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Bases Moleculares da Ação dos Fármacos Alvo: Parede Celular Bacteriana: Antimicrobianos β-lactâmicos e Glicopetídeos Conjunto de apostilas de Química Farmacêutica II - UFRN Sumário 1 Descobrimento da penicilina 1 2 Mecanismo de ação das penicilinas 3 2.1 Elergia as penicilinas . . . . . . . . . . . . . . . 3 3 Espectro de ação das penicilinas 3 4 Resistência as penicilinas 5 4.1 As β-lactamases . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 4.2 Produção maior de transpeptidase . . . . . . . 5 4.3 Redução da afinidade por transpeptidase . . 5 4.4 Efluxo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5 4.5 Mutações e transferências genéticas . . . . . . 5 5 Métodos de síntese de penicilinas e análogos 6 5.1 Procedimento semissintético . . . . . . . . . . 6 6 REA das penicilinas 6 7 Análogos da penicilina 6 7.1 Susceptibilidade a acidez . . . . . . . . . . . . 6 7.1.1 1 - Tensão anelar . . . . . . . . . . . . . 6 7.1.2 2 - Grupo carbonila β-lactâmico al- tamente reativo . . . . . . . . . . . . . . 6 7.1.3 3 - Influência do grupo lateral acila . 7 7.2 Penicilinas mais resistêntes à acidez . . . . . . 7 7.3 Penicilinas resistente às β-lactamases . . . . . 7 7.4 Penicilinas de amplo espectro de ação . . . . 8 7.4.1 Aminopenicilinas . . . . . . . . . . . . . 9 7.4.2 Carboxipenicilinas . . . . . . . . . . . . 9 7.4.3 Ureidopenicilinas . . . . . . . . . . . . . 10 8 Sinergismo das penicilinas com outros fármacos 10 9 Cefalosporinas 11 10 REA das cefalosporinas 11 10.1 Criação de análogos com substituintes na posição 7 . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11 10.2 Cefalosporinas de primeira geração . . . . . . 11 10.3 Cefalosporinas de segunda geração . . . . . . 12 10.3.1 Cefamicinas . . . . . . . . . . . . . . . . 12 10.3.2 Oximinocefalosporinas . . . . . . . . . 12 10.4 Cefalosporinas de terceira geração . . . . . . . 12 10.5 Cefalosporinas de quarta geração . . . . . . . 12 10.6 Cefalosporinas de quinta geração . . . . . . . 13 11 Resistências às cefalosporinas 13 12 Outros antibióticos β-lactâmicos 14 12.1 Carbapenêmicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 12.2 Monobactâmicos . . . . . . . . . . . . . . . . . 15 13 Inibidores de β-lactamase 16 13.1 Ácido clavulânico . . . . . . . . . . . . . . . . . 16 13.2 Sulbactam e tazobactam . . . . . . . . . . . . . 16 13.3 Avibactam . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 16 14 Glicopeptídeos 16 15 Referências 19 1 Descobrimento da penicilina São muitos os antimicrobianos, todos com sua importante história. Porém, o descobrimento da penicilina é um exem- plo muito relevante para a Química Farmacêutica, sendo este digno de destaque. A história começou em 1921. Alexander Fleming (Figura 1), um bacteriologista escocês, que estava com um resfri- ado comum, inoculou placas de ágar com sua própria se- creção nasal para determinar a alteração da sua flora bacte- riana nasal. Por vários dias não apareceram colônias. Isto sugeriu a Fleming a presença de uma substância difundida na secreção nasal que afetou o crescimento das bactérias. Fleming deu o nome de lisozima a está substância. A liso- zima era uma enzima potente capaz de dissolver a parede celular e causar lise de bactérias Gram-positivas. A desco- berta de lisozima pavimentou o caminho para a descoberta acidental da penicilina. Figura 1: Grandes nomes na descoberta da penicilina No início de 1928, Fleming estava estudando a relação 1 entre a morfologia das colónias de Staphylococcus e sua vi- rulência. Antes de partir para as férias, ele inoculou colô- nias com Staphylococcus em placas de cultura e as empi- lhou no canto da sua bancada. Quando ele voltou, en- controu várias culturas contaminadas com mofo. Fleming descartou as placas contaminadas em uma bacia de Lysol. Porém, algumas placas de cultura ficaram acima do nível do líquido antisséptico, escapando do desinfetante. No dia seguinte, no processo de descrever suas experiências para um colega, Fleming desenterrou algumas placas de cultura anteriormente descartadas. Ao reexaminar uma delas no- tou a presença de mofo que influenciava a morfologia de colônias de Staphylococcus circundantes. Na proximidade do mofo havia um halo transparente similar ao visto an- teriormente com lisozima. O mofo continha propriedade antimicrobiana. Fleming, juntamente com seus assistentes Dr. Stuart Craddock e Sr. Frederick Ridley, tentaram purificar o agente de lítico, o qual apelidaram de "penicilina". Dilui- ções em série de extratos inibiam o crescimento dos Estafi- lococos, Streptococcus pyrogenes e culturas de Pneumococo. O extrato também foi aplicado diretamente aos tecidos ani- mais, especificamente nas feridas e nos olhos de humanos e não era tóxico nem irritante. Estas experiências lendárias formaram a base para a purificação subsequente de peni- cilina e para a criação do teste antibiograma. No entanto, Fleming não estendeu seu trabalho para o estudo clínico, pois não foi capaz de purificar a penicilina suficiente para os experimentos. Em 1939, 12 anos após a descoberta aterradora do Fle- ming, Howard Walter Florey (Figura 1), da Universidade de Oxford na Inglaterra, recrutou Ernst Chain para desen- volver as metodologias bioquímicas para estudar as propri- edades antimicrobianas dos fungos de Fleming (Figura 1). Entre vários mofos, eles selecionaram a cepa de Fleming, o Penicillium notatum, para um estudo mais aprofundados por causa da sua potente atividade antimicrobiana. Florey, Chain e oito colegas, tornaram-se lendários por causa dos progressos alcançados na penicilina em um período surpre- endentemente curto. Em agosto de 1940, eles relataram o uso bem-sucedido de penicilina para curar infecções em camundongos, ratos e gatos. Um ano depois, foi descrito extensivamente o primeiro uso clínico da penicilina em 10 seres humanos que infectados por S. aureus. Com o sucesso inicial, o grupo de Oxford estava pre- parado para entrar a próxima fase, um ensaio clínico em grande escala envolvendo 100 pacientes. Estes estudo fo- ram realizados nos Estados Unidos em 1941 no Northern Regional Research Laboratory em Peoria, Illinois. O forte investimento monetário permitiu a produção em massa da penicilina. Após os ensaios clínicos em larga escala na In- glaterra e nos Estados Unidos, em 1946 a penicilina estava finalmente disponível no mercado. Antes que a síntese total da penicilina podesse ser ten- tada restava a tarefa não trivial de elucidar a estrutura mo- lecular da penicilina. Na época se iniciou um fervoroso de- bate entre renomados químicos da época sobre duas pos- síveis estruturas para a penicilina. De um lado havia uma proposta que esta era uma oxazolona-tiazolidina proposta por Sir Robert Robinson (Prêmio Nobel de química, 1947) e ferozmente defendida por ele, e por químicos notáveis como Sir John Cornforth (Prêmio Nobel de química, 1975). A rival estrutural era a presença de uma anel β-lactâmico defendida pelos cientistas da Merck e por Ridley e Chain de Oxford. Apesar da evidência experimental para a exis- tência de um motivo estrutural β-lactâmico, na época era inconcebível a presença de uma estrutura tão tensa e rea- tiva em um produto natural. Foi somente após o brilhante trabalho da cristalógrafa Dorothy Crowfoot Hodgkin (Fi- gura 2) que a disputa foi finalmente a favor da estrutura de β-lactâmica em 1945, agradando seus entusiastas e dando fama para Dorothy e seus colegas de Oxford. Figura 2: Dorothy Hodgkin 1910-1994, determinou a es- trutura química da penicilina. Modelo 3D da penicilina em plástico e madeira. O trabalho feito na Northern Regional Research Labora- tory revelou também que diferentes cepas e condições dos meio de cultura resultam na produção de penicilinas di- ferentes. Florey e colaboradores demonstraram que suas cepas produziam principalmente 2-pentenilpenicilina (pe- nicilina F ou I) enquanto nos EstadosUnidos era principal- mente produzida a benzilpenicilina (penicilina G ou peni- cilina II)(Figura 3). H N NO O O HO S H H CH2 CH2 O CH2 R F G V 6-APA Figura 3: Estruturas das penicilinas naturais. O núcleo β-lactâmico, o ácido 6-aminopenicilânico (6- APA, Figura 4) provou ser a chave na síntese e modifica- ção de penicilina. Sheehan produziu a penicilina V (Fi- gura 3) pela acilação de 6-APA. Este importante trabalho abriu as comportas para a produção β-lactâmicos com ca- 2 deias laterais incomuns. Daí em diante, os compostos β- lactâmicos semissintéticos foram desenvolvidos sistemati- camente e continuamente. Figura 4: Estrutura 3D do núcleo ácido 6- aminopenicilânico (6-APA). 