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INTRODUÇÃO A BEM-ESTAR ANIMAL Sumário do conteúdo • Ciência, ética e lei • Bem-estar físico, mental e natural • Conceito de necessidade • Bem-estar e morte • Antropomorfismo Qual o grau de bem-estar dos seguintes gatos? Um gato de estimação tem uma ferida infectada – seus donos perceberam o problema duas semanas atrás, mas não levaram o gato ao veterinário. Um gato de estimação tem uma ferida infectada – o gato ficou desaparecido por duas semanas, mas quando voltou seus donos o levaram ao veterinário. Há uma diferença no bem-estar desses dois gatos? Uma investigação científica (ex.: sensibilidade à dor, resposta inflamatória, perda de peso) do estado de bem-estar do animal não seria capaz de identificar uma diferença nos dois gatos, isto é, uma avaliação rigorosa de bem- estar não mostraria nenhuma diferença. Entretanto, a consideração/tratamento dedicados pelos seres humanos é pior para o primeiro gato, isto é, há uma diferença quanto às ações humanas e não uma diferença quanto ao bem-estar. Os donos do primeiro gato, mas não do segundo, poderiam ser acusados de causar “sofrimento desnecessário”. Bem-estar dos animais versus assistência provida pelos humanos Ambos os gatos têm o mesmo estado de bem-estar A ciência bem-estar não mostra nenhuma diferença Diferença na assistência provida pelos donos Os donos têm diferentes condutas morais Ética, não ciência Ambos os gatos têm um estado de bem-estar similar quando o caso é visto a partir da perspectiva da ciência de bem-estar. Entretanto, eles foram submetidos a diferentes tipos de assistência pelos seres humanos. Essa diferença no comportamento humano refere-se à ética, não à ciência. Esse comportamento humano é relevante para a legislação, pois leis podem ser aprovadas para controlar comportamento cruel ou irresponsável. Ciência, ética e lei • A ciência bem-estar considera os efeitos dos seres humanos sobre o animal da perspectiva do animal • A ética do bem-estar considera as atitudes humanas para com os animais • A legislação de bem-estar considera como os seres humanos são obrigados a tratar os animais É importante reconhecer que o debate sobre bem-estar deve inevitavelmente incluir os três elementos. A ciência busca uma quantificação dos efeitos sobre os animais em termos de medidas fisiológicas, comportamentais, de sanidade, etc. A ética preocupa-se com as ações humanas, considerando a moral do comportamento humano. Ela engloba como tratamos os animais atualmente e como temos obrigação de tratá-los. A legislação é um resultado de ciência e ética, na medida em que reflete as normas que governam o uso e o tratamento de animais em uma sociedade. Conceitos em Bem-Estar Animal: Ciência, ética e lei • Todos os três aspectos são importantes para o bem-estar • As apresentações dos conceitos de Bem-Estar Animal cobrem diferentes aspectos: – Algumas apresentações enfocam 1 aspecto, ex.: • Ciência: indicadores fisiológicos • Ética: introdução à ética • Lei: legislação de proteção – Outras apresentações cobrem todos os 3 aspectos ex.: • Criação de animais de produção • Eutanásia Qual é a condição de bem-estar do seguinte cão? Durante uma vacinação de rotina, um médico veterinário observa um pequeno, porém agressivo, tumor maligno na boca de um cão (o tumor propagou-se para os nódulos linfáticos locais) • Atual Condição física - anormalidade Condição mental - boa Futuro Condição física - metástase pulmonar, etc. Condição mental - dor, desconforto Imagine que o médico veterinário observe um tumor pequeno e saiba que é maligno e irá formar metástases em todo o organismo. Existe uma diferença entre o estado atual e futuro de bem-estar deste cão. No momento, existe uma anormalidade física detectável (um tumor na boca e metástases), entretanto, o cão não está sofrendo dor nem desconforto. No futuro, o tumor formará mais metástases, causando dor e desconforto. Podemos desta forma distinguir entre estado de bem-estar atual e futuro, assim como problemas físicos e mentais do cão. Desta forma, podemos distinguir entre os efeitos de bem-estar no estado físico e mental dos animais. As condições podem afetar o estado físico ou mental ou ambos. Por exemplo, tumores ou infecções incipientes modestos podem levar a problemas físicos detectáveis no cão, sem que o mesmo apresente qualquer problema mental. De maneira semelhante, o medo e a ansiedade durante o manejo são estados mentais que um animal tentaria evitar. No entanto, esses sentimentos não estão necessariamente associados a alguma anormalidade física. Entretanto, a maioria das doenças e lesões clínicas induz tanto danos físicos ao organismo quanto algum grau de dor ou desconforto mental. É importante ressaltar que, em relação ao bem estar, o aspecto físico e o mental têm igual valor e que, muitas vezes, o mental tem um valor maior (como no caso da depressão). Vale lembrar que, muitas vezes, estaremos frente a um paciente terminal (estado físico muito ruim), porém com um aspecto mental até bom devido aos cuidados e carinho dos donos e da equipe que o trata. Um terceiro conceito de bem-estar refere-se à “naturalidade”, invocando uma apreciação das condições que os animais teriam na natureza para se realizar de forma completa. Por exemplo, uma galinha alojada individualmente em uma gaiola pequena, tendo disponíveis alimentos, água, poleiro, substrato tipo areia para contato, etc., pode não apresentar qualquer problema mental ou físico. Entretanto, algumas pessoas diriam que isto não é “natural” e, por isso, constitui uma preocupação de bem-estar. Nestas condições a galinha pode não apresentar problemas físicos maiores, porém como não pode expressar todo seu potencial de comportamento, irá desenvolver problemas comportamentais. A naturalidade está relacionada com a expressão do comportamento natural. Desta forma, existem três conceitos de bem-estar animal, que podem ou não apresentar áreas sobrepostas. Exemplo de questões que afetam o bem-estar físico e mental e a naturalidade Restrição de suínos em gaiolas • Naturalidade: – Restrição do comportamento oral e social • Físico: – Lesões na boca por morder as grades • Mental: – Frustração? – Dor pelas lesões na boca Todos os três conceitos podem estar sobrepostos. Suínos em ambiente “extensivo/natural” gastam mais de 70% de seu tempo fuçando/exercendo comportamento oral e se envolvem em comportamentos sociais complexos. Entretanto, suínos confinados em sistemas de criação intensivos (sem condições de se virar nas gaiolas) geralmente desenvolvem estereotipias (comportamentos repetitivos sem um propósito definido) de mordedura das grades, provavelmente porque eles não podem realizar o comportamento oral normal. A repetida mordedura das grades pode levar a lesões físicas na boca, que também causarão dor (estado mental). Suínos confinados também vão apresentar lesões nos cascos e problemas musculares e articulares (por desuso e sobrecarga). Três definições de bem-estar Estado físico (condição) Estado mental (sentimentos) “Naturalidade” (telos) Esses três conceitos de bem-estar podem ser traduzidos em três definições amplas de bem-estar. Os cientistas, trabalhando na área de bem- estar animal, tendem a refletir sua própria opinião a respeito de qual aspecto é importante nas suas definições de bem-estar. As próximas definições são exemplosde cada conceito. Estado físico “O bem-estar define o estado do animal em suas tentativas de se adaptar ao meio-ambiente.” (Fraser & Broom, 1990) “Sugiro que um animal se encontra num estado de bem-estar pobre somente quando seus sistemas fisiológicos estão alterados a ponto de prejudicarem sua sobrevivência ou reprodução.” (McGlone, 1993) Fraser e Broom referem-se a quão