	caso	concreto,	mas,	como	veremos,	tem	constituído	em	um	dos	elementos	que
aumentam	 sobremaneira	 o	 grau	 de	 conflitos	 entre	 o	 judiciário	 e	 as	 instâncias	 políticas	 diante	 da
implementação	de	agendas	de	reformas	que	não	levam	em	consideração	direitos	sociais	e	individuais.
É	 importante	 notarmos	 que	 o	 acesso	 ao	 STF	 na	 proposição	 de	 ação	 direta	 de
inconstitucionalidade	está	ao	alcance	de	atores	políticos	que	vão	desde	instituições	do	próprio	aparelho
estatal	à	sociedade	civil.	Isso	torna	o	STF	cada	vez	mais	relevante	na	mediação	de	conflitos	individuais
ou	coletivos	envolvendo	Estado	e	Sociedade,	ou	do	Estado	com	seus	entes	 interburocráticos	(VIEIRA,
1994).2	Embora	o	STF,	na	história	institucional	brasileira,	tenha	se	constituído	em	árbitro	da	federação
em	virtude	do	seu	modelo	centrípeto,	o	processo	de	conflito	entre	o	judiciário	e	as	instâncias	políticas,
algo	como	uma	judicialização	da	política	nos	moldes	descritos	pela	literatura	mencionada	na	introdução,
em	 tempos	 recentes,	 tem	 sido	 marcantemente	 protagonizado	 pelas	 minorias	 contra	 as	 coalizões
governamentais	 e	 sua	 explicação	está	no	processo	de	 transição	 e	 crise	do	Estado,	 como	 já	 apontamos
acima	(VIANNA,	1999;	ARANTES,	1997).
No	 entanto,	 cabe	 frisar	 alguns	 pontos	 desse	 conflito.	 Primeiro,	 no	 quadro	 de	 uma	 intensa
constitucionalização	de	franquias	sociais	e	instrumentos	de	política	ordinária	que	marcou	a	transição	e	o
processo	social	de	feitura	da	constituição	de	1988	é	que	o	judiciário	vai	se	tornando	um	dos	principais
atores	 na	 cena	 política	 nacional.	 Na	 verdade,	 é	 o	 dilema	 entre	 eficiência	 governamental	 e	 segurança
jurídica,	por	um	lado,	e	a	garantia	dos	direitos	sociais	e	individuais	que	o	trouxeram	para	os	marcos	de
uma	 reflexão,	 negando-o	 como	 uma	 simples	 instituição	 formal,	mas	 antes	 vendo	 nele	 um	 ator	 político
(ARANTES,	1997).	Isso	ocorre,	sobretudo,	porque	a	redemocratização	brasileira	deu-se	nos	marcos	do
modelo	econômico	que	vinha	dos	anos	1930,razão	da	crise	fiscal,	e,	nesse	sentido,	foi	nas	tentativas	de
reformas	 liberalizantes	 a	 partir	 dos	 anos	 1990,	 aliadas	 à	 busca	 do	 executivo	 federal	 em	 conter	 a
insolvência	econômica	pelo	desmoronamento	do	padrão	monetário	e	o	déficit	público	gigante,	que	se	deu
a	reação	de	atores	políticos	e	sociais	que	redescobriram	o	poder	judiciário,	notadamente	o	seu	órgão	de
controle	 constitucional.	 De	 acordo	 com	 Luís	Werneck	 Vianna,	 os	 governos	 de	 transição	 abusaram	 de
instrumentos	legislativos	pouco	convencionais	de	produção	da	lei	e	o	poder	judiciário	funcionou	como
mecanismo	 contra	 a	 tirania	 da	 maioria,	 traduzindo-se	 num	 agente	 racionalizador	 de	 medidas	 cuja
racionalidade	material	suplantou	a	racionalidade	do	direito.	Assim,	afirma	Vianna:
o	 cenário	 pós-constituinte,	 à	 exceção	 do	 governo	Collor,	 tem	 sido	 o	 da	 expressão	 concentrada	 da	 vontade	 da	maioria,
particularmente	nesses	dois	governos	de	Fernando	Henrique	Cardoso,	quando,	pelo	uso	continuado	e	abusivo	das	medidas
provisórias,	provoca-se	a	erosão	das	formas	clássicas	de	controle	parlamentar	da	produção	da	lei.	Foi	esse	o	contexto	que
veio	a	favorecer	a	concretização	dos	partidos	e	dos	sindicatos	no	exercício	de	intérpretes	da	constituição,	provocando	o
poder	judiciário	ao	desempenho	do	papel	de	um	tertius	capaz	de	exercer	funções	de	checks	and	balances	no	interior	do
sistema	 político,	 a	 fim	 de	 compensar	 a	 tirania	 da	maioria,	 sempre	 latente	 na	 fórmula	 brasileira	 de	 presidencialismo	 de
coalizão	(Idem,	p.	95).