2 Mecanismo de ação das penicilinas As células bacterianas estão rodeadas por um envelope pro- tetor chamado parede celular (Figura 5). Dentre os princi- pais componentes da parede celular bacteriana está o pep- tidoglicano, uma macromolécula estrutural com uma dis- posição em rede. Esta fornece rigidez e suporte para pa- rede exterior da célula. A parede celular é formada pela reticulação de uma cadeia de peptidoglicano a outras ca- deias através da ação da enzima transpeptidase conhecida também como D-Ala-D-Ala carboxipeptidase ou proteína ligadora de penicilinas. Figura 5: Esquema simplificado da parede celular bacte- riana. Hexagonos representam o ácido N-acetilmurâmico (NAM) e a N-Acetilglicosamina (NAG). A penicilina evita a formação das cadeias cruzadas de pentaglicina. A penicilina mata as bactérias através da ligação cova- lente do anel β-lactâmico com a transpeptidase, inibindo a formação da ligação cruzada entre as cadeias de pepti- doglicano, impedindo assim a criação de parede celular intacta. Sem a parede celular, a célula bacteriana é vul- nerável a pressão da água no meio externa e morre rapi- damente. Como as células humanas não contêm parede celular, o tratamento com penicilina é muito pouco tóxico. A enzima transpeptidase está vinculada à superfície ex- terna da membrana celular e é semelhante a uma classe de enzimas chamadas de serinoproteinases, porque con- têm um resíduo de serina no sítio ativo e catalisa a hidró- lise de ligações peptídicas. No mecanismo normal (Figura 6), a serina atua como um nucleófilo para dividir a ligação peptídica entre as duas unidades de D-alanina incomuns em uma cadeia peptídica comum. A D-alanina terminal se afasta do site ativo, deixando a cadeia peptídica ligada ao sítio ativo. A fração pentaglicina de outra cadeia peptídica agora entra o sítio ativo fazendo a ligação entre a glicina terminal e o grupo de D-alanina, a serina é liberada para reiniciar o processo. A penicilina tem uma conformação semelhante a confor- mação do estado de transição da fração D-Ala-D-Ala du- rante a reação de formação da ligação cruzada. A trans- peptidase erroneamente reconhece a penicilina ao invés do D-Ala-D-Ala no sítio ativo. Uma vez acoplada, a penicilina está sujeita ao ataque nucleofílico pela serina (Figura 6). A enzima pode atacar o anel β-lactâmico da penicilina e o cli- var da mesma forma como fez com a ligação peptídica. No entanto, a penicilina é cíclica e a molécula não é dividida em duas, ficando presa ao sítio ativo. A hidrólise do grupo éster ligando a penicilina no sítio ativo não ocorre, pois a penicilina bloqueia o acesso da cadeia de pentaglicina e da água. Não há nenhum aminoácidos-D ou segmentos de D-Ala- D-Ala em qualquer proteína humana. Como a penicilina imita o agrupamento de D-Ala-D-Ala, isto fornece uma ex- plicação baixíssima toxicidade deste fármaco. É imprová- vel que qualquer serinoproteinase do corpo reconheça o segmento penicilina em si. A penicilina é seletiva para a enzima transpeptidase bacteriana e é ignorada por outras serinoproteases. Muitas bactérias, particularmente cocos Gram-positivos, produzem enzimas degradativas chamadas autolisinas que participam da remodelação normal da parede celular bac- teriana. Na presença de uma penicilina, a ação degradativa das autolisinas prossegue na ausência da síntese de parede celular. Assim, o efeito antibacteriano de uma penicilina é o resultado de ambos, a inibição da síntese da parede celu- lar e destruição da parede celular existente por autolisinas. 2.1 Elergia as penicilinas O anel β-lactama é um alvo para ataque nucleofílico por grupos amino de aminoácidos livres em proteínas, levando a abertura do anel formação de ligação covalente amida do grupo peniciloil (Figura 7). A configuração de penici- loil ligada covalentemente a grupos ε-amino dos resíduos de lisina constitui com mais de 90% dos hapetenos. As reações alérgicas mediadas por IgE causam as reações de hipersensibilidade, incluindo hipersensibilidade tardia. 3 Espectro de ação das penicilinas O espectro antibacteriano das várias penicilinas é determi- nado, em parte, pela sua capacidade de atravessar a pa- 3 Figura 6: (a) Mecanismo geral normal de ação da trasnpepetidase e (b) Inibição deste por meio das penicilinas. Figura 7: Mecanismo de formação do principal determi- nate alergênico peniciloil. rede celular com peptidoglicano bacteriano para alcançar as transpeptidases no espaço periplasmático. Fatores que determinam a susceptibilidade das transpeptidases a estes antibióticos incluem o tamanho, carga e hidrofobicidade do antibiótico β-lactâmico particular. Em geral, microor- ganismos têm paredes celulares que são facilmente atra- vessadas por penicilinas e, portanto, são suscetíveis a es- tes fármacos. Microrganismos Gram-negativos têm uma membrana externa, constituída por lipopolissacarídeo (en- velope) ao redor da parede celular que representando uma barreira para as penicilinas solúvel em água. No entanto, bactérias Gram-negativas têm proteínas inseridas na ca- mada de lipopolissacarídeo que atuam como canais cheios de água, chamadas porinas (Figura 8), para permitir o acesso ao interior da célula. Nota: Pseudomonas aerugi- nosa tem porinas restritivas, tornando este organismo in- trinsecamente resistente a muitos agentes antimicrobianos. Figura 8: Estrutura de superfície de uma bactéria Gram- negativa As porinas agem como poros através dos quais a água e nutrientes essenciais podem passar para atingir a célula. Pequenos fármacos como a penicilina também podem pas- sar por este canal, dependendo, contudo, da estrutura da porina, e das características da penicilina (ou seja, seu ta- manho, estrutura e a carga). Em geral, os fármacos que têm menos chance de passar através de porinas, são gran- des, têm uma carga negativa ou são hidrofóbicos. Em con- 4 traste, um fármaco hidrofílico e pequeno ou que pode exis- tim como um zwitterion passam. Portanto, as porinas de- sempenham um papel crucial controlando a quantidade de penicilina capaz de alcançar o espaço periplasmático entre a membrana externa e membranas celulares. Se o acesso é lento, a concentração de penicilina na enzima transpep- tidase pode ser insuficiente para inibi-la efetivamente. As penicilininas naturais (antistafilococcais), são obtidas da fermentações com o fungo Penicillium chrysogenum. A Penicilina G (benzilpenicilina) é a pedra angular da te- rapia para infecções causadas por um número de espiro- quetas, bacilos Gram-positivos e cocos Gram-negativos. A penicilina V tem um espectro semelhante da penicilina G, mas não é usado para tratamento de bacteremia por causa de sua má absorção. A penicilina V é mais estável que a penicilina G e é frequentemente usada por via oral no tra- tamento de infecções. 4 Resistência as penicilinas Cepas bacterianas variam em sua suscetibilidade à penici- lina. Algumas espécies, tais como estreptococos, são bas- tante vulneráveis, enquanto que uma bactéria como Pseu- domonas aeruginosa é particularmente resistente. Outras espécies, como S. aureus são inicialmente vulneráveis, mas adquirem resistênciaquando eles são expostos à penicilina durante um período de tempo. Existem várias razões para esta susceptibilidade variada. 