bem um animal se adapta ao seu meio ambiente. A adaptação (discutida a seguir) é essencialmente um reflexo da condição física do animal. McGlone parece ter uma postura mais extrema, ou seja, afirma que o bem-estar somente está comprometido no caso de impedimento de sobrevivência ou de reprodução devido a um problema físico. Outro exemplo: “...a única medida defensável de bem-estar em animais é a determinação de sofrimento por estresse. Além disso, acredito que o indicador mais apropriado de estresse seja a presença de um estado pré-patológico.” (Moberg, 1985) Estado mental “...nem saúde, nem ausência de estresse, nem condição física são necessárias e/ou suficientes para se concluir que um animal esteja em boas condições de bem-estar. Bem-estar depende do que os animais sentem.” (Duncan, 1993) Por exemplo, Duncan defende que o estado mental (sentimentos) é crítico e que isto não está necessariamente relacionado à saúde ou à condição física. Outras referências: (a) “Preocupar-se com bem-estar animal é preocupar-se com os sentimentos subjetivos dos animais, particularmente os sentimentos subjetivos desagradáveis de sofrimento e dor.” (Dawkins, 1988) (b) “A questão não é, eles podem raciocinar? Nem, eles podem se comunicar? Mas, sim, eles podem sofrer?” (Bentham, 1789) “Naturalidade” “Bem-estar não significa somente o controle da dor e do sofrimento, mas também pressupõe a nutrição e a realização da natureza dos animais, o que eu chamo de telos”. (Rollin, 1993) Rollin reconhece que o estado mental (sofrimento & dor) é relevante, mas defende que a realização da natureza animal (telos) também é relevante ao bem-estar. Outros exemplos: (a) “Em princípio, não aprovamos um grau de confinamento de um animal que necessariamente frustre a maioria das atividades principais que constituem seu comportamento normal...” (Brambell, 1965) (b) “Se nós acreditamos na teoria da evolução das espécies… para se evitar sofrimento é necessário, dentro de um período de tempo, que o animal desempenhe todo o seu repertório comportamental, pois tudo tem sua função…” (Kiley-Worthington, 1989) Relação entre os três conceitos Seja qual for a definição utilizada, existe uma ligação inegável entre os três conceitos. Sempre que houver um comprometimento significativo de um aspecto, existe uma tendência dos outros dois serem afetados. Desta forma, é de bom-senso adotar uma visão holística e considerar todos os três elementos. Definição combinada • Algumas definições combinam dois ou três aspectos • Por exemplo: Cinco Liberdades – Livre de fome e sede – Livre de desconforto – Livre de dor, lesões e doenças – Livre para expressar comportamento normal – Livre de medo e estresse Algumas definições combinam dois ou três aspectos (mental, físico ou natural). Por exemplo, as Cinco Liberdades vêm sendo defendidas como importantes para o bem-estar por muitos grupos, como o Conselho de Bem-Estar de Animais de Produção (Farm Animal Welfare Council) do Reino Unido. As liberdades incluem os três elementos: Físico • ferimentos, doenças Mental • fome, sede, desconforto, dor, medo e estresse Natural • expressar o comportamento normal Outros exemplos: (a) “O bem-estar de um animal é determinado por sua capacidade de evitar sofrimento e manter a condição física.” (Webster, 1995) (b) “Os animais se desenvolvem (isto é, passam bem) quando suas necessidades fisiológicas e psicológicas são continuamente supridas e os fatores adversos são controlados ou estão ausentes.” (Seamer, 1993) (c) “O bem-estar de um animal está comprometido quando sua saúde fisiológica e/ou seu bem-estar psicológico, em relação à sua capacidade cognitiva, estão afetados negativamente.” (Morton, 2000) O conceito de necessidade • Necessidade: um requisito, fundamental na biologia do animal, para obter um recurso específico ou responder a um estímulo ambiental ou corporal específico (Broom & Johnson, 1993). • Se uma necessidade não for atendida haverá um efeito na fisiologia ou no comportamento, isto é, a observação de um efeito fisiológico, que possa ser relacionado à ausência de um determinado recurso, é uma indicação da falta de cuidado humano. O “suprimento de necessidades” é um termo utilizado freqüentemente em discussões sobre bem-estar, uma vez que as necessidades definirão quais recursos deveriam ser fornecidos aos animais. As necessidades podem incluir uma gama de provisões, tais como alimentos, água, conforto, prevenção de doenças infecciosas e enriquecimento ambiental. Para animais sob nossos cuidados, o suprimento das necessidades é uma responsabilidade ética do ser humano. A observação dos efeitos após a remoção do atendimento de necessidades indica sua relativa importância. Hierarquia de necessidades • Algumas necessidades podem ser mais importantes do que outras • Provisão de comida e água é uma necessidade fundamental • Provisão de uma área de descanso confortável pode ser menos fundamental Manter a Vida > Manter a Saúde > Manter o Conforto (Hurnik & Lehman, 1985) Alguns cientistas sugerem que algumas necessidades podem ser mais importantes que outras. A remoção de água e alimentos leva a problemas fisiológicos significativos, tais como desidratação a curto prazo. A ausência de suprimento de conforto pode levar a outros problemas, tais como manqueira em vacas de leite. Essas, porém, são alterações a longo prazo, podendo estar em menor prioridade na hierarquia das necessidades dos animais. As necessidades de um animal podem ser classificadas, de acordo com sua importância relativa, em: • Necessidades para manutenção da vida, que devem ser supridas para garantir a sobrevivência • Necessidades para manutenção da saúde, que incluem a prevenção de doenças e de ferimentos • Necessidades para manutenção do conforto, que contribuem para a qualidade de vida Entretanto, o bem-estar do animal permanecerá pobre a não ser que todas essas necessidades sejam supridas. Necessidades: exemplos na legislação • “O proprietário e mantenedor dos animais tem o dever de levar em consideração (…) suas necessidades físicas e etológicas (comportamentais) de acordo com a experiência adquirida e o conhecimento científico”. Convenção Européia para a Proteção de Animais Mantidos para Produção (1976) O conceito de necessidades é freqüentemente utilizado na legislação. Para se provar que alguém esteja violando este tipo de legislação mencionada acima, é necessária uma evidência que mostre uma relação entre a condição específica da criação de animais e um efeito fisiológico ou comportamental específico. Bem-estar versus morte • O bem-estar refere-se à qualidade da vida animal • A morte afeta a quantidade da vida animal Qualidade e quantidade de vida podem ser preocupações éticas. O bem-estar é uma consideração de animais vivos, não mortos. A morte não é um problema de bem-estar propriamente dito (apesar de poder indicar bem-estar comprometido anteriormente). Os humanos, em geral, buscam evitar bem-estar (qualidade de vida) pobre,assim como redução de tempo de vida (quantidade). A preocupação com a vida não é bem-estar – é um tipo diferente de problema ético. A preocupação humana com a quantidade de vida pode, em alguns casos, afetar o bem-estar de um indivíduo. Seres vivos que, na natureza, não teriam condições de sobrevivência, são mantidos vivos por donos zelosos, apesar do sofrimento e da baixa qualidade de vida. É necessário que os médicos veterinários repensem a sua atitude diante da morte, que cada vez mais vem sendo subtraída do nosso cotidiano (poucos são aqueles que conseguem morrer em casa cercados pelas pessoas queridas) ao mesmo tempo em que é vulgarizada (exposição na mídia, condições de vida urbana, etc.). É necessário, por exemplo, que reflitam sobre a forma como