Essa	 recorrência	 ao	 judiciário	 foi	 constante	 para	 as	 entidades	 classistas,	 sindicatos	 e
confederações	e	os	partidos	políticos.	Também	ocorreram	nas	instâncias	de	poder	estaduais.	No	caso	dos
partidos	 políticos,	 que	 constituem	 o	 indicador	 clássico	 da	 judicialização	 da	 política,	 sobretudo	 os	 de
esquerda,	o	 recurso	 ao	 judiciário	 constitui	 uma	defesa	de	 si	 enquanto	minorias	 e	 a	 racionalização	das
ações	governamentais,	assim	como	a	deflagração	de	um	processo	de	criação	jurisprudencial	do	direito
com	possibilidades	de	mudança	na	cultura	política.	Dessa	forma,	ainda	recorrendo	a	Vianna:
Tal	mudança	é	evidente,	por	exemplo,	ao	reconhecerem	novas	possibilidades	de	incremento	da	agenda	da	liberdade	e	da
igualdade	 em	um	cenário	 institucional	 extraparlamentar,	 abandonando	 a	 perspectiva	 tradicional	 de	 reconhecer	 no	 poder
judiciário	apenas	a	dimensão	do	controle	social	(Ibidem,	p.	95).
Para	 tanto,	 embora	 a	Ação	Direta	 de	 Inconstitucionalidade,	 quando	 aceita,	 implique	 em	 efeito
erga	omnes	 (contra	 todos),	não	constitui	em	store	decisis	 (em	precedente	 limitante)	em	todos	os	casos
análogos	 para	 os	 juízes	 inferiores	 (ARANTES,	 1997;	STEPAN,	 2002).	Assim,	 quando	 o	STF	declara
(in)constitucional	 uma	dada	 lei	 ou	 ato	 normativo	 emanado	 do	 legislativo,	 a	 declaração	 não	 tem	 efeito
vinculante	 e	 esse	 tem	 sido	 o	 ponto	 mais	 debatido	 e	 polêmico	 das	 propostas	 de	 reforma	 do	 poder
judiciário.	Deste	modo,	mesmo	declarando	 inconstitucional	 uma	dada	 lei,	 o	 ato	normativo	 advindo	do
poder	político,
no	 dia	 seguinte,	 centenas	 de	 queixosos,	 em	 circunstâncias	 praticamente	 idênticas,	 podem	 iniciar	 questionamentos
constitucionais	 para	 impedir	 que	 a	mesma	 lei	 de	 taxação	 ou	 a	mesma	 lei	 de	 desapropriação	 para	 reforma	 agrária	 que
acabou	 de	 ser	 declarada	 constitucional	 os	 afete.	 Muitas	 vezes	 dentro	 de	 uma	 semana	 numerosos	 juízes	 de	 primeira
instância	 terão	 emitido	 liminares	 impedindo	 que	 a	 lei	 entre	 em	 vigor	 contra	 os	 queixosos	 de	 seus	 tribunais	 enquanto	 o
processo	estiver	em	andamento	(Stepan,	2002,	p.	282).
Isso	é	o	que	se	convencionou	a	chamar	nos	meios	jurídicos	e	da	imprensa	em	geral	de	“indústria
de	liminares”,	bastante	exorbitada	pelo	forte	apego	dos	juízes	de	primeira	instância	aos	aspectos	formais
da	lei.3	Esse	fator	tem	sido	criticado	não	só	porque	torna	limitantes	as	possibilidades	de	implementação
de	 agendas	 reformistas	 como	 também	 pela	 razão	 direta	 do	 agravamento	 dos	 problemas	 da	 própria
eficiência	do	poder	judiciário	na	prestação	jurisdicional,	em	virtude	do	acúmulo	processual	que	percorre
todas	as	instâncias	do	judiciário	até	chegar	ao	STF.