4.1 As β-lactamases A presença de enzimas β-lactamase é o mecanismo mais importante pelo qual as bactérias ganham resistência à pe- nicilina. As β-lactamases são enzimas que sofreram mu- tação de transpeptidases sendo bastante semelhantes por natureza. Por exemplo, elas têm um resíduo de serina no sítio ativo e podem abrir o anel β-lactâmico da penicilina para formar uma ligação éster na estrutura. Ao contrário a enzima transpeptidase, β-lactamases são capazes de hidro- lisar a ligação éster e destruir o anel (Figura 9). Eles fazem isso tão eficazmente que 1000 moléculas de penicilina são hidrolisadas por segundo. Figura 9: Mecanismo de abertura do anel β-lactâmico. Algumas cepas bacterianas Gram-positivas são resisten- tes à penicilina porque eles podem lançar β-lactamases no ambiente circundante, tal que a penicilina é interceptada antes de chegar à membrana celular. A enzima eventual- mente dissipa através da parede celular e é perdida, então a bactéria tem que continuar gerando a enzima para man- ter a sua proteção. O Staphylococcus aureus é uma bactéria Gram-positiva que costumava ser suscetíveis à penicilina, mas 95% das cepas de S. aureus agora liberam β-lactamase que hidrolisa penicilina G. A maioria, se não todas, as bactérias Gram-negativas produzem β-lactamases que as tornam mais resistentes às penicilinas. Além disso, a β-lactamase lançada está presa no espaço periplasmático entre a membrana celu- lar e a membrana externa, porque ele não pode passar pela membrana externa. Como resultado, qualquer penici- lina, conseguindo penetrar a membrana exterior encontra uma maior concentração de β-lactamases do que haveria em bactérias Gram-positivas. Isto poderia sugerir, nova- mente, que todas as bactérias Gram-negativas devem ser resistentes à penicilina. No entanto, existem vários tipos de enzima β-lactamases produzidas por bactérias Gram- positivas e Gram-negativas que variam em sua seletividade ao substrato. Algumas são seletivas para penicilinas (peni- cilinases), algumas para cefalosporinas (cefalosporinases) e alguns para penicilinas e cefalosporinas. Os diferentes ní- veis da enzima e suas afinidades diferentes para diferentes β-lactamas explica as diferentes suscetibilidades das bac- térias Gram-negativas. 4.2 Produção maior de transpeptidase Algumas bactérias Gram-negativas, produzem quantidades absurdas de transpeptidase e penicilina é incapaz de inati- var todas as moléculas de enzima presentes. 4.3 Redução da afinidade por transpeptidase Existem várias formas da enzima transpeptidase presen- tes em qualquer célula bacteriana e estas variam na sua afinidade para diferentes β-lactamas. Diferenças nas pro- porções relativas destas enzimas entre espécies bacterianas geram, em parte, a variável suscetibilidade destas bacté- rias às diferentes penicilinas. Por exemplo, as primeiras cepas de S. aureus continham enzimas transpeptidase que tinham uma afinidade elevada para penicilina as inibindo eficazmente. As cepas resistentes à penicilina de S. au- reus adquiriram uma enzima transpeptidase chamada de proteína de ligação de penicilina 2a (PBP2a), que tem uma afinidade muito inferior às penicilinas. A presença de transpeptidases de baixa afinidade é também um problema com enterococos e pneumococos. 4.4 Efluxo Existem proteínas na membrana exterior de algumas bac- térias Gram-negativas que são capazes de bombear peni- cilina fora do espaço periplasmático, diminuindo assim a sua concentração e eficácia. A extensão do fenômeno va- ria de espécie para espécie e também depende da estrutura da penicilina. Esse fato é conhecido como um processo de efluxo. 4.5 Mutações e transferências genéticas Podem ocorrer mutações que afetarão quaisquer ou todos os mecanismos acima citados. Pequenas porções de DNA carregando os genes necessários para a resistência também 5 podem ser transferidas de uma célula para outra através de veículos genéticos chamados plasmídeos. Estes são peque- nos pedaços de DNA cromossômico circulantes extra bacte- rianos. Se o DNA transferido contém um gene que codifica para uma enzima β-lactamase ou algum outro método de resistência melhorada, então a célula destinatária adquire resistência. O material genético também pode ser transfe- rido entre células bacterianas por vírus ou pela utilização de DNA livre lançado pela bactérias lisadas. 5 Métodos de síntese de penicilinas e análogos Tendo estudado o mecanismo de ação da penicilina G e os vários problemas que causam a resistência, agora nós ire- mos olhar como análogos de penicilina G que podem ser sintetizados para melhorar a estabilidade e atividade. A síntese total da penicilina por Sheehan é muito longa e de baixo rendimento (1%) para ser prático. Os análogos são obtidos quase que exclusivamente por métodos de fermen- tação ou processos semissintéticos. Originalmente, a única maneira de preparar diferentes penicilinas era variar as condições de fermentação (Figura 3). Ao adicionar diferentes ácidos carboxílicos ao meio de fermentação se obtiam penicilinas com cadeias laterais acil diferentes (por exemplo, fenoximetilpenicilina). Infe- lizmente, há uma limitação para o tipo de ácido carboxílico que é aceita pela via biossintética (ou seja, somente ácidos, de fórmula geral RCH2CO2H. Estes, por sua vez, restritos a uma variedade de análogos aproveitáveis na via biossin- tética. A outra grande desvantagem era a natureza tediosa e demorada do método. 5.1 Procedimento semissintético Em 1959, Beechams isolou um intermediário biossintético de penicilina do Penicillium chrysogenum cultivada em um meio de fermentação que era deficiente em um ácido car- boxílico. O intermediário (ácido 6-aminopenicilânico; 6- APA) provou ser um dos intermediários sintéticos que She- ehan havia utilizado na síntese total, e então foi possível usá-lo para sintetizar um número enorme de análogos por um método semissintético. Assim, a fermentação rendeu 6- APA, que poderia ser tratado com uma gama de cloretos de ácido (Figura 10). A porçao 6-APA é agora produzido mais eficientemente por hidrólise penicilina G ou penicilina V ou com uma enzima (penicilina acilase). Também existe um método químico que permite a hidrólise da cadeia lateral na presença do anel β-lactâmico altamente tenso. 6 REA das penicilinas Devido ao grande número de análogos de penicilina exis- tentes podemos traçar a seguinte relação entre a estrutura e atividade biológica (Figura 11): • O anel β-lactâmico tensionado é essencial • O ácido carboxílico livre é essencial. Este geralmente está ionizado permitindo que as penicilinas são admi- nistradas como sais de sódio ou potássio. O íon carbo- xilato liga-se ao nitrogênio carregado de um resíduo de lisina no sítio de ligação (Figura 11); • O sistema bicíclico é importante. Este confere ainda mais pressão sobre o anel β-lactâmico, quanto maior for a tensão, maior a atividade, mas maior a instabili- dade da molécula a outros factores; • A cadeia lateral acilamino é essencial. O enxofre é usual, mas não essencial; • A estereoquímica do anel bicíclico no que diz respeito a cadeia lateral acilamino é importante. Resultados desta análise levam à conclusão inevitável de que é possível somente poucas variações no núcleo da pe- nicilina e que quaisquer variações são restritas à cadeia la- teral acilamino. 7 Análogos da penicilina Nesta seção consideramos os análogos de penicilina que provaram ser bem sucedidos na luta contra os problemas de instabilidade ácida, sensibilidade a β-lactamases e es- pectro de ação limitado. 7.1 Susceptibilidade a acidez Existem três motivos para a instabilidade frente ao meio ácido por parte das penicilinas. 7.1.1 1 - Tensão anelar O sistema bicíclico da penicilina consistede um anel de quatro membros fundido a um anel de cinco membros. Como resultado, a penicilina sofre grande tensão angular e torcional. A abertura do anel catalisada por ácido alivia destas tensões pela ruptura do anel β-lactâmico (Figura 12). 