estão sendo praticados o abate e a eutanásia, considerando o emprego do método mais eficiente, o manejo humanitário, a efetiva necessidade, a existência de alternativas, etc. Quando a morte é relevante para o bem-estar? • A forma da morte é relevante – ex.: o método de abate é importante • Altas taxas de mortalidade podem indicar condições de bem-estar pobres – Condições inadequadas de criação podem causar doenças e morte. Apesar da morte em si não ser um problema de bem-estar, a forma da morte é relevante. Por exemplo, o método de abate de animais de produção pode ou não causar morte instantânea ou dor/estresse anteriores à morte. Do mesmo modo, animais criados em sistemas inadequados estão mais sujeitos a contrair doenças e, potencialmente, à morte. Dessa forma, taxas de mortalidade altas podem ser um indicador das condições de bem-estar durante a vida, conseqüentemente, taxas de mortalidade são relevantes ao bem-estar. Deveríamos designar atributos humanos aos animais? • Seres humanos são animais com biologia similar • Entretanto, cada tipo de animal tem necessidades comportamentais diferentes • Usar uma avaliação “baseada nos seres humanos” pode ser um primeiro passo útil • Essa avaliação deve ser qualificada de acordo com as necessidades do animal individual No contexto da discussão sobre animais, antropomorfismo é a atribuição de características ou comportamento humano a um animal. Seres humanos são um tipo de animal e têm necessidades básicas muito similares a outros animais. Entretanto, como mencionado acima, diferentes tipos de animais têm diferentes necessidades comportamentais e devem ser tratados de acordo. Na tentativa de se avaliar o bem-estar, é sempre um ponto de partida útil pensar nas necessidades dos animais em termos de nossas próprias necessidades, ou seja, colocando-nos no lugar do animal e pensando no que necessitaríamos numa situação similar. Entretanto, devemos modificar esse conceito de acordo com suas necessidades específicas. Apesar de podermos utilizar as necessidades humanas como ponto de partida, devemos criticá-las em termos do animal específico – o animal também requer o suprimento dessas necessidades ou existem outras que o humano não requer? Este conceito é denominado antropomorfismo crítico. Por exemplo: o gado necessita alimento, exatamente como os humanos, porém, é herbívoro, não onívoro, e a alimentação que recebe deve diferir de acordo. Conclusões / Sumário • É importante distinguir os vários componentes do bem-estar animal: – Ciência, ética e legislação de bem-estar • As definições de bem-estar animal são derivadas de três conceitos básicos (físico, mental e natural) Outras fontes de leitura •APPLEBY, M.C. and HUGHES, B.O., 1997: Animal Welfare. CAB International ISBN 0851991807 •BEAUCHAMP, T.L. and CHILDRESS, J.F., 1994: Principles of Biomedical Ethics (4th ed.). Oxford University Press ISBN 0195143329 •BROOM, D.M. and JOHNSON, K.G., 1993: Stress and Animal Welfare. Chapman and Hall ISBN 0412395800 •DAWKINS, M.S., 1998: Through Our Eyes Only? A Journey into Animal Consciousness. Oxford University Press ISBN 0198503202 •MANNING, A.N. and DAWKINS, M.S., 1998: An Introduction into Animal Behaviour (5th ed.). Cambridge University Press ISBN 0521578914 •ROLLIN, B.E., 1999: An Introduction to Veterinary Ethics: Theory and Cases. Iowa State University Press ISBN 0813816599 •WEBSTER, A.J.F., 1995: Animal Welfare: A Cool Eye Towards Eden. Blackwell ISBN 0632039280 Introdução à ética do bem-estar animal Objetivos de aprendizagem – Definir ética – Entender por que médicos veterinários precisam de ética – Reconhecer pontos de vista diferentes sobre o “status moral” de um animal – Conhecer as principais teorias éticas e sua relacão com os animais – Ser capaz de construir argumentos éticos sobre animais O que é ética? – A ética lida com a distinção entre o bom e o mau, o certo e o errado – A teoria da ética é um ramo da filosofia – ENTRETANTO, a ética faz parte da vida cotidiana: – Os nossos atos cotidianos têm impacto sobre os interesses dos outros – ex. O que comemos (ovos: galinhas mantidas em gaiola/ar livre) • Definição da ética: a ética lida com o os nossos valores acerca do que é bom ou mau, certo ou errado, de como DEVEMOS nos comportar e viver nossas vidas. • A ética é um ramo da filosofia, muitas vezes chamado de “filosofia da moral”. • NO ENTANTO, a ética vai além da teoria: • Mesmo dentro dos departamentos de filosofia, a ética não é necessariamente uma matéria unicamente acadêmica e sem conseqüências. Isto é demonstrado pelo surgimento da ética “aplicada” ou “prática”. Um exemplo disto é o livro de Peter Singer “A Liberação dos Animais” (Animal Liberation), o qual se diz ter iniciado o movimento político “Liberação dos Animais”. • A vida diária está cheia de questões éticas, mesmo que estas permaneçam ocultas. Nossas decisões de cada dia têm dimensões morais. Isto significa que elas têm componentes que vão além do interesse próprio e envolvem a preocupação com os outros. Decisões éticas são muitas vezes tomadas sem pensar – a parte ética fica “oculta”. Isto porque a decisão talvez seja parte de uma rotina ou de uma prática amplamente aceita. As conseqüências éticas do que comemos, por exemplo, podem passar despercebidas no cotidiano. Mas o que comemos afeta outros – talvez as pessoas ou animais que produziram o alimento. Se não examinarmos a nossa vida ética, nossas decisões inconsistentes podem passar despercebidas e podemos perder oportunidades para progredir. Por exemplo, comendo menos ovos de galinhas mantidas em gaiolas e mais ovos de galinhas mantidas em sistemas ao ar livre, talvez possamos ajudar a melhorar a vida das galinhas poedeiras. Ramos da ética • Ética pessoal: normalmente a sociedade nos deixa decidir sobre essas questões éticas individualmente, freqüentemente porque existe uma grande variação na definição do que é aceitável nessas áreas dentro de uma mesma sociedade. Por exemplo, o que devemos comer? Com quanto devemos contribuir para a caridade? • Ética social: há amplo consenso da sociedade sobre essas questões éticas e geralmente a sociedade aprova leis para garantí-las. Essa ética é considerada aplicável a qualquer um dentro dessa sociedade. Sem ela, a própria sociedade estaria ameaçada pelo caos. Não devemos roubar uns aos outros, por exemplo. Roubar ou não raramente é uma decisão tomada em termos de preferência pessoal. Determinadas áreas de conduta podem mudar da ética pessoal para a ética social, ao passo que nos movemos entre diferentes sociedades e épocas. • Ética profissional: esta ética se refere a situações especiais enfrentadas por profissionais. Médicos veterinários,por exemplo, não devem causar sofrimento desnecessário aos seus pacientes; médicos não devem ter relações sexuais com seus pacientes. A ética é “apenas subjetiva”? – Amplo consenso entre diferentes sistemas éticos e culturas – “A Regra Áurea” encontrada em muitas culturas – Ética é a “cola” que mantém as sociedades unidas Julgamentos éticos não se podem alcançar da mesma forma que “fatos científicos”, mas há amplo consenso entre as diferentes teorias éticas e até entre culturas sobre o que é certo e errado. Versões da “Regra Áurea” (“Façam aos outros o que querem que façam a vocês.”), por exemplo, podem ser encontradas em quase toda religião ou sistema ético. De fato, se há falta de consenso dentro de uma sociedade, o caos moral pode desintegrá-la – o consenso é parte da “cola” que a mantém íntegra. A ética se constitui apenas de preferências? – Uma preferência não exige defesa racional– (Eu gosto de chocolate) – Uma preferência não obriga outros – (Não devemos matar animais sadios) – A natureza da justificação moral/ética – imparcial – não