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DEPARTAMENTO DE DIREITO DO ESTADO DIREITO ADMINISTRATIVO I SEGUNDA PARTE Prof. Dr. Farlei Martins Riccio RESENHA DO CURSO - 2016.2 2 Sumário I – TEORIA DO ATO ADMINISTRATIVO ........................................................................ 3 I.1 - Conceito de ato administrativo .......................................................................... 3 I.2 - Elementos ou requisitos de validade e eficácia ............................................... 4 I.2.1 - Competência ................................................................................................... 5 I.2.2 - Finalidade ....................................................................................................... 5 I.2.3 - Forma .............................................................................................................. 5 I.2.4 - Motivo ............................................................................................................. 6 I.2.5 - Objeto ............................................................................................................. 7 I.3 - Mérito administrativo e discricionariedade ....................................................... 8 I.3.1 - Controle judicial da discricionariedade administrativa ..................................... 8 I.4 - Atributos ou características ............................................................................. 10 I.4.1 - Imperatividade ou coercibilidade ................................................................... 10 I.4.2 - Auto-executoriedade ou executoriedade ....................................................... 10 I.4.3 - Presunção de legalidade ............................................................................... 11 I.5 - Existência, validade e eficácia ......................................................................... 12 I.6 - Classificação ...................................................................................................... 13 I.7 - Espécies ............................................................................................................. 14 I.8 - Extinção dos atos administrativos................................................................... 15 I.8.1 - Anulação ....................................................................................................... 15 I.8.2 - Revogação .................................................................................................... 17 3 I – TEORIA DO ATO ADMINISTRATIVO Para atingir os fins a que se propõe, e em virtude dos quais existe, o Estado necessita desenvolver uma série de atuações, manifestando sua vontade, traduzida na edição de atos e na concretização de fatos, denominados atos administrativos. Considerando que parte da doutrina administrativista conceitua ato administrativo como espécie do gênero ato jurídico, importante recordar essa noção do direito civil. A noção de ato jurídico decorre de fatos jurídicos que podem ser definidos como os acontecimentos, previsto em norma jurídica, em razão do qual nascem, se modificam, subsistem e se extinguem relações jurídicas. Os fatos jurídicos lato sensu podem ser fatos jurídicos stricto sensu (naturais) ou fatos humanos (atos jurídicos). Os fatos naturais são os que advém de fenômeno natural, sem intervenção humana, mas que geram efeitos no mundo jurídico criando, modificando ou extinguindo direitos, p.ex., prescrição, decadência, morte, nascimento. Os fatos humanos (atos jurídicos) são os acontecimentos que dependem da vontade humana produzindo efeitos jurídicos. Os fatos humanos (atos jurídicos) podem ser involuntários (atos ilícitos) ou voluntários (ato lícito lato sensu). Os atos ilícitos são os que acarretam consequências jurídicas alheias à vontade do agente (art. 186 a 188 Cód. Civil). Os atos lícitos em sentido amplo são os que produzem efeitos queridos pelos agentes. Os atos jurídicos lícitos se dividem em atos jurídicos stricto sensu (art. 185 Cód. Civil) e negócios jurídicos (art. 104 a 184 Cód. Civil). Os atos jurídicos stricto sensu são atos materiais, voluntários, cujos procedimentos e efeitos estão preestabelecidos em lei (efeito ex lege), não possuindo, o agente, meios de alterá-los, como p.ex., o exercício do direito de ação, a adoção, o casamento. Os negócios jurídicos são também atos voluntários, de autonomia privada, com o qual as partes regulam por si os próprios interesses, desde que não façam o que a lei proíbe. A declaração da vontade é dirigida no sentido da obtenção de um resultado perseguido pelo emitente. I.1 - Conceito de ato administrativo A partir das precedentes considerações, pode-se conceituar o ato administrativo como toda manifestação unilateral de vontade do Estado ou de quem esteja no exercício da função administrativa que, agindo nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar ou extinguir direitos, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria. Para Carvalho Filho, ato administrativo é a exteriorização da vontade de agentes da administração pública ou de seus delegatários, que, nessa condição, sob o regime de Direito Público, vise à produção de efeitos jurídicos, com o fim de atender ao interesse público. Para o autor, o ato administrativo é uma espécie de ato jurídico stricto sensu, 4 pois a declaração da vontade visa a produção de efeitos jurídicos em conformidade com a lei, com o fim de atender ao interesse público. Para Celso A. Bandeira de Mello, o ato administrativo é a declaração jurídica do Estado ou de quem lhe faça as vezes, no exercício de prerrogativas públicas, consistente em providências jurídicas complementares da lei, expedidos a