Outra	instância	de	conflito	do	judiciário	com	o	poder	político	que	aproxima	o	Brasil	do	processo
global	de	judicialização	da	política	e	politização	da	justiça	é	representada	pelo	ativismo	do	Ministério
Público.	A	reconstrução	institucional	e	de	atribuições	do	Ministério	Público	brasileiro,	de	meados	dos
anos	70	à	atualidade,	caminhou	paralelamente	com	a	ampliação	do	leque	dos	chamados	direitos	difusos	e
coletivos,	 a	 quem	 competiu	 a	 tutela.	 É	 nos	 campos	 da	 autonomia	 administrativa	 e	 funcional	 e	 da
ampliação	 da	 gama	 dos	 direitos	 difusos	 e	 coletivos	 e	 a	 indisponibilidade	 destes	 que	 o	MP	 trilhou	 o
caminho	de	uma	reconstrução	vitoriosa	(ARANTES,	2002).	De	mero	apêndice	do	poder	executivo	o	MP
tornou-se	um	dos	principais	atores	 institucionais	da	cena	política	nacional.	Essa	autonomia	e	ampliada
competência	 na	 titularização	 dos	 novos	 direitos	 indisponíveis	 fizeram	 o	 MP	 mudar	 da	 condição	 de
defensor	do	Estado	a	defensor	da	sociedade,	enfim,	agente	político	da	lei	(ARANTES,	2002).
Destacaremos,	na	análise	referente	ao	MP,	dois	pontos	que	constituem	o	fulcro	da	investida	dessa
instituição	na	sua	afirmação	como	agente	político	da	lei	e,	consequentemente,	entrando	em	conflito	com	o
poder	político.4	O	primeiro	ponto,	de	acordo	com	Rogério	Arantes,	é	uma	visão	negativa	da	sociedade
civil,	 considerada	 hipossuficiente	 e	 incapaz	 de	 defender	 a	 si	 própria.	 Essa	 condição	 decorre	 do
alargamento	do	leque	dos	direitos	difusos	e	coletivos	e	a	tutelarização	destes	pelo	MP;	o	segundo	é	uma
visão	 negativa	 da	 classe	 política	 e	 do	 poder	 político,	 imputados	 de	 corruptos	 e	 de	 desrespeitar	 os
direitos	fundamentais	de	cidadania,	chamando	para	si	a	responsabilidade	pela	garantia	e	defesa	desses
direitos	 fundamentais	 frente	 à	 constituição.	 Combatendo,	 dessa	 forma,	 pela	 moralidade	 pública	 e
criminalizando	os	atos	de	corrupção	e	improbidade	administrativa.
Como	é	sabido,	o	Ministério	Público	tem	origem	nos	Estados	modernos	como	órgão	provocador
do	poder	 judiciário	decorrente	do	conceito	weberiano	de	monopólio	 legítimo	da	violência	 física	pelo
Estado.	Portanto,	ao	MP	compete	duas	atribuições	fundamentais,	qual	seja,	provocar	o	poder	judiciário
nos	 casos	 de	 Ação	 Criminal	 Pública	 e	 a	 tutela	 da	 Ação	 Civil	 dos	 chamados	 Direitos	 Individuais
Indisponíveis	 e	 os	 casos	 de	 indivíduos	 incapazes,	 sendo	 na	 primeira	 atuação	 como	 custos	 legis	 da
aplicação	 das	 leis	 e	 no	 segundo	 a	 tutela	 destes	 direitos	 em	 virtude	 da	 incapacidade.	 No	 entanto,	 no
Estado	de	direito	liberal,	os	casos	de	tutela	constituem	exceções,	isso	porque	os	ordenamentos	jurídicos
modernos	têm	ressaltado	não	só	a	autonomia	individual	quanto	à	disponibilidade	desses	direitos.	Dessa
forma,	o	que	distingue	 a	Ação	Criminal	Pública	 e	 a	Ação	Civil	 é	 a	 excepcionalidade	da	 segunda.	No
fundo,	são	semelhantes.	No	campo	civil,	a	incursão	do	MP	só	se	justifica	nos	termos	da	incapacidade	do
titular	ou	da	indisponibilidade	do	mesmo.
A	partir	dos	anos	70	e	80,	amplia	substancialmente	o	leque	legal	dos	direitos	difusos	e	coletivos.
Ao	mesmo	tempo,	esses	direitos	foram	reconhecidos	como	frágeis	e	a	sociedade	tida	como	incapaz	de
tomar	a	dianteira	como	titular.	Como	bem	salientou	Rogério	Arantes	(2002,	p.	29):
eis,	portanto,	os	termos	do	grande	paradoxo	que	caracteriza	a	evolução	recente	do	direito	brasileiro:	o	mesmo	processo,
nos	anos	de	1970	e	1980,	levou	a	maior	de	todas	as	rupturas	no	princípio	individualista	do	ordenamento	jurídico	tradicional,
com	o	reconhecimento	da	dimensão	coletiva	e	social	de	certos	conflitos,	qualificou	a	sociedade	civil	como	hipossuficientee	incapaz	de	agir	em	defesa	de	seus	próprios	direitos.