pode haver interesse próprio – Exs: eutanásia de cães que latem muito – Amputação – custo de tratamento/sofrimento (justificável) Enfim, por que declarações éticas são diferentes das declarações de preferências pessoais? • Considere a frase “Eu gosto de chocolate”. Esta declaração necessita de defesa racional mínima e não tenta compelir outros a fazer o mesmo. Não importa se alguém mais sente o mesmo. No entanto, a frase “Não devemos matar animais sadios” requer justificação racional e pretende dizer o que outros não devem fazer. • A prática de justificação ética sugere um ponto de vista imparcial – os seus fundamentos precisam ser reconhecidos não somente pela pessoa que justifica mas pelas pessoas em geral. Atos de interesse próprio não são considerados pela maioria das teorias morais como base de justificações éticas. Seria, por exemplo, difícil alegar que “pratiquei eutanásia no cão para assegurar que não perturbe mais o meu sono” fosse uma justificativa ética para o ato. Alguns atos de interesse próprio, no entanto, podem estar compatíveis com princípios éticos mais amplos e, portanto, eticamente defensáveis. Por exemplo, “Amputei a perna muito ferida do cão para economizar os honorários” poderia ser eticamente justificado se acrescentado de “e para poupar o cão de mais sofrimento”. Dilemas éticos – São situações nas quais cada escolha possível parece estar moralmente errada – Nem todos os problemas éticos são dilemas – Nem todos os dilemas são dilemas éticos – Muitos dilemas podem ser resolvidos com reflexão cuidadosa Dilemas éticos são situações nas quais qualquer conduta possível parece moralmente errada. Por exemplo, um médico veterinário suspeita que um gato gravemente ferido tenha sido maltratado pelo proprietário. Se o médico veterinário denunciar o proprietário às autoridades por ter infringido a lei contra a crueldade com animais do país, ele estaria quebrando as regras profissionais normais de confidencialidade em relação ao cliente. No entanto, se o médico veterinário apenas trata o gato e ignora o fato de os ferimentos terem sido causados deliberadamente, parece que ele está deixando o cliente se sair com um ato ilegal e imoral. Reflexão cuidadosa ajudará a identificar o princípio ou a obrigação mais importante nesta situação. Pode ser decidido que, em uma circunstância tão extrema, as considerações em favor do paciente se sobrepõem às considerações de confidencialidade em favor do cliente. Esta decisão ainda poderia se reforçada considerando o fato de que o gato ou outros gatos poderiam ser machucados pela mesma pessoa mais adiante, ou por estudos recentes que demonstram conexão entre o abuso de animais e outros tipos de abuso no âmbito familiar. Qualquer sistema ético com mais de um princípio parece capaz de gerar dilemas como no exemplo acima. Dilemas também podem existir onde não há princípios contraditórios. Por exemplo, um médico veterinário pode ter dois pacientes em estado crítico, precisando de uma determinada medicação para salvar sua vida, mas ele, de imediato, só dispõe de uma dose do medicamento. O que ele deveria fazer? Muitos pensam que todas as decisões éticas são dilemas éticos, mas a maioria das escolhas éticas não são dilemas. A ênfase demasiada nos dilemas tende a diminuir a importância das decisões éticas normais, cotidianas e não dramáticas. Por exemplo, a dor pós-operatória de cesárea em uma vaca deve ser aliviada com analgésicos? Muitos dilemas são mais práticos do que éticos. Quer dizer, razões morais competem com razões de ordem não moral. Um médico veterinário deve, por exemplo, apressar uma cirurgia para chegar em casa em tempo de ver um jogo de futebol na televisão? Literatura adicional ASCIONE, F. R. e ARKOW, P., 1999: Child abuse, Domestic Violence and Animal Abuse. Purdue University Press. West Lafayette. TANNEMBAUM, J. Veterinary Ethics – Animal Welfare, Client Relations, Competition and Collegiality. 2a. ed., Missouri: Mosby-Year Book, Inc., 1995. 625 p. Por que médicos veterinários precisam de ética? – Médicos veterinários têm obrigações para com diferentes partes, assim eles enfrentam decisões éticas constantemente – Ex: Custo anestésico x dor pós-cirurgia – A ética é a ferramenta para tomar essas decisões de forma adequada – Ex: Argumentos – retorno da produtividade – Maior compreensão dos interesses próprios do indivíduo e da profissão • Médicos veterinários estão cercados por uma rede de obrigações com seus pacientes, clientes, outros médicos veterinários, com a sociedade como um todo e com eles mesmos. Às vezes, essas obrigações podem entrar em conflito. Desta forma, os médicos veterinários muitas vezes enfrentam situações eticamente complexas. Eles são confrontados, quer tenham consciência ou não disso, com um constante fluxo de questões éticas, e a sua profissão demanda que façam esses julgamentos éticos. Isto é inevitável. Por exemplo, o fazendeiro quer economizar, evitando qualquer medicação analgésica cara para a cabra que você vai ter de operar. Suas obrigações como médico veterinário para com a cabra e para com o proprietário estão em conflito. • A ética é a ferramenta, o “instrumento cirúrgico” para tomar essas decisões. Se os veterinários permanecem sem educação ética, eles podem simplesmente absorver princípios éticos inadequados sem nunca os questionar. Uma boa educação ética será também de ajuda prática imediata na solução adequada de situações nas quais há interesses conflitantes. O médico veterinário interessado em aliviar a dor dos seus pacientes pode ter conhecimento dos estudos que mostram que animais que receberam analgésicos para aliviar a dor voltam mais rápido à produtividade. Este conhecimento pode ser útil para convencer o fazendeiro a gastar um pouquinho mais em benefício dele próprio. Pode até se argumentar que os médicos veterinários, por estarem intimamente envolvidos com decisões éticas que afetam os animais, estão moralmente obrigados a se informar melhor sobre essas questões. Certamente o estudo da ética pode auxiliar os médicos veterinários quando uma opinião ou decisão é necessária e surge uma dificuldade de reflexão sobre elas. Importância do estudo da ética Entender ética pode ser de interesse para o médico veterinário individualmente. Bernard Rollin (médico veterinário especializado em ética da Universidade do Colorado, EUA), por exemplo, usou o termo “estresse moral” para descrever a ansiedade que surge da tomada de decisõesque perturbam a nossa consciência, tal como praticar eutanásia em animais de companhia sadios por “conveniência” do proprietário. Este tipo de estresse pode ter efeito nocivo sobre nossa saúde mental e física. Rollin alega que um dos caminhos para evitar isto é eliminar ativamente a prática a partir da qual surge o estresse. Neste caso, educando potenciais proprietários de animais de estimação sobre as responsabilidades envolvidas ou tomando providências para evitar ninhadas não desejadas. Entender a ética acerca destas questões pode nos ajudar a identificar o problema exato e a tomar providências corretivas. O estudo da ética também pode auxiliar o médico veterinário a desenvolver uma atitude apropriada diante dos animais, os clientes e outras pessoas. As atitudes do médico veterinário ante esses grupos terão forte influência sobre o sucesso ou insucesso das suas interações com eles. Entender ética é de interesse para a profissão veterinária. A profissão pode ser chamada para justificar suas ações perante o público ou ser convidada pelo público para comentar questões de dimensões éticas. A profissão veterinária é também considerada uma fonte valiosa de opinião em matérias de bem-estar animal. Conseqüentemente, é importante que os profissionais entendam as questões