título de lhe dar cumprimento, e sujeitos a controle de legitimidade por órgão jurisdicional. Os atos administrativos formalizam providência desejada pelo administrador através da manifestação da vontade, com supremacia do interesse público, derrogando o direito comum, cuja eficácia e validade disciplinam-se por normas de direito público. No que tange a manifestação da vontade, não é essencial para caracterizar essa espécie de ato jurídico que a manifestação seja proferida por um agente público (pessoa natural). Essa manifestação pode resultar de placas, como são os sinais de trânsito ou de equipamentos elétricos-eletrônicos, como são os semáforos. O apito de trânsito, como ato sonoro. Quanto ao silêncio administrativo, enquanto no direito privado, o silêncio da parte, como regra, importa em consentimento tácito, salvo se a lei declarar indispensável a manifestação de vontade (art. 111 Cód. Civil). No direito administrativo, esta não é a regra. A lei deve apontar a consequência do silêncio administrativo (denegação ou anuência). Se a lei é omissa, o interessado faz jus aos meios judiciais cabíveis. I.2 - Elementos ou requisitos de validade e eficácia No direito privado, a validade e eficácia dos atos e negócios jurídicos dependem de agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável, forma prescrita ou não defesa em lei (art. 104 Cód. Civil). No tocante aos elementos garantidores da validade do ato administrativo, a doutrina pátria não alcançou uma opinião uníssona acerca de sua identificação, tampouco de seus específicos conteúdos. É por esta razão que alguns doutrinadores denominam causa o que para outros convém chamar de motivo; uns chamam de objeto o que para outros representa o conteúdo; alguns enumeram a competência e outros a chamam de sujeito; há quem ainda enumere entre os elementos do ato, ao contrário de muitos, a vontade. 1 Como no Brasilnão temos qualquer codificação geral do Direito Administrativo, podemos adotar como elementos do ato administrativo aqueles afirmados por Seabra 1 Lúcia Valle Figueiredo, com esteio em Celso Antônio Bandeira de Mello identifica no ato apenas dois elementos, quais sejam o conteúdo/objeto e a forma. Os outros componentes, por antecederem logicamente o ato, constituiriam o que denominou de requisitos extrínsecos do ato, quais sejam: competência, motivo, formalidade procedimentais (modo de produção do ato), finalidade e causa (relação de pertinência lógica entre os pressupostos do ato seu objeto, motivo determinante). 5 Fagundes e Hely Lopes e que foram positivados no ordenamento jurídico pelas Lei 4717/65 e Lei 9784/99 que são: competência, finalidade, forma, motivo e objeto. I.2.1 - Competência No direito privado exige-se a capacidade do agente para a validade do ato e do negócio jurídico. O ato administrativo é praticado pelo agente público que, presumidamente, já teve sua capacidade avaliada quando recebeu a atribuição para atuar em nome do Estado. Assim, não basta para o ato administrativo a capacidade do agente, mas também que tenha recebido da lei atribuição para desempenhar a atividade administrativa. O ato administrativo deve resultar do exercício das atribuições de um agente competente. Competência, portanto, é a atribuição legal conferida ao agente público para o desempenho da função administrativa. Segundo Caio Tácito, “não é competente quem quer, mas quem pode, segundo a norma de direito”. Assim sendo, o princípio da reserva legal da competência é essencial para não permitir abusos por parte dos agentes que não receberam do legislador atribuição para representar o Estado. Com relação aos atos administrativos eletromecânicos a competência é aferida em relação ao órgão que os utiliza. Em sendo a competência um poder-dever, ela é intransferível de um agente ou órgão a outrem (podendo ser delegada ou avocada nas hipóteses legais - art. 11 e 12 DL 200/67 e art. 15 Lei 9784/99); irrenunciável, pois o titular não pode dela desfazer-se, sendo vedada a renúncia parcial ou total, salvo autorização legal (art. 2o , II L. 9784/99); imodificável por vontade de seu titular, não lhe cabendo torná-la mais ampla ou mais restrita; e imprescritível, ainda que por muito tempo não seja exercida. I.2.2 - Finalidade É o elemento pelo qual todo ato administrativo deve estar dirigido ao interesse público. O interesse público que legitima o ato é aquele indicado na lei. A finalidade é o fim mediato (indireto) do ato administrativo, enquanto que o fim imediato (direto) do ato administrativo é o seu objeto. A inobservância desse elemento caracteriza desvio de finalidade, que é uma das formas de abuso de poder (Lei 4717/65 e Lei 4898/65). I.2.3 - Forma É o revestimento do ato administrativo. É o modo através do qual o ato se instrumentaliza, aparece, revela a sua existência. No direito privado vigora o princípio da liberdade das formas (art. 107 Cód. Civil), sendo essencial apenas quando a lei exige. No direito administrativo opera-se situação 6 inversa, sendo a forma essencial para a validade do ato administrativo (princípio da solenidade das formas). Assim sendo, via de regra, o ato administrativo deve ser escrito, registrado (arquivado) e publicado (para melhor controle da legalidade dos atos em juízo). Excepcionalmente, pode ser em forma de ato oral (ordens dadas a um servidor), atos visuais (placas de sinalização de trânsito), atos eletromecânicos (semáforos), atos sonoros (policiais dirigindo o trânsito através de gestos e apitos). A forma difere de procedimento ou formalidades procedimentais. Este refere-se a observância completa e regular das formalidades essenciais à existência e seriedade do ato. É o modo de produção do ato administrativo e que segundo a