Desta	maneira,	a	reconstrução	institucional	do	MP	pode	ser	vista	a	partir	da	paulatina	ampliação
da	 atuação	 no	 processo	 civil,	 na	 esteira	 do	 surgimento	 de	 novos	 direitos	 cujos	 titulares	 foram
considerados	 juridicamente	 indisponíveis	 e	 incapazes.	 Nos	 anos	 70,	 esses	 direitos	 eram	 basicamente
referentes	 a	 questões	 de	 família,	 herança	 e	 sucessão.	A	 partir	 da	 década	 de	 80	 e	 90,	 passaram	 a	 ser
direitos	 difusos	 e	 coletivos,	 tais	 como	 meio	 ambiente,	 patrimônio	 histórico	 e	 cultural,	 direito	 do
consumidor,	 patrimônio	 público	 e	 probidade	 administrativa.	 Além	 desses,	 figuram	 ainda	 os	 serviços
públicos	como	saúde,	educação,	transporte,	segurança	e	lazer.
É,	 portanto,	 da	 ampliação	 desses	 direitos	 e	 das	 hipóteses	 de	 atuação	 no	 processo	 civil,	 sob	 a
égide	 do	 binômio	 incapacidade	 do	 titular	 e/ou	 indisponibilidade,	 que	 o	 MP	 vai	 se	 tornando	 agente
político	 da	 lei.	 Essa	 percepção	 da	 hipossuficiência	 da	 sociedade	 é	 um	 dos	 pontos	 invocados	 pelos
integrantes	 do	 MP	 como	 justificativa	 para	 a	 instituição	 tornar-se	 portadora	 legítima	 da	 tutela	 desses
novos	direitos.	Dessa	forma,	o	MP	deve	atuar	como	canal	de	acesso	à	justiça,	no	qual	cumpre	processar
demandas	 e	 solucionar	 conflitos	 coletivos,	 já	 que	 as	 instâncias	 políticas	 são	 viciadas	 e	 a	 sociedade
incapaz.5
Essa	percepção	permeia	o	imaginário	e,	em	grande	medida,	impulsionou	o	voluntarismo	político
dos	 integrantes	 do	 MP.	 Portanto,	 além	 da	 incapacidade	 da	 sociedade	 civil	 na	 defesa	 dos	 direitos
fundamentais,	o	poder	político,	além	de	não	ser	isento,	constitui-se	em	um	dos	violadores	desses	direitos.
Assim,	o	MP	não	só	clama	por	um	lugar	privilegiado	como	agente	político	da	lei,	supostamente	neutro	e
apolítico,	 como	 se	 denomina	 a	 única	 instituição	 capaz	 de	 defender	 a	 sociedade.	 Ou	 seja,	 em	 última
análise,	a	solução	para	o	dilema	dos	conflitos	coletivos	não	se	encerra	no	campo	político,	na	soberania
constituída	e	eletiva,	mas,	antes,	nesse	agente	político	da	lei	independente	de	controles	políticos.
Como	notamos,	a	arena	judiciária	seria	muito	mais	propícia	à	resolução	de	conflitos	da	sociedade
civil	 hipossuficiente	 do	 que	 a	 arena	 político-representativa.	 Como	 já	mencionamos,	 por	 estar	 fora	 de
controles	 políticos,	 esta	 arena	 afirma-se	 como	 uma	 instância	 imune	 aos	 vícios	 que	 imperam	 nas
instituições	políticas.	Ao	contrário,	nas	instituições	políticas,	impera	tanto	a	omissão	quanto	a	má	fé	no
trato	com	os	direitos	fundamentais	do	cidadão.	Dessa	forma,	como	notou	apropriadamente	Arantes	(Idem,
p.	132),	“como	muitas	vezes	o	agente	agressor	dos	direitos	coletivos	é	o	próprio	governo,	não	há	entre
promotores	e	procuradores	muita	esperança	de	que	as	instituições	políticas	sejam	capazes	de	deslanchar
qualquer	processo	consistente	de	efetivação	de	direitos	formais.	Mas,	entretanto,	além	dessa	descrença
no	 poder	 político,	 incluindo	 aí	 executivos	 e	 legislativos,	 contra	 esse	 pesa	 ainda	 a	 contestação	 da
discricionariedade	 administrativa	 e	 o	 não	 cumprimento	 de	 preceitos	 constitucionais	 nas	 situações	 de
escassez	de	recursos	públicos,	no	quadro	da	crise	fiscal	do	Estado	que	notamos.	Assim,	recorrendo	ainda
ao	autor,
[…]	 a	 alegação	 de	 restrição	 orçamentária,	 ou	 outros	 motivos	 normalmente	 invocados	 para	 sustentar	 decisões	 sobre
políticas	públicas	em	situação	de	escassez,	não	podem	afastar	da	apreciação	judicial	a	conduta	política	do	administrador
público,	segundo	a	opinião	dos	integrantes	do	Ministério	Público	(Ibidem,	p.	134).