éticas ao menos tanto quanto qualquer outra pessoa. Isto pode ser particularmente o caso em países onde a profissão veterinária regulamenta sua própria conduta, caso haja interesse em manter esta autonomia. O status moral de animais: possíveis posições Possíveis posicionamentos a respeito do status moral dos animais incluem: -Animais não têm status moral, por isso não temos obrigações para com eles. Se este fosse o caso, espancar um cão até a morte por puro prazer não seria um problema. Poucas pessoas pensam assim, apesar de que certas classes de animais, como “animais daninhos” ou “pragas”, são tratadas como se esse fosse o caso. -Animais têm valor “instrumental”. Isto às vezes é chamado de valor “extrínseco”, significando que seu status moral depende do seu efeito sobre os humanos. Uma versão disso seria que o espancamento até a morte de um cão descrito acima estaria errado porque privaria o seu proprietário de um bem ou porque incomodaria o proprietário. Uma outra versão deste ponto de vista seria que tal comportamento corromperia a pessoa que espanca o cachorro, tornando-a mais propícia a ser cruel com humanos no futuro. Animais de experimentação são frequentemente vistos em termos de sua utilidade (instrumental) para o homem. - Animais têm “valor intrínseco”. Isto significa que o animal é importante por si mesmo, independentemente do seu efeito sobre os outros. Isto poderia significar que fazer o cão sofrer sem um bom motivo está errado, sejam ou não o proprietário ou qualquer outra pessoa afetados. Diz-se freqüentemente que o ser humano tem esse tipo de valor intrínseco. Razões para dar valor moral intrínseco aos animais Se admitirmos que os animais têm algum status moral, então o que é que dá ao animal esse status? Por que um chimpanzé tem status moral, ao passo que, digamos, uma pedra não tem? Uma possibilidade é que o chimpanzé é útil para o homem. Isto lhe daria valor “instrumental” (no sentido de “ter utilidade”) para os humanos. Mas o que lhe daria valor “intrínseco”? Muitos filósofos sugerem que, se um animal possui a capacidade de sentir, ele tem pelo menos alguns interesses básicos. Interesses são a matéria básica da ética – sistemas éticos em geral se propõem a promover ou proteger interesses. Assim, são os interesses que emanam da vida mental do chimpanzé que lhe dão o seu valor intrínseco. Se o chimpanzé pode sentir dor, ele tem um interesse correspondente de evitar a dor, que por definição é uma sensação negativa. Se, por outro lado, o chimpanzé não tem nenhuma vida mental, se é um robô sem consciência, ele não tem interesses e não haveria base para lhe conferir valor moral intrínseco. A capacidade de sentir – A “senciência” é a capacidade de ter sentimentos ≠ ser autoconsciente – Esses sentimentos são estados mentais, tais como sensações ou emoções – Estados mentais podem ser agradáveis ou desagradáveis Para muitos filósofos, a capacidade de sentir, mesmo a mais simples das sensações, como dor ou calor, é suficiente para dar ao animal algum valor moral intrínseco básico, graças aos interesses que emanam desses sentimentos. Por isso, muitos consideram a “senciência” um requisito mínimo para ter status moral. Esses sentimentos às vezes são chamados de “estados mentais” e incluem emoções (como felicidade ou medo) assim como sensações. Esses sentimentos são no plano “consciente” por definição, ou seja, o animal tem conhecimento deles. Isto não implica que o animal seja autoconsciente. Para ser autoconsciente, um animal teria de ter a capacidade de pensar sobre si mesmo, suas emoções e sensações em vez de simplesmente as experimentar. Exemplos de tais estados, uns mais complexos que outros, incluem: • Dor, estresse, medo, ansiedade (desagradável) • Prazer, alegria (agradável) Existem muitas outras capacidades mentais que animais podem possuir, até certa extensão, por alguns filósofos consideradas importantes para definir seu valor moral. Elas incluem: • A capacidade de ter desejos ou crenças – ex.: o gorila deseja continuar vivo ou ter uma banana • Autoconsciência: ter noção de si próprio dentro do tempo – ex.: o gorila está consciente de que está pensando sobre um problema • A capacidade de se comunicar com outros usando linguagem. Isto será discutido mais adiante em relação à consciência • A capacidade de agir moralmente – ex.: histórias de golfinhos salvando nadadores que estão se afogando. Isto será discutido mais tarde no âmbito do status moral À medida que estas capacidades se tornam mais complexas, é provável que menos espécies as possuam. Pode-se argumentar que, quanto mais complexas as capacidades, mais complexas as necessidades que emanam delas. Sendo assim, que prova temos da senciência em animais? Evidências de senciência – Estudos comportamentais no laboratório ou a campo – Evolução – Processo contínuo entre seres humanos e outros animais – Fisiologia e anatomia – Semelhanças com seres humanos, especialmente neurofisiológicas e neuroanatômicas Comportamento: Existem conexões importantes entre a vida mental e o comportamento, assim o comportamento animal pode fornecer algumas evidências confirmando ou não sua senciência. Tais evidências podem ser obtidas no ambiente controlado mas não natural do laboratório ou no ambiente menos controlado porém mais natural do campo. Por exemplo, existem boas provas comportamentais de que muitos vertebrados sentem dor porque eles: 1. Procuram evitar ou fugir de estímulos dolorosos 2. Limitam o uso da parte afetada 3. Aprendem a evitar situações dolorosas 4. Estas respostas são modificadas pelo uso de drogas analgésicas A prova comportamental da consciência é discutida em detalhes por Marian Stamp Dawkins em seu livro “Somente Através dos Nossos Olhos?”. Evolução Se seres humanos e animais compartilham ancestrais comuns é provável que, a não ser que mesmo os sentimentos mais básicos tenham aparecido muito tarde no processo da evolução, a capacidade de ter sentimentos dos animais se assemelhe à do homem. É provável que essas capacidades só difiram em grau, não em qualidade, entre homens e animais. Ainda, se a capacidade de ter um sentimento particular confere uma vantagem adaptativa ao animal, então este fato fornece apoio à evidência para a sua existência.No caso da dor, sabemos que a capacidade de sentir dor tem valor adaptativo para o homem. Aqueles que não conseguem sentir dor, como os sofredores de algumas formas de lepra, necessitam de cuidados médicos para sobreviver. É provável que a seleção natural tenha preservado esta importante adaptação em muitas espécies. Fisiologia e anatomia Acredita-se que os estados mentais no homem provavelmente estejam intimamente ligados à estrutura e atividade do cérebro. A existência de estruturas nervosas muito parecidas em outros animais constitui alguma evidência de que eles podem ter alguns tipos de estados mentais como o homem. Por exemplo, as estruturas neuroanatômicas e os neurotransmissores no homem envolvidos no comportamento ligado à dor são encontrados comumente em vertebrados. No entanto, deve-se notar que estados mentais parecidos possivelmente possam ser alcançados por uma variedade de diferentes estruturas nervosas em animais diferentes. Por isso, a ausência de, digamos, fibras nervosas idênticas ao tipo responsável por transmitir sensações de dor no homem não exclui por completo a possibilidade de um animal sentir dor. Argumentos céticos contra o status moral de animais – Somente os membros da espécie Homo sapiens têm status moral: “especicismo” – Animais não podem reciprocar – Pode-se ter direitos sem ter obrigações? – PORÉM, se crianças muito novas ou indivíduos com incapacidade mental severa têm status moral, por que não animais? Existem alguns argumentos