classificação proposta por Bandeira de Mello é requisito extrínseco do ato e não elemento. Por exemplo, o concurso público é o procedimento obrigatório para preenchimento de cargos e empregos públicos na Administração Pública Direta e Indireta (art. 37, II, da CF/88). I.2.4 - Motivo É o pressuposto de fato ou de direito (motivo legal) em que se fundamenta o ato administrativo. É o porquê do ato administrativo. O motivo é anterior ao ato. O motivo pode ser vinculado ou discricionário. Será vinculado quando a situação de fato já está delineada na norma legal. Será discricionário quando a lei não delineia a situação fática, mas transfere ao agente a verificação de sua ocorrência atendendo a critérios de conveniência e oportunidade (mérito administrativo). Por outro lado, motivo não se confunde com motivação. O motivo é elemento essencial do ato; se ele não tiver motivo, ele não existe. Todo o ato administrativo tem que ter motivo. A motivação é a redução a termo do motivo do ato. A motivação geralmente vem antes do texto do ato, e geralmente começa nos textos legais pela palavra “Considerando”. A doutrina discute se é obrigatória ou facultativa a motivação dos atos administrativos. Alguns entendem que a motivação é obrigatória somente quando o ato é vinculado, sendo facultativo nos atos discricionários. O fundamento dessa posição doutrinária está no entendimento de que na competência discricionária administrativa de pôr e dispor, o controle judicial não teria competência para valoração. 2 Outros doutrinadores entendem que a motivação é obrigatória, independente da natureza do ato administrativo. Haveria, portanto, um princípio constitucional implícito da motivação.3 2 Segundo Carvalho Filho a obrigatoriedade de motivação inexiste no ato administrativo como regra. Isso porque a Constituição não incluiu qualquer princípio pelo qual pudesse vislumbrar tal intenção. Assim, só se poderá considerar a motivação obrigatória se houver norma legal expressa nesse sentido (p.ex., art. 50 Lei 9784/99). Reconhece, contudo, a conveniência de se motivar os atos administrativos, mas não pode ser tratado como obrigatoriedade. 3 A fundamentação do ato administrativo, segundo Hartmut Maurer, tem uma tríplice função: ela deve, por um lado, comunicar ao destinatário as considerações determinantes da autoridade para que ele se possa fazer uma ideia sobre a conformidade ao direito do ato administrativo e estimar as chances de um recurso jurídico; ela, por outro lado, serve 7 Segundo a jurisprudência do STF todo ato administrativo de decisão deve ter motivação, sob pena de impedir o exercício do devido processo legal, (art. 5o, inciso LIV, da CF), ampla defesa e contraditório (art. 5o, inciso LV, da CF). A única exceção prevista constitucionalmente de ato administrativo de decisão, que dispensa motivação está no artigo 37, inciso II, que trata da nomeação e exoneração ad nutum de titulares de cargo em comissão. De acordo com a teoria dos motivos determinantes, o motivo do ato administrativo deve sempre guardar relação com a situação de fato que o gerou, de tal modo, que se inexistentes ou falsos implicam a sua nulidade. Em outras palavras, quando a Administração Pública motiva o ato mesmo que a lei não a exija, ele só será válido se os motivos forem verdadeiros. Além da inexistência do motivo como causa ensejadora do vício de motivo, a lei 4717/65 estabeleceu ainda a falta de congruência lógica entre o motivo e o resultado do ato (objeto e finalidade). Alguns doutrinadores denominam de “causa” a referida adequação lógica.4 I.2.5 - Objeto É o efeito jurídico imediato que o ato produz. É o que o ato decide, enuncia, certifica, opina ou modifica na ordem jurídica. O objeto verifica-se no momento do ato, diferente do motivo queé anterior ao ato. Por exemplo, a licença para construção tem por objeto permitir que o particular possa edificar de forma legítima; o objeto da multa é punir o transgressor; o objeto da nomeação é admitir o servidor nos quadros da Administração Pública. Assim como ocorre no direito privado (art. 104, II Cód. Civil), o objeto deve ser lícito, possível, determinado ou determinável. Também como no direito privado o objeto pode ser natural ou acidental (termo, encargo ou condição). O objeto do ato administrativo pode ser vinculado ou discricionário. Será vinculado quando o agente deve fixar o mesmo objeto que a lei previamente estabeleceu. Será discricionário quando o agente pode traçar linhas que limitam o conteúdo do seu ato (termo, condição e modo) mediante critérios de conveniência e oportunidade.5 de autocontrole da administração que, pelo dever da declaração expressa dos fundamentos, é coagida a examinar rigorosamente os pressupostos do ato administrativo; ela deve, por fim, facilitar o controle pelos tribunais administrativos. In Elementos de direito administrativo alemão, p. 103/104. 4 De acordo com essa doutrina, causa é a relação de adequação lógica entre o motivo e o conteúdo em função da finalidade legal do ato. Por exemplo, o ato que remove (conteúdo) um servidor por necessidade do serviço (motivo) terá adequação lógica entre motivo e conteúdo se o que se quer alcançar é a melhoria do serviço (finalidade). 5 Para Celso A. Bandeira de Mello conteúdo é o que o ato administrativo prescreve, dispõe. Objeto é a coisa sobre a qual incide o ato administrativo. 