É	nesse	âmbito	propício	que	emergem	as	promotorias	de	 justiça	da	cidadania	cujas	atribuições
básicas	 são	 obrigar	 os	 governos	 a	 efetivar	 os	 direitos	 constitucionais	 dos	 cidadãos,	 guiá-los	 pela
moralidade	 pública	 e	 probidade	 administrativa,	 respeitando	 o	 patrimônio	 público	 e	 social.	 A	 atuação
dessas	promotorias	tem	revelado	uma	das	mais	substanciais	faces	de	conflitos	do	poder	judiciário	com	o
poder	 político-representativo	 diante	 da	 sua	 atuação	 fundamentada	 estritamente	 na	 constituição	 e	 das
agendas	 de	 reformas	 dos	 governos	 pós-transição.	Muitas	 de	 suas	 ações	 contra	 os	 governos,	 além	 de
restringi-los	em	suas	discricionariedades	administrativas,	possuem	um	forte	apelo	de	 justiça	social,	ou
seja,	o	justo	prima	sobre	o	legal,	demonstrando	uma	face	marcantemente	política	no	trato	com	o	direito.
Cabe	 ressaltarmos	 que	 a	 atuação	 do	 MP	 no	 campo	 da	 moralização	 pública	 operou	 um
deslocamento	 da	 esfera	 civil	 para	 a	 criminal	 no	 tratamento	 da	 responsabilização	 de	 políticos	 e
funcionários	 públicos	 envolvidos	 com	 corrupção	 e	 improbidade	 administrativa	 (processo	 de	 âmbito
mundial,	 conforme	 vimos	 na	 introdução).	 É	 a	 partir	 da	 década	 de	 1990	 que	 vai	 se	 verificando	 esse
deslocamento	 no	 Brasil.	 A	 opção	 por	 essa	 via	 foi	 deliberadamente	 ensejada	 pelos	 membros	 da
instituição.	 Em	 parte,	 porque	 na	 esfera	 cível	 os	 processos	 contra	 políticos	 e	 funcionários	 públicos
envolvidos	com	irregularidades	no	trato	com	a	coisa	pública	passam	a	sofrer	com	a	não	efetivação	das
ações	 ensejadas	via	 ação	 civil	 pública,	 seja	pela	morosidade	do	poder	 judiciário	ou	pela	derrota	das
fundamentações	 dos	 promotores	 diante	 dos	 tribunais.	Uma	 outra	 explicação,	 de	 ordem	mais	 geral,	 diz
respeito	 à	 criminalização	 da	 política,	 a	 partir	 da	 substituição	 do	 princípio	 da	 responsabilidade
administrativa,	 que	 recai	 sobre	 autoridades	 públicas,	 pela	 processualística	 criminal,	 reduzida	 a	 sua
lógica	binária	de	vítima	e	agressor	(GARAPON,	1996).	O	tratamento	da	corrupção	no	âmbito	do	poder
político	depende,	para	implicar	em	condenação	de	administradores	públicos,	da	tipificação	do	ato	como
crime	de	responsabilidade,	mas,	entretanto,
apesar	 de	 os	 textos	 legais	 se	 preocuparem	 em	 revestir	 o	 processo	 de	 impeachment	 de	 procedimentos	 e	 garantias
tipicamente	 judiciais,	 o	 desenrolar	 dos	 casos	 concretos	 depende	 essencialmente	 da	 correlação	 de	 forças	 existentes
(ARANTES,	2002,	p.	150).