que são comumente usados contra aqueles que alegam que os animais têm valor moral intrínseco. Alguns argumentam que somente membros da espécie Homo sapiens merecem tal status. Discutiremos isso mais profundamente ao analisar o conceito de “especicismo”. Uma teoria ética chamada “ética contratual” baseia a moral em um consentimento imaginário entre as pessoas de uma sociedade. Esses consentimentos são arranjados dentro de uma sociedade para benefício mútuo. Pelo fato de os animais não poderem participar em tais arranjos ou na sua negociação, argumenta-se que os animais se encontram fora da moralidade. Uma forma comum desta argumentação é que para se ter direitos também se deve ter responsabilidades. Como os outros argumentos que negam aos animais status moral, esta teoria tem alguma dificuldade com os assim chamados “casos à margem”. Isto é, crianças muito novas ou indivíduos com incapacidade mental severa normalmente têm status moral dentro de uma sociedade. No entanto, eles, como os animais, não podem dar reciprocidade no contrato imaginário. Por que eles estariam incluídos e os animais não? Referência: SCRUTON, R., 1996: Animal Rights and Wrongs. Demos. ISBN 1 898309 82 5. Argumentos céticos contra a consciência animal – Animais não têm alma: animais como máquinas – A linguagem é necessária para a consciência? – Primatas podem ter linguagem? – Pode-se argumentar contrariamente (incapacidade de comunicação necessita maior cuidado) – Consciência exige capacidades intelectuais superiores? – Capacidade de raciocinar – Consciência versus autoconsciência – O raciocínio resulta em maior potencial de sofrimento? – Interesses embutidos do homem Se a alma imortal é necessária para ter consciência e os animais não a têm, então eles não podem ser conscientes. Desta perspectiva, animais não- humanos são vistos como máquinas sem mente. Argumentos deste tipo parecem ignorar outras evidências da consciência animal. Alguns filósofos argumentam que a linguagem é essencial para a consciência. Houve tentativas de ensinar uma linguagem a alguns animais, principalmente usando chimpanzés e linguagem de sinais. O grau de sucesso alcançado é motivo de controvérsia. Certamente a linguagem dos nossos iguais torna mais fácil entendê-los e acreditar nos seus estados mentais. Mas, ao negar consciência aos animais não falantes, não estaríamos confundindo o relato de estados mentais com a posse real dos mesmos? Talvez isto seja intelectualizar demais alguns dos estados mentais mais simples. Parece difícil acreditar que bebês não sejam capazes de sentir dor antes de adquirir o dom da fala. No entanto, é perfeitamente possível que estados mentais mais complexos, que requeiram pensamento abstrato, sejam impossíveis sem a linguagem. Pode-se argumentar que, posto que os animais são incapazes de comunicar suas preferências e necessidades diretamente, deveríamos ser ainda mais cuidadosos em nosso trato com eles. Literatura adicional: CAVALIERI, P., ADAMS, D. e GOODALL, J., 1995: The Great Ape Project: Equality Beyond Humanity. St. Martin's Press. LEAHY, M. P. T., 1991: Against Liberation: Putting Animals in Perspective. Routledge. Também, Descartes e Wittgenstein. Alguns argumentaram que, para ser consciente, seriam necessárias capacidades intelectuais mais elevadas, como a capacidade de raciocinar. Pode ser que isto seja o resultado de uma confusão entre consciência ou estar ciente e autoconsciência, conforme mostrado na última projeção. Raciocínio sofisticado parece desnecessário para experimentar sentimentos simples. Considerando a capacidade de sofrer, poderíamos argumentar que o homem tem maior capacidade de sofrer graças à sua capacidade intelectual maior. Por exemplo, um homem e um cão podem ter um tumor maligno em estado inicial. O cão continua sua vida diária como sempre, sem tomar conhecimento do tumor até começarem os sintomas. O homem, no entanto, vai ponderar sobre seu futuro sofrimento e sobre o efeito de sua morte prematura sobre sua família. Este exemplo, no entanto, pode ser invertido se pensarmos em uma doença temporária causando grande dor. O cão não sabe que pode se recuperar mais tarde, mas este pensamento pode aliviar parte do sofrimento do homem. Quando analisamos os argumentos céticos contra o status moral e a consciência dos animais, vale a pena lembrar os interesses embutidos do homem. Em muitos campos de interação homem-animal, começando pelos animais de fazenda até os animais de experimentação, seria muito mais conveniente para o homem se esses animais carecessem de consciência e status moral. Desta forma, o ser humano tende a tratar os animais como se não tivessem consciência ou sentimentos. Conceitos importantes na ética animal – Antropomorfismo – Atribuição de características humanas a um animal – Especicismo -Discriminação dos animais baseada em sua espécie – superioridade dos humanos Antes de continuarmos a discutir algumas das abordagens mais comuns da ética animal, vale a pena analisar três conceitos importantes que freqüentemente aparecem nesta discussão: • Falar de animais como se tivessem características humanas costuma ser chamado “antropomorfismo”. Apesar de ser um erro dizer que um cadeira está se sentindo infeliz, não está claro que o mesmo erro esteja sendo cometido por aqueles que digam que um cão está se sentindo infeliz. • O termo antropomorfismo é usado de forma diferente quando discutimos o bem-estar animal. Se nos basearmos nas nossas preferências humanas para decidir o que animais necessitam, podemos cometer erros. Por exemplo, foi suposto que galinhas preferem telas de arame de bitola larga sob os pés, porém experimentos provaram que as galinhas na verdade preferem telas de arame de bitola pequena (Hughes e Black, 1973). As pinturas suntuosas imitando a selva em zoológicos podem enganar os visitantes. O animal, com seu olfato agudo, não pode ser enganado tão facilmente. • O „Oxford English Dictionary‟ define especicismo como “discriminação ou exploração de certasespécies de animais pelo ser humano, baseada na presunção da superioridade da raça humana”. O termo é muitas vezes usado de forma semelhante aos termos que definem discriminação injustificável, com base na raça (racismo) ou no sexo (sexismo). Argumenta-se que a participação de um indivíduo em qualquer uma dessas classificações biológicas não constitui base ética relevante para discriminar esse indivíduo. Literatura adicional: HUGHES, B. O. e BLACK, A. J., 1973: “The preferences of domestic hens for different types of battery cage floor”. British Poultry Science 14, 615-619. Igual consideração de interesses – demanda tratamento igual onde há interesses iguais A “igual consideração de interesses” está intimamente ligada ao conceito de especicismo. Tratar animais de todas as espécies de forma igual parece ser a direção errada – espécies diferentes têm necessidades diferentes. Gatos podem precisar de caixas de areia para defecar e urinar, porém teria pouco sentido oferecer isso a peixes dourados. Estar livre para praticar sua religião é muito importante para muitos seres humanos, porém não teria nexo garantir este direito a vacas. No entanto, o conceito da “igual consideração de interesses” permite tratamento diferente de animais diferentes, mas demanda que, no nosso processo de decisão ética, seja dado peso igual aos seus interesses similares e moralmente relevantes. Assim, se um tapa doer tanto a uma cabra quanto a um homem, deve-se evitar causar esse tipo de dor tanto a cabras quanto a seres humanos. Este princípio considera justificado o tratamento diferenciado de animais e de seres humanos somente quando existem diferenças moralmente relevantes entre o animal e o homem. Isto não significa necessariamente