7.1.2 2 - Grupo carbonila β-lactâmico altamente rea- tivo O grupo carbonila no anel β-lactâmico é altamente sus- cetível a nucleófilos e não se comporta como uma amida terciária normal. O último é resistente ao ataque nucleo- fílico porque o grupo carbonila é estabilizado pelo átomo de nitrogênio vizinho, como mostrado na Figura 12. O ni- trogênio pode doar seu par de elétrons livre no grupo car- bonila para formar uma estrutura de ressonância dipolar com ângulos de 120◦. Esta estabilização de ressonância é impossível para o anel β-lactâmico devido ao aumento de tensão de ângulo que resultaria em ter uma ligação du- pla dentro de um anel β-lactâmico de quatro membros. Os ângulos de ligação preferencial para uma ligação dupla são 120◦, mas os ângulos do anel β-lactâmicos são limitados a 90◦. Como resultado, o par solitário é localizado no átomo de nitrogênio e o grupo carbonila é mais eletrofílico do que seria esperado para uma amida terciária. 6 Figura 10: Síntese de análogos semissintéticos da penicilina a partir do 6-APA isolado naturalmento. Figura 11: REA das penicilinas 7.1.3 3 - Influência do grupo lateral acila A figura 13 demonstra como o grupo acila vizinhos pode participar ativamente em um mecanismo para abrir o anel β-lactâmico. Assim, a penicilina G tem um mecanismo de autodestruição embutido em sua estrutura. 7.2 Penicilinas mais resistêntes à acidez Pode ser visto que combater a sensibilidade a acidez é uma tarefa difícil. Nada pode ser feito sobre os dois primeiros fatores, como o anel β-lactâmico é vital para a atividade antibacteriana. Portanto, apenas o terceiro fator pode ser combatido. A tarefa é reduzir a participação do grupo vi- zinho na degradação do anel β-lactâmico. Isto foi conse- guido colocando-se um grupo de retirador de elétrons na cadeia lateral para atrair os elétrons do oxigênio da carbo- nila e reduzir a sua tendência em agir como um nucleófilo (Figura 14). A fenoximetilpenicilina (penicilina V) tem um oxigênio eletronegativo da cadeia lateral acila com o efeito de reti- rador de elétrons necessário. A molécula tem melhor esta- bilidade ácida do que a penicilina G e é estável o suficiente para sobreviver o ácido no estômago, então este fármaco pode ser administrado por via oral. Outros análogos de penicilina com um substituinte re- tirador de elétrons sobre o carbono α da cadeia lateral Figura 12: Tensão do núcleo β-lactâmico (Figura 14) também se mostraram resistentes à hidrólise ácida e podem ser administrados por via oral (por exem- plo, ampicilina). 7.3 Penicilinas resistente às β-lactamases O problema das β-lactamases (ou penicilinases) tornou-se crítico em 1960, quando o uso generalizado de penicilina G levou a um aumento alarmante da resistência à penicilina em infecções por S. aureus. A certa altura, 80% de todas infecções por S. aureus em hospitais foram devidas à cepas virulentas, resistente à penicilina. Alarmantemente, estas cepas também foram resistentes a todos os outros antibióti- cos disponíveis. Felizmente, uma solução para o problema estava bem próxima - o desenho das penicilinas resistentes às β-lactamases. A estratégia dos escudos estéricos (QFI) foi usada com sucesso para bloquear o acesso da penicilina ao sítio ativo 7 Figura 13: Mecanismo de auto-destruição do anel β- lactâmico que ocorre quando o fármaco encontra a acidez estomacal. Figura 14: Estratégia para redução do efeito da cadeia la- teral na destruição do anel β-lactâmico. da β-lactamase, colocando um grupo volumoso na cadeia lateral (Figura 15). No entanto, houve um problema. Se o escudo estérico era muito volumoso este também impede que a penicilina acesse o alvo a enzima transpeptidase. Por- tanto, levou muito trabalho para encontrar o escudo ideal — um grande o suficiente para afastar a enzima lactamase, mas suficientemente pequeno para permitir que a penici- lina ligar à enzima alvo. O fato de que o anel β-lactâmico interage com as duas enzimas da mesma forma destaca a dificuldade em conseguir esse objetivo. Felizmente, os escudos que poderiam fazer esta discrimi- nação foram encontrados. A meticilina (Figura 16) foi a primeira penicilina semissintética eficaz contra o S. aureus que produzia a enzima β-lactamases e alcançou a clínica a tempo de enfrentar o crescente problema do S. aureus resistente. Figura 15: Estratégia para redução da afinidade pela β- lactamase. CH3 CH3 H N NO O O HO S H HO O H3C H3C CH3 CH3 H N NO O O HO S H HO H3C Meticilina Nafcilina Figura 16: Estruturas de penicilinas resistentes à β- lactamase A meticilina não é um fármaco ideal. Com nenhum grupo retirador de elétrons na cadeia lateral, é sensível a ácido e tem de ser injetado. Ela também mostra atividade ruim contra muitas outras cepas de bactérias. A meticilina não é mais usada clinicamente. Diante disto, foram desen- volvidos outros agentes resistentes à β-lactamases melho- res. A nafcilina (Figura 16) é uma penicilina que é resis- tente às enzimas β-lactamase e contém um anel de nafta- leno que age como seu escudo estérico. A incorporação de um anel de isoxazolil a cadeia late- ral de penicilina levou a compostos oralmente ativos que eram estáveis para à β-lactamase de S. aureus. O anel iso- xazolil age como o escudo estérico, mas também é retira- dor de elétrons, dando a estabilidade ácida de estrutura. A oxacilina, a cloxacilina, a flucloxacilina e a dicloxacilina (Figira 17) são muito úteis contra infecções de S. aureus. A única diferença entre eles é o tipo de halogênio no anel aromático. Estes substituintes afetam propriedades farma- cocinéticas, tais como a absorção e a ligação às proteínas plasmáticas. Em geral, penicilinas resistentes à β-lactamase são man- tidas como ’reservas terapêuticas’. Eles só são introduzidos na briga se é provada uma infecção por microrganismo re- sistente, por exemplo, S. aureus ou Staphylococcus epider- midis resistentes à penicilina. Infelizmente, 95% das cepas de S. aureus detectadas em hospitais se tornaram resistentes a meticilina e também, às outras penicilinas resistentes à β-lactamase, como resul- tado de mutações na enzima transpeptidase. Estas bacté- rias são referidas como MRSA. Abreviatura que quer dizer S. aureus resistente à meticilina, mas o termo se aplica a todas as bactérias que não são afetadas por penicilinas re- sistentes à β-lactamase, não apenas à meticilina. 7.4 Penicilinas de amplo espectro de ação Há uma variedade de fatores que determinam se uma cepa bacteriana será suscetível a uma penicilina. O espectro de ação mostrada pelas penicilinas depende (i) da estru- 8 Figura 17: Estruturas de isoxazolil penicilinas resistentes à β-lactamase com atividade via oral. tura, (ii) da capacidade de atravessar a membrana celular de bactérias Gram-negativas, (iii) da susceptibilidade à β- lactamases, (iv) da afinidade com a enzima transpeptidase alvo e (v) da taxa na qual é bombeado para fora as cé- lulas por organismos Gram-negativos. Todos esses fatores variam em importância em diferentes espécies bacterianas e então não existem táticas bem definidas, que podem ser usadas para melhorar o espectro de atividade. Consequen- temente, a busca por antibióticos de amplo espectro era feita por tentativa e erro, que envolveu fazer uma varie- dade enorme de análogos. Estas mudanças foram nova- mente confinadas às variações da cadeia lateral e deram os seguintes resultados: • A atividade contra bactérias Gram-positivas é favore- cida por grupos hidrofóbicos na cadeia lateral (por exemplo, penicilina G), mas é ruim para a atividade contra bactériasGram-negativas; • Se o caráter hidrofóbico é aumentado, há pouco efeito na atividade Gram-positiva, mas faz cair a atividade ainda mais contra bactérias Gram-negativas; • Grupos hidrofílicos na cadeia lateral têm pouco efeito sobre a atividade de Gram-positiva (por exemplo, a penicilina T) ou causam uma redução da atividade (por exemplo, a penicilina N) (Figura 18); no entanto, levam a um aumento na atividade contra bactérias Gram-negativas; • O aprimoramento da atividade contra bactérias Gram- negativa é maior se o grupo hidrofílico (por exemplo, −NH2, −OH, −CO2H) está ligado ao carbono que é α ao grupo carbonila na cadeia lateral. As