8 I.3 - Mérito administrativo e discricionariedade Em certos atos administrativos, como por exemplos nos atos de polícia, a lei permite ao agente uma avaliação da conduta, ponderando aspectos relativos à oportunidade e conveniência da prática do ato. Essa prerrogativa legal denomina-se poder discricionário ou discricionariedade. A discricionariedade é a prerrogativa concedida pelo ordenamento jurídico à administração pública, de modo implícito ou explícito, para a prática de atos administrativos, com liberdade na escolha de sua conveniência, oportunidade e conteúdo. Portanto, a conveniência e a oportunidade são os elementos nucleares do poder discricionário, constituindo o mérito administrativo. A conveniência indica em que condições vai se conduzir o agente. A oportunidade diz respeito ao momento em que a atividade deve ser produzida. Para Diogo de Figueiredo Moreira Neto a discricionariedade pode ser entendida, em sentido amplo e em sentido restrito. Em sentido amplo, é a possibilidade jurídica, criada por uma norma originária, para o exercício de uma definição integrativa do interesse público específico nela previsto, por uma nova norma ou ato concreto derivados. Em sentido restritivo, expressa apenas a possibilidade jurídica outorgada pelo legislador ao administrador para integrar a definição do interesse público específico previsto numa norma legal. 6 Em conclusão, a discricionariedade é a integração administrativa. Mérito é o uso da discricionariedade. Trata-se de um conceito operacional. Discricionariedade é técnica legislativa e mérito é o resultado da discricionariedade. Como afirmado, essa avaliação de conduta só pode ser feita pelo agente no elemento motivo e objeto do ato administrativo, razão pela qual esses elementos constituem o mérito administrativo. Os demais elementos do ato administrativo, competência, finalidade e forma, serão sempre elementos vinculados. Vale observar que o motivo e objeto podem ser elementos vinculados de determinado ato. Quando assim for, não há que se falar em mérito administrativo. A vinculação (ato administrativo vinculado) ocorre quando todos os cinco elementos do ato forem vinculados. I.3.1 - Controle judicial da discricionariedade administrativa O controle da discricionariedade administrativa foi sendo pouco a pouco incrementado pela doutrina e jurisprudência, podendo-se falar em etapas de juridicização da discricionariedade. 6 Legitimidade e Discricionariedade. Ed. Forense, p. 32/33 9 A primeira etapa resultou na possibilidade de investigação dos elementos vinculados dos atos discricionários (competência, finalidade e forma), sendo vedado ao Poder Judiciário o exame dos elementos discricionários (motivo e objeto). Posteriormente, com a teoria do desvio de finalidade e a teoria dos motivos determinantes passou-se a entender que a discricionariedade deveria ser concebida não mais como um poder jurídico, mas como um dever de atender à finalidade estampada na lei. Considerando que o resultado (finalidade) do ato deve ter uma relação de adequação lógica entre o motivo e o objeto, ao analisar a finalidade acaba-se por analisar os elementos discricionários motivo e objeto de forma indireta. A despeito do avanço apresentado pela controlabilidade judicial dos elementos vinculados, tanto em aspectos formais (competência, forma e motivação), como em aspectos materiais (ligados à finalidade e ao motivo), fato é que tal evolução se revelou insuficiente para dar conta da significativa gama de arbitrariedades perpetradas sob o manto do mérito administrativo. Assim sendo, a teoria da vinculação direta dos atos administrativos aos princípios jurídicos representa a mais articulada e importante resposta à demanda por maior controle judicial sobre a discricionariedade administrativa. Tal evolução foi possível com a superação da concepção positivista do direito, estado de direito formal, em benefício de um estado de direito material. Assim passa-se a fundamentar a atividade administrativa na vinculação à ordem jurídica como um todo, ou seja, em regras e princípios. A partir da segunda metade do século XX, orientado pelo pós-positivismo ou neoconstitucionalismo7, os princípios passaram por uma fase de juridicidade, adquirindo uma hegemonia axiológica e força normativa (Konrad Hesse), identificando-se com a ideia de “reserva de justiça” Para Sergio Ferraz 8 , princípios são normas dotadas de positividade, pois determinam condutas obrigatórias, ou impedem a adoção de comportamentos com eles incompatíveis. Além disso, são vetores interpretativos, porque servem para orientar a correta interpretação das normas isoladas. Assim sendo, segundo a melhor doutrina, não mais se permite falar em mera dicotomia de ato vinculado/ato discricionário, mas sim em diferentes graus de vinculação 7 Luís Roberto Barroso assevera, a respeito do pós-positivismo, que se trata de um esforço de superação do legalismo estrito, característico do positivismo normativista, sem recorrer às categorias metafísicas do jusnaturalismo. Nesse esforço, segundo o mesmo publicista, se incluem a atribuição de normatividade aos princípios e a definição de suas relações com valores e regras; a reabilitação da argumentação jurídica; a formação de uma nova hermenêutica constitucional; e o desenvolvimento de uma teoria dos direitos fundamentais edificada sobre o fundamento da dignidade humana, reaproximando, dessa forma, o Direito e a Ética. Cf. O Estado contemporâneo, os direitos fundamentais e a redefinição da supremacia do interesse público. Prefácio. In SARMENTO, Daniel (org). Interesses Públicos versus Interesses Privados: Desconstruindo o Princípio de Supremacia do Interesse Público. 8 Processo Administrativo, p. 49. 