que toda vida animal seja tão valiosa quanto a vida humana, porém também não sustenta a idéia de que o homem tenha um status moral mais elevado que todas as outras espécies. Literatura adicional: SINGER, Peter. Libertação Animal. Porto Alegre, Lugano Editora, 2004 . Abordagens da ética animal: utilitarismo –Enfatiza as conseqüências dos atos –Procura maximizar resultados benéficos – “O maior bem para a maioria dos indivíduos” –Alguns problemas – Quebrar regras para consequências boas – Como fazer este cálculo? O utilitarismo é uma teoria ética que enfatiza mais as conseqüências das ações do que as regras e princípios que as guiam. Uma das suas formas mais remotas alega que somos obrigados a promover ao máximo algo chamado “utilidade”, no sentido de felicidade ou prevalência do prazer sobre a dor. Deve- se agir de forma a alcançar “o maior bem para a maioria dos indivíduos”. Quem deveria ser incluído neste cálculo? Parece que, desde os seus primórdios, os animais já faziam parte do pensamento utilitarista. Se os animais, como o homem, são capazes de experimentar prazer e dor, então eles devem ser levados em consideração nas nossas tentativas de elevar o nível de felicidade no mundo. O utilitarismo parece simples e flexível. No entanto ele pode nos confundir quando exige a quebra de certas regras morais para alcançar a melhor conseqüência. Por exemplo, pessoas dentro de um bote de salvamento sobrecarregado podem calcular que um número maior deles sobreviverá se a entrada de mais pessoas for impedida, mesmo sabendo que os recusados se afogarão. Normalmente seria uma forte regra moral ajudar outros em perigo mortal. Como exatamente fazer este cálculo também não está claro, especialmente quando custo e benefício se originam de diferentes indivíduos. Por exemplo, os que deliberam se compensa usar animais em um experimento muitas vezes usam uma análise utilitarista de custo-benefício. Se é necessário o sofrimento moderado de 100 camundongos para se ter uma chance de 10% de produzir uma vacina contra uma doença humana leve, como calcular isto? É possível existir um equilíbrio entre custo e benefício quando alguns indivíduos arcam com todo o custo e outros levam todo o benefício? Utilitarismo de Peter Singer – Procura maximizar a satisfação de todas as espécies – Maiores interesses dos animais versus menores interesses – do homem Uma outra forma de utilitarismo se refere à valorização das conseqüências além de apenas prazer e dor. Esta forma argumenta que deveríamos maximizar a satisfação de preferências. Se animais têm preferências, então os mesmos devem ser incluídos nos nossos cálculos. Esta é a forma usada por Peter Singer em seu livro „A Liberação Animal‟. Partindo da sua idéia da “igual consideração de interesses” discutida acima, o tipo de ser vivo que tem preferências (homem, cabra, etc.) não afeta a importância moral dessas preferências. A versão da teoria utilitarista de Singer resulta em algumas conclusões radicais – abandono da maior parte das formas de produção de animais em fazendas e da experimentação animal. Isto porque, para ele, os benefícios não justificam o sofrimento resultante destas práticas. Em particular, ele se ofende com o sacrifício de interesses maiores dos animais (por exemplo, o sofrimento de patos e gansos submetidos à engorda forçada para obtenção de patê de foie gras) com o propósito de suprir interesses menores humanos (no caso, o paladar). Entretanto, as teorias utilitaristas certamente permitem uma abordagem mais pragmática, eliminando princípios em favor de resultados que possam ser um pouco melhores ao invés de um pouco piores para os animais envolvidos. Assim, em vez de uma abordagem baseada em princípios contra, digamos, “exploração de animais”, um utilitarista pode calcular que haverá mais felicidade no mundo se houver mais suínos sendo criados em sistemas ao ar livre que em sistemas de produção intensiva, mesmo que a vida desses suínos em sistemas ao ar livre não seja perfeita e mesmo que o porco acabe em um prato à mesa do jantar. Referências: SINGER, Peter. Libertação Animal. Porto Alegre, Lugano Editora, 2004 . Abordagens da ética animal: ética baseada no dever – “Deontologia” – Do grego “deontos” significando “obrigação” – Ênfase maior nos princípios que guiam o comportamento do que nas suas consequências – Por exemplo, trate as pessoas por elas mesmas, não como meios para um fim Sistemas éticos baseados no dever às vezes são chamados de deontológicos, do grego “deontos” - obrigação. Estas teorias pregam a existência de alguns deveres corretos em si mesmos, sejam quais forem suas conseqüências futuras. Uma teoria deontológica clássica diz que devemos tratar os outros como fins em vez de como meios. Assim, não devemos usar os nossos semelhantes de formas que não respeitem seu valor inerente, mesmo que isto possa resultar em conseqüências boas. Não devemos jogar alguém fora do bote, mesmo para evitar que o bote afunde e salvar os outros. A deontologia de Tom Regan: direitos animais – Direitos animais – um tipo de teoria deontológica – Tom Regan argumenta que animais têm valor inerente – Os direitos emanam deste valor inerente – Este ponto de vista exige abolição da produção e experimentação animal Os “direitos animais” são um outro tipo de teoria ética deontológica. Em termos gerais, direitos morais são demandas fortes que não podem ser desrespeitadas simplesmente porque isso produziria conseqüências benéficas. Acredita-se que emanem dos interesses mais básicos daqueles em questão. Tom Regan argumenta que mamíferos e aves são “sujeitos de uma vida”. Isto é, eles são mais do que meramente vivos e conscientes – eles têm crenças, desejos, memória, emoções e diversas outras capacidades mentais que dão possibilidade de “bem-estar” àssuas vidas. Isto, defende Regan, guarnece os animais de um valor inerente do qual emanam seus direitos. Seu direito mais fundamental é o direito de ter seu “valor inerente” respeitado. Este direito implica uma regra rígida que proíbe o uso de animais como recursos para o homem. Esta regra se mantém independentemente das conseqüências. Esta versão dos direitos dos animais exige a abolição de produção e experimentação animais. Diferente das filosofias utilitárias nas quais os indivíduos são considerados parte de um todo, a teoria dos direitos ergue uma cerca ao redor do indivíduo que não pode ser transpassada, não importando quantos outros se beneficiariam. Trata-se de uma visão radical, em desacordo com a prática comum na maior parte do mundo. Referências REGAN, T., 1984: The Case for Animal Rights. Londres,Routledge. Abordagens da ética animal: pontos de vista híbridos – Diferentes teorias às vezes entram em conflito – As pessoas muitas vezes combinam diferentes teorias – Combinação de utilitarismo e direitos – existem certas práticas que talvez não sejam justificáveis por nenhum tipo de consequência As diferentes teorias éticas às vezes entram em conflito. Isto pode ser evitado não aderindo completamente a somente um ponto de vista, mas selecionando componentes de cada uma das teorias. Na prática, é isto que muitas pessoas fazem em suas reflexões éticas. Alguém pode, por exemplo, combinar uma teoria utilitária com uma abordagem baseada nos direitos e decidir que experimentos que causem sofrimento moderado são justificados por resultados benéficos, porém que experimentos que inflijam sofrimento extremo jamais devam ser permitidos, seja qual for seu resultado. Bernard Rollin, em “Introdução à Ética na Medicina Veterinária” (An Introduction to Veterinary Medical Ethics) incita uma visão híbrida das éticas utilitária e deontológica para os animais. Esta visão permitiria a produção de animais em fazendas onde o “contrato