penicilinas com atividade contra bactérias Gram- positivas e Gram-negativas são conhecidas como antibió- ticos de amplo espectro. Existem três classes de antimi- crobianos de amplo espectro, os quais têm um grupo hi- drofilico no carbono α da cadeia lateral (Figura 19). Este grupo auxilia a passagem destas penicilinas através das po- rinas da membrana externa da bacterias Gram-negativas. Figura 18: Estruturas de penicilinas com grupos polares na cadeia lateral 7.4.1 Aminopenicilinas Figura 19: Estruturas das aminopenicilinas A ampicilina (Figura 19) e a amoxicilina são compostos oralmente ativos que tem uma estrutura muito semelhante e são comumente usados como uma primeira linha de de- fesa contra infecções. Ambos os compostos são resistentes a ácido devido à presença do grupo amino retirador de elé- trons. Não há nenhum escudo estérico presente e então es- ses agentes são sensíveis às enzimas β-lactamases. Ambas as estruturas são mal absorvidas através da parede do in- testino, uma vez que o grupo amino e o grupo carboxílico são ionizados (Zwitterion). Este problema pode ser alivi- ado usando um grupo carreador lipofílico (pró-fármaco). Os grupos polares são mascarados, mas podem ser removi- dos metabolicamente. A pivampicilina e a bacampicilina e a talampicilina são exemplos destes pró-fármacos (Fi- gura 20). 7.4.2 Carboxipenicilinas A carbenicilina (Figura 21) foi o primeiro exemplo dessa classe de compostos. Mostra um amplo espectro de ativi- 9 H N NO O O O S H HH2N H O O O O O O O R PivampicilinaBacampicilinaTalampicilina Figura 20: Estruturas dos pró-fármacos da ampicilina dade devido ao grupo hidrofílico ácido carboxílico da ca- deia lateral estar ionizado em pH 7. A estereoquímica deste grupo é importante e somente um dos dois enantiômeros é ativo. Figura 21: Estruturas das carboxipenicilinas A carfecilina e a carbenicilina indanil (Figura 21) são pró-fármacos da carbenicilina e mostram uma absorção melhorada através da parede do intestino. Os ésteres de arila são melhores que os ésteres alquílicos. Os primeiros são quimicamente mais suscetíveis à hidrólise, por causa do efeito indutivo retirador de elétrons do anel arila. A ti- carcilina (Figura 21) tem estrutura similar a carbenicilina, mas tem um anel tiofeno no lugar do grupo fenil. 7.4.3 Ureidopenicilinas As ureidopenicilinas (Figura 22) são a classe mais recente de penicilinas de amplo espectro e tem um grupo funcional de uréia na posição α. Geralmente, elas têm propriedades melhores que as carboxipenicilinas e as substituíram em grande parte na clínica. Figura 22: Estruturas das ureidopenicilinas 8 Sinergismo das penicilinas com outros fármacos Existem vários exemplos em química medicinal, onde a presença de um fármaco aumenta a atividade do outro. Em muitos casos, isso pode ser perigoso, levando a uma overdose do fármaco reforçado. Em alguns casos, porém, pode ser útil. Há dois exemplos interessantes onde a ati- vidade da penicilina foi aprimorada pela presença de um outro fármaco. Um exemplo é o efeito do ácido clavulânico, (a ser des- crito). O outro exemplo é a administração de penicilinas com um composto chamado probenecida. A probenecida é um ácido carboxílico moderadamente lipofílico que pode bloquear o transporte facilitado de penicilina através dos túbulos renais. Em outras palavras, a probenecida retarda a taxa em que a penicilina é excretada, competindo com ela no mecanismo de excreção. A probenecida compete também com penicilina pelos sítio de ligação na albumina. Como resultado, os níveis de penicilina na corrente sanguí- nea são reforçados e aumenta a atividade antibacteriana — uma tática útil ao se deparar com uma bactéria particular- mente resistente. Os efeitos antibacterianos de todos os antibióticos β- lactâmicos são sinérgicos aos aminoglicosídeos (i.e. Gen- tamicina, Tobramicina, etc.). Os inibidores de síntese de parede celular alteram a permeabilidade das células bacte- rianas. Estes fármacos podem facilitar a entrada de outros antibióticos (por exemplo, aminoglicosídeos) que não pode normalmente obter acesso aos sítios de destino intracelu- lar. Isso pode resultar em maior atividade antimicrobiana. « Embora a combinação de uma penicilina e um aminogli- cosídeo ser usada clinicamente, estes fármacos nunca de- vem ser colocados no mesmo fluido de infusão porque em contato prolongado a carga positiva dos aminoglicosídeos formam um complexo inativo com as penicilinas carrega- 10 das negativamente ». 9 Cefalosporinas O segundo maior grupo de antibióticos β-lactâmicos a ser descoberto foram as cefalosporinas. A primeira cefalospo- rina (cefalosporina C) foi derivada de um fungo obtido em meados da década de 1940, de águas de esgoto na ilha da Sardenha. Um professor italiano Giuseppe Brotzu obser- vou que as águas em torno da saída do esgoto periodica- mente ficavam limpas de microrganismos. Ele raciocinou que algum organismo poderia estar produzindo uma subs- tância antibacteriana e assim coletou amostras e conseguiu isolar um fungo denominado Cephalosporium acremonium (agora chamado de Acremonium chrysogenum). O extrato bruto deste organismo mostrou ter propriedades antibacte- rianas e, em 1948, na Universidade de Oxford, foi isolada a cefalosporina C, mas não foi até 1961 que a estrutura foi elucidada por cristalografia X-ray. A estrutura da cefalosporina C (Figura 23) tem seme- lhanças com as penicilinas por ter um sistema bicíclico con- tendo um anel β-lactâmico de quatro membros, mas desta vez o anel β-lactâmico está fundido a um anel de seis mem- bros diidrotiazina. Não obstante, as cefalosporinas são de- rivadas dos mesmos precursores biossintéticos da penici- lina, ou seja, cisteína e valina. Figura 23: Estrutura da cefalosporina C. A Cefalosporina C não é tão potente quanto as penici- linas (1/1000 da atividade de penicilina G), mas a ativi- dade antibacteriana é mais uniformemente dirigida contra bactérias Gram-positivas e bactérias Gram-negativas. Ou- tra vantagem intrínseca da cefalosporina C é sua maior re- sistência à hidrólise ácida e às enzimas β-lactamases. Ela também causa menos reações alérgicas. Portanto, a cefa- losporina C foi vista como uma pista útil para o desenvol- vimento de mais antibióticos de amplo espectro. 10 REA das cefalosporinas Muitos análogos de cefalosporina C foram feitos para de- monstrar a importância do anel β-lactâmico no sistema bi- cíclico, do grupo carboxilato ionizado na posição 4 e da cadeia lateral acilamino na posição 7. Estes resultados se enquadram estreitamente com os dados obtidos para as pe- nicilinas. O efeito de tensão do anel de 6 membros fundido com um anel de 4 membros é inferior quanto comparada ao da penicilina, mas isto é parcialmente compensado pelo efeito do grupo acetiloxi na posição 3. O grupo funciona como um bom grupo abandonador após o ataque da serina da transpeptidase (Figura 24). Há um número limitado de posições onde modificações podem ser feitas (Fig 25), mas há mais possibilidades do que com as penicilinas. Estas são como segue (Figura 25): • Variações na cadeia lateral 7-acilamino; • Variações da cadeia lateral 3-acetoximetil; • Substituiçãoextra no carbono 7. 10.1 Criação de análogos com substituintes na posição 7 O acesso a análogos com cadeia diferentes na posição 7 inicialmente eram difíceis de obter. Ao contrário das pe- nicilinas, provou-se impossível a obtenção de análogos de cefalosporina por fermentação. Da mesma forma, não foi possível obter 7-ACA (ácido 7-aminocefalosporínico) por hidrólise enzimática da cefalosporina C, evitando a aborda- gem semissintética análoga à preparação das penicilinas a partir do 6-APA. Portanto, deve-se encontrar uma maneira de obter 7- ACA de cefalosporina C por hidrólise química. Isto não é tarefa fácil, como uma amida secundária tem que ser hi- drolisada na presença de um anel β-lactâmico altamente reativo. Procedimentos hidrolíticos normais não são ade- quados, e então um método especial teve que ser desenvol- vido (Figura 26). 