10 dos atos administrativos à juridicidade. Ao maior ou menor grau de vinculação à juridicidade corresponderá maior ou menor grau de controlabilidade judicial dos atos administrativos. Com efeito, os princípios constitucionais gerais,decorrentes do Estado de Direito, da proporcionalidade e razoabilidade, e os princípios setoriais propiciam ao juiz uma ingerência cada vez maior no mérito da decisão. I.4 - Atributos ou características Pelo fato de emanarem de agentes dotados de parcela do poder público, os atos administrativos possuem certos atributos ou características que o distinguem dos atos jurídicos privados e legitimam a supremacia do interesse público sobre o privado. Segundo Carvalho Filho, são três os atributos principais dos atos administrativos: Imperatividade ou coercibilidade; auto-executoriedade e presunção de legitimidade. 9 I.4.1 - Imperatividade ou coercibilidade É o atributo pelo qual os atos administrativos se impõem a terceiros, independentemente de sua concordância. É a manifestação unilateral que criará obrigações para terceiros. É poder extroverso da Administração Pública. Significa que os atos administrativos são cogentes. Entretanto, há certos atos da Administração que não têm imperatividade, por não imporem obrigações, como por exemplo, os atos enunciativos (aqueles que apenas informam, dão alguma certeza oficial sobre algo, tais como certidões, atestados, pareceres) e os atos negociais (aqueles que concedem pretensões solicitados pelo administrativo, como na licença, autorização e permissão). I.4.2 - Auto-executoriedade ou executoriedade É o atributo pelo qual a Administração Pública pode satisfazer diretamente sua pretensão jurídica compelindo materialmente o administrado por meios próprios. Em outras palavras, a Administração Pública subjuga o administrado à obediência por meio de coação direta, sem necessidade de recorrer ao Poder Judiciário. 10 9 Tal como nos elementos, não há uniformidade de pensamento entre os doutrinadores na indicação dos atributos do ato administrativo. Maria Sylvia Zanella Di Pietro indica a presunção de legitimidade e veracidade, imperatividade, auto-executoriedade e tipicidade. Diogo de Figueiredo Moreira Neto aponta como característica a imperatividade, existência, validade, eficácia, exequibilidade, executoriedade, efetividade e relatividade. Celso A. Bandeira de Mello aponta a imperatividade, exigibilidade, presunção de legitimidade e auto-executoriedade. 10 Segundo José Cretella Júnior, essa posição privilegiada da Administração, perante o administrado, que lhe confere a faculdade excepcional de pôr em execução com os próprios meios de que dispõe, inclusive ‘manu militari’, os atos administrativos editados, sem o cuidado prévio de submeter tais decisões à apreciação da autoridade judiciária, resulta daquilo que os autores franceses denominam de ‘privilège du préalable’ e da ação de ofício, prerrogativas só derrogadas, excepcionalmente, quando se acha em jogo a liberdade individual ou a propriedade, confiscada sem o respectivo processo expropriatório. In Tratado de Direito Administrativo, vol.II, p. 78. 11 A auto-executoriedade tem como fundamento a necessidade de salvaguardar com rapidez e eficiência o interesse público. Todavia, nem todos os atos são dotados da força da auto-executoriedade. É o que Diogo de Figueiredo Moreira Neto denomina de hetero-executoriedade. É o caso das sanções fiscais, que embora exigíveis, não são auto-executórias, pois precisam da aprovação do Poder Judiciário. Outrossim, alguns doutrinadores sustentam que a auto-executoriedade somente pode ser utilizada se cumprir expressamente os seguintes requisitos: a) quando a lei prevê expressamente; b) se a medida for urgente; c) não houver outros meios menos gravosos para garantia do interesse público. Por outro lado, embora o ato administrativo possa ter executoriedade, para permitir o controle posterior, tanto da própria Administração quanto do Judiciário, é preciso que esses atos sejam sempre reduzidos a termo e sejam sempre precedidos de notificação. I.4.3 - Presunção de legalidade11 Se os atos administrativos desde logo são imperativos e executáveis há de militar em seu favor a presunção (juris tantum ou relativa) de que todos os elementos satisfazem integralmente os requisitos e os condicionantes postos pelo ordenamento jurídico.12 Essa presunção é interpretada em sentido amplo e diz respeito inclusive aos aspectos da veracidade dos fatos. Os principais fundamentos desse atributo são: a) Soberania do Estado: o fato de ser uma das formas de expressão da soberania do Estado, de modo que a autoridade que pratica o ato o faz com consentimento de todos. b) Princípio da legalidade: a Administração Pública só pode atuar se, como e quando autoriza a lei, conforme dispõe o art. 37, caput, da CF/88. c) Celeridade e eficiência administrativa: necessidade de assegurar a celeridade no cumprimento dos atos administrativos para atendimento do interesse público. 11 Para uma boa parte de autores publicista, a expressão “legitimidade” é usada com o significado de respeito ao direito positivo, ou seja, como sinônimo de “legalidade”. Porém, essas duas expressões trazem nítida diferenciação de funções e dimensões, decorrentes da definição do Estado como democrático e de direito. Este pressupõe a existência de duas ordens de referência ética na captação dos interesses da sociedade: política e jurídica. À ordem política, corresponde o conceito de legitimidade e à ordem jurídica, o conceito de legalidade. Portanto, as dimensões e funções são bem distintas: o interesse público, antes ou depois de legislado, é sempre padrão de legitimidade, mas só o interesse público legislado alcança o padrão de legalidade. Em resumo, a legitimidade é muito mais ampla que a legalidade, simplesmente porque é impossível, em qualquer sociedade, que a lei defina exaustivamente todas as hipóteses do interesse público. 12 Cabe anotar a posição de Ramón Parada, para quem a presunção de legitimidade é, na verdade, um predicado não só do ato administrativo, mas de todos os atos estatais. In Curso de Derecho Administrativo, vol. I, p. 145. 