Um	outro	tratamento	advém	da	tipificação	das	irregularidades	cometidas	por	ocupantes	de	cargos
eletivos	como	crime	comum.	Entrementes,	as	dificuldades	aí	residem	no	foro	especial	de	que	gozam	os
possíveis	 réus.	No	 caso	 brasileiro,	 há	 uma	 terceira	 tipificação,	 não	 comum	em	outros	 países,	 que	 é	 a
improbidade	 administrativa,	 cujo	 efeito	 é	 semelhante	 ao	 crime	 de	 responsabilidade	 ou	 crime	 comum.
Mas,	ao	contrário	das	demais,	sua	grande	inovação
[…]	 é	 permitir	 que	 os	 ocupantes	 de	 cargos	 executivos	 (também	 outros	 cargos	 eletivos)	 sejam	 processados	 sem	 o
privilégio	de	foro	especial,	embora	uma	eventual	condenação	possa	ter	efeitos	graves	tais	como	a	perda	do	mandato	e	a
suspensão	dos	direitos	políticos,	por	oito	a	dez	anos	(Ibidem,	p.	150).
Isso	implica	dizer	que	é	na	justiça	de	primeiro	grau	(Federal	ou	Estadual)	que	se	dá	a	instância	de
julgamento,	 tendo	 como	 órgão	 de	 acusação	 o	 Ministério	 Público	 correspondente	 às	 instâncias
mencionadas.
Acresce-se	como	mais	um	elemento	que	fortaleceu	institucionalmente	o	MP	e	dotou-o	de	recurso
para	 intervir	 no	 campo	 político	 para	 reivindicar	 as	 garantias	 constitucionais	 diante	 de	 um	Estado	 em
crise	a	criação	dos	grupos	de	atuação	especial.6	Com	base	na	sua	autonomia	funcional	e	administrativa,	o
MP	 tem	 a	 prerrogativa	 de	 estabelecer	 uma	 política	 institucional.	Nesse	 sentido,	 os	 grupos	 de	 atuação
especial	 visam	 a	 combinar	 a	 autonomia	 individual	 dos	 promotores,	 bastante	 significativa,	 com	 uma
política	 institucional	que	vincule	as	ações	dos	promotores	que	atuam	em	primeira	 instância.	Ou	seja,	a
política	institucional	definida	para	esses	grupos	não	obriga	todosos	membros	da	instituição,	no	entanto,
ela	 contribui	 para	 amenizar	 os	 efeitos	 do	 individualismo	 sem	 acarretar	 prejuízos	 à	 independência
funcional.	Mas,	 esse	 fator	 tem	sido	alvo	de	críticas	 em	virtude	dos	danos	que	acarretam	ao	princípio,
clássico	para	a	magistratura,	do	promotor	natural.	Assim,
[…]	a	criação	de	grupos	especiais	altera	o	procedimento	normal	de	provocação	do	judiciário,	introduzindo	um	grupo	com
poder	 de	 iniciativa,	 sem	 vinculação	 a	 um	 lugar	 específico	 da	 jurisdição	 e	 com	 a	 possibilidade	 de	 atuação	 sobre	 todo
território	estadual	(Ibidem,	p.	150).
Isso	não	só	permite	uma	atuação	desvinculada,	 frontalmente	contrária	ao	princípio	do	promotor
natural,	 como	permite	uma	atuação	 seletiva,	 isto	é,	o	 sistema	 judicial	 é	 alterado	no	 seu	 funcionamento
normal	 já	 que	 os	 promotores	 detêm	 autonomia	 para	 definir	 linhas	 de	 investigação.	Além	 do	mais,	 os
resultados	podem	acarretar	ações	judiciais	ou	não,	dependendo	dos	promotores.