10.2 Cefalosporinas de primeira geração A Cefalotina, a cefaloridina, a cefalexina e a cefazolina (Figura 27) são exemplos de cefalosporinas de primeira ge- ração. Em geral, eles têm uma menor atividade que as pe- nicilinas, mas um espectro de ação maior. A maioria é mal absorvida através da parede do intestino e tem que ser in- jetada. Tal como acontece com as penicilinas, o apareci- mento de organismos resistentes tem apresentado um pro- blema, particularmente com organismos Gram-negativos. Estes contêm β-lactamases, que são mais eficazes que as β-lactamases de organismos Gram-positivos. Escudos es- téricos são bem sucedidos na proteção das cefalosporinas às β-lactamases, sem que impedir a inibição do alvo trans- peptidase. Dentre as cefalosporinas de primeira geração mais co- mumente usadas está a cefalotina (Figura 27). Uma des- vantagem da cefalotina está no fato de que o grupo de ace- tiloxi na posição 3 é prontamente hidrolisado por enzimas esterases para dar um álcool menos ativo. O grupo ace- tiloxi é importante para o mecanismo de inibição e atua como um bom grupo de saída (Figura 24). Considerando que o álcool é um grupo de saída muito ruim. Por conse- guinte, seria útil se este metabolismo pudesse ser bloque- ado para prolongar a atividade. Substituindo o éster com 11 Figura 24: Mecanismo pelo qual a cefalosporina inibi a atividade da transpepitidase. Figura 25: Posições destacadas podem ser modificadas para a produção de análogos da cefaloporina C. um grupo de piridínio metabolicamente estável temos a ce- faloridina (Figura 27). A piridina ainda pode atuar como um bom grupo de saída para o mecanismo de inibição, mas não é clivada por esterases. A cefaloridina existe como um zwitterion e é solúvel em água, mas, como a maioria cefa- losporinas de primeira geração, é mal absorvido através da parede do intestino e tem de ser injetado. A cefalexina (Figura 27) tem um substituinte metil na posição 3 que aparece para ajudar a absorção oral. Um grupo metila normalmente seria ruim para a atividade já que não é um bom grupo de saída. No entanto, a presença de um grupo amino hidrofílico no carbono α da cadeia la- teral 7-acilamino na cefalexina ajuda a restaurar a ativi- dade. A cefalexina é uma das poucas cefalosporinas so- mente ativa por via oral. O mecanismo de absorção atra- vés da parede do intestino é mal compreendido e não está claro por que o grupo de 3-metil é tão vantajoso para a ab- sorção. A cefazolina (Figura 27) é outro exemplo de uma cefalosporina de primeira geração. 10.3 Cefalosporinas de segunda geração 10.3.1 Cefamicinas As cefamicinas que contêm um metoxi substituinte na po- sição 7 tem se revelado vantajosas. O composto padrão Ce- famicina C (Figura 28) foi isolada de uma cultura de Strep- tomyces clavuligerus e foi a primeira β-lactama ser isolado de uma origem bacteriana. Uma modificação da cadeia la- teral deu origem à cefoxitina (Figura 28), que mostrou ter espectro de atividade mais amplo que as cefalosporinas mais de primeira geração. Isto é devido à maior resistên- cia às enzimas β-lactamase, que pode ser devido ao escudo estérico fornecido pelo grupo metoxi. A cefoxitina apre- sentou boa estabilidade metabólica às esterases devido a presença do grupo uretano na posição 3, ao invés de um éster. 10.3.2 Oximinocefalosporinas O desenvolvimento de oximinocefalosporinas foi um grande avanço na pesquisa de cefalosporinas. Essas es- truturas contêm um grupo iminometoxi na posição α da cadeia lateral acila, que significativamente aumenta a esta- bilidade das cefalosporinas contra o β-lactamases produzi- das por alguns organismos (por exemplo, Haemophilus in- fluenza). O primeiro agente útil desta classe de compostos foi cefuroxima (Figura 29), que, como a cefoxitina, tem uma maior resistência à β-lactamases e esterases. Ao con- trário de cefoxitina, cefuroxima mantém atividade contra estreptococos e, em menor medida, aos estafilococos. 10.4 Cefalosporinas de terceira geração Substituindo o anel furano das oximinocephalosporinas por um anel de aminotiazol se consegue um aumento da penetração das cefalosporinas através da membrana exte- rior de bactérias Gram-negativas e também pode aumentar a afinidade pela enzima transpeptidase. Como resultado, as cefalosporinas de terceira geração, que contém este anel tem um aumento na atividade contra estas bactérias. Di- versas destas estruturas foram preparadas, tais como a cef- tazidima, cefotaxima, ceftriaxona e ceftizoxima (Figura 30), com diferentes substituintes na posição 3 para variar as propriedades farmacocinéticas. Estas têm um papel im- portante na terapia antimicrobiana por causa de sua ati- vidade contra bactérias Gram-negativas, muitas das quais são resistentes a outros β-lactâmicos. Como tais infecções são incomuns fora de hospitais, médicos são desencoraja- dos a prescrição destes fármacos rotineiramente. São vistos assim como "reservas terapêuticas"para serem usadas para infecções problemáticas que não respondem aos antibióti- cos mais prescritos. 10.5 Cefalosporinas de quarta geração A cefepima e a cefpiroma (Figura 30) são oximinocefa- losporinas classificadas como cefalosporinas de quarta ge- ração. Eles são compostos zwitteriônicos tendo um subs- tituinte de carga positiva na posição 3 e um grupo carbo- xilato carregado negativamente na posição 4. Esta propri- 12 Figura 26: Síntese do 7-ACA e análogos da cefalosporina C. R1 H N NO O OHO SH H R2 CH2S OAc N+ Me CH2S CH2 H2N H NN N N CH2 S N N S Cefalotina Cefaloridina Cefalexina Cefazolina Figura 27: Estruturas de cefalosporinas de primeira gera- ção. edade parece aumentar radicalmente a capacidade destes compostos em penetrar a membrana exterior de bactérias Gram-negativas. Elas também são conhecidas pela grande afinidade pela enzima transpeptidase e uma baixa afini- dade para uma variedade de β-lactamases. 10.6 Cefalosporinas de quinta geração A ceftarolina fosamil (Figura 31) é uma cefalosporina de quinta geração que tem atividade contra várias ce- pas de MRSA e Streptococcus pneumonia multi-resistente (MDRSP). Ela atua como um pró-fármaco para ceftarolina. O 1,3-tiazol (Figura 31) é pensado para manter atividade contra MRSA. O ceftolozane (Figura 32) é uma cefalosporina de quinta geração que vem associado com inibidor de β- lactamases (tazobactam). O ceftolozane tem demonstrado estabilidade aumentada a β-lactamases AmpC e é menos Figura 28: Estruturas das cefamicinas afetado por mudanças nas bombas efluxo devido à ligação reforçada na transpeptidase. Tem ação em enterobacteria- ceae que produzem β-lactamases de espectro ampliado. A estrutura química do ceftolozane é semelhante ao da cefta- zidima, com exceção de uma cadeia lateral modificada na posição do núcleo cefema, que confere atividade antipseu- domonal potente. 11 Resistências às cefalosporinas Mecanismos de resistência bacteriana às cefalosporinas, são essencialmente os mesmos que os descritos paraas pe- nicilinas. Embora não sejam suscetíveis à hidrólise pela pe- nicilinase estafilocócica, as cefalosporinas podem ser sus- cetíveis a β-lactamases de espectro ampliado. Dentre as β-lactamases, destacam-se as β-lactamases de espectro ampliado (Extended-Spectrum β-lactamase - 13 Figura 29: Estrutura de uma Oximinocefalosporinas Figura 30: Estruturas da cefalosporinas de terceira e quarta gerações ESBL). A produção da ESBL é mediada por plasmídeos que conferem ampla resistência aos antimicrobianos que con- tém o anel β-lactâmico em sua estrutura e agem neste anel o rompendo. A Escherichia coli e a Klebsiella pneumoniae são as espécies bacterianas mais comumente encontradas produzindo ESBL, a detecção destas enzimas já foi obser- vada em diversas outras espécies de Enterobacteriaceae e Pseudomonadaceae. Pacientes com infecções por entero- bactérias produtoras de ESBL não devem ser medicados com antibióticos betalactâmicos, o que acarretaria em falha terapêutica e agravamento do quadro infeccioso. A detec- ção presuntiva de ESBL não acarreta custos adicionais ao laboratório, visto que os antimicrobianos necessários para tal detecção podem compor o conjunto de discos utiliza- dos na rotina laboratorial em antibiogramas. O trabalho do laboratório de microbiologia é imprescindível na detec- ção das enterobactérias produtoras de ESBL. A detecção precoce destas bactérias multirresistentes é de suma impor- tância para se instaurar o tratamento adequado e as medi- das de isolamento dos pacientes, necessárias para se evitar a disseminação destes patógenos. O N S N N+ S S H N O N O H3C N S N HN P OHO HO O-O H Grupo carreador Fosamil Anel 1,3 tiazol Figura 31: Estrutura da ceftarolina fosamil (pró-fármaco) da ceftarolina. O O ON N S N H2N O H N N O S N N NH2 NH O NH NH3 O O HH Figura 32: Estrutura do ceftolozane. 