12 Como decorrência do reconhecimento da presunção de legalidade, o Judiciário não pode apreciar ex officio a validade do ato. Somente a pedido da pessoa interessada. De igual modo, enquanto não decretada a nulidade, o ato administrativo é tido como verdadeiro e válido perante o direito, e por fim, cabe a quem alegar ser o ato ilegal a comprovação da ilegalidade.13 I.5 - Existência, validade e eficácia Os elementos ou requisitos condicionam a existência, validade e eficácia do ato administrativo. Contudo, esses conceitos são inconfundíveis. O plano da existência ou perfeição é ciclo de formação que os atos administrativos devem seguir e que se completa quando todos os seus cinco elementos estão presentes. Em outras palavras, a existência está apenas ligada à formação do ato, ao esgotamento do ciclo de formação. Sendo perfeito o ato existe para o mundo jurídico. O ato administrativo perfeito assume a garantia atribuída ao ato jurídico perfeito - art. 5o XXXVI CF. O plano de validade é a condição de ajustamento dos requisitos do ato com o ordenamento jurídico (Constituição, princípios e leis). Cabe recordar que no tocante à validade, o ato administrativo presume-se válido até prova em contrário (atributo da presunção de legalidade). O plano da eficácia é a aptidão do ato administrativo para produzir efeitos jurídicos pretendidos. Note-se que a eficácia pode estar pendente de condição suspensiva, termo ou encargo, bem como a um controle posterior de legalidade ou de mérito (aprovação e homologação). Ressalte-se ainda que no regime jurídico administrativo determinados atos administrativos possuem como condição de eficácia a notificação ao destinatário ou a publicidade.Por outro lado, os efeitos do ato administrativo podem ser de dois tipos: a) típicos ou próprios, que são aqueles resultantes de seu conteúdo especifico; b) atípicos, que pode ser de duas ordens: preliminares (ou prodômicos) que são aqueles que existem enquanto perdura a situação de pendência do ato administrativo, como nos casos de atos pendentes de aprovação ou homologação, ou reflexos, quando extinguem outra relação jurídica, como no caso da rescisão da locação de imóvel desapropriado para fins de utilidade pública. 13 Agustín Gordillo sustenta que a inversão não é absoluta. Para o autor, os atos administrativos que possuem um manifesto vício de legalidade não possuem a referida presunção. Segundo Gordillo, esse entendimento acarreta, na prática, que a inversão do ônus da prova não é absoluta. Em primeiro lugar, argumenta que a prova da ilegitimidade do ato administrativo somente será necessária quando dependa de situações de fatos, o que significa dizer que quando a ilegitimidade surge de mera confrontação com o ordenamento jurídico não necessita a parte prejudicada provar a ilegitimidade, bastando alegar argumentos de direito suficientes para demonstrar que o ato impugnado padece de algum vício. Em segundo lugar, prossegue Gordillo, na falta de elementos suficientes para provar a ilegitimidade do ato, o juiz não pode basear-se no princípio “na dúvida em favor do Estado”, e sim, num Estado democrático, in dubio pro libertate. 13 Em resumo, o ato administrativo pode ser: a) Imperfeito, quando não preenchido o seu ciclo completo de formação; b) Perfeito, válido e eficaz, quando concluído seu ciclo de formação e estando ajustado às exigências legais e está apto para produzir os efeitos que lhe sejam decorrentes; c) Perfeito, inválido e eficaz, quando, embora completado seu ciclo de formação e apto para gerar efeitos, não foi produzido em conformidade com as exigências normativas; d) Perfeito, válido e ineficaz, quando, concluído seu ciclo de formação, o qual se deu de forma válida, não se encontra ainda apto para produzir efeitos; e) Perfeito, inválido e ineficaz, quando esgotado seu ciclo de formação, não se encontra este em conformidade com o ordenamento e nem apto para produzir efeitos. I.6 - Classificação Os atos administrativos podem ser objeto de múltiplas classificações conforme o critério em função do qual sejam agrupados. a) Quanto aos destinatários: individuais (são os que tem por destinatário sujeito ou sujeitos especificadamente determinados); gerais ou regulamentares (são os que tem por destinatário uma categoria de sujeitos inespecíficos). b) Quanto ao alcance dos efeitos: internos (são os que incidem sobre os órgãos e agentes da Administração Pública que os expediram); externos (são os que alcançam os administrados, os contratantes e os próprios servidores). c) Quanto ao conteúdo: atos de império ou de autoridade (são aqueles que a Administração Pública pratica usando de sua supremacia sobre o administrado); atos de gestão (são os praticados pela Administração Pública em situação de igualdade com o particular, sem coerção ou autoridade, ou no gerenciamento de bens e serviços); atos de expediente (são os atos de rotina interna das repartições públicas que visam dar andamento aos processos). d) Quanto à liberdade de escolha: vinculados (são aqueles em que a lei estabelece os requisitos e condições de sua realização, absorvendo a liberdade do administrador); discricionários (é aquele em que o administrador tem maior liberdade na escolha dos motivos (oportunidade e conveniência) e o do objeto). e) Quanto à formação da vontade: simples (é o que resulta da manifestação de um único órgão); complexo (ato cuja vontade final exige a intervenção de agentes ou órgãos diversos, havendo certa autonomia e conteúdo próprio em cada uma das manifestações); composto (embora tenha múltiplas vontades, eles não são autônomos, havendo, na verdade, uma só vontade. Em outras palavras, a vontade de 14 