antigo” de vantagem mútua entre o tratador e os animais é mantido. Um exemplo para o que Rollin chama de “contrato antigo” de criação animal é disponibilizar abrigo, comida, conforto e satisfação de todas as outras necessidades de uma vaca leiteira em troca de seu leite. No entanto, Rollin proíbe o que ele chama de uso frívolo de animais como por exemplo, testes de cosméticos, invocando os direitos animais. Combinar elementos destas teorias pode não permitir consistência lógica absoluta, mas ajuda a evitar posições rígidas e truncadas, que tornam um consenso menos provável. Referências ROLLIN, B., 1999: An Introduction to Veterinary Medical Ethics: Theory and Cases. Iowa State University Press. Abordagens da ética animal: uma matriz ética Uma abordagem para se avaliar problemas éticos relacionados com animais é através de uma “matriz ética”. Nessa matriz, as diferentes teorias éticas são representadas nas linhas e as diferentes partes envolvidas no problema ético nas colunas. Cada interseção entre linhas e colunas representa uma dimensão diferente do problema ético. À medida que mais teorias éticas, princípios ou partes envolvidas em um problema são identificados, mais colunas e linhas podem ser adicionadas. A matriz pode não permitir solucionar o problema, mas ajuda a explorar seus diferentes aspectos. O exemplo dado na projeção considera o uso do hormônio de crescimento bovino STB (somatotropina bovina) para estimular a produção de leite em vacas leiteiras. Sob “utilitarismo”, pode-se considerar o bem-estar da vaca – pode-se constatar que a STB causa mais mastite em vacas. Do ponto de vista do consumidor, poderíamos identificar quaisquer efeitos sobre a saúde causados pelo leite de vacas tratadas com STB, assim como efeitos sobre preço e abastecimento. Qual efeito terá a STB sobre o fazendeiro? O uso da STB ameaça a saúde do fazendeiro de alguma maneira? O uso da STB é vantajoso para os fazendeiros? Sob autonomia, podemos analisar a Liberdade para Expressar Comportamento da vaca (talvez não afetada neste exemplo). Os consumidores tomam conhecimento de que o leite tenha sido produzido desta forma? Eles podem evitar esse leite se quiserem? Esse leite teria um rótulo específico? Existem alternativas? A que tipo de pressão a favor (ex.: econômica) ou contra (ex.: legal) o fazendeiro está exposto? Identificados todos os benefícios e riscos através das linhas antecedentes, podemos tentar ver sob “imparcialidade ou justiça” se os riscos e benefícios estão distribuídos de forma igual entre as partes. Estão todos os riscos (para o bem-estar) do lado dos animais e todos os benefícios (econômicos) do lado do fazendeiro ou vice-versa? De modo parecido, podemos perguntar se todos os consumidores e todos os fazendeiros são afetados de forma semelhante, ou se alguns arcam com um custo injusto. Este exemplo demonstra que, apesar de a matriz não resolver o nosso problema, ela pode ser usada para indicar muitos aspectos do problema, assim permitindo uma análise mais completa. Referências: MEPHAM, B., 1996: Food Ethics. Routledge. Direitos animais versus bem-estar? – Direitos animais e bem-estar animal podem ser vistos como ideais conflitantes – Bem-estar visto como evitação utilitarista de sofrimento desnecessário e promoção de tratamento humanitário – Direitos animais vistos como absolutos, acima de quaisquer consequências – filosofia de Tom Regan Às vezes os conceitos “direitos animais” e “bem-estar animal” são vistos como idéias conflitantes ou que se excluem mutuamente. Isto geralmente é o caso quando os defensores do bem-estar animal são vistos como utilitaristas pragmáticos, preocupados em evitar crueldade e sofrimento desnecessário e defendendo tratamento humanitário dentro dos confins do uso animal costumeiro. De acordo com este ponto de vista, está correto matar animais para obter sua carne desde que os mesmos tenham uma boa vida e sejam mortos sem dor. Isto está em conflito com alguns conceitos dos defensores dos direitos animais, como aqueles expressos por Regan, nos quais tais direitos são absolutos e acima de quaisquer conseqüências positivas. Assim, o direito de um animal à vida está acima de quaisquer benefícios resultantes do seu abate. Este tipo de ponto de vista é radical e exige abolição de muitos usos costumeiros de animais. Referências REGAN, T., 1985: in In Defence of Animals (Ed. Singer). Blackwell. Direitos animais e bem-estar? – Direitos e bem-estar não necessariamente opostos – A ciência do bem-estar não implica aceitação de todas as práticas costumeiras – “Novo Bem-estar” - bem-estar (curto prazo) e direitos (longo prazo) Os conceitos “bem-estar animal” e “direitos animais” não precisam estar em oposição. Na verdade, quando usamos os termos “bem-estar” e “direitos” em relação ao homem, muitas vezes os usamos praticamente juntos. Parece fazer sentido que o homem tenha direitos morais a certas condições que levem ao seu bem-estar. Aqueles que estão interessados no bem-estar animal no sentido científico não necessariamente aceitam todos os tipos da prática de uso de animais. Na verdade, a ciência do bem-estar animal pode fornecer evidências que sustentam a necessidade moral de abolir uma prática. Por exemplo, a avaliação científica do sofrimento de galinhas poedeiras em caixas de bateria contribuiu com a legislação européia que abole a prática a partir de 2012. Um movimento descrito como “novo bem-estar” está tentando criar uma ponte entre a teoria radical dos direitos animais e as possibilidades políticas reais. Seus seguidores podemconsiderar a abolição da experimentação animal desejável, mas também acreditam que promover tratamento mais humanitário de animais de experimentação seria um passo no caminho. Também existe a possibilidade de uma interpretação menos radical dos “direitos animais”. Direitos não precisam ser absolutos – eles podem ser interpretados como exigências morais muito fortes, mas exigências que podem ser superadas pela existência de muito bons motivos. Segundo, o conceito de direitos animais por si não especifica quais são os direitos dos animais. Em especial, o conceito não significa necessariamente que os animais tenham o direito à vida. Por exemplo, poderíamos dizer muito especificamente que cães têm o direito de não serem usados em brigas para o divertimento do homem. Esta posição não apelaria a um cálculo custo-benefício, mas significaria que brigas de cães são imorais e, portanto, têm de acabar. Tannenbaum alega que o domínio de bem-estar é mais amplo que o dos direitos animais. Isto porque praticamente tudo que fazemos aos animais pode afetar o seu bem-estar, porém muitas vezes em pequena proporção. Assim, Fido o cão pode gostar de cinco minutos extras no seu passeio matutino, porém seria vazio dizer que ele tem direito a isso. Por outro lado, dor significaria um mal muito grande para ele e assim podemos afirmar positivamente que ele tem direito de evitar a dor. O direito não é necessariamente absoluto, podendo ser superado por motivos extremamente sérios. Por exemplo, uma cirurgia dolorosa pode um dia salvar a vida de Fido. Referências: TANNENBAUM, J., 1995: Veterinary Ethics: Animal Welfare, Client Relations, Competition and Collegiality. 2nd Edition. Mosby Conclusões – Médicos veterinários precisam tomar decisões éticas o tempo todo. Por isso eles precisam conhecer a ética para tomar decisões acertadas – Existem argumentos em favor de garantir aos animais alguma forma de valor moral – Existem várias teorias éticas que tentam abordar questões dos animais e seu tratamento pelo homem • Material extraído de: “Conceitos em bem-estar animal” WSPA (World Society for the protection of Animals) Universidade de Bristol (colaboradora) CD-ROM 2004