12 Outros antibióticos β-lactâmicos 12.1 Carbapenêmicos Os carbapenêmicos (Figura 34) são fármacos mais recen- tes. Eles possuem estrutura química semelhante a das peni- cilinas em cujo núcleo ativo, o ácido 6-aminopenicilânico, onde o enxofre do anel tiazolidínico está substituído por carbono. Há também um dupla ligação entre as posições 2 e 3 do anel pentacíclico, conferindo maior afinidade pelas β-lactamases, maior potência e um espectro antibacteriano mais amplo. A tienamicina (Figura 34) foi o primeiro exemplo dessa classe de compostos, isolada do Streptomyces cattleya em 1976. É potente, com um espectro de ação extraordi- nariamente amplo com atividade contra bactérias Gram- positivos Gram-negativas, incluindo P. aeruginosa. Tem baixa toxicidade e mostra uma alta resistência as β- lactamases. Suas resistência tem sido atribuída à presença da cadeia lateral hidroxietil. Infelizmente, a tienamicina mostra baixa estabilidade metabólica e química e não é ab- sorvida pelo trato gastrointestinal. As características sur- preendentes da tienamicina é a falta do átomo de enxofre e cadeia lateral acilamino, ambos ditos essenciais para a atividade antibacteriana. A estereoquímica da cadeia la- teral no substituinte 6 é o oposto da estereoquímica usual em penicilinas — outro fator que contribui para a resistên- cia deste agente às β-lactamases. O Imipenem e mero- penem são análogos clinicamente úteis da tienamicina. O ertapenem (Figura 33) foi aprovado em 2002 e tem es- trutura similar ao meropenem. Tem um substituinte ex- 14 S N O O O H HHO H3C R Tienamicina R = NH3+ Imipenem R = HN NH S N O O O H HHO H3C CH3 H N O N R2 R1 Meropenem; R1 = R2 = CH3 Ertapenem; R1 = H, R2 = COO- Resistente a Deidropeptidase-I Ligação proteína plasmática Maior t1/2 NH2 S HN O O OHO OH Cilastatina O S O NH2 N H H N SN O H3C HO O O H H Doripemen Figura 33: Estruturas de alguns antimicrobianos carbapenêmicos e a estrutura da cilastatina que vem sempre assossiada com Imipenem Figura 34: Estrutura geral dos carbapenêmicos tra no anel carbapenêmico que fornece mais estabilidade metabólica, enquanto o ácido benzóico ionizado contribui para a alta ligação em proteína plasmática prolongando o tempo de meia vida, tal que a dosagem é de uma vez por dia. Seguindo o mesmo raciocínio, foi aprovado em 2007 o Doripenem. O doripenem é usado apenas para tratar in- fecções que são comprovadas ou fortemente suspeitas de serem causadas por bactérias sensíveis a este fármaco. Em geral, as carbapenemas tem o mais amplo espectro de ação de todos os antibióticos β-lactâmicos. O imipenem e o meropenem são administrado IV e pe- netram bem em tecidos de corpo e fluidos, incluindo o das meninges quando estão inflamadas. Eles são excretados por filtração glomerular. O imipenem sofre clivagem pela dehidropeptidase I encontrada no túbulo renal proximal. Esta enzima forma um metabólito inativo que é potenci- almente nefrotóxico. Combinando o imipenem com cilas- tatina (Figura 33) há a proteção do fármaco, evitando a formação de um metabólito tóxico. O meropenem, ertape- nem não exigem coadministração de cilistatina. O merope- nem e ertapenem são mais resistentes devido aos diferentes substituintes indicados na Figura 34. A carbapenemase é uma enzima encontrada pela pri- meira vez em 1996 nos Estados Unidos em isolados de Klebsiella pneumoniae,dando origem ao nome KPC (Kleb- siella pneumoniae produtora Carbapenemase), no entanto, esta enzima pode ser produzida por várias enterobactérias (bactérias da microbiota intestinal) incluindo Enterobacter sp., Escherichia coli, Salmonella sp, Proteus mirabilis e ou- tras. Assim a KPC é uma enzima produzida por várias ente- robactérias e não somente pela Klebsiella pneumoniae, en- tretanto, nos últimos cinco anos a quantidade de bactérias produtoras de KPC configurou um problema significativo para a saúde pública, pois essa enzima torna a bactéria re- sistente a vários antibióticos de alta potência, sendo um desafio a sua eliminação. 12.2 Monobactâmicos As Monobactamas também interrompem a síntese da pa- rede celular bacteriana, mas são únicas porque o anel β- lactâmico não é fundido ao outro anel (Figura 35). O az- treonam, que a única monobactama disponível comerci- 15 almente. Esta tem atividade antimicrobiana dirigida prin- cipalmente contra a Enterobacteriaceae, incluindo P. aeru- ginosa. O aztreonam não tem atividade contra organis- mos Gram-positivos e anaeróbios. Este estreito espectro antimicrobiano impede seu uso sozinho na terapia empí- rica. O aztreonam é resistente à ação da maioria dos β- lactamases, com excepção da β-lactamases de espectro am- pliado (BLEAs). É administrado IV ou IM e pode acumular- se em pacientes com insuficiência renal. É pouco tóxico, mas pode causar flebite, erupção cutânea. Este fármaco tem um baixo potencial imunogênico e mostra pouca rea- tividade cruzada com anticorpos induzidos por outros β- lactâmicos. Assim, este fármaco pode oferecer uma alter- nativa segura para o tratamento de pacientes que são alér- gicos e incapacitados de tolerar a penicilinas ou cefalospo- rinas. Figura 35: Estrutura da monobactama aztreonam. 13 Inibidores de β-lactamase 13.1 Ácido clavulânico O ácido clavulânico (Figura 37) foi isolado de S. clavuli- gerus por Beecharns em 1976. Tem atividade antibiótica fraca e sem importância, mas é um inibidor potente e irre- versível da maioria das β-lactamases. O Ácido clavulânico é usado como um fármaco sentinela em combinação com penicilinas tradicionais, i.e. amoxicilina. Isto permite di- minuir os níveis da dose de amoxicilina e aumenta o espec- tro de ação. No entanto, deve notar-se que existem vários tipos de β-lactamases. Embora o ácido clavulânico ser efi- caz contra a maioria destas. O ácido clavulânico também é administradopor via intravenosa com ticarcilina. A estrutura do ácido clavulânico foi o primeiro exemplo de um composto natural, onde o anel β-lactama não es- tava fundido a um anel contendo enxofre; em vez disso, está fundido a um anel de oxazolidina. A estrutura tam- bém é incomum, pois que não possui uma cadeia lateral de acilamino. O ácido clavulânico é um inibidor irreversível de lacta- mases e pode ser classificado como um substrato suicida. Este se encaixa no sítio ativo da β-lactamase e o anel β- lactâmico é aberto pelo resíduo de serina da mesma ma- neira que ocorre com a penicilina. No entanto, o interme- diário acil-enzima reage mais uma vez com outro grupo nu- cleofílico enzimático (possivelmente −NH2) para vincular o fármaco irreversivelmente à β-lactamase. O mecanismo de inibição é mostrado na Figura 36. 13.2 Sulbactam e tazobactam Os agentes sulbactam e tazobactama também foram de- senvolvidas como inibidores de β-lactamase e são usados clinicamente (Figura 38). Eles também agem como subs- tratos suicidas contra as enzimas β-lactamases e tem pro- priedades semelhantes entre si. O Sulbactam, tem um am- plo espectro de atividade contra β-lactamases, maior que o ácido clavulânico, mas é menos potente. É combinado com a ampicilina para administração intravenosa. O ta- zobactama é semelhante ao sulbactam e tem um espectro de ação semelhante contra β-lactamases. No entanto, sua potência é mais parecida com ácido clavulânico. É comum- mente administrado por via intravenosa com piperacilina. 