3	PROPOSTAS	DE	REFORMA	NA	DIMENSÃO	POLÍTICO/
CONSTITUCIONAL	DO	JUDICIÁRIO
A	 propalada	 reforma	 do	 judiciário	 entrou	 de	 fato	 no	 rol	 do	 conjunto	 de	 reformas	 gerenciais
destinadas	a	fazer	frente	à	crise	do	Estado	Nacional-desenvolvimentista,	saído	da	transição,	na	revisão
constitucional	de	1993.	Nessa	revisão,	prevista	pelo	Ato	das	Disposições	Constitucionais	Transitórias,	o
número	de	emendas	com	vistas	a	alterar	o	poder	 judiciário	e	 torná-lo	mais	eficiente	 foi	elevadíssimo,
cerca	de	3.917,	o	maior	de	todas	as	áreas	específicas.	A	falta	de	consenso	que	marcou	a	revisão	deve-se
ao	clima	político	instalado	no	país	a	partir	da	cassação	de	Fernando	Collor	e	o	caráter	 transitório	que
configurou	 o	 governo	 Itamar	 Franco.	Daí	 ter-se	mudado	muita	 pouca	 coisa	 na	 carta	 de	 1988	 (MELO,
2002).	Entretanto,	a	nova	hegemonia	instaurada	em	1994	com	a	coalizão	de	centro-direita	do	PSDB	com
o	 PFL,	 agregando	 posteriormente	 parte	 do	 PMDB	 e	 o	 PTB,	 leva	 a	 cabo	 uma	 agenda	 de	 reformas
profundas	 no	 Estado	 brasileiro.	 No	 entanto,	 nas	 instituições	 judiciárias,	 não	 encontra	 consenso	 para
reformá-las.	Mas,	a	partir	daí,	intensifica-se	o	debate	que,	de	certa	forma,	polariza-se	entre	as	propostas
gerenciais,	calcadas	em	recomendações	do	Banco	Mundial,	defendidas	pelo	governo,	e	as	propostas	das
organizações	da	magistratura	e,	até	certo	ponto,	aliadas	aos	partidos	de	esquerda,	como	o	PT.	Armando
Castelar	 (1999,	 P.	 387)	 descreve	 sucintamente	 os	 objetivos	maiores	 das	 reformas	 judiciais	 sugeridas
pelo	Banco	Mundial	a	muitos	países	em	desenvolvimento:
[…]	o	Banco	Mundial	 lista	 as	 três	 características	que	 se	deveriam	buscar	 com	a	 reforma	do	 judiciário:	 independência;
força,	isto	é,	instrumentos	para	implementar	suas	decisões;	e	eficiência	gerencial.	O	Banco	defende	a	independência	do
resto	do	governo	como	a	mais	 importante	das	 três,	por	ser	esta	essencial	para	garantir	que	o	executivo	 respeite	a	 lei	e
responda	por	seus	atos.	A	efetividade	do	judiciário	também	depende,	porém,	da	capacidade	de	implementar	suas	decisões.
Na	pratica,	 isso	significa	dispor	de	suficiente	por	de	coerção	não	apenas	em	termos	 legais,	mas	 também	em	termos	de
recursos	humanos	e	financeiros.
Essas	propostas	compõem	uma	agenda	de	mudanças	que	visam	à	eficiência	econômica	em	tempos
de	política	econômica	ortodoxa,	como	no	Brasil	pós-1994.	Discutiremos,	a	partir	de	agora,	as	principais
propostas	 que	 fizeram	 parte	 do	 debate	 da	 reforma	 do	 judiciário	 nos	 anos	 90,	 nomeando,	 quando	 for
possível,	 os	 principais	 interessados	 em	 aprová-las.	 Cabe,	 antes	 de	 tudo,	 dizer	 que	 as	 propostas	 de
reformas	estão	dispostas	nesse	texto	em	dois	eixos,	o	político	e	o	burocrático.
Dentre	 as	 propostas	 que	 visavam	 mudar	 o	 judiciário	 na	 sua	 dimensão	 propriamente	 política
destacam-se	as	que	reordenam	as	atribuições	do	Supremo	Tribunal	Federal	quanto	ao	controle	abstrato
da	constitucionalidade	das	leis,	a	criação	do	incidente	de	inconstitucionalidade,	a	criação	da	súmula	de
efeito	vinculante,	assim	como	a	criação	do	controle	externo	do	judiciário.
A	primeira	proposta	constitui	em	uma	das	mais	radicais	mudanças	institucionais	que	o	judiciário
poderia	passar.	Por	ela	o	STF	não	só	deixaria	de	ter	as	atribuições	de	tribunal	de	última	instância	como
também	seria	reduzido	o	seu	papel	na	revisão	judicial.	Ao	deixar	de	ser	tribunal	de	última	instância,	o
STF	desafogaria,	segundo	os	propositores,	e,	por	sua	vez,	deveria	ser	reformulado	o	papel	dos	tribunais
de	 justiça	 que	 se	 tornariam	 os	 destinatários	 dos	 recursos	 ora	 atribuídos	 ao	 STF.	 Quanto	 ao	 controle
abstrato	da	constitucionalidade	afirma	Sadek	(1997,	p.	313):
neste	arranjo	 institucional	não	caberia	ao	 judiciário	pronunciar-se	sobre	 toda	e	qualquer	questão,	possuindo,	portanto,	as
decisões	majoritárias	(a	provadas	no	congresso	ou	resolvidas	pelo	executivo)	prevalência	sobre	o	judiciais.	Ou	seja,	seria
reduzida	a	possibilidade	de	ativismo	do	judiciário	e,	ao	mesmo	tempo,	flexibilizados	os	preceitos	constitucionais.