um órgão ou agente é instrumental em relação à de outro, que edita o ato principal). O ato composto só se aperfeiçoa e será eficaz com a integração da vontade final e somente a partir desse momento se torna atacável; ao passo que o ato complexo já se forma e é válido desde a primeira manifestação, sujeita a sua eficácia apenas a uma espécie de verificação.14-15 I.7 - Espécies Em linhas gerais é possível agrupar as várias espécies de atos administrativos nas seguintes categorias: a) Atos normativos: são aqueles que exprimem um comando geral do executivo, visando a correta aplicação da lei. O objetivo de tais atos é explicitar a norma legal a ser observada pela Administração Pública e administrados, tais como os decretos regulamentares, as instruções normativas, os regimentos, as resoluções e deliberações. b) Atos ordinatórios: são os que visam disciplinar o funcionamento da administração e a conduta de seus servidores, tais como as instruções de serviço, as circulares, os avisos, as portarias, os ofícios e despachos. c) Atos negociais: são todos aqueles que contém uma declaração de vontade da Administração Pública apta a concretizar determinado negócio jurídico ou deferir certa faculdade ao particular, nas condições impostas ou consentidas pelo poder público, como a licença, a autorização, a permissão, aprovação, homologação, admissão, visto, dispensa, renúncia. d) Atos enunciativos: são aqueles em que não há manifestação de vontade da Administração Pública, apenas enunciação de fato, ato ou opinião, sem se vincular ao seu enunciado, tais como as certidões, atestados, pareceres. e) Atos punitivos: são os que contém uma sanção imposta pela Administração Pública àqueles que infringem disposições legais, regulamentares ou ordinatórias dos bens ou serviços públicos. Podem ser de atuação interna ou externa. Dentre os atos punitivos 14 A teoria do ato complexo é fruto de elaboração teórica alemã do final do séc. XIX, especialmente os estudos de Otto Gierke, o mesmo que formulou a teoria da imputação dos órgãos públicos. Foi este teórico alemão o primeiro a evidenciar que a noção de contrato era insuficiente para explicar determinadas situações em que o concurso de manifestações não gerava obrigações recíprocas entre as partes. Até então se entendia que seria típica figura contratual o ato constitutivo de associação ou corporação. Contudo, foi Jellinek, também na Alemanha, quem aplicou essa nova teoria no campo do direito público. 15 Diogo de Figueiredo evidencia o equívoco classificatório da doutrina e denomina ato administrativo conjunto o que os outros autores denominam de ato administrativo complexo, sendo que ato complexo seria uma quarta classificação do ato administrativo quanto a manifestação de vontade. Segundo o autor, os autores que denominam de complexo o ato que ele classifica de composto, o fazem por entender que se está diante de um ato subjetivamente complexo (manifestação de dois ou mais órgãos ou agentes). No entanto, o ato complexo na concepção que lhe deu a doutrina alemã é um ato que possui não só complexidade subjetiva, mas também complexidade objetiva, ou seja, produz efeitos cumulados e convergentes para a satisfação de um interesse declaradamente comum (unidade de conteúdo e fim). Nessa acepção, entende o autor que seria espécies de ato complexo: os convênios, consórcios e acordos de programa. 15 de atuação externa destacam-se as multas, destruição de coisas, interdição de atividade. I.8 - Extinção dos atos administrativos Os atos administrativos podem ter os seus efeitos jurídicos extintos de váriasmaneiras: a) Extinção natural: decorre do cumprimento natural dos efeitos do ato e é a forma habitual de extinção. b) Extinção subjetiva: dá-se pela morte do sujeito alcançado pelo ato administrativo. Via de regra, o ato é personalíssimo, não cabendo sua transmissão hereditária. c) Extinção objetiva: ocorre com o desaparecimento do objeto (elemento essencial do ato). d) Caducidade: decorre do surgimento de nova legislação que impede que os efeitos jurídicos do ato prossigam. e) Desfazimento voluntário: diferentemente das hipóteses anteriores, essa forma de extinção do ato decorre da manifestação de vontade do administrador com a edição de outro ato e pode se dar de três formas: cassação (ocorre quando o destinatário do ato descumpre as condições originalmente estabelecida); anulação (ocorre em virtude da existência de algum vício de legalidade insanável em qualquer um dos seus elementos ou requisitos), revogação (ocorre por razões de interesse público superveniente - mérito administrativo). I.8.1 - Anulação A anulação dos atos administrativos suscita muita controvérsia doutrinária, especialmente em decorrência das consequências dos vícios. Isso porque a falta de sistematização dos textos de direito administrativo embaraça a construção da teoria das nulidades dos atos da Administração Pública, tendo os autores que recorrer aos dispositivos da legislação civil. As nulidades do direito privado obedecem a um sistema dicotômico, composto da nulidade (art. 166 Cód. Civil) e da anulabilidade (art. 171 Cód. Civil). Um ato jurídico pode ser nulo ou anulável. A diferença principal entre eles, é que o ato nulo não admite convalidação, enquanto que no ato anulável ela é possível (art. 169 Cód. Civil). Além disso, o juiz pode decretar de oficio a nulidade ou mediante alegação do interessado, enquanto na anulabilidade só pode ser decretada se houver provocação da parte interessada (168 e 177 Cód. Civil). É exatamente nessa adaptação ou não das nulidades do direito civil para o direito administrativo que a doutrina se dividiu, surgindo dois polos diversos e antagônicos. De um lado, a teoria monista que diz