13.3 Avibactam O avibactam (Figura 39), aprovado em 2015 pelo FDA, é um novo inibidor não-β-lactâmico de β-lactamases. Esse fármaco proporciona proteção contra uma grande vari- edade de mecanismos de resistência mediadas por β- lactamase. Este fármaco suicida está associado com a cef- tazidima e é indicado para infecção intra-abdominal com- plicada em combinação com metronidazol ou infecções do trato urinário, incluindo pielonefrite. O avibactam é estru- turalmente diferente dos inibidores de β-lactamases clini- camente por não conter um núcleo de β-lactâmico. O mecanismo de ação do avibactam (Figura 40) é bas- tante notável. Este mecanismo é muito diferente dos ini- bidores de β-lactamases mencionados anteriormente. De início a enzima é acilada sendo praticamente irreversível o conjugado avibactam/β-lactamases. Contudo, a possibili- dade da enzima se recompor as custa da formação (recicli- zação) do avibactam original, este pode obviamente reagir novamente. Não ocorre, contudo, a hidrólise do fármaco para fora do sítio, o que faria a β-lactamase voltar a ser ativa. 14 Glicopeptídeos A vancomicina (Figura 41) é um antimicrobiano de es- treito espectro de ação produzido por um microrganismo chamado Streptomyces orientalis, encontrado em Bornéu e Índia. A vancomicina foi introduzida em 1956 para o trata- mento de infecções causadas por S. aureus resistente a pe- nicilina, mas foi interrompida quando à meticilina tornou- se disponível. Desde que foi reintroduzida, este é o fár- maco principal para o tratamento de MRSA. A vancomi- cina e outros glicopeptídeos relacionados são frequente- mente o último recurso no tratamento de pacientes com infecções resistentes. Como tal, elas se tornaram extrema- mente importantes. Uma grande quantidade de pesquisas atualmente estão sendo realizadas nesta área. A conformação fixa da cadeia hexapeptídica é impor- tante para o mecanismo de ação exclusivo da vancomicina 16 Figura 36: Mecanismo de inativação irreversível das β-lactamases pelo ácido clavulânico. Figura 37: Estrutura do ácido clavulânico. que tem como alvo os blocos de construção da parede celu- lar ao invés de uma proteína ou um ácido nucleico. Para ser mais específico, há um bolso na estrutura de vancomicina, no qual o bloco de construção pentapeptídeo pode caber. O pentapeptídeo é mantido lá pela formação de cinco liga- ções de hidrogênio entre este e a cadeia de hexapeptídeo de vancomicina (Fig 42). Sendo a vancomicina uma molé- cula grande, esta bloqueia as caudas e age como um escudo estérico, impedindo o acesso para às enzimas transglicosi- dase e transpeptidase (Figura 42). É possivel ocorrer a dimerização da vancomicina da ca- beça para cauda, tal que as cadeias de heptapeptídeo de cada molécula de vancomicina interagem através de quatro ligações de hidrogênio (Figura 42). O açúcar e os grupos cloro também desempenham um papel importante na di- merização e atividade biológica cai se quaisquer um destes Figura 38: Estruturas do sulbactam e tazobactam. Figura 39: Estrutura do avibactam. grupos está ausente. A vancomicina é uma molécula muito grande, ela é inca- paz de atravessar a membrana celular externa das bactérias Gram-negativas e, consequentemente, não possui ativi- dade contra estes organismos. Também é incapaz de atra- vessar a membrana interna da célula das bactérias Gram- positivas, mas isto não é necessário, como a construção da parede celular ocorre fora da membrana celular. A resistência bacteriana à vancomicina tem se desenvol- 17 Figura 40: Mecanismo de ação do avibactam. Figura 41: Estrutura da vancomicina. vido lentamente, embora algumas cepas hospitalares de S. aureus foram identificado em 1996 resistência (VRSA). Uma preocupação particular foi a aparição de Enterococos resistentes à vancomicina (VRE) em 1989. Estes são os or- ganismos que podem causar infecções fatais do intestino em pacientes cujo sistema imunológico está enfraquecido. A resistência nos organismos VRE surgiu de uma modifi- cação dos precursores de parede celular onde o grupo D- alanina terminal da cadeia pentapeptídeo foi substituído pelo ácido D-láctico, resultando em uma ligação éster ter- minal ao invés de uma ligação amida (Figura 43). Isto re- move um dos grupos −NH que doa ligação de hidrogênio para a vancomicina. Pode não parecer muito, mas é sufici- ente para enfraquecer a interação e incapacitar o antibió- tico. O bloco de construção modificado ainda é aceitável para as enzimas transglicosilase e transpeptidase. Neste último caso, o lactato age como grupo de saída ao invés da D-alanina. A teicoplanina (Figura 44), dentre outra cinco estrutu- ras muito semelhantes que foram isoladas a partir de um microorganismo do solo chamado Actinoplanes teichomyce- ticus, se diferenciavam apenas na natureza de uma alquila Figura 42: Mecanismo de ação da vancomicina. substituinte longa. As teicoplaninas pertencem à família da vancomicina, mas não dimerizam. A cadeia alquila longa desempenha um papel importante para ancorar o antibió- tico na superfície externa da membrana celular, onde é per- feitamente colocado para interagir com os blocos de cons- trução para a síntese de parede celular. A Teicoplanina é usada clinicamente para o tratamento de infecções com Gram-positivas e é menos tóxica do que a vancomicina. A propagação da resistência à vancomicina em enteroco- cos desde 1988 e o surgimento de resistência em isolados clínicos de MRSA desde 2002 tem solicitado a procura de novos fármacos de segunda geração pertencentes à classe dos glicopeptídeos. A telavancina (Figura 44), aprovada em 2009, é um de- rivado da vancomicina que difere desta pela adição de um grupo hidrofóbico e um grupo hidrofílico a estrutura de vancomicina (Figura 44). As propriedades hidrofílicas do grupo fosfonato melhoram o perfil de absorção, distribui- ção, metabolismo e excreção do composto. Estudos farma- cológicos sugerem que a atividade reforçada da telavan- 18 Figura 43: Mecanismo da resistência a vancomicina apre- sentada pelos Enterococos VRE. cina versus vancomicina sobre Streptococcus pneumoniae, Staphylococcus aureus (em menor grau) e enterococos (in- cluindo VRE). Esta propriedade resulta de um complexo mecanismo de ação, que envolve a perturbação da síntese de lipídios e, possivelmente, ruptura de membrana. A oritavancina(Figura 44) é o derivado N-alquil-p- clorofenil-benzílico da cloroeremomicina produzido pelo actinomiceto Amycolatopsis orientalis. A cloroeremomicina difere da vancomicina pelo padrão de glicosilação nos re- síduos de aminoácidos, 4 e 6. Embora oritavancina apre- sente um espectro geral de atividade comparável de van- comicina, esta oferece vantagens consideráveis em termos de atividade intrínseca (especialmente contra estreptoco- cos) e permanece insensível aos mecanismos de resistência desenvolvidos por estafilococos e enterococos; também é ativa contra Clostridium difficile. A atividade superior con- tra patógenos Gram-positivos, inclui aqueles resistentes à vancomicina. Possui mecanismo de ação dupla, inibindo a biossíntese da parede celular afeta a integridade da mem- brana. A dalbavancina (Figura 44), aprovada em 2014 pelo FDA, é um derivado semissintético de uma molécula pa- recida com a teicoplanina, que foi isolada do actinomi- ceto Nonomuraea sp. coletados no solo indiano em me- ados da década de 1980. A dalbavancina mostra uma maior atividade in vitro, em comparação com a vancomi- cina, para a maioria das bactérias Gram-positivas, possui também meia-vida extremamente longa, permitindo a do- sagem intravenosa de uma vez por semana. 15 Referências • An Introduction to Medicinal Chemistry, Graham L. Patrick, OUP Oxford. • Lippincott’s Illustrated Reviews: Pharmacology, Ri- chard Finkel (PharmD.), Michelle Alexia Clark, Luigi X. Cubeddu, Lippincott Williams Wilkins. Figura 44: Estruturas de glicopeptídeos semissintéticos. 19
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