Essa	 tentativa	 de	 reduzir	 o	 papel	 do	 judiciário	 na	 esfera	 política	 compõe	 parte	 da	 agenda	 de
reforma	gerenciais	de	 inspiração	do	Banco	Mundial.	Um	dos	maiores	defensores	dessa	proposta	 foi	o
Advogado-Geral	 da	União	no	governo	FHC,	Gilmar	Ferreira	Mendes,	 que	 seria	 indicado	Ministro	 do
STF	no	mesmo	período.
Na	magistratura	–	também	entre	juristas	e	no	Ministério	Público	–	e	entre	os	partidos	de	esquerda,
essas	 propostas	 soaram	 como	 golpe	 e	 foram	 duramente	 criticadas,	 assim	 como	 foram	 outros	 itens	 da
reforma.
A	 segunda	 proposta	 é	 referente	 ao	 incidente	 de	 inconstitucionalidade	 pelo	 qual	 o	 STF
determinaria	 a	 suspensão	 de	 processo	 diante	 de	 qualquer	 juiz	 ou	 tribunal	 que	 sucite	 arguição
constitucional,	voltando	a	ser	aplicada	após	manifestação	deste.	Essa	suspensão	é	determinada	mediante
a	 provocação	 do	 Procurador-Geral	 da	 República,	 da	 Advocacia-Geral	 da	 União,	 ou	 ainda	 pelo
Procurador-Geral	 ou	 Advocacia-Geral	 dos	 Estados.	 A	 crítica	 mais	 contundente	 a	 essa	 proposta,
proferida	tanto	por	associações	ligadas	à	magistratura	quanto	pelos	partidos	de	esquerda,	foi	aquela	que
vinculava	essa	mudança	ao	 instituto	da	avocatória	no	 regime	militar,	pelo	qual	 somente	o	Procurador-
Geral	da	República	estava	autorizado	a	propor	ação	de	inconstitucionalidade.	Esta	foi	uma	das	propostas
mais	 discutidas	 durante	 a	 revisão	 da	 constituição	 de	 1993.	 Originalmente,	 ela	 foi	 apresentada	 pelo
deputado	 Nelson	 Jobim	 (PMDB-RS),	 que	 se	 tornaria	 Ministro	 da	 Justiça	 do	 governo	 FHC	 e,
posteriormente,	 seria	 indicado	 Ministro	 do	 STF,	 passando	 a	 militar	 pela	 proposta	 no	 decorrer	 dos
últimos	11	anos.
A	 terceira	 proposta	 refere-se	 à	 súmula	 de	 efeito	 vinculante	 que	 tem	 como	 objetivo	 garantir	 a
segurança	 jurídica,	 por	 um	 lado,	 e	 aumentar	 a	 eficiência	 do	 poder	 judiciário	 quanto	 à	 prestação	 de
justiça.	 Segundo	 os	 seus	 defensores,	 como	 a	 outra	 já	 mencionada	 foi	 uma	 proposta	 defendida	 pelo
governo	FHC.	Por	este	mecanismo,	o	STF	deixaria	de	julgar	repetidas	vezes	os	mesmos	tipos	de	litígios
criando	 súmulas	 de	 efeito	 vinculante,	 ou	 seja,	 que	 devem	 ser	 seguidos	 pelas	 instâncias	 inferiores	 do
judiciário.	Pela	proposta	-	que	é	de	autoria	do	deputado	Hélio	Bicudo	(PT/SP),	prevê-se	o	seguinte:
súmulas	 vinculantes	 terão	 por	 objeto,	 a	 interpretação	 e	 a	 eficácia	 de	 norma	 determinadas,	 acerca	 das	 quais	 haja
controvérsia	atual	entre	órgãos	judiciários	ou	entre	esses	e	administração	pública	que	acarrete	grave	insegurança	jurídica
e	 relevante	multiplicação	de	processos	 sobre	questão	 idêntica	 e	 só	poderão	 ser	 editadas	mediante	decisão	 tomada	pelo
voto	de	três	quintos	dos	membros	do	Supremo	Tribunal	Federal	ou	dos	Tribunais	Superiores,	após	reiteradas	decisões	no

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