ser inaplicável a dicotomia das nulidades no direito 16 administrativo. O ato é nulo ou válido. Não existindo atos anuláveis.16 Do outro lado, a teoria dualista que diz que os atos administrativos podem ser nulos ou anuláveis (irregularidades sanáveis), de acordo com a menor ou maior gravidade do vício, podendo neste último caso ocorrer a convalidação de atos defeituosos.17 A Lei n. 9784/99 acabou por positivar o entendimento da doutrina dualista, possibilitando a convalidação dos atos administrativos em relação a vícios superáveis, de forma a confirmá-los no todo ou em parte, retornando-o à legalidade - art. 55. A grande vantagem da sanatória é que ela gera efeitos ex tunc, uma vez que retroage, em seus efeitos, ao momento em que foi praticado o ato originário. Todavia, segundo a melhor doutrina, nem todos os vícios do ato administrativo permitem seja este convalidado. São convalidáveis apenas os vícios de competência, forma e objeto plúrimo (quando a vontade administrativa se dirigir a mais de uma providência no mesmo ato. São inconvalidáveis os vícios de motivo, finalidade e objeto único. Os vícios de legalidade que podem contaminar um ato administrativo estão positivados no art. 2o da Lei 4717/65. São eles: a) Vício de competência: quando o ato é praticado por agente que não tem competência legal para praticá-lo (excesso de poder). b) Vício de finalidade: quando o agente pratica o ato visando a fim diverso daquele previsto na lei. O agente visa fins pessoais, políticos, econômicos. Trata-se de desvio de finalidade e violação ao princípio da impessoalidade. c) Vício de forma: quando ocorre omissão ou inobservância incompleta ou irregular de formalidades indispensáveis à existência do ato. d) Vício de motivo: ocorre quando é inexistente o fundamento do ato; quando é falso; quando o fundamento é desconexo com o objeto pretendido. e) Vício do objeto: quando o conteúdo do ato é diverso do que a lei autoriza ou determina. São os casos em que o objeto é ilícito, impossível ou indeterminável. São competentes para anular o ato administrativo a própria Administração Pública, em função do seu poder de autotutela,18 e o Poder Judiciário em face da sua missão de 16 Por todos, Hely Lopes, Diógenes Gasparini, Sergio Ferraz, Regis Fernandes. 17 Por todos, Celso Bandeira Mello, Seabra Fagundes, Cretella Jr., Lucia Valle, Carvalho Filho, Maria Sylvia Di Pietro. Alguns desses autores adeptos da teoria dualista afirmam ainda a ocorrência dos chamados atos administrativos inexistentes, que seriam aqueles tipificados como crime. 18 A autotutela em regra é exercida de oficio, ou seja, sem a necessidade de que outra pessoa o solicite, usando a Administração Pública da sua auto-executoriedade. Porém, o STF tem decidido que quando o ato de anulação afetar interesses de pessoas, contrário ao desfazimento do ato, é necessário que se confira ao interessado o direito ao contraditório (RE 158.543-9 RS). 17 controle da legalidade. Essa dupla via de anulação já mereceu consagração no STF através das Sumulas 34619 e 47320 e previsão legal no art. 53 da Lei 9784/99. O ato de anulação pode ser considerado de efeito negativo, visto que não tem o efeito de produzir consequências novas na órbita administrativa, mas antes de reinstaurar o statu quo ante. Entretanto, existem limites para o dever da Administração anular seus próprios atos. Esses limites podem se apresentar de duas formas: pelo decurso do tempo que estabiliza certas situações fáticas, resguardando assim o princípio da segurança jurídica. O art. 54 da Lei 9784/99 estabeleceu o prazo decadencial de 5 anos para a Administração anular os atos ilegais; pela consolidação dos efeitos já produzidos (teoria do fato consumado), uma vez que a anulação provocaria agravos maiores ao direito do que aceitar a subsistência do ato e de seus efeitos na ordem jurídica, prevalecendo aqui o princípio do interesse público, da boa-fé, da vedação do enriquecimento sem causa sobre o princípio da legalidade. A anulação opera efeitos ex tunc, isto é, a anulação possui efeitos retroativos, invalidando o ato desde a sua origem. Há, todavia, casos em que não é possível restabelecer-se o status quo ante. Nesses casos, anula-se com efeitos ex nunc. Quanto ao direito de indenização, via de regra, a anulação não gera indenização ao particular. Todavia, admite a doutrina a indenização nos casos em que tenha o destinatário efetuado despesas e agido de boa-fé. O direito de terceiros de boa-fé também deve ser preservado. I.8.2 - Revogação É o instrumento jurídico através do qual a Administração promove o desfazimento do ato administrativo por razões de conveniência e oportunidade (mérito administrativo). O pressuposto, portanto, é o interesse público. Por esse motivo são suscetíveis de revogação apenas os atos discricionários. A competência para revogar é somente da Administração, porque ao Poder Judiciário é vedado apreciar os critérios de conveniência e oportunidade. O que o juiz pode verificar é a validade ou não dos elementos vinculados do ato de revogação, ou seja, se o ato preenche os requisitos de validade para sua eficácia. A revogação opera efeitos ex nunc, ou seja, consideram-se válidos os efeitos produzidos pelo ato até o momento da revogação, quer quanto as partes quer em relação a terceiros. Por essa razão, a revogação não gera indenização porque a sua efetivação não lesa direito algum de terceiro. 19 A Administração pública pode declarar anulidade dos seus próprios atos. 20 A Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornem ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência e oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial.
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